www.uniaonet.com/batalhaespiritual4.htm

Batalha Espiritual

 

I.        Introdução

- no passado o diabo tem sido ignorado na maior parte do mundo. Isso se deu porque a visão de mundo ocidental estava basicamente dominada pelo Iluminismo e queria provar todas as coisas pela razão (o verdadeiro deus desse período foi a razão humana e a ciência)

- as igrejas históricas que vieram para o Brasil basicamente representaram um modelo de classe média vindo dos EUA. Elas trouxeram a nós um evangelho dominado pela sua cultura (grande parte Iluminista e colonizadora). Assim não é de estranhar que pouca atenção foi dada para o conflito com os poderes de Satanás. Basicamente o espiritual e o material foi separado e a ciência iria cuidar da maioria dos problemas que enfrentavam. Além disso, a verdade é que o nosso inimigo pode se apresentar de diversas formas e não precisa se mostrar lá da mesma maneira que se mostra aqui no Brasil

- na América Latina houve uma ênfase bastante forte sobre a batalha espiritual nos últimos anos. Ricardo Gondim nos lembra que a ênfase que está sendo dada à Batalha Espiritual nos últimos anos se deve ao fato de que a igreja pentecostal tem levado a sério essa dimensão da vida cristã (Gondim 1995, 106). Isso tem sido positivo, mas também deixou algumas marcas negativas devido a extremos praticados em diversas igrejas. A falta de ênfase sobre este assunto levou a uma super-ênfase o que também foi prejudicial

- com o declínio da razão como a solução para todos os problemas da humanidade, passou-se a buscar soluções em diversos segmentos. Hoje se aceita diversos tipos de espiritualidade. Com a perda de esperança de que o homem é capaz de resolver os problemas da humanidade se instala a incerteza e o medo (Hiebert 1994, 203). Uma das formas de espiritualidade que tem recebido muita ênfase nos últimos anos é a batalha espiritual. Muitos livros têm sido lançados no mercado com um sucesso impressionante (ex. “Esse Mundo Tenebroso”)

- a busca pela espiritualidade deve ser incentivada e ao mesmo tempo testada. No passado a igreja, sem perceber, acabou adotando a cosmovisão secular. Por outro lado, no contexto atual existe a tendência de voltar para uma cosmovisão pagã na busca por respostas para esse medo (Hiebert 1994, 203)

- o Brasil é um terreno muito fértil para esse assunto. Juntando o culto aos ancestrais praticado pelos índios, a culto aos deuses dos africanos, o catolicismo medieval que veio da Europa e a influência do Kardecismo da França temos uma abertura escancarada para o sobrenatural. A tendência para voltar à visão de mundo animista (que não morre facilmente na vida das pessoas) é muito grande

 

II.     Ênfases questionáveis sobre Batalha Espiritual em nossas igrejas

- em meio a essa confusão de idéias têm surgido muitas idéias que são questionáveis. Gondim alerta para algumas doutrinas que se infiltraram que são duvidosas, principalmente ligadas com a teologia da prosperidade

A – A Confissão Positiva tem trazido uma série de ênfases negativas para a igreja no Brasil (Gondim 1995, 106)

1.       Outorgar poderes autônomos a palavras, frases e “decretações” (“em nome de Jesus”, “tá amarrado”, etc.)

2.       Crer na independência e auto-suficiência dos espíritos malignos

3.       Acreditar na possibilidade de anular os poderes satânicos com gestos, frases ensinadas e orações prontas (Gondim 1995, 106) (ex. Salmo 91)

 

- isso tem gerado práticas simplistas na igreja

1.       Exorcizando príncipes territoriais corrigimos distorções sociais (Gondim 1995, 106)

2.       Amarrando demônios culpados por pecados específicos da carne aumentamos a santidade (Gondim 1995, 106)

- com isso a responsabilidade de disciplinar e mortificar a carne para se ter santidade tem sido substituída pelo exorcismo (Gondim 1995, 106)

- disciplina pessoal, responsabilidade pelos meus atos pecaminosos, etc., passaram a ser resolvidas com exorcismo e não com trabalho duro (Gondim 1995, 106)

 

B – Hermenêutica errada (Gondim 1995, 107)

- exegese pobre dos textos bíblicos

- os princípios de hermenêutica são totalmente ignorados

- usam-se muitos textos do AT e interpreta-se de forma alegórica. As batalhas de Israel contra os seus inimigos são transformadas em batalhas de Deus contra as potestades celestiais. Isso normalmente vai além ainda até o ponto de ver todos os problemas da vida sendo problemas de ordem espiritual

 

C – A maior parte da teologia é importada (Gondim 1995, 107)

- tenta-se explicar os fatos que não podem ser entendidos pela razão com uma teologia fora do contexto

- a história brasileira com toda a influência africana e indígena, é um ambiente propício para ser observar muitas manifestações das trevas diretamente. No entanto a nossa teologia com relação à batalha espiritual é baseada nas idéias propagadas basicamente no Fuller através de livros (ex. Peter Wagner) e de alunos que passaram por lá (ex. Neuza Itioka)

- por fazemos pouca reflexão, queremos colocar tudo debaixo de um mesmo guarda-chuva e isso acaba criando muitas distorções (Gondim 1995, 107).

 

D – Extremismo / paranóia (Gondim 1995, 107)

- por um lado a vitória já foi alcançada por Cristo – agora não devemos mais nos preocupar com o diabo. Por outro lado temos aqueles que estão sempre anulando a obra do diabo para não dar brechas para ele em qualquer área/situação da vida

- esse extremismo pode levar a ver o diabo atrás de todas as coisas desde todos os logotipos, quadros, etc. Desta forma damos vazão a nossa imaginação e vemos demônios envolvidos em qualquer situação estranha de nosso dia-a-dia

- o perigo existe em se dar “demais” e “demenos” atenção ao inimigo – o problema dos extremos

- Jesus e a igreja primitiva viviam num mundo dominado por crendices, misticismo, anjos protetores e maldições, mas nem por isso estavam obcecados com isso. A ênfase nas cartas de Paulo não está no exorcismo, mas em viver uma vida baseada em princípios bíblicos sabendo que os poderes das trevas foram derrotados

 

E – Visão maniqueísta do mundo – tudo é controlado por forças espirituais (tudo o que é bom vem de Deus, o ruim do diabo)

- tudo o que acontece é atribuído a Deus ou ao diabo de acordo com a minha percepção se é bom ou ruim para mim. O que é bom/ruim para mim é normalmente determinado de acordo com o imediatismo e com o nosso conceito de bom e ruim.

1 – Cosmovisão Indo-européia

- segundo Hiebert, essa visão se baseia na cosmovisão “indo-européia” que admite que existe uma batalha cósmica entre o bem e o mal (Hiebert 1994, 204). Segundo Hiebert algumas das idéias básicas dessa cosmovisão são:

a – A coexistência eterna do bem e do mal

- nesse cosmovisão o bem e o mal são duas entidades independentes que coexistem desde a eternidade (Hiebert 1994, 204). O bem e o mal procedem de duas fontes sobrenaturais diferentes e opostas entre si (Hiebert 1994, 204). Tudo o que acontece aqui sobre a terra é resultado de forças espirituais em conflito nas regiões celestes. Anjos e demônios lutam de igual para igual para alcançar a vitória. Os seres humanos aqui são meramente fantoches nas mãos dessas forças espirituais (Hiebert 1994, 204). A luta então é para que um vença o outro e tome controle da situação (controle do mundo) (Hiebert 1994, 205)

- aplicando isso à nossa realidade, Satanás e os demônios podem até ter sido criados por Deus no início, mas agora são autônomos e não dependem de Deus para a sua existência. Para eles a criação foi terminada num passado distante (Hiebert 1994, 205). Vivemos então nesse dualismo, com tudo dividido em opostos: Deus e o diabo, anjos e demônios, nações boas e nações perversas, pessoas boas e pessoas más. Aquilo (aqueles) que são bons podem ser enganados ou forçados a fazer o que é mau, mas no fundo são pessoas boas. Aqueles que estão do lado do mal, não têm nada de bom neles. Logo precisam ser destruídos para que o bem possa reinar (Hiebert 1994, 205)

 

b – Ordem e controle são o bem supremo

- quando temos duas forças lutando pelo poder existe o perigo de termos o caos. Somente quando a ordem é estabelecida podemos falar em construir uma sociedade justa. Dentro desse contexto, paz amor, justiça e relacionamentos harmoniosos são valores secundários (Hiebert 1994, 205-6)

- para que possa haver ordem, alguém precisa estar no controle. Logo precisamos de hierarquia para prevenir o caos. Nessa cosmovisão, os deuses e demônios vivem em uma esfera e governam os seres humanos que vivem em outra esfera. Os humanos se tornam os fantoches das brigas que acontecem nessa outra esfera. Como diz o velho adágio: “Quando os elefantes brigam, os ratos são pisoteados”. Os homens vivem com medo dos espíritos (bons e maus) que controlam o seu destino. Para ter um bom destino precisamos de mágica e manipulação para alcançarmos os nossos objetivos (Hiebert 1994, 206)

- a questão chave aqui é quem comanda as coisas. Comandar significa estabelecer a ordem se necessário à força. O rei governa com poder e ordena a obediência dos seus súditos. Esse rei precisa ser forte, orgulhoso e distante (Hiebert 1994, 206)

 

c – A batalha no cosmos

- a questão chave aqui é a batalha entre o bem e o  mal. A palavra chave é poder. O mais poderoso vence. Sucesso é o valor máximo. Se o “bem” vencer, justiça, paz e amor irão reinar. Se o “mal” ganhar, este reinará. Logo “vencer”, dentro dessa perspectiva, é tudo (Hiebert 1994, 206)

- de acordo com essa cosmovisão, justiça se baseia em oportunidades iguais. Para que haja justiça, a batalha precisa acontecer entre dois partidos de poder similar. Em outras palavras, o resultado precisa ser incerto. É injusto colocar o time do “Santos” para jogar contra um time de um colégio da periferia. Ambos precisam ter acesso aos mesmos meios para poder vencer. O lado bom não pode usar os meios maus em primeira instância, mas se o lado mau os usa, isso também dá direito ao lado “bom” usar esses meios para vencer. Nos filmes de bang-bang o xerife não pode sacar primeiro. Mas quando o fora-da-lei saca primeiro ele vai matá-lo sem um julgamento. Dentro desse contexto o lado bom se torna como os seus inimigos usando violência, mentindo, adulterando, matando. Tudo isso é justificado pelo desejo da vitória. Justiça e amor somente irão reinar quando alcançamos a vitória (Hiebert 1994, 206)

- dentro dessa visão de mundo, o território é importante. Deuses e homens lutam por governar territórios diferentes. Os deuses inferiores controlam rios, montanhas, planícies e mares. Os reis invocam os seus deuses para vencerem as guerras contra os inimigos e os deuses dos seus inimigos. Se eles perderem a batalha significa que os seus deuses perderam. Nessa cosmovisão seria inimaginável que um deus permitisse que os inimigos fossem vencidos para trazer julgamento sobre o povo por causa do seu pecado [como ocorre no AT com Israel]. Lealdade é muito mais importante que justiça (Hiebert 1994, 206-7)

- pensamos que os relacionamentos no cosmos se baseiam na competição, que a competição em si é boa e que no final a força do “bem” vai vencer. O nosso sucesso prova que estávamos do lado certo. Nesse contexto os soldados são uma classe muito importante de pessoas (Hiebert 1994, 207).

 

d – A vitória como o alvo

- depois da vitória os deuses podem inaugurar um reino de justiça e de paz. Justiça e relacionamentos estão em segundo plano depois do conceito de ordem. Mas precisamos resolver dois dilemas: Se os deuses usaram armas ilícitas (más) para vencer a batalha, isso faz com que eles se tornassem maus também? Uma das respostas dadas no hinduísmo e na nova era é que o bem e o mal são uma coisa só, os dois lados da mesma moeda. No zoroastrismo, os dois lados coexistem eternamente em batalhas cósmicas. Em ambas as perspectivas nenhuma vitória é final. O mal nunca é totalmente derrotado. Ele logo se levanta novamente para desafiar o bem. O lado bom precisa estar sempre alerta contra ataques futuros do mal (Hiebert 1994, 207)

- na cosmovisão indo-européia, a batalha está no centro da história. Quando a batalha termina, a história acaba. As palavras finais são: e eles venceram, ou eles casaram e viveram felizes para sempre. Mas não há valor em contar o que aconteceu nesse “felizes para sempre”. O emocionante está na batalha e por isso sempre retornamos a ela (Hiebert 1994, 207)

- a fascinação pela batalha pode ser vista facilmente hoje nos esportes. Depois do jogo vamos para casa esperando o próximo jogo onde o resultado pode ser diferente. Mesmo nos cartuns temos essa visão básica (Hiebert 1994, 207)

 

2 – Avaliando essa cosmovisão (Hiebert 1994, 208)

- a Bíblia também fala de batalha espiritual (Ef 6:10-20; Ap 19:19-20), mas essa batalha não se enquadra dentro da visão de mundo indo-européia

a – O aspecto central da batalha na Bíblia não é poder, mas fidelidade

- no AT tanto as vitórias de Israel bem como as suas derrotas são atribuídas a Deus. O povo vence os inimigos quando são fiéis a Deus e as suas leis; e são punidos por Deus perdendo a guerra quando abandonam a Deus (Jz 4:1-2; 6:1; 1 Sam 28:17-19; 1 Rs 16:2-3; 20:28; 2 Rs 17:7-23). Em nenhuma ocasião a sua derrota é atribuída a Deus que perdeu a batalha para outros deuses. Na verdade os profetas até dizem que não há outros deuses que possam desafiá-lo (Is 37:19; Jer 2:11; 5:7). Colocar qualquer outro deus em pé de igualdade com o Deus verdadeiro é idolatria (Ex 20:4-5). A questão central não é poder, mas shalom – o relacionamento entre Deus e seu povo. Essa perspectiva está em contraste total com a dos povos que viviam ao redor de Israel (1 Rs 20:23). Eles atribuíam as suas derrotas ao poder de Jeová e as suas vitórias ao poder dos seus deuses (Hiebert 1994, 208)

 

b – A responsabilidade pelo sofrimento é colocada sobre os homens

- não somos simplesmente pessoas passivas que precisam suportar as conseqüências das lutas entre os deuses. Somos pecadores e fazemos parte da conspiração de Satanás contra Deus

- a Bíblia dá muito pouca ênfase à batalhas nas regiões celestes. Ela faz questão de falar que da história dos homens e da atuação de Deus nesse mundo ???? fonte

 

 

c – A cruz e a ressurreição são a batalha final

- em nossa visão de mundo, Cristo deveria ter descido da cruz com suas hostes angelicais para desafiar as pessoas. Ele deveria ter enfrentado e vencido a Satanás no deserto

- mas a Bíblia fala que a cruz foi a derrota de Satanás. Não se trata de uma derrota aparente que se transformou em vitória no último minuto quando Jesus ressuscitou

 

d – Justiça e amor são o fim que almejamos

- nesse mundo perdido, os mais fortes destroem os mais fracos. Competição é melhor do que cooperação e o mais saudável para organizar uma sociedade

- mas esse não é o plano de Deus. Reconciliação e cooperação devem ser as nossas metas

 

3 – Imagens Bíblicas da Batalha Espiritual

- o bem e o mal não são forças eternas que coexistem. Deus é bom e criou tudo como sendo bom. O mal foi introduzido quando o bem foi pervertido. Mas toda a criação depende de Deus para a sua existência. Um dia o mal vai acabar. A sua existência atual de rebelião mostra a bondade e o amor de Deus

- a questão central não é o poder. O poder absoluto de Deus nunca é questionado na Bíblia. Até o diabo e seus anjos sabem que Deus é supremo. O mal não existe de forma independente, mas é uma perversão do bem. É rebelião, idolatria, e auto-adoração

- o centro do evangelho é o shalom – o relacionamento correto com Deus. Esse relacionamento com Deus envolve adoração, santidade e obediência. A oração não é vista como uma maneira de conseguirmos de Deus o que queremos, mas uma forma de submissão a ele

- shalom também envolve um relacionamento correto com o nosso próximo. Isso não é um relacionamento de poder onde os mais fortes mandam nos mais fracos, mas um relacionamento onde vemos todas as pessoas criadas à imagem de Deus

- shalom olha para as pessoas e não somente para projetos que queremos alcançar

- shalom acontece quando Deus reina. Ele não reina sobre territórios específicos como os deuses pagãos. Ele é Senhor sobre tudo. Quando Israel perde as batalhas, não significa que os deuses inimigos se tornaram mais fortes. É Deus que está trabalhando com o seu povo. Ele cura, mas também castiga

- a maior batalha espiritual que acontece é para determinar a quem o ser humano vai servir. É a batalha pelo seu coração. Satanás quer que as pessoas o sigam, e Deus quer que as pessoas o sigam

- na visão bíblica os seres humanos não são passivos diante da batalha que se trava nas regiões celestiais. Os seres humanos são os atores principais e as ações principais se relacionam com eles. Eles são rebeldes contra o plano de Deus e desde Adão o principal problema do ser humano tem sido a adoração do próprio homem – ele adora a si mesmo, que é a essência da idolatria. Satanás luta para conseguir a sujeição e lealdade das pessoas. Mas ele usa para isso a tentação e a sedução. Ele e os seus demônios dominam as pessoas que se colocam debaixo de sua liderança. Para estas pessoas a salvação envolve libertação. Jesus expulsou os demônios das pessoas quando estava sobre a terra, mas este não era o seu ministério principal. Não foram os demônios que mataram a Jesus, mas os homens. A rebelião contra Deus é individual e corporativa. Como indivíduos optamos pelo pecado. Como grupos de pessoas estabelecemos sistemas culturais que afastam as pessoas de Cristo. Há coisas boas e ruins em cada cultura. Criamos sistemas que impedem as pessoas de conhecerem a Cristo sob pena de perseguição e até morte (Hiebert 1994, 211-12)

- a questão com as forças opositoras, não é vencê-las. O objetivo é a reconciliação. A questão central não é a derrota do inimigo pela força, mas a verdade e a justiça. Deus vai fazer justiça, mas se alegra quando o perverso muda de caminho e não pela sua morte ou derrota. Amor e justiça andam juntas na visão de Deus. No final aquelas pessoas que continuam se opondo a Jesus vão ser derrotadas. Mas a questão importante é que isso nunca foi o propósito inicial de Deus. A restauração é o propósito. Deus odeia o pecado, mas não o pecador. Ele quer a reconciliação do pecador. Foi para isso que Jesus veio ao mundo

- infelizmente no nosso mundo, “viveram felizes para sempre” é algo que é chato. É muito mais interessante viver sob a ameaça de casos extraconjugais, etc. Isso é que traz emoção ao palco. A vitória sempre precisa ser parcial porque a batalha é tão importante para nós. Mas essa visão de mundo não é bíblica (Hiebert 1994, 212-13). Creio que grande parte da nossa ênfase sobre batalha espiritual está alicerçada sobre uma visão errada de Deus e da Bíblia e isso nos leva a ênfases erradas

 

4 – Resumindo

a – Há uma batalha sendo travada pelo coração e almas dos seres humanos

- o foco não está na batalha entre Deus e Satanás – essa já foi vencida

- o foco está na prontidão de Deus de buscar de volta aquelas pessoas que estão enganadas debaixo de jugo de Satanás. Ele as escraviza por meio de mentiras, intimidação, tentação, etc. Ele não aparenta ser o demônio, mas um anjo de luz

 

b – Satanás não tem poder sobre o povo de Deus além do que Deus permite para testar a fé dos cristãos

- mas Deus dá a força que as pessoas precisam para resistir a essas investidas de Satanás

- as pessoas precisam lutar para resistir a essas forças inimigas

 

c – Satanás e os seus demônios podem dominar a vida de algumas pessoas, mas devemos ter pena dessas pessoas e não temê-las

- a igreja precisa de pessoas capacitadas para lidar com essa situação (psicólogos, pastores, médicos, etc.)

- mas o maior perigo está nas pessoas que de sã consciência rejeitam a autoridade de Deus sobre elas e levam outras para o mau caminho

- idolatria e adoração a si mesmo são o centro de nossa rebelião contra Deus e não possessão demoníaca

 

d – Como cristãos deveríamos focar no amor, reconciliação, paz e justiça

- se a nossa ênfase for demais na guerra, tendemos a ver o nosso próximo como nosso inimigo ou competidor

- quando nos sentimos melhores que as pessoas do mundo o diabo bate palmas

 

e – O evento supremo de batalha espiritual aconteceu na cruz

- Jesus poderia ter chamado hostes de anjos para o ajudar, mas a vitória foi alcançada de uma forma diferente do que as pessoas pensavam

 

f – Devemos ter cuidado com dois extremos: negar a realidade de Satanás e a batalha espiritual na qual estamos engajados, e a fascinação por essa batalha a ponto de temermos a Satanás e seus demônios

- precisamos nos ocupar mais com Deus do que com Satanás – a vitória já foi alcançada

- agora somos mensageiros dessa boa nova

 

- a volta a uma maior ênfase na batalha espiritual é boa – no entanto, precisamos tomar cuidado para que a nossa visão de mundo pagã não tome o lugar de uma visão mais bíblica. Pois nesse caso ficamos mais perto de introduzir o paganismo no cristianismo do que ter uma visão melhor dessa área

- quando a nossa ênfase está na batalha tendemos a ver batalhas como algo positivo e esquecemos que a batalha já foi ganha por Cristo – isso não quer dizer que não existam batalhas no nosso dia-a-dia. Mas o veridito final já foi traçado – é só uma questão de tempo até que tudo esteja terminado

- temos que lembrar que a batalha original foi travada entre Deus e Satanás, mas no nível celestial essa guerra já foi vencida decisivamente por Deus (Col 2:15; 1 Jo 3:8). Na terra a batalha continua, mas a questão não é determinar quem vai vencer a batalha, mas se o povo de Deus vai se apropriar da vitória vencida por eles na cruz e na ressurreição (Warner 2000, 902)

- a batalha sobre a terra iniciou no Éden e vai continuar até os eventos preditos em Ap 20. Satanás lidera as forças anti-cristãs. Mesmo que ele adquiriu alguma margem de controle depois do Éden, a soberania sobre a criação continua com Deus. Podemos obter vitória sobre o inimigo com base na fé e obediência quando nos submetemos a Deus (Tg 4:7) (Warner 2000, 902-3)

 


III – Algumas considerações bíblicas sobre o diabo

A – Satanás no AT

- Satanás é uma figura muito pequena no AT. Ele é mencionado diretamente apenas em 3 passagens (Jó 1-2; Zac 3:1-2; 1 Cro 21:1). Não sabemos exatamente como os escritores bíblicos viam a Satanás, já que os escritos não nos dão muita clareza sobre isso, e o conceito de Satanás não estava muito desenvolvido no AT. Além disso, não exerceu influência sobre a fé de Israel ao ponto que chegaria no Judaísmo mais tardio e no Cristianismo primitivo. Mas os fundamentos para as crenças posteriores foram colocados no AT e a revelação que temos lá, mesmo sendo limitada e obscura é de grande importância para entender a Satanás (Page 1995, 11)

- a forma verbal de satan aparece somente 6 vezes no AT e o substantivo 26 vezes (Hamilton in ABD 5:986). Ele não aparece simplesmente como inimigo, mas freqüentemente também como aquele que acusa verbalmente (Sl 38:20; 71:13; 109:4, 20, 29; Zac 3:1). Em diversas situações ele aparece como adversário ou acusador no sentido legal fazendo acusações verbais (Sl 38:20; 71:13; 109:4, 20, 29), enquanto em outras, como aquele que está sem oposição (Num 22:22, 32; 1 Sam 29:4; 2 Sam 19:23; 1 Rs 5:18; 11:14, 23, 25). Mas em Jó e talvez Zac 3:1-2 ele aparece como acusador celestial, mas é improvável que se refira a um ser demoníaco em particular (talvez 1 Cro 21:1 seja uma exceção) (Baloian in NIDOTEE 3:1231)

 

Passagens individuais

1.       Gênesis 3

- essa passagem é histórica mesmo que apresenta árvores misteriosas, serpente falando. Essa narrativa é única entre os escritos do Oriente Antigo. Nela a serpente ocupa uma posição secundária, já que os atores principais são as decisões tomadas por Adão e Eva. A serpente é literalmente um animal já que é comparada com outros animais do jardim. Por outro lado, vemos que estamos lidando com um animal diferenciado que pode falar. Eva não parece se surpreender que o animal fala. Mas o que é mais importante é que o animal revela conhecimento sobrenatural: ela sabe da proibição sobre comer o fruto da árvore e dá a entender que sabe mais sobre essa árvore do que Deus revelou aos seres humanos. Assim ele contradiz o que Deus falou, mostrando que é inimigo de Deus e inimigo da humanidade. No Judaísmo temos uma referência em Sabedoria de Salomão (séc. II-1 AC) onde se faz alusão que a serpente seria uma encarnação de Satanás. Isso estaria de acordo com algumas outras referencias do NT que falam que Satanás é homicida desde o início e o pai da mentira (Jo 8:44). Em Ap 12:9 e 20:2, a “antiga serpente” é identificada com Satanás. Além disso, no Judaísmo pós-bíblico e diversos pais da igreja viam a serpente da mesma forma (Page 1995, 12-14)

- por outro lado, diversos estudiosos descartam essa visão que Satanás agiu através da serpente porque Satanás não é mencionado nessa narrativa. A serpente é comparada com outros animais (3:1; 3:14). Além disso, a doutrina sobre Satanás somente se espalha no período mais tardio do Judaísmo, o que implica que o autor não tinha em mente que a serpente era usada por Satanás (Page 1995, 15-16)

- creio que devemos ver uma continuidade entre essas visões e não um contraste exagerado. Não devemos ler uma doutrina elaborada do Judaísmo tardio e do NT para dentro do relato de Gênesis 3, mas saber que para o autor a tentação da serpente indicava algo mais do que uma tentação vinda de um animal (Page 1995, 16). Assim, não sabemos o que o autor tinha em mente com relação à serpente e sua eventual ligação com Satanás quando narra essa história. Mas algumas coisas nos chamam a atenção: a serpente se opõe a Deus e aos propósitos bondosos de Deus para com a humanidade; a esperteza da serpente e criatividade como meio de tentação; a hostilidade que existe entre a serpente e a humanidade por causa da maldição que caiu sobre ela; a noção que a serpente é a cabeça de uma comunidade de pessoas com a mesma mentalidade que são uma ameaça constante para a humanidade. Mas cabe lembrar que a serpente como está nesse relato não ameaça a soberania de Deus sobre a criação. Ele não é colocado de igual para igual com Deus. Adão e Eva são responsabilizados pelos seus pecados (Page 1995, 23)

 

2.       Jó 1-2

- a palavra satan vem do AT onde designa adversário ou oponente. Em muitas situações do AT se trata de um adversário humano. Em algumas outras situações tem a conotação de um acusador, ou advogado da promotoria em situações legais. Somente em 3 passagens (Jó 1-2; Zac 3:1-2; 1 Cro 21:1) ele se refere a um ser celestial de onde se originou a concepção judia e cristã de Satanás (Page 1995, 23-24)

- o termo satan aparece em Jó 1:6-9, 12; 2;1-4, 6-7. Em todas elas aparece como sendo “o Satanás”, descrevendo a sua função e não um nome propriamente dito. Somente mais tarde ele vai aparecer como arquiinimigo de Deus. Parece que em Jó, o autor considera que Satanás é um indivíduo que os seus leitores conhecem já que não tenta explicar quem seja. Os estudiosos não chegam a uma conclusão segura sobre a concepção de Satanás que temos em Jó. Devemos ter cuidado para não ler concepções do NT para dentro do livro de Jó (Page 1995, 24-25)

- olhando mais de perto os episódios onde Satanás aparece vemos que ele se apresenta juntamente com outros seres celestiais diante de Yahweh, num conselho divino. São seres subordinados a Deus que cumprem as suas ordens. Satanás acompanha os anjos (filhos de Deus) quando estes se apresentam diante de Yahweh. Não sabemos qual a sua função, mas está junto com estes seres, o que sugere que ele é um deles, sujeito a Yahweh Em ambas as situações Yahweh pergunta onde Satanás esteve e este admite que estava perambulando e andando pela terra (Jó 1:6). Isso possivelmente se refere a exercício de algumas funções dadas por Deus. Parece que ele está descobrindo os erros dos humanos. Não sabemos se ele faz isso com uma intenção ruim (Page 1995, 25-26)

- é interessante que é Yahweh que chama a atenção de Satanás sobre Jó e não o contrário. Isso mostra que Deus está no controle. Aparentemente Satanás não descobriu nem um problema no comportamento de Jó, mas questiona a sua motivação – motivada pelo interesse pessoal. Há tensão entre Deus e Satanás, mas ainda não transparece necessariamente que são inimigos. Satanás desafia a Deus dizendo que se os benefícios forem tirados de Jó ele vai abandonar a Deus. Assim vemos que Satanás reconhece que o destino de Jó está nas mãos de Deus e que Satanás não tem poder de fazer qualquer coisa à parte da vontade de Deus. Deus permite que Satanás teste a Jó, mas limita a sua atuação, o que pode indicar que ele pode se perder em sua tarefa se os limites não forem claramente delineados. Isso mostra a subordinação de Satanás a Yahweh. Satanás ataca com rapidez deixando a impressão de que ele é inimigo de Deus. Mas Jó não sabe dessa batalha entre Deus e Satanás (Page 1995, 25-28)

- no 2º. encontro Yahweh vez toma a iniciativa de conversar com Jó. É interessante que Satanás não toma a iniciativa de dizer a Deus que Jó permaneceu fiel. Parece até que ele reluta em admitir que estava errado. Assim propõe um 2º. teste: ele vai amaldiçoar a Deus se sua saúde for tirada. Aqui temos a figura de um agente sinistro, e não um que fielmente executa as ordens de Deus. Outra vez Deus dá a permissão para Satanás, mas com limitações, enfatizando que ele somente pode agir com a permissão de Deus. No 1º. relato inferimos que foi a ação de Satanás causando catástrofes sobre Jó. No 2º. episódio isso é claramente dito: “Saiu, pois, Satanás da presença do Senhor e afligiu Jó com feridas terríveis, da sola dos pés ao alto da cabeça” (2:7). Essa é a última referência a Satanás no livro de Jó (Page 1995, 28-29)

- vemos que Satanás traz acusações contra Jó, o aflige tentando quebrar a sua relação com Deus. Satanás está debaixo da autoridade de Deus, sendo assim servo dele, mas também é o seu adversário. Não sabemos como o autor via Satanás. Pode ser que o via como anjo caído, mas isso não aparece claramente. No entanto, a base para o desenvolvimento posterior dessa doutrina se encontra aqui. No livro de Jó, Satanás é uma figura de menos importância, já que somente aparece no início de depois some da narrativa. Ele não aparece nas longas conversas entre Jó e seus amigos sobre a origem dos problemas que Jó estava enfrentando. Nem Deus se refere a ele no epilogo do livro. Há pelo menos 3 características que reaparecem no NT que vemos aqui: Satanás perambulando na terra (1 Pe 5:8); a descrição de Satanás como acusador dos cristãos (Ap 12:10); o desejo de Satanás de peneirar a Pedro (Lc 22:31) como alguém que quer testar a lealdade de Jó para com Deus (Page 1995, 29-30)

- interessante é notar que Deus faz alusão à dimensão cósmica atrás do sofrimento de Jó, mas este nunca fica sabendo disso. Mesmo que as dificuldades que Jó enfrenta estão ligadas diretamente com forças do mal, Jó precisa lidar somente com Deus sobre estas questões, e não com as forças do mal. Isso mostra que devemos nos aproximar de Deus para tratar dos problemas que enfrentamos e não os poderes cósmicos que podem estar por trás deles. Deus vai lidar com essas forças (Hartley in NIDOTEE 4:791). Não sabemos os planos de Deus por trás de dificuldades que enfrentamos. Podemos e devemos nos aproximar de Deus nestas situações buscando a sua vontade, ao invés de determinar o que Deus deve fazer

 

3.       Zacarias 3:1-2

1 Depois disso ele me mostrou o sumo sacerdote Josué diante do anjo do SENHOR, e Satanás, à sua direita, para acusá-lo. 2 O anjo do SENHOR disse a Satanás: ‘O SENHOR o repreenda, Satanás! O SENHOR que escolheu Jerusalém o repreenda! Este homem não parece um tição tirado do fogo?’

 

 

4.       1 Cro 21:1

Satanás levantou-se contra Israel e levou Davi a fazer um recenseamento do povo

 

 

- nessa passagem Satanás aparece como um nome (comparado com um substantivo em Jó 1:6; 2:2; Zac 3:1-2). A mudança de 2 Sam 24:1 para essa passagem atribui o mal a Satanás (um membro do conselho celestial) ao invés de atribui-lo a Deus. Alguns interpretam essa mudança com base no fato de que na época em que Crônicas foi escrito, Satanás já era visto como um inimigo pessoal, cujo propósito era frustrar as ações de Deus. Outros vêem que Satanás, também aqui não é visto como uma força totalmente independente que se opõe e Deus. Ele opera debaixo do controle divino para realizar os propósitos de Deus (Wakely in NIDOTEE 3:169). A literatura mais tardia, tal como Crônicas introduz o conceito de uma causa secundária em sua explicação do mal (Hamilton in ABD 5:987)

 

 

B – Satanás no Judaísmo do 2º. templo

- o desenvolvimento da doutrina de um líder das forças do mal não se encontra no AT, mas se desenvolveu nos livros apócrifos e pseudepígrafos. No entanto, há uma alusão a um caráter demoníaco em Gen 3; 6:1-4; Is 14:12; Os 4:12; 5:4; Zac 13:2. Pode ser que a influência da mitologia pagã teve papel no desenvolvimento dessa doutrina. Mas em grande parte essa doutrina fica suprimida quando temos um monoteísmo que atribui tudo à soberania de Deus: “5 Eu sou o Senhor, e não há nenhum outro; além de mim não há Deus. .... Eu sou o Senhor, e não há nenhum outro. 7 Eu formo a luz e crio as trevas, promovo a paz e causo a desgraça; eu, o Senhor, faço todas essas coisas” (Is 45:5-7). Um satanás não é visto como sendo a origem ou causa do mal no AT (Baloian in NIDOTEE 3:1231)

- temos muito mais referências sobre Satanás o a esfera demoníaca nos escritos apócrifos e pseudepígrafos do que no AT. Agora o mundo não é mais o palco onde somente Deus atua, mas o palco onde as forças do bem e do mal se confrontam. Não sabemos em que nível foi influenciado por mitologias de outras nações (Hamilton in ABD 5:988). Mesmo que haja elementos parecidos, também existem diferenças com a mitologia, principalmente o fato que Satanás é subordinado a Deus (Jó 1-2); que a sua acusação contra os cristãos no tribunal divino é exclusivo no AT; o livro de Jó pode ter sido escrito antes do cativeiro babilônio, ao menos a tradição oral circulava bem antes disso. Assim vemos que pode ter havido influência babilônica, eventualmente do zoroastrismo, mas certamente não a originou (Oropeza 2000, 98)

- no Judaísmo tardio temos um ser demoníaco personalizado. Sabedoria 2:4 identifica a serpente no jardim com Satanás, interpretação essa seguida por Ap 12;1; 20:2. Esse desenvolvimento não se encontra no AT, mas também não o contraria, nem a necessidades dos humanos de escolher entre o bem e o mal (Baloian in NIDOTEE 3:1231-32). A literatura apocalíptica do período do AT vê cada vez mais um mundo dualista com forças de bem e do mal. As forças do mal reinam nesse era, mas na era vindoura Deus vai reinar. Mas mesmo dentro de toda essa perspectiva Deus permanece no controle de tudo. Assim devemos falar mais sobre um dualismo aparente do que um dualismo real. A literatura apocalíptica nunca abandona a justiça e a soberania de Deus (Dumbrell in NIDOTEE 4:397)

 

 

C – Satanás no NT

- o NT se refere a Satanás por nome 35 vezes e chama Satanás de diabo 32 vezes. Apesar de um desenvolvimento considerável da teologia sobre Satanás no NT fica claro que ele é um ser limitado

a.       A intercessão de Jesus interrompe os desígnios de Satanás com Pedro (Lc 22:32)

b.       Ele é um ser caído (Lc 10:18)

c.       Ele está julgado (Jo 16:11)

d.       Seu poder sobre a vida de uma pessoa pode ser quebrado (At 26:18)

e.       Deus pode usar Satanás para castigar um crente apóstata (1 Co 5;5; 1 Tim 1:20)

f.        Suas tentações, mesmo que potentes, podem ser vencidas e seus artifícios expostos (Mt 4:1-11)

g.       Ele pode ser resistido da mesma forma que Jesus o resistiu (Ef 4:27; Tg 4:7; 1 Pe 5:8-9)

h.       O NT nunca se refere a ele como sendo simplesmente principe/governante (ho archon) mas como príncipe dos demônios (Mt 9:34) ou príncipe do mundo (Jo 12:31)

i.         De acordo com a vontade de Deus ele é amarrado (Ap 20:2), solto (Ap 20:7) e incinerado (Ap 20:10) (Hamilton in ABD 5:988-89)

 

 

B – Origem de Satanás e dos demônios

- “A obra criativa de Deus não está limitada ao universo físico, observável, mas estende-se à criação de um mundo espiritual (Sl 148:2-5; Cl 1:16)” (Milne 1987, 80). Estes seres são chamados de anjos, demônios, querubins, serafins, etc.

- aparentemente são seres criados que se revoltaram contra Deus

- não sabemos a origem da queda dos anjos maus. Ao que tudo indica não foram criados maus já que tudo o que Deus fez era bom. 2 Pe 2:4 e Jd 6 nos informam que os anjos pecaram. Logo parecem ser seres criados. Parece que puderem decidir, pois caíram dos seus postos (2 Pe 2:4; Jd 6). Não sabemos se eles têm poder em si mesmos ou se somente agem em nome de alguém que tenha poder

- não sabemos se existem dois tipos de anjos maus (em prisão e soltos) ou se todos estão presos (com uma liberdade limitada). A sua queda deve ter sido entre a criação e a queda do homem (Erickson 1996, 447-48)

- Jud 6 – “E aos anjos . . . ele os tem guardado em trevas, presos com correntes eternas para o juízo do grande Dia

- 2 Pe 2:4 – “Deus não poupou os anjos que pecaram, lançou-os no inferno (tártaro), colocando-os em abismo tenebrosos a fim de serem reservados para o juízo”. Tártaro aqui não significa o inferno/lago de fogo que virá mais tarde. Provavelmente se refere a uma limitação de sua esfera de influência que Deus lhes impôs como resultado de sua queda (Moo 1996, 103)

- esses anjos mencionados são os que pecaram e estão esperando o julgamento final. Na verdade parte do julgamento já veio e o seu futuro está selado

- será que existem duas categorias de demônios, aqueles que estão presos e os que estão soltos sobre a terra? Pode ser que essas correntes eternas que os prendem seria uma referência à sua derrota com a obra de Cristo. A influência de todos os anjos caídos está limitada debaixo da soberania de Deus

- assim como não sabemos a origem dos demônios também não sabemos a origem de Satanás. Essa palavra vem do hebraico e quer dizer adversário. Comumente se fala da queda de Satanás como descrita em Is 14:12-15 e Ez 28:12-15. Alguns pais da igreja fizeram uma conexão entre esse texto e Lc 10:18 e Ap 12:8-9 para fazerem esta afirmação. Ambos são ofícios fúnebres lamentando a morte de um rei pagão. Ambos descrevem o rei se orgulhando acima do que era correto e por isso sofreu as conseqüências. Ambas as passagens estão cheias de sarcasmo onde a morte do tirano é bem-vinda (Page 1995, 37-38)

1 – Is 14:12-15 “12 Como você caiu dos céus, ó estrela da manhã, filho da alvorada! Como foi atirado à terra, você, que derrubava as nações! 13 Você, que dizia no seu coração: “Subirei aos céus; erguerei o meu trono acima das estrelas de Deus; eu me assentarei no monte da assembléia, no ponto mais elevado do monte santo. 14 Subirei mais alto que as mais altas nuvens; serei como o Altíssimo. 15 Mas às profundezas do Sheol você será levado, irá ao fundo do abismo!

- o texto acima aparece em um texto direcionado como escárnio contra o rei da Babilônia: “3 No dia em que o Senhor lhe der descanso do sofrimento, da perturbação e da cruel escravidão que sobre você foi imposta, 4 você zombará assim do rei da Babilônia: Como chegou ao fim o opressor! Sua arrogância acabou-se!” (Is 14:3-4). Não sabemos se o escárnio foi endereçado diretamente a um rei especifico da Babilônia ou aos monarcas da Babilônia como um todo. Mas o que fica claro é que temos uma celebração da queda de um poder humano que se opõe aos humanos e os oprime. O texto inicia dizendo: “Como você caiu dos céus, ó estrela da manhã, filho da alvorada!”. Depois temos o desejo do monarca de se tornar como Deus e sua queda e humilhação. Mesmo que a linguagem usada para o rei é metafórica, não sabemos ao que ele está sendo comparado (Page 1995, 38). Se o autor quisesse que soubéssemos a que rei se refere teria no dito. A descrição é o padrão para os governantes autoritários e arbitrários dos impérios antigos. A questão não é de mostrar como Deus lidou com ele, mas de perceber os princípios do governo divino na história. Os reis humanos têm poder, mas precisam responder por ele diante de Deus (Motyer 1999, 118). Oswalt acha que não existe nenhuma história mitológica que possa ser o protótipo desse evento. Existem muitas histórias, mas todas se referem a deuses desafiando um outro deus e nenhuma delas a um rei humano como temos aqui (Oswalt 1986, 321). Mas essa descrição é de um rei humano como já afirmaram os grandes reformadores (Oswalt 1986, 320

- a alusão a Satanás como sendo a estrela da manhã já pode ser encontrada em Tertuliano (160-220 AD), ou até antes dele. Mesmo que os reformadores discordassem dessa interpretação, ela tem muitos adeptos (Chafer, Unger, Green). É deste texto que surge a palavra Lúcifer para Satanás, como a tradução do termo estrela da manhã para o latim na Vulgata. Mesmo que essa interpretação tem suporte em diversos ambientes, ela não é provável. Possivelmente o texto fala do final da tirania do rei da Babilônia e uma alusão à queda de Satanás não é uma alusão muito correta. Chafer parece até que viu isso e a interpretou como sendo uma descrição do julgamento final de Satanás. Além disso, uma alusão a Satanás não faz muito sentido dentro do contexto de Isaías. Toda a revelação sobre Satanás é muito limitada no AT e aparece num período mais tardio. É muito difícil imaginar que os leitores de Isaías iriam entender qualquer alusão a Satanás na época em que escreveu. É possível que Isaías tenha usado algum resquício de um mito sobre o surgimento de Vênus (a estrela da manhã), que está no céu bem cedo de manhã, mas some rapidamente quando o sol começa a brilhar. Mesmo que isso seja uma possibilidade, isso não quer dizer que Isaías está concordando com essa mitologia (Page 1995, 38-39). Motyer acha que esse texto faz alusão ao mito cananeu de Hela/Ishtar que tentou um golpe de estado contra as hostes celestiais mas não foi bem sucedido. Temos uma alusão aqui a esta mitologia sem atribuir realidade aos personagens (Motyer 1999, 120)

 

2 – Ez 28:12-19 “12Filho do homem, erga um lamento a respeito do rei de Tiro e diga-lhe: Assim diz o Soberano, o SENHOR: “Você era o modelo da perfeição, cheio de sabedoria e de perfeita beleza. 13 Você estava no Éden, no jardim de Deus; todas as pedras preciosas o enfeitavam: sárdio, topázio e diamante, berilo, ônix e jaspe, safira, carbúnculo e esmeralda. Seus engastes e guarnições eram feitos de ouro; tudo foi preparado no dia em que você foi criado. 14 Você foi ungido como um querubim guardião, pois para isso eu o designei. Você estava no monte santo de Deus e caminhava entre as pedras fulgurantes. 15 Você era inculpável em seus caminhos desde o dia em que foi criado até que se achou maldade em você. 16 Por meio do seu amplo comércio, você encheu-se de violência e pecou. Por isso eu o lancei, humilhado, para longe do monte de Deus, e o expulsei, ó querubim guardião, do meio das pedras fulgurantes. 17 Seu coração tornou-se orgulhoso por causa da sua beleza, e você corrompeu a sua sabedoria por causa do seu esplendor. Por isso eu o atirei à terra; fiz de você um espetáculo para os reis. 18 Por meio dos seus muitos pecados e do seu comércio desonesto você profanou os seus santuários. Por isso fiz sair de você um fogo, que o consumiu, e reduzi você a cinzas no chão, à vista de todos os que estavam observando. 19 Todas as nações que o conheciam espantaram-se ao vê-lo; chegou o seu terrível fim, você não mais existirá”.

- da mesma forma como Is 14, esse texto é um lamento de desprezo sobre um monarca pagão orgulhoso que caiu. Esse texto aparece na conclusão de uma série de profecias contra Tiro (Ez 26:1-28:19), numa seção do livro que está relatando o julgamento sobre as nações (Ez 25-32). O texto acima é precedido no início do cap.28 por um oráculo severo contra o rei. A situação histórica é a conquista de Tiro por Nabucodonosor entre 587-574 AC. Nessa época o rei de Tiro era Ithobaal II. Não sabemos se o texto se refere diretamente a ele ou a ele como representante de Tiro (Page 1995, 39-40)

- o texto acima retrata o rei de Tiro como um habitante do Éden, como alguém caracterizado por uma beleza excepcional e pureza, mas expulso do jardim por causa do seu pecado. Alguns têm visto aqui a queda de Satanás. Essa visão adotada por alguns pais da igreja tem sido defendida pelas mesmas pessoas que defendem Is 14 como alusão a Satanás. Esse texto é um dos mais difíceis do livro de Ezequiel, já que existem variantes textuais e lingüisticas e incertezas em diversos pontos. Não sabemos se o rei (melek) de Tiro no v.12 é o mesmo que o governador (nagid) de Tiro no v.2; não sabemos se o rei de Tiro deve ser identificado com o “querubim guardião” cuja presença no jardim é mencionada no v.14. Aqueles que vêem uma alusão a Satanás nesse texto enxergam o uso da palavra “rei” ao invés de “governador” no v.12 como alusão que 28:12-19 se referem ao poder sobrenatural atrás do governador humano. Freqüentemente o rei é identificado como o “querubim guardião” no v.14, assim fazendo alusão à queda de um anjo (Page 1995, 40)

- mas não temos certeza que a alusão a “rei” e “governador” apontam para direções diferentes. É mais fácil entender ambos como sinônimos. Existe muita similaridade entre 28:1-10 e 28:11-19. Logo é mais fácil vê-los como sinônimos sem violar o contexto. Além disso, em outros textos de Ezequiel “rei” é usado para governadores humanos (Ez 17:12; 29:2-3). Sobre a relação entre o rei e o querubim em 28:14 o texto hebraico que temos dá suporte a uma equivalência. Mas a maioria dos estudiosos modernos favorecem uma revocalização do texto que nos traria uma tradução: “Você foi ungido com um [ao invés de como um] querubim guardião, pois para isso eu o designei”. É essa a tradução que se encontra na LXX e muitos a adotam (Page 1995, 41)

- o rei  é condenado pelo comercio desonesto e a profanação de santuários (28:18). É difícil ver nisso uma alusão a Satanás. Além disso, temos um problema histórico que já mencionamos na alusão a Satanás nessa data tão antiga. É improvável que alguém visse nesse texto uma alusão a Satanás naquela época (Page 1995, 41)

- mas se esse texto não é uma alusão a Satanás, como deve ser visto? Possivelmente está comparando o rei de Tiro ao primeiro habitante do Éden. Ele pode ter se enxergado como uma personificação do primeiro homem em sua arrogância. Há diferenças entre os relatos o que poderia implicar que Ezequiel uniu elementos de Gênesis e da mitologia. Assim como Adão o rei enfrenta o julgamento de Deus por se rebelar contra o Criador (Page 1995, 41-42)

- durante o período do 2º. templo desenvolveu-se a idéia que esse texto era baseado na queda angelical associada com a queda da humanidade. Desde o tempo de Orígenes muitos cristãos conservadores equacionaram o rei de Tiro a Lúcifer (Satanás) (Chafer, Unger, Pentecost, Carlson, Green, Lockyer). Mas aqueles que olham esse texto de modo histórico rejeitam essa interpretação. O AT não dá muita importância aos demônios e a Satanás (Block 1998, 118-19)

- a partir da Reforma, a interpretação dessas passagens como atribuição a Satanás caiu consideravelmente (Oswalt 1986, 320; Page 1995, 38-39; contra Grudem 1999, 336). Satanás poderia ser alguém parecido com o rei de Tiro, mas temos que ter cuidado em fazer essa ligação pois não temos certeza

 

C – Como a Bíblia descreve o nosso adversário

- Satanás é descrito como o príncipe dos demônios. Ele tem muitos nomes: adversário (1 Pe 5:8); tentador (Mt 4:3); Belzebu (Mt 12:24); maligno (Mt 13:19); enganador (Ap 12:9); pai da mentira (Jo 8:44); assassino (Jo 8:44); etc. Ele se disfarça de anjo de luz (2 Co 11:14) para levar as pessoas a segui-lo. Seu poder, no entanto, está limitado.

- Jo 12:31; 14:30; 16:11 – príncipe deste mundo

- Mt 4:8, 9; Luc 4:6, 7 – na tentação de Jesus o diabo dá a entender que é o senhor sobre todos os reinos do mundo e que tenha recebido essa autoridade. Luc 4:6 - “dar-te-ei toda esta autoridade e a glória deste reino, porque ela me foi entregue e a dou a quem eu quiser”.

- 2 Co 4:4 – o deus deste século.

- Ef 2:2; 6:12 – príncipe da potestade do ar, dominadores desse mundo tenebrosos, principados e potestades

- alguns autores crêem que o diabo tem o direito legal sobre esse mundo. Alguns argumentam que por causa do pecado de Adão e Eva os humanos estão legalmente ligados com o diabo e Deus precisa acertar as contas com o diabo para resgatar essas vidas. Outro argumento é que Jesus não argumenta com o diabo de que os reinos não seriam posse dele.

- por outro lado Jo 8:44 fala que o diabo é o pai da mentira. Assim sendo o que ele pode ter oferecido para Jesus era uma mistura de verdade e mentira (Bock 1994, 376). De fato o diabo tem certa influência sobre a terra levando as pessoas a se rebelarem contra Deus, mas o fato de que ele possui toda autoridade sobre a terra vai contra a soberania de Deus (Page 1995, 98). Mt 28:18 fala que toda a autoridade foi dada a Jesus. Então a autoridade não pode pertencer a dois opostos.

- outro ponto é que a Bíblia nunca menciona que Deus e o diabo estão numa batalha de igual pra igual. O diabo está derrotado e ainda tenta lutar contra Deus e o seu povo. Mas o destino dele está selado.

- uma das questões complicadas é lidar com quem é o dono da terra. Será que quando o homem pecou ele selou um pacto com o diabo? Será que o diabo tem direito legal sobre a vida das pessoas? Sl 24:1 – a terra e tudo o que nela há pertence ao Senhor. Apesar de que o homem pecou e abandonou a Deus, a terra continuou pertencendo a Deus. Nem o homem, nem o diabo consegue impedir os planos de Deus. Mas será que as pessoas se venderam para o diabo através do pecado e Deus precisa pagar essa dívida? Deus estava devendo essa dívida para o diabo ou para as suas próprias leis?

- o NT fala que Cristo deu a sua vida como resgate pelos pecadores (Mc 10:45; 1 Tm 2:6). A palavra resgate sugere 3 idéias:

i.   Libertação. O resgate vai trazer a libertação de uma pessoa que está em cativeiro. Quando alguém é seqüestrado se exige um resgate e este leva a pessoa a ser liberta.

ii. Pagamento. O resgate é uma soma em dinheiro que é paga para conseguir a libertação de um indivíduo.

iii.                  Alguém a quem o resgate é pago. Normalmente o pagamento é feito para o seqüestrador ou um intermediário (McGrath 2000, 163)

Logicamente estas 3 idéias parecem implícitas quando falamos da morte de Jesus como resgate pelos pecadores. Mas será que estão todas presentes nas Escrituras? Não há dúvida que fomos libertados do cativeiro pela morte e ressurreição de Jesus. Fomos libertos da escravidão ao pecado e do medo da morte (Rom 8:21; Hb 2:15). O NT também deixa claro que a morte de Jesus era o preço a ser pago para a nossa libertação (1 Co 6:20; 7:23). A nossa libertação foi custosa. Nesses 2 aspectos ela é muito similar a nossa maneira de enxergar a redenção. Mas as Escrituras não falam que esse preço foi pago para alguém (como o diabo) pela nossa libertação. Por séculos as pessoas forçaram essa analogia até um ponto extremo não ensinado pelas Escrituras (ver McGrath 2000, 395-401). Será que essa analogia é legítima? Como podemos nos certificar que isso é correto? A Bíblia não nos apresenta uma única analogia sobre a salvação, mas muitas. Cada uma delas ilustra alguns elementos da salvação. Essas analogias precisam interagir uma com a outra. Nenhuma pode ser vista como completa por si só. Mas quando as juntamos podemos entender melhor a Deus e a salvação. Um exemplo de como isso funciona seria olhar as analogias de rei, pai e pastor. Todas elas contém a idéia de autoridade, enfatizando que esse aspecto é fundamental para nosso entendimento sobre Deus. Mas reis muitas vezes agem de forma arbitrária e sem levar em conta o interesse de seus súditos. A analogia de Deus como rei pode levar a pensar em Deus como um tirano. Mas quando lemos que ele tem compaixão com os seus filhos (Sl 103:13-18) e a dedicação de um pastor divino para com o bem-estar do seu rebanho (Jo 10:11) vemos que esta não é a intenção da Bíblia. O que ela quer dizer é autoridade exercida de maneira mansa e sábia. Assim vemos que através da analogia podemos ver a Deus como sendo acima de nosso mundo bem como em e através do mundo. Deus não é um objeto ou uma pessoa presa no tempo e no espaço, mas as pessoas e objetos podem nos ajudar a entender melhor a Deus (McGrath 2000, 164-65)

-

Col 2:14 “... tendo cancelado o escrito de dívida, que era contra nós e que constava de ordenanças, o qual nos era prejudicial, removeu-o inteiramente encravando-o na cruz”. Apesar de que alguns vêem aqui a nossa dívida com o diabo o mais provável é que a dívida é com Deus mesmo (O’Brien 1982, 124-25). Que direito legal o diabo poderia ter de acordo com as leis de Deus já que faz as coisas somente por interesse próprio? Ele mente, oferece coisas que não pode cumprir, mata, etc. O diabo nunca é apresentado na Bíblia como sendo a pessoa a quem Deus teve que pagar a dívida pelo nosso pecado.

- 2 Co 4:4 nos fala que o diabo é o deus desse século. A idéia aqui é que pessoas fazem do diabo o seu deus (Page 1995, 184). Os judeus criam que o diabo reinava sobre a terra, mas estava sujeito à orientação de Deus (Martin 1991, 78). Em Jo 12:30-31 Jesus diz que o príncipe desse mundo vai ser julgado. Isso acontece quando Jesus é crucificado.

- mesmo durante o tempo de Jesus, os seus exorcismos não mostram um confronto real, já que os demônios não conseguem armar resistência contra ele.

 

C – Principados e Potestades

- no passado as palavras usadas por Paulo para descrever os poderes do mal foram vistas única e exclusivamente como forças sobrenaturais. Com o iluminismo + demitologização a tendência caminhou para o outro lado e as forças, poderes, etc., foram vistas única e exclusivamente como reinados humanos e a força demoníaca atrás das instituições humanas que promovem o mal

- Bultmann com a sua linha da demitologização exerceu grande influência sobre a teologia no mundo todo. Para ele a crença em milagres e demônios estava condicionada à cultura da época, e, portanto, o homem moderno não precisava mais dessa muleta. A idéia é que a crença em demônios teria a sua origem na mitologia da Pérsia. Na Pérsia a mitologia apresenta um dualismo entre Deus e o diabo. O diabo e seus anjos são uma força independente que se opõe a Deus. Esse conceito não está de acordo com a Bíblia já que o diabo não opera totalmente independente com relação a Deus. Ele foi criado por Deus e está debaixo de sua autoridade, mesmo que com o pecado a sua constituição original foi distorcida (Erickson 1996, 446)

- uma outra linha forte no presente está ligado com a despersonalização dos demônios. O mal não pode ser ignorado, ele é real e está presente no mundo todo. No entanto, como não se crê na origem do mal como vindo de uma pessoa, atribui-se o mal a estruturas e sistemas sociais demoníacos (Erickson 1996, 446). Wink entende que quando Paulo se refere a principados, potestades, dominadores, etc., ele está se referindo a sistemas e estruturas que perpetuam o mal na sociedade. Na verdade essas palavras são usadas para pessoas sobre a terra que estão imbuídas de poder, como também para forças demoníacas. Baseado nesse fato, Wink argumenta que os dois significados estão presentes sempre quando lemos estas palavras (ex. Jo 12:31 – archon = Satanás; Jo 12:42 – archon = autoridades judaicas) (Arnold 1992b, 47-51). Arnold se opõe à idéia de Wink dizendo que o fato de que a palavra tem mais de um significado não significa que necessariamente esta palavra tem 2 ou mais significados ao mesmo tempo. O contexto vai nos mostrar qual o significado da palavra.

- havia a crença em Satanás, demônios, etc., na época de Paulo. As pessoas entendiam que estes eram seres reais que influenciavam a vida sobre a terra. Wink continua dizendo que Paulo teria demitologizado toda a questão dos principados, sabendo que esses poderes não se referem a demônios, mas às estruturas sociais inclinadas para o mal. Wink procura achar o meio termo entre a teologia da libertação (que vê os demônios somente nas estruturas sociais) e a teologia tradicional (que tem visto os demônios como seres sobrenaturais). Esse meio termo seria crer que os principados e potestades não são seres angélicos, mas são espíritos internos, ou forças internas que dão vida, legitimam, e vão regular as manifestações físicas no mundo. Esses ‘espíritos’ na verdade são a espiritualidade das instituições, sistemas e estruturas humanas (Arnold 1992a, 199).

- Wink reconhece que as pessoas criam em demônios como seres vivos, mas que os iluminados como Paulo sabiam que isso era a crença deles e partiu para tirar esse mito da cabeça deles. Arnold não concorda com ele, já que as pessoas tinham conceitos claros sobre os demônios e não faria sentido se Paulo escreve para eles usando o vocabulário deles, mas trabalhasse com outra visão de mundo (demônios são mitológicos) (Arnold 1992b, 49-51). Não podemos negar que as estruturas sociais são de fato demoníacas. As pessoas que as elaboraram foram influenciadas pelos demônios que se opõem a tudo quanto é justo e bom para o ser humano. Creio, no entanto, que a influência vem via as pessoas que se deixam levar por sua natureza dominada pelo pecado e se abrem para a influência de demônios quando elaboram essas estruturas. É claro que se o diabo consegue uma influência significativa sobre pessoas influentes desse mundo ele pode criar sistemas corruptos que vão levar o terror e a destruição a todo o mundo através dessas pessoas (Arnold 1992a, 202). As estruturas são demoníacas porque são controladas por pessoas que são ruins em si mesmas. No entanto, as estruturas não são demoníacas por si só. Como uma luva não tem vida em si mesma, as estruturas não podem criar o mal se não existem pessoas para colocar essas estruturas em prática (Arnold 1992a, 204)

- Wink argumenta que a demitologização dos demônios acontece quando Paulo enfatiza conceitos abstratos como o pecado, a lei, carne e sangue ao invés de demônios em algumas de suas cartas. Mas Paulo fala de seres reais que causavam o terror sobre as pessoas e danos às pessoas (Arnold 1992a, 199). Ver os demônios como seres vivos pessoais está muito mais próximo da visão de mundo do apóstolo Paulo e da Bíblia.

- Arnold argumenta que esse vocabulário vem mais do Judaísmo, mas também com certa influência grega onde se referem a poderes sobrenaturais. Esses termos também eram usados para designar reinados humanos sobre as nações já que se cria que as estruturas no céu eram similares às estruturas políticas na terra (Arnold 1992a, 90)

- no mundo da época as pessoas pensavam que existiam bons e maus espíritos. Era útil saber o nome dos bons espíritos para proteger contra os espíritos maus (Arnold 1992a, 92-93). Paulo argumenta que existe somente uma cabeça dos maus espíritos, Satanás que comanda as suas forças. Todos os espíritos invocados nos rituais mágicos eram maus e demoníacos (Arnold 1992a, 93). O inimigo tem grande poder sobre o mundo de hoje, mas esse poder não é absoluto, mas também não deve ser menosprezado como insignificante

- pessoalmente creio que Arnold está certo no que refere aos principados e potestades. Essas palavras se referem a poderes sobrenaturais. No entanto, não podemos negar que existe o mal sistêmico, estruturas demoníacas as quais também lutam contra os planos de Deus. Estruturas erradas podem promover o mal sobre a terra já que todos os que atuam precisam trabalhar de acordo com essas estruturas. Além disso as estruturas podem se tornar uma tradição ou lei que dificilmente muda, já que a pessoas se acostumam a esse modelo e o sacralizam. Dessa forma podemos dizer que as instituições adquirem praticamente uma vida própria onde as estruturas ditam a espiritualidade da igreja

- mas os demônios também têm influência sobre os indivíduos que fazem parte do corpo de Cristo

- para Paulo a maior oposição das forças demoníacas se refere a impedir a proclamação do evangelho. Isso é feito através das forças da carne e das estruturas demoníacas (Arnold 1992a, 201)

- o diabo influencia as pessoas sobre a terra e é claro que vai ter um interesse especial nas pessoas que estão em posições de poder, pois influenciam muito mais pessoas. Essas pessoas criam as estruturas que podem ser de acordo ou contra a vontade de Deus. Satanás precisa somente explorar os desejos de nossa natureza depravada para fazer valer os seus intuitos perversos (Arnold 1992a, 203)

- o nosso pecado traz conseqüências sociais. O pecado que cometemos quase sempre afeta as pessoas ao nosso redor. Esse pecado leva a implementação de leis e estruturas que por sua vez são contrárias à vontade de Deus. Sem dúvida há influência demoníaca nessas estruturas. Mas, como uma luva sem a mão é inofensiva, as estruturas são inofensivas se não são executadas. As pessoas têm uma natureza pecaminosa e assim levam a vontade da carne para o seu próprio benefício e não para o que é correto.

 

D – Quais são as atividades de Satanás e dos demônios?

- a Bíblia faz questão de colocar que “forças externas pessoais (anjos, demônios, espíritos) podem influenciar e realmente influenciam o comportamento dos seres humanos” (Tienou 2000, 137)

- Satanás originou o pecado sobre a terra. Ele mesmo tentou aos seres humanos para “frustrar” os planos de Deus. Ele tentou a Jesus para acabar com o plano da salvação (Mt 4:1-11) e continua mentindo (Jo 8:44), enganando (Ap 12:9), matando (Jo 8:44) e todo o tipo de falsidade para afastar as pessoas de Deus (Grudem 1999, 337)

- no AT temos poucas referências a demônios e a Satanás. Ele aparece como o adversário, mas não como o adversário celestial na proporção como no NT

- no NT Jesus vem expulsando demônios e invadindo o reino de Satanás. Ele amarrou a Satanás e está saqueando a sua casa. Jesus amarrou Satanás de uma forma quando o venceu na tentação? ou através do próprio exorcismo (Grudem 1999, 340, Twelftree DJG 166). Nos sinóticos a derrota de Satanás está atrelada aos exorcismos enquanto que em João está ligada com a cruz (Jo 14:30; 16:11) (Twelftree 1992, 171)

- a autoridade sobre os poderes do mal é concedida por Jesus aos 12 (Mt 10:8) e depois aos 70 (Lc 10:17-20) e depois passa para a igreja primitiva (At 8:7; 16:18; Tg 4:7; 1 Pe 5:8-9) (fonte????)

- os demônios podem causar doenças (Mc 9:17, 25) e atrapalhar o desenvolvimento da vida espiritual da pessoa (Ef 6:12). Mas nem todas as doenças são causadas por atividade demoníaca. Jesus diferencia entre doença e atividade demoníaca (Mc 3:10-12)

- não temos relato claro de que os demônios consigam ler os nossos pensamentos (Grudem 1999, 338) ou que somente a oração em línguas está fora do seu alcance. 1 Co 14:2 (falar em línguas a Deus que ninguém entende) é visto por alguns como prova de que os demônios não têm acesso a essa oração. O texto não está falando de demônios, mas de pessoas. Logo não confirma nem desconfirma – simplesmente não fala sobre o assunto

- apesar do poder dos demônios, todo o poder que eles têm é concedido por Deus e é limitado. Eles somente podem ir até onde Deus permite (Jó 1:12; 2:6). Não sabemos a extensão do seu poder, mas sabemos que Deus é maior e somente dá a eles o que de uma ou de outra forma vai servir para construir o seu Reino

- Satanás e seus demônios já estão derrotados, mas a batalha final ainda virá. Aí serão lançados no lago de fogo. Em nossa teologia pós-moderna estamos dando demasiada ênfase no diabo como se ele estivesse lutando de igual para igual com Deus. Isso não é verdade, pois ele já está derrotado e não tem mais chances. A batalha está perdida e só vai levar um pouco de tempo até que todo o poder tenha sido tirado dele e ele será condenado para o inferno

O ensino de Jesus sobre Satanás e os demônios

- temos poucas referencias nos sinóticos sobre Satanás ou o diabo. Não temos nenhum discurso mais longo acerca desse assunto. Temos 13 referências sobre eles, 10 descontando os paralelos (Guelich 1991, 37):

3 para o diabo

Mt 13:38-39 – “38 O campo é o mundo, e a boa semente são os filhos do Reino. O joio são os filhos do Maligno, 39 e o inimigo que o semeia é o Diabo. A colheita é o fim desta era, e os encarregados da colheita são anjos

Mt 25:41 – “Então ele dirá aos que estiverem à sua esquerda: ‘Malditos, apartem-se de mim para o fogo eterno, preparado para o Diabo e os seus anjos

Lc 8:12 – “As que caíram à beira do caminho são os que ouvem, e então vem o Diabo e tira a palavra do seu coração, para que não creiam e não sejam salvos

10 para Satanás

Mt 4:10 – “Jesus lhe disse:Retire-se, Satanás! Pois está escrito: ‘Adore o Senhor, o seu Deus, e só a ele preste culto’

Mt 12:26 – “Se Satanás expulsa Satanás, está dividido contra si mesmo. Como, então, subsistirá seu reino?

Mc 3:23 (par Mt 12:26) – “Então Jesus os chamou e lhes falou por parábolas:Como pode Satanás expulsar Satanás?

Mc 3:26 – “Então Jesus os chamou e lhes falou por parábolas:Como pode Satanás expulsar Satanás?

Mc 4:15 (par 8:12) – “Algumas pessoas são como a semente à beira do caminho, onde a palavra é semeada. Logo que a ouvem, Satanás vem e retira a palavra nelas semeada

Mc 8:33 (par Mt 16:23) – “Jesus, porém, voltou-se, olhou para os seus discípulos e repreendeu Pedro, dizendo:Para trás de mim, Satanás! Você não pensa nas coisas de Deus, mas nas dos homens

Lc 10:18 – “Ele respondeu:Eu vi Satanás caindo do céu como relâmpago

Lc 13:16 – “Então, esta mulher, uma filha de Abraão a quem Satanás mantinha presa por dezoito longos anos, não deveria no dia de sábado ser libertada daquilo que a prendia?

Lc 22:31 – “Simão, Simão, Satanás pediu vocês para peneirá-los como trigo

- por 2 vezes Jesus retrata Satanás ou o diabo como o adversário do agricultor – uma vez ele planta joio entre o trigo (Mt 13:39) e uma vez ele tira a semente antes que germine (Mc 4:15; Lc 8:12) (Guelich 1991, 37)

- em 2 ocasiões Jesus repreende diretamente a Satanás por interferir em sua missão messiânica – na tentação: “Retire-se, Satanás! Pois está escrito: ‘Adore o Senhor, o seu Deus, e só a ele preste culto’ (Mt 4:10) e em Cesaréia [quando Pedro insiste que Jesus não deve morrer]: “Jesus virou-se e disse a Pedro: ‘Para trás de mim, Satanás! Você é uma pedra de tropeço para mim, e não pensa nas coisas de Deus, mas nas dos homens’ ” (Mt 16:23; Mc 8:33) (Guelich 1991, 37) e adverte Pedro sobre a ameaça futura de Satanás para a fé dos discípulos: “Simão, Simão, Satanás pediu vocês para peneirá-los como trigo” (Lc 22:31). A figura de Satanás como tentador obviamente fica patente colocando a tentação de Jesus no início dos evangelhos (Mt 4:1-11; Lc 4:1-13; Mc 1:13) (Guelich 1991, 37)

- somente uma vez Jesus atribui uma condição física a Satanás: “Então, esta mulher, uma filha de Abraão a quem Satanás mantinha presa por dezoito longos anos, não deveria no dia de sábado ser libertada daquilo que a prendia?” (Lc 13:16). Esse episódio descreve a ação de Jesus como cura (therapeuein – 13:14) seguindo o padrão de cura ao invés de exorcismo, mesmo que em algumas situações, problemas físicos refletem uma possessão demoníaca: “Depois disso, levaram-lhe um endemoninhado que era cego e mudo, e Jesus o curou, de modo que ele pôde falar e ver” (Mt 12:22; Lc 11:14) (Guelich 1991, 37)

- 4 passagens falam da queda de Satanás ou do diabo (Mt 25:41; Mt 12:26 (par Mc 3:23); Mc 3:26; Lc 10:18) (Guelich 1991, 37)

- resumindo, no sinóticos, Satanás é descrito de acordo com o significado do seu nome, Adversário. Ele é hostil aos propósitos de Deus. Mas nenhuma das passagens o descreve com imagens militares. Em Mt 13:39 ele é descrito como inimigo (echthros). Nessa parábola apresenta a inimizade como pessoal e não no sentido militar (cf Mt 13:25, 28) (Guelich 1991, 37)

- sem contar com a tentação de Jesus, a única passagem mais longa que fala sobre Satanás nos sinóticos é Mt 12:22-30 (par Lc 11:14-23 cf, Mc 3:22-30). Esta passagem está no contexto dos exorcismos de Jesus quando Jesus responde à acusação de estar expulsando demônios no poder de Belzebu, o príncipe dos demônios:

1.       Jesus responde mostrando a lógica problemática dos seus oponentes. Jesus mostra que quando um reino luta consigo mesmo irá se auto-destruir. Assim Satanás não pode estar lutando contra Satanás (Mt 12:25-26; par Lc 11:17-18l Mc 3:23-25)

2.       Em Mt 12:27 (par Lc 11:19) Jesus expõe a incoerência de seus acusadores perguntando através de quem seus filhos exorcizam os demônios, já que segundo eles, Jesus os expulsa por Belzebu

3.       Em Mt 12:28 e Lc 11:20 Jesus contradiz a sua conclusão dizendo que opera com o poder de Deus. Em Mt 12:28 lemos o Espírito de Deus e em Lc 11:20 o dedo de Deus. Ambas as expressões se encontram no AT onde se referem à atividade de Deus. Jesus está afirmando que os seus exorcismos são o trabalho de Deus (Guelich 1991, 38)

- além disso, Jesus deixa claro que os seus exorcismos estão ligados com o Reino de Deus, ligando-os com a promessa do reinado soberano de Deus. O reinado soberano de Deus vence Satanás. Esse tema de vencer a Satanás é o pano de fundo da analogia de amarrar o dono para roubar a casa de um homem forte (Mc 3:27; Mt 12:29; Lc 11:21-22). O trabalho somente pode ser feito quando o homem forte é amarrado e desarmado (Guelich 1991, 38)

- podemos tirar diversas conclusões desse trecho da Bíblia:

1.       Fica claro que Satanás e os demônios estão relacionados entre si. Isso pode ser visto na analogia da auto-destruição quando um luta contra o outro (Guelich 1991, 38)

2.       A acusação [sobre Jesus de trabalhar de acordo com o] “príncipe dos demônios” implica que Belzebu ou Satanás tem uma posição de honra e poder entre os demônios. Além disso, essa posição de poder é presumida na analogia do homem forte/armado cuja casa somente pode ser roubada se ele for amarrado (Guelich 1991, 38-39)

3.       O fato que esse trecho é montado sobre os exorcismos de Jesus mostra que saquear/roubar a casa se refere aos exorcismos de Jesus ao invés de amarrar ou desarmar diretamente a Satanás. A implicação é que Satanás precisa ser amarrado e desarmado antes que a casa possa ser saqueada. Esse texto não nos diz quando Satanás foi amarrado ou desarmado, somente diz que ocorreu. Podemos presumir que ocorreu quando da vinda do Reino de Deus, inaugurado através de Jesus, o Messias ungido pelo Espírito (Guelich 1991, 39)

4.       O ministério de exorcismo de Jesus mostra que o poder de Satanás foi quebrado através da vinda do reinado soberano de Deus, o Reino de Deus, na história. Esses exorcismos são os sinais da presença do Reino de Deus (Guelich 1991, 39)

- por outro lado, Mt 25:41 “Então ele dirá aos que estiverem à sua esquerda: ‘Malditos, apartem-se de mim para o fogo eterno, preparado para o Diabo e os seus anjos’ mostra que Satanás foi amarrado ou desarmado, mas ainda não foi destruído. A alusão a um julgamento severo é similar a Ap 20:10 onde Satanás e seus anjos serão destruídos no final dos tempos. Assim sendo, de forma análoga sobre a pregação de Jesus sobre a presença e o futuro do Reino, Satanás foi amarrado ou desarmado e assim é incapaz de impedir o trabalho redentivo de saquear a sua casa. Mas Satanás ainda não foi destruído. Ele está vivo e bem e continua seu papel natural (mesmo que restrito) de adversário como visto na tentação de Jesus e em outros dos escritos que tratam dele (Guelich 1991, 39)

- em João a perspectiva muda difere pouco:

1.       João não apresenta exorcismos e a única referência à demonização é a acusação feita contra Jesus de estar trabalhando com Belzebu (Jo 7:20; 8:48-49, 52; 10:20-21)

2.       Em João, Jesus não se depara diretamente com Satanás, exceto quando Satanás entra em Judas que sai para trair Jesus (Jo 13:27; cf. 6:70)

3.       Pouco se diz sobre Satanás. Em 14:30 Jesus diz a seus discípulos que “o príncipe deste mundo está vindo”, possivelmente uma referência a Satanás que vem tentando destruir Jesus. Mas em Jo 16: 11 indica que ele não tem poder sobre Jesus porque ele foi condenado como foi visto na glorificação do Filho em sua morte, ressurreição e ascensão: “Quando ele vier, convencerá o mundo do pecado, da justiça e do juízo. 9 Do pecado, porque os homens não crêem em mim; 10 da justiça, porque vou para o Pai, e vocês não me verão mais; 11 e do juízo, porque o príncipe deste mundo já está condenado” (Jo 16:8-11) (Guelich 1991, 39)

 

Continuar com Guelich 1991, 39-51

 

 


E – Nossa relação com os demônios

- anos atrás o diabo e os demônios praticamente não eram mencionados. Nos últimos anos o pêndulo tem virado e creditamos demais ao diabo

- biblicamente no tratamento com os crentes há pouco espaço para a atividade demoníaca. A ênfase está muito mais ligada com levar uma vida correta. Não se expulsa o espírito de divisão, mas os cristãos são exortados a viverem em união (Grudem 1999, 342)

- não se deve procurar identificar o espírito territorial que supostamente governa uma cidade. A questão é pregar o evangelho e expulsar demônios quando estes se manifestam (Grudem 1999, 342). É possível que haja hierarquia satânica que controla locais, mas a Bíblia nunca se preocupa em falar muito a respeito e nem nos exorta a lutarmos contra esses domínios

- a responsabilidade pelas decisões que tomamos cabe a nós. Não devemos culpar os demônios e o diabo por nossos fracassos (Grudem 1999, 343). Mas isso não nega que existam pessoas e doutrinas que vêm do inimigo e que precisam ser confrontadas com o evangelho. Há casos claros de possessão onde os demônios precisam ser expulsos. Pessoas podem ser dominadas pelo inimigo. Suas obras vão mostrar quem realmente é o seu pai. Em 1 João temos muitas menções de pessoas que vivem na prática do pecado como procedentes do diabo (Grudem 1999, 343). Se damos lugar ao pecado em nossas vidas, podemos dar lugar à influência do diabo em nossas vidas (Ef 4:26-27)

- devemos tomar cuidado em manter o equilíbrio bíblico sobre os seres do mundo espiritual. Escritos teológicos modernos tendem a ignorar esses seres tentando explicá-los como problemas psicológicos, intuição, problemas mentais. Nos últimos anos o pêndulo tem se movido para o outro lado onde damos demasiada importância para os demônios, tomando idéias do espiritismo e assumindo que são a realidade

- existe muita influência demoníaca direta e indireta através de instituições que são governadas por pessoas não cristãs que promovem indiretamente o reino de Satanás sobre a terra. Devemos ser sal e luz e orientar as instituições cristãs usando outras regras, o que nem sempre acontece na prática

- para Paulo a maior oposição das forças demoníacas se refere a impedir a proclamação do evangelho. Isso é feito através das forças da carne e das estruturas demoníacas (Arnold 1992a, 201)

- o diabo influencia as pessoas sobre a terra e é claro que vai ter um interesse especial nas pessoas que estão em posições de poder pois influenciam muito mais pessoas. Essas pessoas criam as estruturas que podem ser de acordo ou contra a vontade de Deus. Satanás precisa somente explorar os desejos de nossa natureza depravada para fazer valer os seus intuitos perversos (Arnold 1992a, 203)

- o nosso pecado traz conseqüências sociais. O pecado que cometemos quase sempre afeta as pessoas ao nosso redor. Esse pecado leva a implementação de leis e estruturas que por sua vez são contrárias à vontade de Deus. Sem dúvida há influência demoníaca nessas estruturas.

- como uma luva sem a mão é inofensiva, as estruturas são inofensivas se não são executadas. As pessoas têm uma natureza pecaminosa e assim levam a vontade da carne para o seu próprio benefício e não para o que é correto.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 


IV – Assuntos controvertidos

A – Teologia da Experiência

- muitas das ênfases que temos visto no último século ocorreram porque a igreja esqueceu de se renovar. O movimento Pentecostal nasceu numa sociedade que super-valorizou a razão. Sentimentos e o sobrenatural eram ignorados. A teologia pentecostal nos alertou sobre uma série de fatores dos quais a igreja evangélica tinha se esquecido. Como reação a tendência do pêndulo é exagerar na outra direção para supostamente equilibrar e aí novamente nos afastamos dos ensinamentos bíblicos

- a questão de batalha espiritual tem ressurgido com muita força nos últimos anos por diversos motivos (Rommen 1995, 5-6)

1 – mudança da cosmovisão ocidental muito mais aberta para o transcendente. Ascendência da espiritualidade em oposição ao racionalismo extremo

2 – estatísticas fracas de missionários no campo

3 – falta de poder tendo já experimentado tudo o que foi ensinado

- muitos experimentos foram realizados tentando reverter a situação que não estava à contento – doutrinas foram baseadas no resultado dessas experiências. O pragmatismo é uma das linhas mais fortes influenciando essa área – o que funciona deve estar certo. A base para as doutrinas tem se tornado a fenomenologia (o fenômeno observado ou relatado por alguém) e não a ontologia (a Bíblia interpretada por princípios coerentes dentro da igreja). Na prática a experiência das pessoas (fenômenos) acabam se tornando tão ou até mais importante do que os ensinos da Bíblia

- na prática tem-se dificuldade muito grande em distinguir a atuação de Deus, do espírito humano e do inimigo. A voz interior pode vir de todas as fontes. Dentro da visão de mundo atual tomada pela emoção e a abertura brasileira para o sobrenatural, tendemos a ver qualquer manifestação sobrenatural como vinda de Deus. Mas isso é perigoso

- como a Bíblia é silenciosa em algumas áreas os defensores dessas teologias estão buscando outras fontes de revelação dominadas pelo pragmatismo. Em pouco tempo a Bíblia não é mais suficiente. A interpretação da Bíblia é forçada para defender suas idéias.

- Priest et al. argumentam que as novas linhas teológicas de batalha espiritual têm invadido o ocidente com uma força impressionante, sempre baseadas nas experiências trazidas do campo missionário. Essas experiências formam as lentes pelas quais a Bíblia é lida (Priest et al. 1995, 11) Essas pessoas não estão cientes de que aceitando essas experiências como autênticas incluem uma série de crenças que fazem parte da visão de mundo da pessoa que teve a experiência (Priest et al. 1995, 11). Essas experiências, então são vistas como revelação, e, logo, se tornam a base para novas doutrinas. Deus pode se revelar através de profecias, etc., aos cristãos de hoje. Mas todas as profecias precisam ser avaliadas com base na Bíblia antes de ter alguma valor. Se essas “novas revelações” se tornarem a base para novas doutrinas, estamos indo além da Bíblia, acrescentando algo à revelação de Deus na Bíblia. Existe um perigo muito grande até de se especular sobre alguns desses itens, já que essas idéias são desenvolvidas por outras pessoas e logo temos uma doutrina (ex. Wagner fez uma suposição que de uma forma geral havia cerca de 10% dos membros da igreja com o dom de evangelismo. Essa suposição é citada seguidamente como um estudo nas igrejas que comprova o fato).

- não há dúvida que precisamos de experiências com Deus. Precisamos ter um encontro com Deus, etc. Mas a nossa percepção das experiências que temos precisa de uma interpretação. Se essa interpretação não vier da Bíblia, posso ensinar algo que seja valioso, mas que pode desviar as pessoas de Deus e de seu Reino. Um leve desvio hoje pode fazer grande diferença no futuro

 

 

- ligado com isso temos que se usarmos o nome do demônio temos mais poder sobre o mesmo. Alguns estudiosos acham que essa era a tentativa do demônio em Mc 5 que quer saber o nome de Jesus para ter controle sobre Jesus (contra Guelich).

- Jesus nunca chama um demônio pelo nome nem implica que raiva, ódio, orgulho, etc., são obras demoníacas (Guelich 1991, 41).

 

 


Sincretismo cristão e o animismo

- se de um lado o Iluminismo tirou Deus e as forças demoníacas de cena, hoje a ênfase pode estar indo para o outro lado, para usar a Bíblia como amuleto para proteger dos maus espíritos, usar certas expressões para lidar com demônios, ou enfatizar que sabendo o nome do demônio se obtém um poder maior sobre ele. A conversão de pessoas vindas do animismo também contribuiu para esse sincretismo já que os cristãos que os instruem não os ajudam a entender a cosmovisão cristã principalmente no tocante a questões de poder (Warner 2000, 903)

- o animismo crê e pratica que o mundo está cheio de espíritos que podem nos fazer mal a não ser que tomemos cuidado para os apaziguar. Deve-se tomar cuidado com os espíritos perigosos e mantê-los satisfeitos. Os animistas crêem na mágica e na habilidade de no mínimo certas pessoas de repassar poder seja por maldições, bênçãos, etc. (Kraft 2002, 1092). Kraft argumenta que os ocidentais que não conhecem o animismo, têm dificuldades em reconhecer a validade do poder e das táticas utilizadas por animistas e que nos ensina a usar técnicas parecidas baseados em princípios similares. Ele vai adiante dizendo que muito do que Deus faz e concorda parece na superfície de forma muito similar ao que os animistas fazem. Para ele a diferença não consiste na presença ou ausência de poder, mas na fonte do poder: ao invés de Satanás, o poder vem de Deus (Kraft 2002, 1092). Creio que essa posição de Kraft é imensamente perigosa porque ela incentiva as pessoas a manterem a mesma cosmovisão tentando utilizar a Deus para o seu benefício – nada pior do que achar que está se cultuando a Deus, mas na verdade cultua-se ao nosso grande inimigo

- muito dessa confusão procede da tática preferida de Satanás que é a confusão/engano/ilusão. Isso não significa que tudo o que os demônios nos dizem é mentira. O engano ganha força quando se esconde no meio da verdade. O que necessitamos acima de tudo é discernimento quando lidamos com espíritos enganadores que estão constantemente tentando confundir as nossas crenças (Ap 12:9; 1 Tm 4:1) (Warner 2000, 903)

- como humanos temos a tendência para a insegurança. Isso nos deixa abertos para aquelas coisas que podem nos trazer segurança e nas quais podemos confiar. Satanás tem investido forte nessa área para nos prometer o que nos traz segurança. Quanto maior o engano, mais convencidos ficamos da mentira. Há muitos exemplos de pessoas que estiveram dispostas a morrer por aquilo que criam (Warner 1990, 104). Se o diabo consegue nos convencer que já não corremos perigo em uma certa área de tentação e que não podemos estar enganados sobre isso, nos tornamos presas fáceis para o inimigo (Warner 1990, 105). A tentação pode vir tanto do diabo como da nossa carne ou do mundo. Não devemos, nem precisamos necessariamente diferenciar entre elas, a não ser tomar cuidado para não atribuir tudo a uma fonte, principalmente tudo ao diabo para fugir da responsabilidade pessoal de lutar contra o pecado

- a questão principal da engano sempre gira sobre a verdade. Satanás gosta de nos enganar geralmente nas questões da fonte de poder e conhecimento. Deus nos proveu de todo poder e conhecimento que precisamos para viver como “mais do que vencedores” em Cristo, mas desde o Éden, Satanás tem nos tentado a não confiar em Deus para prover o poder que precisamos e a duvidar da nossa habilidade de conhecer a Deus e confiar em sua palavra. Satanás usa o seu poder para nos levar a temê-lo. Para os cristãos, temer a Satanás, significa que precisam duvidar do poder e da provisão de Deus para a vitória sobre Satanás. Assim ele atinge 2 objetivos: leva os cristãos a duvidar de Deus e consegue um certo controle sobre eles por meio do medo (Warner 2000, 903)

- mas Satanás também tenta seduzir as pessoas a buscar poder dele ao invés de Deus. Ele se apresenta como anjo de luz e torna esse poder algo desejável. Isso nos leva a uma longa lista de práticas ocultas como ler a sorte, magia, feitiçaria, etc. Satanás tem poder suficiente para produzir resultados surpreendentes – sinais e maravilhas que procedem da mentira (2 Ts 2:9). Algumas pessoas somente perguntam: será que funciona? ao invés de: será que vem de Deus; será que é verdade”. Diversas pessoas dão espaço para o inimigo em suas vidas porque caíram no uso enganoso do poder de Satanás (Warner 2000, 903)

- todos precisamos de poder para vencer as lutas que temos no dia-a-dia. Deus nos dá o poder que precisamos. Ma quando perdemos o relacionamento com Deus e o seu poder, nos tornamos abertos para o poder que vem de outras fontes. Aí o poder real de Satanás pode ser muito atrativo através da mágica, etc. (Warner 1990, 110). Creio que o perigo aumenta quando a nossa cosmovisão é dominada pelo animismo e simplesmente substituímos os deuses e colocamos a Cristo no lugar. Podemos facilmente ser enganados pensando que se trata da ação de Deus quando na verdade se trata de forças que se opõem a Deus, como vemos em Mt 7:21-24

- no final nas contas, batalha espiritual é uma batalha pela mente. Satanás sabe que as pessoas sempre viveram o que realmente crêem, mesmo que não vivam aquilo que professam crer. Já que a nossa crença sobre Deus é a base para todas as outras crenças, Satanás tentará quase sempre iniciar tentando perverter a nossa crença sobre o caráter de Deus. Aconteceu no Éden quando Satanás disse ser mentira que as pessoas morreriam se comessem do fruto proibido, logo não se poderia confiar em Deus. Ele também deu a entender que não se poderia crer no amor de Deus que restringiu o seu acesso àquela fruta bonita e desejável do jardim. Uma vez que as pessoas iniciaram a duvidar da integridade de Deus, eles se colocaram debaixo do controle de Satanás (Warner 2000, 903)

- ao que tudo indica o maior desejo de Satanás é ser como Deus :5 O Diabo o levou a um lugar alto e mostrou-lhe num relance todos os reinos do mundo. 6 E lhe disse: ‘Eu te darei toda a autoridade sobre eles e todo o seu esplendor, porque me foram dados e posso dá-los a quem eu quiser. 7 Então, se me adorares, tudo será teu’ ” (Lc 4:5-7); “3 Não deixem que ninguém os engane de modo algum. Antes daquele dia virá a apostasia e, então, será revelado o homem do pecado, o filho da perdição. 4 Este se opõe e se exalta acima de tudo o que se chama Deus ou é objeto de adoração, chegando até a assentar-se no santuário de Deus, proclamando que ele mesmo é Deus” (2 Ts 2:3-4). Isso pode ser visto também no AT no conflito entre Deus e os deuses. Quem está por trás dos deuses é Satanás. Isso também ainda ocorre nos dias de hoje. A batalha continua. Infelizmente muitos missionários [e pastores] têm deixado de ajudar as pessoas a mudarem a sua cosmovisão, de uma visão animista onde os espíritos são manipulados para uma visão cristã onde Deus é soberano. Além de não podermos manipular a Deus, não há nada que possamos fazer para nos promover diante de Deus. Somos totalmente dependentes da sua graça para lidar com o nosso pecado e se relacionar com ele diariamente. O nosso conceito de pecado é determinado pelo nosso conceito de Deus (Warner 2000, 903-4)

- para obter vitória na batalha espiritual sempre precisamos começar com uma visão correta de Deus e do que significa ser filho de Deus. Se me torno filho de Deus pela graça, mas depois acho que preciso merecer ser filhos de Deus, me coloco numa contradição insuperável. É através da fé que somos aceitos diante de Deus e não por nosso mérito. Saber quem eu sou em Cristo nos provê com a única posição viável para vencer o inimigo. A batalha toma dimensões bem diferentes quando vista do ponto de vista do trono de Deus e daquele governado pelas circunstâncias de nossa vida sobre a terra (Warner 2000, 904)

- na obra missionária tem havido diversos encontros de poder, onde o missionário tem confrontado os poderes das trevas na pessoa do xamã ou pajé da tribo. Normalmente as pessoas dentro das tribos são animistas onde a questão básica é o poder. Nestes casos as pessoas querem provas de seguir o deus mais forte e não somente argumentos. Os resultados desses encontros são variados, mas em diversas situações grupos de pessoas têm se colocado ao lado de Cristo nestas situações. Cabe lembrar, no entanto, que esses encontros de poder não garantem a estabilidade e perseverança espiritual dessas pessoas. Mesmo nas Escrituras vemos que pessoas experimentam o poder de Deus, mas freqüentemente voltam para os seus deuses, mesmo que tenham sido derrotados, como aconteceu no confronto entre Moisés e faraó, Elias e os profetas de Baal. O elemento chave é o que ocorre depois desse confronto de poder e eventual “conversão”. Se as pessoas não forem ajudadas a crescer no seu relacionamento com Deus, sua fé tende a morrer (Kraft 2000, 775). Num certo sentido precisamos comunicar com as pessoas na sua cosmovisão, no caso o confronto de poder. Por outro lado, isso pode nos complicar muito a vida já que o cristianismo pode ser derrotado quando ele permanece no confronto de poder que olha somente para resultados imediatos visíveis e não para a verdade que muitas vezes pode estar oculta e que resulta em transformação de vida que não seja tão imediata, mas que vai aparecer a médio e longo prazo. Não estou certo que devemos provocar esses encontros de poder. Acho que quando Deus resolve usá-los ele sabe do que as pessoas precisam. Em nossa visão limitada tentamos prever os resultados de diversos desses encontros, mas Deus conhece o coração das pessoas e sabe do que elas precisam. Se achamos que o encontro de poder vai resolver o problema, e Deus acha diferente e não se mostra como nós achamos que iria se mostrar e criamos a expectativa na vida das pessoas, o resultado pode ser muito pior do que pensamos. Não conseguimos forçar Deus a agir de acordo com os nossos planos

 


Concepção de Peretti de Batalha Espiritual

- para muitas pessoas os livros de ficção de Peretti se tornaram a Bíblia da batalha espiritual para muitas igrejas. Mesmo que é ficção sem a pretensão de se tornar um modelo de batalha espiritual, o livro se tornou o paradigma de interpretação de como os cristãos percebem a realidade espiritual (Guelich 1991, 52)

1.       A cosmovisão de Peretti

- a cosmovisão de Peretti está em contraste com a cosmovisão de Jesus e Paulo. Ele apresenta um mundo dualista, com um mundo visível habitado por humanos e um mundo invisível, no ar, que pode penetrar o mundo visível. A história não é vista em termo do Reino de Deus, nem do ponto de vista da “era presente” ou da “era futura”.

a.       Sua cosmologia é dualista, tanto do ponto de vista moral como cósmica. De um lado temos uma distinção clara entre o bem e o mal. As pessoas e os eventos são vistos dentro dessa perspectiva. Quase nada do que acontece é amoral. Tudo e todos participam dessa luta entre o bem e o mal. Por outro lado, esse dualismo se estende para além da esfera das experiências humanas para as forças cósmicas, de natureza espiritual. Os bons agentes, “as hostes celestiais” (cf. 1 Rs 22:19) pertencem ao Espírito e executam a sua vontade. Os agentes maus, “as hostes demoníacas” pertencem a Lúcifer e executam a sua vontade (Guelich 1991, 53)

b.       Sua cosmologia é paradóxica. De um lado o bem e o mal que ocorre na esfera humana procede dos poderes espirituais. Os personagens humanos e eventos, bons e maus, são todos coreografados por estes agentes. Quando não são inconscientemente controlados por poderes espirituais, a única liberdade individual é o aparente livre-arbítrio para se voltar para os poderes sobrenaturais que no final das contas, fazem as coisas acontecerem. Por outro lado, tanto as forças boas quanto más são condicionadas até um certo ponto pelas seus correspondentes humanos para convocar a sua ajuda através da oração das pessoas boas, o “remanescente”, ou através de uma submissão aberta, voluntária das pessoas más para com as hostes demoníacas. De uma forma geral, os agentes espirituais operam atraves dos seus correspondentes humanos, mas às vezes afetam diretamente as máquinas, como motores dos carros. Eles aparecem em visões e sessões e até se encarnam às vezes, na forma de seres humanos para realizar os seus objetivos (Guelich 1991, 53)

c.       Nessa cosmologia, a vida, tanto espiritual quanto humana é vista como uma guerra entre os agentes do Espírito e os agentes de Lúcifer. Mas nada ouvimos sobre o início e sobre o resultado final dessa guerra. A história termina com as hostes celestiais se locomovendo em direção à outro pais onde outra batalha está sendo preparada. Mesmo o resultado dessa batalha critica para esta cidade pequena [onde se desenvolve a trama] entre 2 dos representantes mais poderosos das hostes celestiais e das hostes demoníacas permanece em dúvida até o final com as forças do mal sendo capazes não somente de ferir os humanos, mas também de destruir as forças do bem (Guelich 1991, 53)

 

2.       A descrição do reino dos demônios

- sem contar que a angelologia de Peretti vai bastante além daquilo que temos na Bíblia, sua descrição dos demônios é considerada por muitos como baseada na Bíblia. Ele descreve a esfera dos demônios como hierárquica, territorial, “demonizada” (termo que hoje tende a substituir possessão) e a fonte do mal humano (Guelich 1991, 54)

a.       Ele diferencia entre os diferentes demônios usando status e poder. Lúcifer, obviamente Satanás, representa o general. Abaixo dele está uma das poucas majestade que são íntimas de Lúcifer, o “Homem Forte”, “um malévolo tirano global responsável por séculos de resistência aos planos do Deus vivo e pelo estabelecimento do reino de Lúcifer sobre a terra”. O Homem Forte é pessoalmente responsável por esta operação. Seu poder irradia de seu status bem como de seu tamanho e poder. Depois dele vem os “principados, príncipes de suas próprias nações, povos tribos”, que tem “tamanho incrível e tremenda aparência, eram todos seus pares em tamanho e ferocidade”. Um deles é Baal-Rafar, o príncipe da Babilônia, que é o comandante militar das forças demoníacas para esta batalha. Abaixo dele em poder e autoridade estão Lucius, Príncipe de Ashton, que é ciumento e ao mesmo tempo admira Rafar. Depois deles vêm uma série de demônios que variam em poder e tamanho recebendo ordens daqueles acima deles (Guelich 1991, 54; Peretti 1991, 147)

b.       Como o seu nome e status mostra eles são vistos como tendo responsabilidades territoriais. Enquanto o Homem Forte é global, os demônios em nível de principados estão sobre nações, povos e tribos. O nome Baal-Rafar, príncipe da Babilônia indica seu papel histórico tendo ressurgido depois de estar sobre a Babilônia antiga. Lucius, o príncipe de Ashton é o demônio que está sobre a cidade local. O mesmo ocorre com as hostes celestiais que estão colocadas sobre territórios

c.       Diversos dos personagens do relato se tornam demonizados por um ou mais demônios. O representante de uma multinacional toma o controle da situação quando o Homem Forte entra nele. Um jovem rebelde tem 3 demônios: feitiçaria, adivinhação e rebelião. Outro tem 5: ler a sorte; confusão/ódio, bruxaria, estupro, agressão. Os demônios infernizam a vida inclusive dos crentes. Um pastor jovem, o “guerreiro” chave acaba sendo iludido pelas artimanhas dos demônios, O carro da esposa do pastor é afetado e os demônios atacam e tentam atacar outros crentes e personagens inocentes da história. Os demônios parecem ser responsáveis por todo mal. O diabo é responsável por todo o mal que ocorre. Todo o mal tem o seu correspondente demoníaco. Os nomes dos demônios deixam isso muito claro. O nome dos demônios como duvida, complacência, desespero, lascívia, engano, febre, doença, ciúmes, assassinato, etc. Podemos inferir logicamente que toda vez que mostramos algum desses comportamentos ou atitudes que os demônios estão operando tanto na vida de crentes como de não-crentes (Guelich 1991, 54-55)

 

3.       Peretti e batalha espiritual

- nos livros de Peretti a batalha ocorre entre Lúcifer e o Espírito e é realizada pelas hostes do céu contra as hostes demoníacas em conjunto com as pessoas de uma pequena cidade. Assim a imagem de batalha domina toda a história. Os guerreiros são os cristãos e as hostes do céu, enquanto os inimigos ou adversários são os não-crentes presos à filosofia e aos rituais de New Age e as hostes demoníacas. Também há as pessoas à margem da historia pelas quais ocorre uma batalha entre as hostes celestiais e demoníacas pelas vidas e almas dessas pessoas. Mas essa batalha é espiritual. Mesmo que a batalha ocorra numa pequena cidade onde humanos maus tentam controlar a cidade através de conspiração, etc., com ajuda das forcas espirituais do mal. A verdadeira batalha acaba envolvendo Tal, o capitão da guarda de Deus contra Baal-Rafar o príncipe da Babilônia, um replay de uma batalha anterior ocorrida quando da queda da Babilônia muitos séculos atrás (Guelich 1991, 55)

- os humanos estão envolvidos nessa batalha em que podem influenciar o resultado da batalha através de sua participação. De um lado os guerreiros cristãos determinam ate certo ponto a força e o sucesso das hostes celestiais. Por outro lado, os não-crentes da cidade juntamente com o cabeça inescrupuloso da corporação multinacional executam os planos nas hostes demoníacas entregando-se a estas forças do mal de forma inocente e deliberada. Ao mesmo tempo tanto crentes como não-crentes podem ser influenciados ate certo ponto pelas forças espirituais de ambos os lados (Guelich 1991, 55)

- os crentes batalham com 2 armas: oração e exorcismo. Através da oração eles invocam e fortalecem as hostes celestiais para lutar contra as hostes demoníacas. O resultado da batalha depende da oração dos crentes. Assim como na batalha os soldados pedem por cobertura aérea, aqui lemos repetidamente sobre a necessidade e cobertura de oração, que muitas vezes é deficiente, para que as hostes celestiais possam iniciar a batalha. Sem a necessária cobertura espiritual as hostes celestiais não têm chance contra as hostes demoníacas. Logo a preparação para a batalha implica em convocar os cristãos de todo o mundo para orar para que as hostes celestiais possam vencer a batalha (Guelich 1991, 55-56)

- a verdadeira batalha ocorre no exorcismo. Algumas pessoas são libertas dos demônios enquanto que os cristãos liderados pelo pastor e alguns outros lutam contra aqueles que querem tomar controle da cidade. Mas a batalha também ocorre nos ares entre as hostes celestiais e as demoníacas, com a vitória do céu.

a.       o exorcismo sempre representa uma luta. Os espíritos maus reconhecem seu adversário e resistem com força considerável. Eles sempre brigam e às vezes vencem

b.       os exorcismos seguem um padrão ritualístico. Saber o nome e o número dos demônios traz poder para o exorcista. Somente quando citam o nome de Rafar conseguem mudar o curso da batalha que estava sendo perdida, Quando se invoca o nome de Jesus freqüentemente os demônios sucumbem (Guelich 1991, 56)

- precisamos também fazer algumas considerações sobre a batalha

a.       mesmo que a batalha ocorre numa pequena cidade, ela realmente trata da entrada de uma nova ordem mundial

b.       desde o início até o final do livro temos batalhas cujo resultado é totalmente dependente de haver cobertura espiritual suficiente. Essa cobertura espiritual era suprida pelos guerreiros espirituais que dava poder para os guerreiros celestiais, sem a qual eles estavam vulneráveis às hostes demoníacas. Nada se menciona sobre a obra de Cristo vindo para anunciar o Reino ou sua obra na cruz e sua ressurreição

c.       o nome de Cristo é invocado nos exorcismos como um artificio de poder para repreender o demônio. Mas essa repreensão passa a ser uma fórmula. Expressar “em nome de Jesus” parece dar poder sobre o demônio ao invés de refletir a pessoa e obra de Cristo no qual se baseia a utilização do nome

d.       não há menção de que Cristo já venceu o inimigo, nem se menciona que haverá uma vitória futura sobre o inimigo. A batalha termina quando o General e Tal lideram as hostes celestiais para outro país para outra batalha

e.       o símbolo da teologia desse relato é: “Essa é a essência do evangelho, lutar contra Satanás, fazer a luz do evangelho brilhar na escuridão ...” (Guelich 1991, 57; Peretti 1991, 75)

 

4.       Comparando Jesus, Paulo e Peretti

- em se tratando de um romance de ficção temos que ter cuidado em criticar aspectos teológicos. Por outro lado para muitos ela influenciou muito a cosmovisão das pessoas, a ponto de diversas pessoas o tratarem como a Bíblia da batalha espiritual. Cabe levantar alguns pontos relevantes sobre o conceito de Peretti sobre batalha espiritual (Guelich 1991, 57)

 

 

a.       Cosmovisão

i.         Sua visão é controlada por um dualismo moral e cósmico o que tem algo de similar com a literatura judaica apocalíptica e o gnosticismo, mas pouco a ver com Jesus e Paulo. Tanto Jesus e Peretti têm em comum que Satanás e as forças do mal estão ativas nas experiências humanas, tanto em cristãos como não-cristãos. Peretti leva muito a sério a dimensão demoníaca. Enquanto Jesus e Paulo levam a dimensão demoníaca bem a sério eles vêem nela somente uma parte do seu ensino, mas o evangelho não era estruturado sobre essa dimensão. As referências a esta dimensão aparecem nos escritos mas não a dominam. Para Peretti essa dimensão controla todo o seu livro. Tudo é batalha espiritual (Guelich 1991, 58)

ii.       Tanto Jesus como Paulo raramente falam sobre Satanás ou demônios como sendo a fonte do pecado na vida das pessoas. Quando Jesus citou uma lista de pecados ele falou que elas vinham de dento do coração humano. O coração humano está cheio de intenções más, como “os maus pensamentos, as imoralidades sexuais, os roubos, os homicídios, os adultérios, 22 as cobiças, as maldades, o engano, a devassidão, a inveja, a calúnia, a arrogância e a insensatez. 23 Todos esses males vêm de dentro e tornam o homem ‘impuro’ (Mc 7:21-23). Paulo menciona diversas vezes o pecado como poder em si mesmo e a carne como a dimensão da pessoa que se opõe contra Deus. Ele cita as obras da carne: “19 Ora, as obras da carne são manifestas: imoralidade sexual, impureza e libertinagem; 20 idolatria e feitiçaria; ódio, discórdia, ciúmes, ira, egoísmo, dissensões, facções 21 e inveja; embriaguez, orgias e coisas semelhantes” (Gal 5:19-21). Aqui a carne e não o aspecto demoníaco se opõe ao Espírito. Em contraste, Peretti identifica os pecados com os demônios. Isso corresponde a uma visão dualista do bem e do mal, onde o bem está ligado com Deus enquanto o mal está ligado com Satanás, uma visão simplista que distorce o ensino bíblico sobre a natureza do mal (Guelich 1991, 58-59)

 

b.       Abuso das metáforas

i.         Batalha espiritual é somente uma das metáforas bíblicas para  vida cristã. Na verdade é uma das metáforas bíblicas raras que não aparece em todos os evangelhos e somente uma das cartas de Paulo fala de Satanás e das forças malignas. Mas Peretti identifica a vida cristã como a principal metáfora da vida cristã. A utilização dessa metáfora é tão intensiva e exclusiva que o símbolo está correndo perigo de se tornar realidade (Guelich 1991, 59)

ii.       Vendo a vida cristã pelas lentes da batalha espiritual fora do contexto bíblico, corremos o risco de distorcer a obra de Cristo debaixo dos pés de quem foram colocadas todas as coisas (Ef 1:22) e o papel do cristão no encontro com Satanás e as forças do mal (Ef 6:10-17) (Guelich 1991, 59). Peretti pode atribuir ao cristão o que pertence à obra de Cristo. Lutar contra Satanás era a obra de Cristo. Ele veio anunciando o reinado soberano de Deus o que envolvia a pregação das boas novas e o amarrar de Satanás para saquear a sua casa através das curas e exorcismos. A mensagem de Paulo está centrada na cruz de Cristo e sua ressurreição o que inclui a submisso dos poderes e autoridades, mas não lutar contra Satanás (Guelich 1991, 59). Por outro lado a utilização da batalha espiritual de Peretti pode distorcer o papel do cristão de permanecer em pés (firme) na armadura que Deus nos dá quando estamos sendo atacados (Ef 6:10-17). Satanás e seus demônios têm poder, estão ativos e são perigosos no mundo até a sua consumação quando serão totalmente destruídos. Mas os exorcismos e a armadura do cristão são baseados na obra que Deus realizou em Cristo. Quando Jesus e seus discípulos exorcizavam os demônios estavam saqueando a casa do homem forte e não amarrando-o. Assim os discípulos não estavam envolvidos em uma batalha para vender Satanás e suas forças. Além disso, quando o escritor de Efésios os orienta a ficarem firmes (de pé) diante das forças do mal (8:10-13) ele faz isso depois de afirmar que Deus já colocou Cristo acima de todos os poderes e autoridades e todas as coisas debaixo dos seus pés (Ef 1:21-22) (Guelich 1991, 59-60)

iii.      Peretti distorce o papel da oração na batalha espiritual. A oração se torna uma arma de guerra, quando isso não faz parte de nossa armadura contra o inimigo. Para Peretti a oração tem um papel importante no resultado da batalha. As hostes celestiais dependem da oração e estão limitadas a elas. O que era uma suplica e oração intercessora por si mesmos (os santos e Paulo) agora se tornou parte integrante da batalha (Ef 6:18-19). Essa militarização da oração é no melhor das hipóteses dúbia. Esses versículos vêm depois da metáfora da batalha (6:10-17). A convocação para a oração não possui a imagem militar que os v.10-17 possuem. Além disso o papel do guerreiro é defensivo e não ofensivo. O crente veste toda a armadura para poder resistir a Satanás e seus poderes. Assim a oração é que Deus os proteja contra o inimigo (Guelich 1991, 60)

 

c.       Exorcismos

i.         a descrição dos exorcismos de Peretti distorce a figura que temos nas Escrituras do mesmo fenômeno. O exorcismo sempre é uma batalha. O resultado sempre está aberto e em uma ocasião os demônios acabam resistindo ao exorcista e levando ele à desgraça. Essa não é a descrição que temos na Bíblia, mas de fontes extra-bíblicas. Em uma ocasião vemos que os discípulos não puderam expulsar o demônio (Mc 9:17-18; Mt 17:14-18; Lc 9:37-42), mas a situação é diferente. Não existe evidência de batalha nesse texto. Jesus repreende os discípulos por sua falta de fé (Mc 9:19; Mt 17:20; Lc 9:41). Quando afirma que esses demônios somente saem pela oração (Mc 9:29), Jesus não quer dizer que a oração é o meio pelo qual ocorre o exorcismo (não temos nenhuma indicação de oração para qualquer outra situação de exorcismo no NT), mas que a oração indica a o relacionamento correto com Deus que é a fonte do poder sobre o demônio (cf. Mt 17:20) (Guelich 1991, 60-61). Os discípulos tinham recebido o poder para expulsar demônios (Mc 6:7). Eles estavam tentados a pensar que essa capacidade agora estava em seu controle para usar quando queriam, podendo confiar em si mesmos para esta tarefa. Isso demonstrava a falta de fé, já que estavam confiando em si mesmos e não em Deus. O poder de Deus precisa ser invocado em toda situação, pois somente Deus tem poder sobre os demônios (Lane 1974, 335-36; France 2002, 370; Hooker 1999, 225)). O termo jejum foi acrescentado mais tarde e não faz parte dos originais. Ele possivelmente surgiu da tentativa da igreja de valorizar o ascetismo (contra France, que acha que talvez um escriba as tirou porque queria desencorajar uma ênfase exagerada sobre o jejum, ou porque achava que o jejum aqui seria incompatível com as palavras de Jesus em 2:19 [France 2002, 361]). Nesse texto parece fora do lugar, porque a ênfase está sobre a dependência de Deus e não em algo que podemos fazer para ter vitória sobre o demônio (Hooker 1999, 225). At 19:13-17 prova isso descrevendo a luta quando exorcistas judeus, os filhos de Ceva, o sumo-sacerdote procuram exorcizar em nome de Jesus, sem sucesso. Isso tudo pode decorrer da falha de Peretti de reconhecer que nos exorcismos do NT, ao contrário dos exorcismos pagãos, os demônios já foram confrontados com a atividade redentora de Cristo. A batalha já foi ganha nos exemplos bíblicos. Os demônios logo reconhecem que não têm chance. Eles sempre se apresentam de forma suplicante sem resistência (Guelich 1991, 61)

ii.       A ênfase de Peretti nos números não aparece nas Escrituras. Maria Madalena é descrita como sendo liberta de 7 demônios (Lc 8:22). Em outra ocasião Jesus diz que um demônio somente saiu com o retorno de 7 outros. Mesmo Mc 5:1-20 onde temos a legião de demônios, o número é irrelevante exceto que impede que o demônio se identifique. Além disso, não temos indicação nas Escrituras que os demônios saiam em seqüência. Mas Peretti menciona que cada demônio deve ser exorcizado pelo seu nome (Guelich 1991, 61)

iii.      Peretti enfatiza o nome dos demônios. O exorcismo ocorre quando identificamos o nome dos demônios. A batalha final entre Tal e Rafar se baseia na identificação do nome de Rafar e sua repreensão nominal. A implicação é que a utilização do nome do demônio concede ao exorcista poder sobre o mesmo, uma visão que encontra paralelos nos escritos judaicos e pagãos, mas não nas Escrituras. Com uma exceção o NT não se referem a nomes de demônios nos exorcismos que ocorrem. Mesmo em Mc 5:9 quando Jesus pede o nome do demônio, o exorcismo ocorre sem qualquer referência ao nome, mesmo assumindo que Legião fosse o nome dos demônios, o que é altamente questionável (Guelich 1991, 61)

iv.     Os exorcismos freqüentemente contêm expressões que parecem fórmulas mágicas do que seguindo os precedentes bíblicos. Para Peretti repreender o demônio “em nome de Jesus” funciona como uma fórmula mágica. Para nós repreender significa uma censura severa. O grego epitiman também contém o mesmo significado, mas também tem a conotação de poder num contexto de exorcismo. No contexto do NT essa palavra pode ter como pano de fundo o termo hebraico gaar, com a conotação de subjugar. É a palavra que proferida por Deus ou seu enviado leva os demônios à submissão. O mesmo ocorre com o termo “amarrar”. Ele é usado por Jesus para demonstrar o que já aconteceu com o diabo com a vinda de Jesus, o que permite agora que sua casa seja saqueada. Além disso, o nome de Jesus não é mágico como vemos em At 19:13. Nas Escrituras, fazer algo “em nome de” significa fazer algo condizente com a pessoa e sua obra. O poder e a autoridade de exorcizar não reside no nome, mas na pessoa e obra que conota (Guelich 1991, 62)

 

d.       As hostes demoníacas

i.         A Bíblia basicamente não nos apresenta descrições visuais de Satanás e seus demônios. Mas Peretti os descreve a vivo e a cores. Ele os descreve como criaturas escuras com asas de morcego, com um odor horrível de enxofre e assoviando. Sendo ficção ele pode descrever os demônios como quer, mas pode deturpar a sua aparição como anjo de luz na experiência dos cristãos (Guelich 1991, 62)

ii.       Peretti segue uma visão já bem antiga de Satanás e suas hostes como muito bem organizados, seguindo o modelo de um exército numa hierarquia de poder e autoridade. Assim ele fala dos demônios em termos de tamanho, poder e autoridade. Essa diferença é vista na maneira como os humanos experimentam essas forças demoníacas. Alguns ataques são menores e sem uma ameaça tão grande quanto os ataques de demônios maiores. Mas essa descrição não tem base nas Escrituras. Essa descrição é mais próxima da literatura judaica e pagã do que do NT. Nas Escrituras somente Satanás é descrito como o príncipe dos demônios, etc., somente ele está no ranking (Guelich 1991, 62-63)

iii.      Peretti coloca os demônios dentro de hierarquias de acordo com o seu poder e também aceita a noção de espíritos territoriais. Tanto demônios, quanto anjos são colocados sobre territórios geográficos. A base para esta visão se encontra em Deut 32 e Dan 10, mas não temos nenhuma indicação no NT sobre a existência destes. Jesus nunca atribui a resistência ao evangelho como resultado da atuação de forças demoníacas, ou até que expulsou um demônio territorial. O fato que os demônios de Mc 5:1-20 não quiseram deixar a área ainda não significa que eram territoriais. Seu pedido está ligado com a destruição dos porcos que tem um significado particular nessa área fora dos limites da Galiléia. Quando os demônios são destruídos a população rejeita a Jesus ao invés de colocar a sua fé em Jesus. Paulo reconhece que o diabo pode cegar os olhos dos incrédulos, mas ele não luta contra Satanás nesse sentido, pois é um fato. Paulo nunca fala sobre espíritos territoriais mesmo ministrando em cidades como Corinto, Atenas, Éfeso e Roma (Guelich 1991, 63)

- resumindo, o perigo na abordagem de Peretti é transformar o “príncipe da paz” em “comandante de batalha”, um papel que se encaixa nas expectativas judaicas para o Messias muito mais do que na Cristologia do NT. Isso leva a diversas distorções: sobre a pessoa e obra de Cristo; sobre o papel dos cristãos de proclamar o evangelho com suas implicações pessoais e sociais; sobre Satanás e suas hostes; sobre a natureza do mal. Isso pode trazer problemas para o evangelho quando sua intenção é ajudar. Pode trazer traumas para pessoas que quer ajudar. Temos que ter muito cuidado com experiências que aparentemente não “batem” com as Escrituras. No mínimo deve nos levar a estudar o assunto com muita cautela, porque os resultados ainda não provam que a coisa é de Deus. Jesus nos alertou que pessoas podem expulsar demônios sem nunca tê-lo conhecido (Mt 7:22-23). Precisamos ir além dos sinais e maravilhas para seguir a Jesus com uma sólida base bíblica (Guelich 1991, 63-64)

 

 


B – Espíritos Territoriais

- muita ênfase tem sido colocada sobre espíritos territoriais nos últimos anos. O estímulo para tal não nasceu da Bíblia mas de informações vindas de outras fontes. A partir dessas informações, às vezes recebidas de ex-bruxos passou-se a ler a Bíblia para ver se esse conceito estaria presente nas Escrituras para defender práticas adotadas por diversos líderes no mundo todo

- Peter Wagner, um dos principais defensores dessa idéia fala de hipóteses ao invés de conclusões. Wagner afirma que Friday Thomas Ajah um crente da Nigéria, que anos atrás era um dos líderes do ocultismo recebendo o nome de Santo Tomé, o Divino, supostamente por Satanás. Ele menciona que Satanás havia dado a ele o controle de 12 espíritos, cada um dos quais controlava 600 demônios, o que daria um total de 7.212 demônios. Ele afirma que estava em contato com todos esses espíritos e controlava todas as cidades e tinha um centro de culto em cada um deles. Se isso for verdade, haveria muito mais demônios no mundo (Wagner 1990, 76). Adiante Wagner menciona Rita Cabezas da Costa Rica, que afirma que existem 6 governadores sobre cada nação. Sobre Costa Rica seriam Shiebo, Quiebo, Ameneo, Mephistopheles, Nostradamus e Azazel. Sobre os EUA seriam Ralphes, Anoritho, Manchester, Apolion, Deviltook e um sem nome. Segundo ela cada um deles tem certas áreas do mal. Por exemplo, a lista de Anoritho inclui abuso, adultério, embriagues, fornicação, glutonaria, ganância, homossexualismo, lesbianismo, lascívia, prostituição, sedução, sexo e vícios. Com base nisso, Wagner afirma que nada disso são conclusões finais, apenas pesquisa em processo. Wagner tenta verificar a validade de suas conclusões olhando a descrição desses nomes na Bíblia e em outras referências como dicionários (Wagner 1990, 84-85)

- a idéia principal é que o diabo teria designado espíritos para controlarem determinadas áreas geo-políticas (geográficas) no mundo. Baseados principalmente em Dan 10 e 12 advogam que existem espíritos que controlam nações, estados, cidades, ruas e até casas (Lopes 2001, 38-39)

- esses espíritos atuariam através da nova era, espiritismo, cristais, etc. para “cegar as pessoas que habitam nas áreas sobe sue controle e levá-las à perdição, impedindo que sejam alcançados com a verdade do Evangelho. Assim, quanto mais mergulhada em trevas espirituais for a região, mais densa é a concentração de demônios ali” (Lopes 2001, 40)

- um outro argumento diz respeito à janela 10/40 onde estão os povos ou nações menos atingidos com o evangelho. Isso seria em virtude de demônios territoriais que cegam as pessoas. Creio que os demônios cegam mesmo as pessoas, mas não precisamos admitir que sejam necessariamente geográficos (Lopes 2001, 40-41)

- outra perspectiva é a demonização de estruturas sociais (Lopes 2001, 41). Creio que existe o mal nas estruturas. As pessoas que dominam o mundo são influenciadas por Satanás e seu demônios. Mas outra vez não precisam ser necessariamente espíritos territoriais

- esses espíritos atacam as igrejas promovendo a divisão e o pecado na vida das igrejas, semeiam confusão e procuram frustrar os planos de evangelização. Logo, a igreja não vai avançar se não conseguir derrotar esses espíritos que colocaram essa barreira no seu caminho. A igreja precisa vencer esse demônio que controla essa região para depois poder ganhar as pessoas para Cristo. Isso não é tarefa para cada cristão. As pessoas precisam de treinamento especial para poder vencer essas batalhas que é recebido nos seminários específicos de batalha espiritual (Lopes 2001, 41-42). Para isso algumas estratégias são bem comuns:

1 – Estratégias para vencer o inimigo no mundo atual

a.       Mapeamento Espiritual. Consiste em localizar os demônios que controlam as áreas a serem evangelizadas. Tenta-se descobrir o nome dos demônios e as razões pelas quais estão ali. Faz-se um estudo histórico, social e geográfico da região para entender o que se passou nesse local. Assim se chega ao perfil dessa cidade. Mas para descobrir que entidade domina a região, muitas vezes se recorre a revelação direta de Deus para isso. Ora-se sobre cada área da cidade. Quando sentirem uma opressão muito forte marcam esse local como a fortaleza de Satanás. A igreja é chamada para colocar guerreiros de oração para declarar a queda do trono de Satanás. Quando isso ocorre a cidade está livre para ser evangelizada sem impedimentos – a cidade inteira poderá ser ganha para Cristo (Lopes 2001, 43-44). Em algumas situações se organiza viagens para países da janela 10/40 e se vista locais estratégicos para descobrir os demônios que controlam a região e andar por estes locais orando para que Jesus reine no local. Não se evangeliza nem se pratica atos de compaixão, apenas oração nesse sentido (Moreau internet). Recentemente Wagner tem ensinado sobre a necessidade de identificar a “rainha do céu” que se apresenta com diversos nomes em diversas localidades (Artemis em Éfeso, Cali em Calcuta, Virgem de Guadalupe no México). Segundo Wagner essa rainha tem mantido mais pessoas fora do céu do que qualquer outra influência maligna. Wagner organizou nos últimos anos diversos eventos para amarrar a rainha Artemis de Éfeso, culminando com uma celebração de louvor por 4 horas no anfiteatro de Éfeso para amarrar Artemis, o que iria libertar milhões de pessoas do seu domínio na janela 10/40 (Moreau internet)

b.       Oração de Guerra. A oração de guerra consiste em declarar pela fé que em nome de Jesus aquela fortaleza do inimigo está derrubada e que o poder do maligno está anulado. Os crentes determinam a vitória de Jesus nesse local e declaram que a cidade pertence a Cristo. Esta noção está por trás da “Marcha para Jesus”. Nesse processo se amarram os demônios que prendem a cidade bem como os demônios da imoralidade, drogas, etc. É necessário dizer o nome do demônio para poder amarrá-lo. A oração não somente amarra esses demônios como também movimenta as hostes celestiais para a resistência (Peretti) (Lopes 2001, 44-45)

- basicamente a idéia por trás dessa estratégia é usar a oração como uma bomba inteligente que identifica os poderes malignos que impedem a expansão do evangelho e com isso ter resultados mais eficazes na evangelização mundial (Moreau internet)

 

2 – Análise das Estratégias

- vamos analisar um pouco mais a fundo essas propostas de mapeamento espiritual e oração de guerra:

- Neuza argumenta que suas idéias sobre este assunto vieram de Ed Silvoso, da Argentina.

a.       A fonte das informações

- A fonte das informações sobre estes assuntos é sempre complicada: “Quando escrevo que constatamos através de pesquisas; que verificamos; ou que discernimos o nome ou influencia de certo demônio, significa que obtivemos tais informações em sessões de libertação, pelo testemunho de pais e mães-de-santo que se converteram” (Itioka 1998, 51) O difícil é confiar nessas fontes. As informações podem até estar corretas mas nunca vamos saber pois estão sujeitos ao pai da mentira. Crer nessas fontes não traz benefício nenhum pois nunca podemos ter certeza de sua veracidade.

 

b.       Tendência de controlar a Deus com nossas ações

- “Embora incorpore instituições, companhias, corporações, sociedades, a cidade, é como uma pessoa. Ela nasce, cresce, desenvolve-se, e pode tornar-se um lugar onde o espírito de Deus tem liberdade de agir ou, ao contrário, um lugar onde Ele fica entristecido e decide se afastar. Isto depende do como seus moradores e suas instituições tenham se comportado” (Itioka 1998, 12). Se por um lado é verdade que a história de uma cidade influencia o comportamento de seus moradores, por outro lado parece que nós controlamos a Deus aqui. Como Jesus foi a Jerusalém que matava todos os profetas se o comportamento da cidade faz Deus se afastar? Isso basicamente fecha as portas para a conversão das pessoas na cidade?

- “De forma semelhante, João Wesley, disse que Deus nada faz, a não ser responder orações. E assim, se nós, homens, não intercedermos, as profecias poderão demorar a se cumprir, os principados ainda ficarão soltos, os pecadores não ser converterão, a cidade continuará nas mãos do inimigo, o mundo não poderá ver a manifestação da glória de Deus” (Itioka 1998, 72).  “Quando entramos num nível de intercessão mais profundo, Deus nos leva a trabalhar, a gerar no Espírito aquilo que ainda não existe, para que tome forma na realidade. Assim, uma cidade inteira, poderá ser conquistada através da intercessão” (Itioka 1998, 81). Eu acabo limitando a Deus pela quantidade da minha oração. A doutrina da soberania de Deus fica esquecida e nós criamos ou deixamos de criar as coisas, inclusive conquistar as cidades para Jesus. Isso é muito próximo da teologia da prosperidade. Parece que vivemos no maniqueísmo onde Deus e o diabo são forças de igual para igual e nós podemos ajudar Deus a vencer as batalhas

- baseado em Mt 18:18 – o que ligardes na terra será ligado no céu, Neuza diz; “Então você pode guerrear na intercessão, dizendo: ‘Senhor, eu proíbo que retaliações venham sobre a Igreja, sobre o povo de Deus. Eu proíbo esta tempestade sobre a cidade e libero a paz de Deus, a fome pela presença de Deus e a busca de Deus sobre a cidade em nome de Jesus’”(Itioka 1998, 85). O problema com esse texto é que ele é colocado dentro do contexto da disciplina na igreja e não está ligado com ordenar Deus a fazer isso ou aquilo. A nítida impressão que nos dá é que Deus estaria perdido sem a nossa participação, que ele não consegue se virar sem a nossa intervenção no mundo. Esse texto fala das chaves do reino que seriam o perdão dos pecados. Aqueles que colocam a sua fé em Deus e no evangelho terão o perdão dos pecados e aqueles que rejeitam serão condenados a não ser que se arrependam (Bromiley in Arnold 1997, 168-69). Além disso, esquece da soberania de Deus sobre o universo. Deus não existe em função do ser humano. As tempestades e retaliações sobre a igreja podem ser o meio que Deus escolheu para purificar ou até abençoar a igreja

- “O seguidor de Jesus Cristo tem um poder extraordinário em sua boca. Quando ele abre a boca para ordenar, de acordo com a vontade de Deus e, em nome de Jesus Cristo, as coisas acontecem. A espada do espírito é a nossa arma ofensiva, e ela está na nossa boca. Vamos orar e conquistar. Vamos dizer aos principados que Jesus é o Senhor e que eles têm de desistir das regiões e cidades em que estejam atuando, e que têm de soltar as milhares de criaturas que estão sob sua opressão” (Itioka 1998, 113)

- mas, centenas de vezes os demônios têm sido amarrados, mas as estatísticas não mostram uma diminuição nos crimes, corrupção, imoralidade nas cidades supostamente libertadas (Hunt 1993, 7). Mesmo que outros mencionam o sucesso dessa estratégia, é quase impossível determinar uma causalidade direta

 

c.       Libertação de cidades

- embora seja necessário libertar as pessoas do domínio dos demônios também é preciso libertar as cidades com a sua maneira de ser (Itioka 1998, 13-14). Não temos nenhuma ordem nem exemplo na Bíblia que nos mostre que isso deve ser feito. Nem sabemos se podemos libertar cidades, nem sabemos que elas estão presas a demônios, etc.

- “Se a Igreja de Jesus Cristo quer levar a sério o trabalho de Missões e evangelização, é necessário planejar e desenvolver uma estratégia de guerra espiritual para conquistar localidades, cidades, regiões e países, em nome de Jesus Cristo”(Itioka 1998, 15)

- Itioka comenta que as cidades desde Caim receberam nomes que mostram a sua característica ou personalidade (Itioka 1998, 17). Para mostrar ela cita o exemplo de Caim que foi para a terra de Node = exílio (heb). Ela ainda cita 3 outros exemplos: Tiro (Is 23:7) – cidade de folia/orgia; Ninive (Na 3:4) – mestra das feitiçarias; Babilônia (Ap 17:5) – mãe das meretrizes. “Acreditamos que os nomes das cidades exercem uma função profética sobre as mesmas, influenciando suas características ou personalidades” (Itioka 1998, 17). A pergunta é se a característica vem antes do nome ou depois? Nos textos citados os nomes das cidades não tem nada a ver com a significado dado pela autora (fonte???) mas a cidade é descrita como local onde essas coisas acontecem. Deus criou cada cidade com um potencial que pode ser desenvolvido para o bem ou mal. Muitas vezes o nome é dado depois pois se torna a caricatura da cidade por causa do seu comportamento

- Descrição de São Paulo. “São Paulo leva o nome desse grande apóstolo e também tem o seu apostolado para abençoar toda a Nação e todo o continente americano. E certamente, de São Paulo, sairá o maior movimento missionário do Brasil que abençoará toda a Terra, nesta virada de milênio, apressando a vinda do Senhor Jesus Cristo” (Itioka 1998, 23). Interessante que aqui o fato de ser “santo” = “são” e estar ligado com conceitos católicos parece não gerar influência sobre a cidade. O que poderíamos dizer então de São José do Pinhais? Será que estará para sempre dominada pelas idéias desse São José? O que é perigoso também é de ver que nós controlamos a volta de Jesus. Na verdade, o Espírito Santo convence as pessoas do pecado, e sem ele podemos enviar quantos missionários queremos e nada vai acontecer.

 

d.       Função da Igreja na Cidade

 “A igreja de Jesus Cristo não foi chamada apenas para salvar pessoas, mas para trazer mudanças nas estruturas, na natureza caída, no sistema pecaminoso que governa e comanda milhares de vidas, escravizando-as para destruí-las” (Itioka 1998, 19)

- o mal na cidade não é somente individual, mas “o pecado de uma comunidade é reforçado também pelas condições, circunstâncias, e estruturas da própria cidade” (Itioka 1998, 31)

- “Entendemos que há um principado poderoso atuando negativamente sobre o Brasil. Chegamos a essa conclusão observando, entre outras coisas, nossa atmosfera, nossa irresponsabilidade, nossa malandragem, bem como, nossa proverbial mania de ‘levarmos vantagem’ em tudo. Porém, onde é mais perceptível a atuação do mal, no País, é por meio da corrupção que se perpetua no ambiente político e da administração de nossas instituições. Isso nos leva a identificar um poder satânico poderoso, entre nós, que é quase invencível por meios normais, o Principado da Corrupção” (Itioka 1998, 49). Certas características culturais podem ser tanto usadas para o bem quanto para o mal. A cultura está com a marca da queda do homem e por isso não é totalmente neutra. Mas a malandragem do brasileiro é também um dos motivos que leva o brasileiro a ter aquele jeitinho que tem sido positivo em diversos aspectos na obra missionária. É aquela mania de achar uma saída diferente que ninguém ainda tinha pensado. Interessante é ver aqui que ela coloca que Deus está no controle da cidade, mas que contradiz outros palavras suas sobre orar, decretar a libertação da cidade, etc.

 

e.       Direito legal sobre os seres humanos

- Neuza seguidamente menciona que a “terra que pertence ao Senhor, foi entregue a Satanás quando o primeiro casal pecou contra Deus. Desde então o nosso inimigo Satanás tem tido direito - não somente sobre o homem, que dá brecha mas também sobre a Terra que se contaminou com o pecado do homem – para construir a sua fortaleza” (Itioka 1998, 52). “É interessante lembrar que, quando Jesus Cristo acalmou a tempestade Ele usou o mesmo verbo que usava para repreender e expulsar demônios. Jesus sabia que por trás de tais tempestades há uma força que comanda o vento e a chuva ...” (Itioka 1998, 64, ver também 85). O fato de que Jesus repreende os ventos usando a mesma palavra não significa necessariamente que se trata de influência demônica. Qualquer força hostil pode ser repreendida por Jesus seja, demônio, doença, ou forças da natureza (Bock 1994, 762). Pode também ser que por causa do pensamento protológico da época, as pessoas não conseguiam diferenciar entre causas primárias e secundárias, o que levaria as pessoas a atribuir tudo aos seres do mundo intermediário. Não fica claro nesse texto que Jesus se dirige ao vento como agente pessoal (Fitzmyer 1979, 545, 730). O que é muito mais coerente é de vermos Jesus como implantando o reino de Deus sobre a terra e resgatando tudo que o pecado manchou. Um dia tudo estará debaixo dos seus pés. Tanto o vento, a tempestade, as doenças, todo o mal, entrou na terra como resultado do pecado. Jesus agora vai restaurar ordem nessa terra. O diabo tem uma certa autonomia sobre a terra mas dentro dos limites estabelecidos por Deus (amarrado com uma corda bem comprida – Cullmann). Assim como Jesus veio e estabeleceu o seu reino sobre a terra, mas este ainda não está presente na sua totalidade, da mesma forma o diabo já foi derrotado, mas continua atuando fortemente. Ele não pode impedir Jesus de implantar o seu reino, mas tenta e faz tudo o que pode. A última batalha é descrita no Apocalipse, mas o vencedor já está determinado (Guelich 1991, 39).

 

f.  Mapeamento Espiritual

Neuza sugere que precisamos pesquisar para saber quem é o homem forte que está governando a cidade

i.   Analise a personalidade da cidade – pelas atividades e o comportamento dos seus habitantes.

ii. Isole-se num lugar em jejum e oração e enfrente o principado que controla a cidade – a identificação do principado ocorre através da revelação.

iii.      Pesquise a história da fundação da cidade – quem foi homenageado – se houve matança/extermínio de índios – relacionamento forte com o poder das trevas.

iv.     A história da cidade pode dar alguma luz importante para discernir o principado reinante –disputas políticas, assassinatos em massa, corrupção, etc.

v. Procure saber quem é o padroeiro da cidade, que entidade comanda a Igreja Católica local.

vi.     Procure saber quais o pontos religiosos mais importantes da cidade.

vii.    Verifique os pontos onde acontecem desastres estranhos e mortes inexplicáveis.

viii.  Identifique os portais da cidade – locais/coisas que influenciam – canais de TV, prefeitura, etc.

ix.     Identifique os pecados mais freqüentes da cidade.

Se o mapeamento é feito para descobrir a história da cidade e conhecê-la melhor, com certeza será de proveito. No entanto, se queremos descobrir o homem forte da cidade teremos problemas, já que a Bíblia nunca ensina que devemos fazê-lo, e não saberemos se achamos o príncipe ou não. Jesus, nem Paulo, nem outro apóstolo achava essa questão relevante o bastante para nos informar a respeito. Nessa questão de mapeamento como descrito por Itioka, temos algo muito perigoso. Estamos preparando uma nova doutrina da Bíblia com base em nova revelação que não temos na Bíblia. Se existem espíritos territoriais, ou não, podemos discutir, mas é ponto pacífico que a Bíblia nunca nos ensina a identificar esses espíritos, nem a lutar contra eles.

- o mapeamento pode ajudar a determinar a situação das pessoas em uma certa localidade o que nos ajuda a orar de modo mais específico bem como ensinar e discipular melhor os novos convertidos (Moreau internet)

 

g.  Pedir perdão pelos pecados da cidade – perdão por identificação

- “Desta forma destruímos e cancelamos o direito legal que estes pecados deram ao inimigo, ao longo do anos, para construir fortalezas sobre a cidade, sobre a nação, libertando-as dos principados e potestades que impediam o crescimento do Reino de Deus” (Itioka 1998, 115). “Numa situação de conquista, para enfraquecer e quebrar o poder os principados e potestades sobre a cidade, é fundamental haver confissão dos pecados da cidade perante Deus” (Itioka 1998, 116).

- basicamente a idéia de pedir perdão por identificação tem alguns passos: 1) identificar o pecado nacional;  2) confessar o pecado de maneira corporativa e pedir perdão a Deus;  3) aplicar o sangue de Jesus;  4) andar em obediência a restituir o dano (esse passo pode incluir a mudança de leis ou fazer pagamentos para efetuar a restituição pelos danos causados. Em alguns casos se organizam caminhadas para orar e pedir perdão pelos danos causados, como grupos que percorreram o caminho das Cruzadas para pedir perdão (Moreau internet)

- apesar de termos diversos exemplos no AT de pessoas pedindo perdão pelos pecados do povo, não temos nenhum mandamento nos instruindo dessa forma, nem prometendo os resultados acima divulgados. Em geral trata-se mais de uma constatação de que a aliança com Deus foi quebrada e que o perdão de Deus é necessário para o povo. Alguns que defendem essa prática acham que podemos pedir que a maldição pelos pecados do povo podem ser tiradas via o arrependimento em prol de outros (Arnold 1997, 179-80). Nem Paulo, nem Daniel se identificam com os pecados dos povos pagãos dos quais não participaram (Éfeso e Babilônia) para ver se o coração dos pagãos fica mais acessível para Deus. Se pedimos perdão pelos traficantes da cidade, isso ainda não vai mudar a vida deles, já que estes estão sendo controlados por poderes demoníacos. No caso de Neemias e Daniel que pedem pelos pecados de Israel, eles se tornam os representantes do povo e pedem pelos pecados do povo de Deus. Eles procuram levar o povo a reconhecer o seu pecado e que o castigo é merecido. Hoje, a confissão por identificação pode levar pessoas a serem curadas da amargura. Essa confissão tende a tornar claro dentro de nós onde estamos cegos para atitudes que magoam outras pessoas (Arnold 1997, 177-185). Se pedimos perdão pelos pecados ligados com a escravidão, não podemos remeter os pecados da época, mas isso pode abrir a mente do povo de Deus para a prática do racismo que continua existindo entre os cristãos. Assim pontes podem ser feitas com as pessoas que sofrem por causa da discriminação. Por outro lado, o que mais preocupa nessa abordagem é que se enxerga o mundo espiritual como leis que podemos conhecer e depois usar para nosso benefício. A questão da relação entre Deus e os humanos e muito mais um relacionamento do que leis frias

- o perdão por identificação pode ajudar as pessoas a lidar com o pecado corporativo. Mas isso não capacita os cristãos a remir o pecado da população incrédula da cidade, tirar o julgamento de Deus sobre elas ou resultar no enfraquecimento dos espíritos territoriais sobre a população incrédula (Moreau internet)

 

3 – Base bíblica para espíritos territoriais segundo Wagner (ele a chama de hipótese)

- Paulo afirma que “a nossa luta não é contra seres humanos, mas contra os poderes e autoridades, contra os dominadores deste mundo de trevas, contra as forças espirituais do mal nas regiões celestiais” (Ef 6:12). Segundo Wagner vemos aqui que a batalha é real e algo de nível. Jesus quando explicava sobre a vinda do Reino de Deus se referiu a amarrar o homem forte (Mt 12:29). Para Wagner se trata de amarrar os espíritos maus já que a palavra de Jesus conduz a isso: “28 Mas se é pelo Espírito de Deus que eu expulso demônios, então chegou a vocês o Reino de Deus. 29Ou, como alguém pode entrar na casa do homem forte e levar dali seus bens, sem antes amarrá-lo? Só então poderá roubar a casa dele(Mt 12:28-29). Jesus demonstra esse processo ao se referir ao controle do homem forte sobre a casa. Logo seria razoável que esse princípio se aplicasse a uma nação, cidade, ou então um grupo étnico. A casa é o local controlado por Satanás ou seus demônios e esse território somente pode ser conquistado se o homem forte for amarrado. Uma vez que os espíritos territoriais estão amarrados o rei de Deus pode fluir para dentro desse território e saquear os bens da casa do homem forte (Wagner 1990, 78)

- adiante Wagner se baseia em Deut 32, que será visto abaixo para mostrar que há governadores celestiais, que seriam principados e poderes, as forças espirituais do mal de Ef 6:12). Depois vai para Dan 10 onde são citados os príncipes da Pérsia e o príncipe da Grécia e que um anjo não conseguiu vence-lo até que Miguel veio em sua ajuda. Adiante afirma que espíritos territoriais são óbvios da dominação geográfica da Terra Prometida conquistada por Josué. Os israelitas são repreendidos por servirem aos outros deuses. Algumas das divindades adoradas são citadas na Bíblia: “29 No entanto, cada grupo fez seus próprios deuses nas diversas cidades em que moravam e os puseram nos altares idólatras que o povo de Samaria havia feito. 30 Os da Babilônia fizeram Sucote-Benote, os de Cuta fizeram Nergal e os de Hamate fizeram Asima; 31 os aveus fizeram Nibaz e Tartaque; os sefarvitas queimavam seus filhos em sacrifício a Adrameleque e Anameleque, deuses de Sefarvaim” (2 Rs 17:29-31). Jeremias se refere à queda da Babilônia com frases tais como “Bel foi humilhado, Marduque está apavorado [quebrado em pedaços]” (Jer 50:2). Uma situação específica citada por Wagner é o encontro de Paulo com Elimas em Chipre. O relacionamento próximo de Elimas com as autoridades sugere uma dominação espiritual da região. Mesmo que o principado não é identificado por nome, quando ocorre o confronto de poder e o poder de Elimas (chamado de filho do diabo) é quebrado, o procônsul crê. A tentativa satânica de cegar a sua mente falhou (At 13:6-12) (Wagner 1990, 79-80)

- depois disso Wagner vai citar diversos casos contemporâneos no mundo todo para provar a sua idéia. Os exemplos são citados a ele por pessoas que ele considera dignas de confiança, e segundo ele precisam ser avaliados, mas por incrível que pareça são usados por ele para atestar a sua hipótese. Alguns desses exemplos não podem ser confirmados, já que Wagner é conhecido por aumentar as suas histórias

- Wagner também nos adverte contra alguns perigos desse movimento

a.       Simplesmente um jogo de palavras. Usar palavras para amarrar Satanás como se fossem uma fórmula mágica. Isso pode levar a uma falsa impressão de vitória

b.       Subestimar o inimigo. Diferente do ministério de libertação pessoal, mexer com espíritos territoriais é trabalho de outro nível. Se você entrar nessa sem estar preparado Satanás pode lançar conseqüências fortes sobre você. Ele cita o caso de uma pessoa que morreu por causa disso

c.       Expectativa do poder sem oração. A essência da oração é um relacionamento pessoal com o Pai. A oração precisa acompanhar toda tentava de invocar o poder divino, pois somente assim podemos saber o que o Pai está fazendo em determinada situação. Se a metodologia de quebrar o poder dos espíritos territoriais é nossa  e não bíblica, isso tudo é palhaçada. Somente na intimidade com Deus podemos ganhar a percepção espiritual de sua vontade para determinada situação

d.       Sobrestimar o poder. Demonstrações de poder por si só nunca salvaram as pessoas. Jesus mesmo advertiu os 70 que se alegrassem porque os nomes deles estavam escritos no céu e não porque os espíritos estavam sujeitos a eles (Lc 10:20) (Wagner 1990, 87)

 

- um dos elementos que mais nos chama a atenção é o elemento metodológico de Wagner. Van Engen falando sobre o crescimento da igreja, diz que a nossa avaliação teológica precisa iniciar “de cima” a partir da revelação de Deus em Cristo e somente depois ser aplicado para as teorias de crescimento de igreja. Se fizermos o contrário vamos presumir que as hipóteses envolvidas nessas teorias estão corretas mesmo antes de avaliá-las (Van Engen 1981, 26). Esse é exatamente o problema da metodologia de Wagner com relação ao crescimento de igreja e consequentemente também para a batalha espiritual. Wagner argumenta que o problema dos seus críticos está na metodologia que utilizam. Segundo ele para muitos a utilização das ciências sociais como uma disciplina cognata os atrapalha porque produz uma metodologia fenomenológica que parece muito subjetiva para diversos teólogos tradicionais. Segundo ele precisamos olhar para o que “é” ao invés daquilo que “deveria ser”. O que as pessoas experimentam em suas vidas nem sempre é precedida de uma racionalização teológica cuidadosa. Para ele muitas vezes a seqüência é exatamente oposta. Assim muitos rejeitam o que “acontece” simplesmente porque não se encaixa naquilo que “deveria ser” do seu entendimento das Escrituras. Muitos dos teólogos diriam que aceitam a validade sociológica do argumento, mas não a validade teológica. Mas estes teólogos não percebem o quanto estão influenciados por outros valores culturais contemporâneos (Wagner, Arn, and Towns 1986, 32-34). Creio que é exatamente este o problema de Wagner, quando se confunde o fenômeno com a Bíblia. O que “acontece” é interpretado como obra de Deus e se torna a Bíblia para eles, com autoridade igual ou até superior à Bíblia a ponto de buscarem justificação teológica para explicar o que “aconteceu”. Nesse processo criticam a interpretação tradicional da Bíblia, criticando os teólogos de fazê-lo com seus óculos cultural, mas não percebem que eles estão muito mais influenciados pelo seu óculos que olha para um fenômeno que não pode ser repetido e que é experimentado com o filtro pessoal e depois expresso em palavras passando mais uma vez pelo filtro pessoal, sem que haja controles externos, como podemos exercer sobre as Escrituras. A conseqüência para a igreja é o pragmatismo. Mesmo que Wagner admite que esse método é usado como ponto de partida, uma vez dentro dessa maneira de pensar, é praticamente impossível sair dela, já que é uma questão de cosmovisão

 

- vamos fazer uma análise dos espíritos territoriais na Bíblia e depois caminhar para analisar um pouco mais a fundo o mapeamento espiritual e a oração de guerra

4 – Espíritos Territoriais na Bíblia

- no AT havia um paradoxo que não era resolvido facilmente: Como reconciliar o particularismo da eleição de Israel com o conceito de que todas as nações do mundo precisam prestar contas para o Deus de Israel. Uma tentativa de conciliar essas duas idéias se encontra nas descrições de Javé estando no topo da assembléia das divindades chamadas “filhos de Deus”: “Atribuam ao Senhor, ó seres celestiais (filhos de Deus), atribuam ao Senhor glória e força” (Sl 29:1); “6 Pois, quem nos céus poderá comparar-se ao Senhor? Quem dentre os seres celestiais (deuses/poderosos) assemelha-se ao Senhor? 7 Na assembléia dos santos Deus é temível, mais do que todos os que o rodeiam” (Sl 89:6-7) (Stuckenbruck 2000, 29)

- a Bíblia apresenta algumas passagens que poderiam indicar que existe alguma coisa como espíritos territoriais

a.       Deut 32:8 – “Quando o Altíssimo deu às nações a sua herança, quando dividiu toda a humanidade, estabeleceu fronteiras para os povos de acordo com o número dos filhos de Israel. A LXX traz filhos/anjos de Deus. A idéia aqui é que o número de nações está ligada com o número desses filhos/anjos de Deus (Craigie 1976, 379, Arnold 1997, 151) e que nações específicas estão associadas a determinados anjos (Arnold 2000, 940). Mas o povo de Israel está debaixo da jurisdição de Javé (Stuckenbruck 2000, 29). O que freqüentemente é esquecido nesta passagem é que a soberania de Deus está colocada sobre todos os povos e nações (Arnold 1997, 150). Somente Yahweh determina as fronteiras das nações [e não os outros deuses]: “Quando o Altíssimo deu às nações a sua herança, quando dividiu toda a humanidade, estabeleceu fronteiras para os povos ...” (Deut 32:8); “Vocês, israelitas, não são para mim melhores do que os etíopes”, declara o SENHOR. “Eu tirei Israel do Egito, os filisteus de Caftor e os arameus de Quir” (Am 9:7). Mesmo que as outras nações viam que sua terra era dada pelos seus respectivos deuses, Yahweh, na verdade, é o único que designa as terras para os povos

b.       Sl 82:1-8 – esse texto, bem como Jó 1 e Zac 3:1-2 falam de uma reunião que Deus tem com os deuses (anjos, ou filhos dos deuses): “1 É Deus quem preside à assembléia divina; no meio dos deuses, ele é o juiz. 2 Pausa][“Até quando vocês vão absolver os culpados e favorecer os ímpios? [Pausa]3 "Garantam justiça para os fracos e para os órfãos; mantenham os direitos dos necessitados e dos oprimidos. 4 Livrem os fracos e os pobres; libertem-nos das mãos dos ímpios. 5 "Eles nada sabem, nada entendem. Vagueiam pelas trevas; todos os fundamentos da terra estão abalados. 6 "Eu disse: Vocês são deuses, todos vocês são filhos do Altíssimo. 7 Mas vocês morrerão como simples homens; cairão como qualquer outro governante.” 8 Levanta-te, ó Deus, julga a terra, pois todas as nações te pertencem”. Aqui Deus está chamando a atenção da assembléia divina por não fazerem justiça às nações, no que se refere a proteção dos pobres e desamparados. Como não cumpriram a justiça como deveriam, são condenados à morte (Page 1995, 54). Existe muita discussão sobre quem seriam os componentes dessa assembléia divina: homens sobrenaturais, seres humanos – juízes, povo de Israel. A referência provável é que esses são anjos caídos que exercem influência sobre as nações da terra (Page 1995, 56-59; Stuckenbruck 2000, 29). Em Sl 82, esses anjos são chamados a prestar contas pela influência negativa que exerceram sobre as pessoas da terra e por isso são julgados, até condenados à morte. Algumas passagens do AT dão a entender que Deus governa o mundo com a ajuda de um conselho de seres espirituais (Sl 29:1; 82; 89:5-9; 1 Rs 22:19-23). Mas a dependência completa desses “filhos de Deus” a Deus nunca é questionada (Hartley 1988, 71; Stuckenbruck 2000, 29). Esses seres espirituais como “responsáveis” pelas nações se responsabilizavam pelo tipo de líderes que colocavam para governar essas nações. Mas esses “anjos” não operavam diretamente, e sim através dos líderes das nações (da mesma forma como Deus normalmente opera através das pessoas). Esses líderes eram de certa forma a extensão da presença divina sobre a terra em questões terrenas. Os julgamento dos “anjos” é ao mesmo tempo o julgamento dos líderes sobre a terra (Tate 1990, 341). Evidentemente alguns desses anjos não direcionaram a adoração das pessoas ao Deus verdadeiro e buscaram a veneração a si mesmos e se apresentaram de maneira falsa como deuses (Arnold 2000, 940).

c.       Is 24:21-22 – “Naquele dia o Senhor castigará os poderes em cima nos céus e os reis embaixo na terra. 22 Eles serão arrebanhados como prisioneiros numa masmorra, trancados numa prisão e castigados depois de muitos dias”. Dá a entender desses versos que os anjos caídos têm influência forte sobre os reinos na terra e que serão julgados (Arnold 2000, 940). A discussão se esse texto trata dos reis das nações, ou eventualmente sobre anjos padroeiros das nações é grande. Da perspectiva de Israel estes eram anjos caídos (Page 1995, 61). Esse texto juntamente com Sl 82 está falando sobre o julgamento divino sobre os anjos desobedientes e que terão o mesmo destino dos homens desobedientes. Esse texto acrescenta que eles serão encarcerados num estado intermediário esperando o julgamento. Essa é a única passagem do AT que menciona essa situação. No NT 2 Pe 2:4 e Jd 6 dão a mesma idéia. Pode ser que a referência aos espíritos em prisão de 1 Pe 3:19 se refira à mesma situação (Page 1995, 61-62)

d.       Sal 96:5 “Todos os deuses das nações não passam de ídolos, mas o Senhor fez os céus”; Sl 106:37-38 “37 Sacrificaram seus filhos e suas filhas aos demônios. 38 Derramaram sangue inocente, o sangue de seus filhos e filhas sacrificados aos ídolos de Canaã; e a terra foi profanada pelo sangue deles”; Deut 32:16-17 “16 Eles o deixaram com ciúmes por causa dos deuses estrangeiros, e o provocaram com os seus ídolos abomináveis. 17 Sacrificaram a demônios que não são Deus, a deuses que não conheceram, a deuses que surgiram recentemente, a deuses que os seus antepassados não adoraram”. Esses poderes mascarados de deuses, na verdade são espíritos demoníacos. Deut 32 que já falou sobre anjos da guarda sobre determinadas nações menciona que Israel provocou o ciúme em Deus adotando deuses estrangeiros: Israel estava sacrificando a demônios. Eles deixaram o Deus verdadeiro para se devotar a anjos caídos, mesmo que não sabiam disso. Esses deuses enganavam as pessoas posando como se fossem os governadores onipotentes do céu e da terra (Arnold 2000, 940; 1997, 152). Esses deuses/demônios iam a ponto de pedir sacrifícios humanos de seus devotos. Alguns chamam essas divindades locais de espíritos territoriais (Arnold 2000, 940). A idéia era de que o deus do povo que vencia as batalhas esse era o deus mais forte e, portanto governava aquele local (1 Rs 20:23, 28 – Deus das montanhas ou planícies). Mas nem todos os deuses pagãos tinham uma conotação territorial (Arnold 1997, 153)

- aqui cabe fazer uma pequena análise sobre a questão dos ídolos e demônios. Toda batalha de Israel na conquista da Terra Prometida era vencida ou perdida no campo espiritual. Quando Israel obedecia a Deus, Deus lhe dava vitória independente da situação militar (Warner 2000, 903). A batalha não era entre Deus e os deuses como Warner sugere, porque Deus é soberano e tinha decidido dar esta terra a Israel. A batalha é pela fidelidade dos israelitas. Deus usa diversas ferramentas para trazer Israel a adorá-lo unicamente, mesmo que isso implique em utilizar as nações, que Israel resolveu não expulsar, para que Israel se lembre do seu Deus. Mas como Warner no lembra (2000, 903), no AT os ídolos são tratados com desprezo já que não tem poder algum:

Sl 115:4-8 - “4 Os ídolos deles, de prata e ouro, são feitos por mãos humanas. 5 Têm boca, mas não podem falar, olhos, mas não podem ver; 6 têm ouvidos, mas não podem ouvir, nariz, mas não podem sentir cheiro; 7 têm mãos, mas nada podem apalpar, pés, mas não podem andar; e não emitem som algum com a garganta. 8 Tornem-se como eles aqueles que os fazem e todos os que neles confiam” (Sl 115:4-8);

Is 40:18-20 - “18 Com quem vocês compararão Deus? Como poderão representá-lo? 19 Com uma imagem que o artesão funde, e que o ourives cobre de ouro e para a qual modela correntes de prata? 20 Ou com o ídolo do pobre, que pode apenas escolher um bom pedaço de madeira e procurar um marceneiro para fazer uma imagem que não caia?” (Is 40:18-20);

Is 44:9-20 - “9 Todos os que fazem imagens nada são, e as coisas que estimam são sem valor. As suas testemunhas nada vêem e nada sabem, para que sejam envergonhados. 10 Quem é que modela um deus e funde uma imagem, que de nada lhe serve? 11 Todos os seus companheiros serão envergonhados; pois os artesãos não passam de homens. Que todos eles se ajuntem e declarem sua posição; eles serão lançados ao pavor e à vergonha. 12 O ferreiro apanha uma ferramenta e trabalha com ela nas brasas; modela um ídolo com martelos, forja-o com a força do braço. Ele sente fome e perde a força; passa sede e desfalece. 13 O carpinteiro mede a madeira com uma linha e faz um esboço com um traçador; ele o modela toscamente com formões e o marca com compassos. Ele o faz na forma de homem, de um homem em toda a sua beleza, para que habite num santuário. 14 Ele derruba cedros, talvez apanhe um cipreste, ou ainda um carvalho. Ele o deixou crescer entre as árvores da floresta, ou plantou um pinheiro, e a chuva o fez crescer. 15 É combustível usado para queimar; um pouco disso ele apanha e se aquece, acende um fogo e assa um pão. Mas também modela um deus e o adora; faz uma imagem e se encurva diante dela. 16 Metade da madeira ele queima no fogo; sobre ela ele prepara sua refeição, assa a carne e come sua porção. Ele também se aquece e diz:Ah! Estou aquecido; estou vendo o fogo. 17 Do restante ele faz um deus, seu ídolo; inclina-se diante dele e o adora. Ora a ele e diz: “Salva-me; tu és o meu deus”. 18 Eles nada sabem, nada entendem; seus olhos estão tapados, não conseguem ver, e suas mentes estão fechadas, não conseguem entender. 19 Ninguém pára para pensar, ninguém tem o conhecimento ou o entendimento para dizer: “Metade dela usei como combustível; até mesmo assei pão sobre suas brasas, assei carne e comi. Faria eu algo repugnante com o que sobrou? Iria eu ajoelhar-me diante de um pedaço de madeira?20 Ele se alimenta de cinzas, um coração iludido o desvia; ele é incapaz de salvar a si mesmo ou de dizer: “Esta coisa na minha mão direita não é uma mentira?”” (Is 44: 9-20);

Jer 10:3-16 - “3 Os costumes religiosos das nações são inúteis: corta-se uma árvore da floresta, um artesão a modela com seu formão; 4 enfeitam-na com prata e ouro, prendendo tudo com martelo e pregos para que não balance. 5 Como um espantalho numa plantação de pepinos, os ídolos são incapazes de falar, e têm que ser transportados porque não conseguem andar. Não tenham medo deles, pois não podem fazer nem mal nem bem”. 6 Não há absolutamente ninguém comparável a ti, ó Senhor; tu és grande, e grande é o poder do teu nome. 7 Quem não te temerá, ó rei das nações? Esse temor te é devido. Entre todos os sábios das nações e entre todos os seus reinos não há absolutamente ninguém comparável a ti. 8 São todos insensatos e tolos; querem ser ensinados por ídolos inúteis. Os deuses deles não passam de madeira. 9 Prata batida é trazida de Társis, e ouro, de Ufaz. A obra do artesão e do ourives é vestida de azul e de vermelho; tudo não passa de obra de hábeis artesãos. 10 Mas o Senhor é o Deus verdadeiro; ele é o Deus vivo; o rei eterno. Quando ele se ira, a terra treme; as nações não podem suportar o seu furor. 11 “Digam-lhes isto: Estes deuses, que não fizeram nem os céus nem a terra, desaparecerão da terra e de debaixo dos céus”. 12 Mas foi Deus quem fez a terra com o seu poder, firmou o mundo com a sua sabedoria e estendeu os céus com o seu entendimento. 13 Ao som do seu trovão, as águas no céu rugem, e formam-se nuvens desde os confins da terra. Ele faz os relâmpagos para a chuva e dos seus depósitos faz sair o vento. 14 Esses homens todos são estúpidos e ignorantes; cada ourives é envergonhado pela imagem que esculpiu. Suas imagens esculpidas são uma fraude, elas não têm fôlego de vida. 15 São inúteis, são objetos de zombaria. Quando vier o julgamento delas, perecerão. 16 Aquele que é a porção de Jacó nem se compara a essas imagens, pois ele é quem forma todas as coisas, e Israel é a tribo de sua propriedade, Senhor dos Exércitos é o seu nome(Jer 10:3-16)

Por outro lado o espírito que está por trás do ídolo é tratado como real

Deut 32:16-17  - “16 Eles o deixaram com ciúmes por causa dos deuses estrangeiros, e o provocaram com os seus ídolos abomináveis. 17 Sacrificaram a demônios que não são Deus, a deuses que não conheceram, a deuses que surgiram recentemente, a deuses que os seus antepassados não adoraram

Sl 106:37-38  - “37 Sacrificaram seus filhos e suas filhas aos demônios. 38 Derramaram sangue inocente, o sangue de seus filhos e filhas sacrificados aos ídolos de Canaã; e a terra foi profanada pelo sangue deles”;

1 Co 10:18-20  - “18 Considerem o povo de Israel: os que comem dos sacrifícios não participam do altar? 19 Portanto, que estou querendo dizer? Será que o sacrifício oferecido a um ídolo é alguma coisa? Ou o ídolo é alguma coisa? 20 Não! Quero dizer que o que os pagãos sacrificam é oferecido aos demônios e não a Deus, e não quero que vocês tenham comunhão com os demônios

- Israel se afastava de Deus e adorava os deuses das nações vizinhas que eram considerados deuses locais, e as vezes ligados a pecados específicos (Arnold 1997, 153).

- diversos textos rabínicos atestavam que Israel fora escolhido especialmente por Deus e por isso o seu relacionamento era diretamente com Yahweh enquanto as outras nações optaram por anjos/padroeiros espirituais. De acordo com Filo, Deut 32 se refere a anjos colocados por Deus sobre as nações. O livro de Eclesiástico 17:11-18 enfatiza que Israel é a porção de Deus enquanto os outros seres celestiais governam sobre os povos gentios. Mas mesmo aqui a soberania de Deus é enfatizada (Stuckenbruck 2000, 29-30)

- se essas pressuposições de fato são verdadeiras não sabemos. Poderia ser uma forma de Deus se comunicar de forma que os seres humanos entendessem. Mas não podemos descartar uma possibilidade real de que existam espíritos e anjos que estejam colocados sobre certos povos.

- na literatura rabínica judia antiga estava presente o conceito de anjos da guarda ou advogados das nações dos gentios. Isso era muito similar ao conceito das divindades nacionais do Antigo Oriente Médio. Ambos parecem ter uma base comum (Stuckenbruck 2000, 30)

- mas esses textos somente falam dessas divindades sem especificar se são boas ou ruins. Mas em Sl 82:7 as divindades são responsabilizadas por não fazer justiça. Mas a literatura pseudepígrafa também começa a apresentar um dualismo forte na cosmologia. A eleição de Israel é contrastada com a designação de espírito ou anjos sobre as nações que as levam para o mal caminho. A pressuposição é que essas divindades nem sempre estão debaixo do controle de Deus enquanto que os anjos que obedecem a Deus agem em favor do povo de Israel. Em outro escrito as nações correspondem a 70 “pastores” angelicais que em suas respectivas áreas recebem a tarefa de cumprir o castigo divino contra os infiéis de Israel. Mas esses pastores se tornam desobedientes por sua própria conta e excedem os limites estabelecidos por Deus na sua função. Outro conceito é que os conflitos político-religiosos são o reflexo de conflitos nas regiões celestiais. Esse conceito também pode ser visto em Dan 11-12 onde há príncipes de um lado lutando contra príncipes do outro lado. Em algumas situações os conflitos entre nações ou pessoas (ex. Esaú e Jacó) são vistos como lutas entre anjos. Os anjos bons são vistos como garantia da presença de Deus agindo no mundo em prol do seu povo (Stuckenbruck 2000, 30-31)

e.       o texto central para a existência de espíritos territoriais é Dan 10:12-14, 20-21 “12 Então, me disse: Não temas, Daniel, porque, desde o primeiro dia em que aplicaste o coração a compreender e a humilhar-te perante o teu Deus, foram ouvidas as tuas palavras; e, por causa das tuas palavras, é que eu vim. 13 Mas o príncipe do reino da Pérsia me resistiu por vinte e um dias; porém Miguel, um dos primeiros príncipes, veio para ajudar-me, e eu obtive vitória sobre os reis da Pérsia. 14 Agora, vim para fazer-te entender o que há de suceder ao teu povo nos últimos dias; porque a visão se refere a dias ainda distantes” . . .  20 E ele disse: Sabes por que eu vim a ti? Eu tornarei a pelejar contra o príncipe dos persas; e, saindo eu, eis que virá o príncipe da Grécia. 21 Mas eu te declararei o que está expresso na escritura da verdade; e ninguém há que esteja ao meu lado contra aqueles, a não ser Miguel, vosso príncipe.

- em 11:5 Daniel ainda se refere ao rei do sul que será derrotado por outro príncipe. Os proponentes da ‘batalha espiritual’ explicam que para que o anjo pudesse chegar a Daniel precisava primeiro vencer o príncipe da Pérsia. Para eles essa seria a única interpretação viável [a interpretação que são espíritos territoriais, já que Miguel também é descrito como príncipe nesse texto (Arnold 2000, 941)]. Seja como for, o que fica evidente é que os principies de Pérsia e Grécia são hostis aos propósitos de Deus, e portanto, anjos rebeldes. Esses príncipes se opõem aos propósitos de Deus para com Israel e esse conflito com as forças celestiais pró-Israel afetam o relacionamento entre as nações com as quais estão aliados. A situação de conflito nas regiões celestes se reflete sobre os conflitos sobre a terra. Presume-se que o antagonismo do príncipe de Pérsia nas regiões celestes se manifesta na oposição enfrentada por Israel quando tenta reconstruir as muralhas e o templo em Jerusalém (Esd 4). Mais tarde, Israel se acharia sob o controle da Grécia, outro poder externo, sobre o qual o príncipe da Grécia faz alusão. Logo, as 3 semanas de jejum coincidem com a luta do anjo anônimo com o príncipe da Pérsia. Parece que a oração de Daniel tem uma parte de influência no destino das nações. A reconstrução de Jerusalém e do templo não estão tendo sucesso. A oração de Daniel e a intervenção de Miguel garantem que os propósitos de Deus para com Israel não serão frustrados. A resposta à oração de Daniel é postergada por causa dos conflitos nas esferas celestiais. Mesmo assim os adversários de Israel nas regiões celestiais não têm a última palavra. O que fica evidente nesse texto é a existência de seres invisíveis que atuam sobre a nossa realidade. Mas o poder desses poderes é limitado (Page 1995, 63-64)

- uma outra interpretação pode ser feita. Se olharmos para as circunstâncias históricas vemos que Daniel estava jejuando e orando provavelmente porque a construção do templo em Jerusalém havia sido interrompida. Seria muito possível que Daniel aqui estivesse orando pelos príncipes da Pérsia que tinham a autoridade política sobre Israel e que podiam ajudá-los na oposição que os judeus enfrentavam dos samaritanos nessa situação. Isso seria uma outra interpretação possível (Priest et al. 1995, 70-73). Mesmo que sejam seres sobrenaturais [como a maioria dos estudiosos acha], isso ainda é muito diferente do que os proponentes dos espíritos territoriais querem fazer entender (Priest et al. 1995, 73). Arnold argumenta que talvez “espíritos do império” seria uma descrição melhor (Arnold 1997, 153). A conotação de geografia está baseada no pensamento pagão da época. Ali são mencionados o príncipe da Pérsia e o da Grécia. Não vemos, no entanto, nenhuma tentativa de Daniel para lutar contra esses príncipes, nem que tenha algum poder para amarrá-los, etc. Essa nem era a intenção de Daniel

- a Bíblia mostra claramente que os deuses não controlam certas áreas como os pagãos achavam. Deus se mostrava superior a esses deuses e os derrotava. Deus não tinha menos controle sobre essas áreas do que outras (Priest et al. 1995, 74-75), mesmo que os pagãos, e mesmo Israel paganizado cria nisso

- trata-se claramente de uma questão de cosmovisão. A cosmovisão ocidental essa presença dos espíritos ou anjos enquanto que a cosmovisão dos povos pagãos da época tratava a presença desses seres como algo corriqueiro. Muitas pessoas lêem a Bíblia como se esta descrição de fato fosse uma descrição da realidade, sem verificar se a Bíblia aceita ou condena tal cosmovisão. Algumas pessoas como Neuza Itioka argumenta que perdemos a riqueza da visão animista

- o NT é silencioso quanto a essa questão de espíritos territoriais. Nenhuma menção clara é feita a eles. 1 Co 2:6, 8 nos fala dos dominadores desse mundo que incitaram a morte de Jesus. A discussão sobre esse texto é grande e uns argumentam que seriam demônios que influenciaram os líderes a matarem Jesus (Arnold 1997, 156; Blomberg 1995, 63; contra Fee 1987, 103-4 que diz que não há base para crer isso). Seja lá como for, a igreja primitiva via a ação do Deus soberano atrás destas ações: “26 Os reis da terra se levantam, e os governantes se reúnem contra o Senhor e contra o seu Ungido’. 27 De fato, Herodes e Pôncio Pilatos reuniram-se com os gentios e com o povo de Israel nesta cidade, para conspirar contra o teu santo servo Jesus, a quem ungiste. 28 Fizeram o que o teu poder e a tua vontade haviam decidido de antemão que acontecesse” (At 4:26-28). Isso deixa claro que, independente da atuação dos demônios sobre a liderança, ou de espíritos territoriais, estes estão debaixo da soberania de Deus

- 1 Co 10:20 – “Quero dizer que o que os pagãos sacrificam é oferecido aos demônios e não a Deus ...”. Esse texto acaba enfatizando a noção já vista no AT que atrás dos deuses adorados pelas nações estavam demônios

- Ap 12:7-9 - “7 Houve então uma guerra nos céus. Miguel e seus anjos lutaram contra o dragão, e o dragão e os seus anjos revidaram. 8 Mas estes não foram suficientemente fortes, e assim perderam o seu lugar nos céus. 9 O grande dragão foi lançado fora. Ele é a antiga serpente chamada Diabo ou Satanás, que engana o mundo todo. Ele e os seus anjos foram lançados à terra”. Aqui lemos sobre a luta no céu. Satanás e seus anjos são derrotados por Miguel e seus anjos e lançados sobre a terra. Na terra eles vão criar problemas para os cristãos fiéis, na forma de bestas que representam Roma (Ap 12:13-13:18). O autor que está trabalhando com uma dimensão céu (anjos) e terra (anjos maus e os inimigos dos crentes, ambos sobre a terra) para enfatizar que Satanás está derrotado (Stuckenbruck 2000, 31). Mas nada é mencionado sobre territórios

- as cartas do Apocalipse (2:1-3:22) são endereçadas a anjos. Seriam estes os anjos (da guarda) que foram colocados sobre as igrejas nas cidades? Segundo Twelftree temos diversas opções:  (1) líderes humanos das igrejas (cf. Mal 2:7, mas não temos evidencia do episcopado no Apocalipse);  (2) mensageiros humanos (mas estes dificilmente são simbolizados como estrelas, Ap 1:20);  (3) poderia ser o espírito coletivo da igreja, ou a personificação da igreja (uma interpretação consistente com os textos, mas não com o simbolismo de Ap 1:20) (Mounce);  (4) anjos da guarda das igrejas (cf. At 12:15) (uma interpretação consistente com a simbologia bíblica mas não com o fato de que somente a pessoa pode ser propriamente responsabilizada pela igreja (Arnold 1997, 157; Stuckenbruck 2000, 31). Isso mostra o quão difícil é trabalhar com o significado dos simbolos (Twelftree 2000, 801)

- Ap 16:12-16 - “12 O sexto anjo derramou a sua taça sobre o grande rio Eufrates, e secaram-se as suas águas para que fosse preparado o caminho para os reis que vêm do Oriente. 13 Então vi saírem da boca do dragão, da boca da besta e da boca do falso profeta três espíritos imundos semelhantes a rãs. 14 São espíritos de demônios que realizam sinais miraculosos; eles vão aos reis de todo o mundo, a fim de reuni-los para a batalha do grande dia do Deus todo-poderoso. 15Eis que venho como ladrão! Feliz aquele que permanece vigilante e conserva consigo as suas vestes, para que não ande nu e não seja vista a sua vergonha.16 Então os três espíritos os reuniram no lugar que, em hebraico, é chamado Armagedom”. Os poderes demoníacos que reúnem os reis além do Eufrates podem se referir a anjos de quem se espera que incitem as nações para a guerra no fim dos tempos (Stuckenbruck 2000, 31)

 

5 – Considerações sobre “espíritos territoriais”

Aspectos positivos da ênfase sobre espíritos territoriais (Moreau internet)

a.       eles levam Satanás a sério. Eles focalizam sobre a oração mais do que o planejamento e estratégias. Isso é um corretivo para tantas missões que esquecem o lado da oração

b.       eles reconhecem que as divisões enfraquecem o testemunho cristão e consequentemente dificultam o cumprimento da missão. Assim eles buscam cooperação ao invés de competição

c.       eles focalizam sobre a salvação dos perdidos. Amarrar os demônios é um dos passos para que as pessoas cheguem a Cristo

d.       eles reconhecem a dimensão maligna na cultura. Todas as culturas têm elementos que cegam as pessoas para a realidade espiritual

e.       eles reconhecem que existem áreas onde a igreja precisa se arrepender

f.        eles reconhecem que essa é uma estratégia nova e ainda não provada. Eles procuram seguir onde Deus está os guiando ao invés do sensacionalismo )

 

Aspectos questionáveis

a.       Pode ser que de fato há espíritos territoriais (há base suficiente para crer que isso ocorre), mas a Bíblia nunca se preocupou em dar uma explicação sobre a sua hierarquia nem sobre um ministério contra eles

b.       Independente de nossa posição quanto a espíritos territoriais, a principal objeção é que essa estratégia não tem base bíblica, nem histórica, a não ser que forcemos a barra (Moreau internet). Não temos referências dos pais da igreja sobre a existência de espíritos territoriais (Arnold 1997, 157). Nenhum personagem bíblico expulsou demônios de cidades (Arnold 1997, 165). Podemos e devemos orar para que Deus reine na cidade, mas não temos instrução para expulsar demônios de cidades

c.       A ênfase sobre discernir e dar nome aos demônios antes que tenhamos poder sobre eles está muito perto de uma forma cristã de animismo. Tentar descobrir os nomes é especulativo e escorregadio. A busca pelo nome do espírito territorial está muito próxima da magica. Algumas religiões praticam rituais similares, o que pode ser muito danoso para o evangelismo, já que é interpretado como não apresentando nada de novo ou diferente para eles (Moreau internet). Paulo não menciona ou dá importância aos nomes dos demônios – já que todos estão sujeitos a Cristo do mesmo jeito isso não tem significado (Arnold 1992a, 98). Paulo não menciona a atividade específica de alguns demônios e como estes podem ser evitadas. Paulo menciona que Cristo é a única autoridade pela qual os demônios podem ser vencidos, mas nenhum outro conhecimento com o qual estariam em vantagem em relação aos demônios (Arnold 1992a, 99)

d.       Encarar a oração como bombas inteligentes trabalha demais com o conceito de violência redentiva presente nas culturas humanas. A oração não é um veiculo de violência, mas um maio para comunhão, crescimento e fortificação. Acabamos nos tornando aquilo contra o qual estamos lutando. A nossa função é de intercessão diante de Deus e não a interação com os principados caídos. Não somos chamados a destruir as fortalezas demoníacas, mas para derrubar as fortalezas, os argumentos e pretensões que são contra o conhecimento de Deus (2 Co 10:4-5). Somos chamados a refletir a gloria de Cristo através de nossa obediência às suas ordens (Moreau internet)

e.       Buscar informações sobre a esfera espiritual para vencê-los não é visto como necessário, nem importante na Bíblia. A maior parte das advertências contra o oculto na Bíblia focaliza sobre explorar de maneira ilegítima a esfera espiritual por conhecimento ou poder (Moreau internet). Paulo não dá importância a hierarquia dos demônios – essa hierarquia existia em escritos judaicos, mas Paulo dá ênfase que as igrejas estejam cientes dos poderes e saibam como responder a eles (Arnold 1992a, 98-99)

f.        Focalizar sobre essa estratégia para evangelizar efetivamente desmerece as Escrituras. Se essa estratégia é tão importante, porque não a encontramos na Bíblia? Acabamos forçando a Bíblia para dizer o que nós queremos ao invés de ver o que ela mesmo diz (Moreau internet). Paulo não menciona territórios governados por demônios. Apesar de que pode haver uma relação entre Daniel pelas palavras que usa, ele nunca nos fala para identificarmos ou prender-mos os espíritos que supostamente estariam governando uma certa região. Paulo reconhece que existem poderes sobrenaturais que procuram de todas as formas impedir a missão da igreja, mas estes podem ser vencidos na dependência do poder de Deus (1992, 99)

g.       Acabamos separando os demônios das pessoas, o que acaba tirando a ênfase sobre a nossa participação na rebelião contra Deus. Assim acabamos esquecendo que freqüentemente o inimigo somos nós mesmos. O inimigo acaba sendo externo nos ajudando a evitar a responsabilidade pelo nosso pecado. Se o inimigo está tanto dentro como fora, focalizar somente num aspecto não vai resolver o problema. Como podemos ter certeza que o maior problema está nas regiões celestes ou nos líderes corruptos? Antes de tentarmos tirar o poder dos espíritos territoriais precisamos ver se o maior problema não está na maldade dos corações humanos (Moreau internet)

h.       Temos uma ênfase demasiada sobre os resultados de amarrar um espírito quando isso não tem base bíblica. Como amarrar um espírito que as pessoas continuam chamando de volta? No máximo ele sai e busca mais alguns companheiros e volta para a sua casa (Moreau internet; Arnold 1997, 166)

i.         O que precisamos evitar a todo custo é de ver que se existem esses espíritos territoriais, que Deus teria menos controle sobre estas regiões, pois esses espíritos controlariam totalmente essas regiões (Priest et al. 1995, 75). Isso não pode ser encaixado com nenhum ensinamento sobre esses anjos sobre cidades da Bíblia.

j.         Se existem espíritos territoriais estes nunca são colocados como rivais de Deus de igual para igual. Eles nunca são colocados como uma ameaça as planos e a soberania de Deus.

 

- parece que existe suficiente base para se crer (ou não crer) que existem de fato espíritos que foram colocados sobre certas nações, ou territórios no AT. O NT não apresenta nenhuma evidência clara para tal. Seria tão normal que não foi mencionado? Ou poderia ser que a vitória de Cristo foi tão esmagadora que isso não importa? (Talvez existam outras explicações melhores). Se esses espíritos existem ou não, pouco importa, pois essa esfera é de preocupação exclusiva de Deus. Não temos nenhum texto nos instruindo a fazer algo com esses eventuais espíritos. Não devemos nos ocupar com coisas que acabam nos desviando de fazer aquilo que a Bíblia nos ensina a fazer. Deixa que Deus cuida dessa dimensão nas regiões celestiais.

- a Bíblia nunca apresenta qualquer indicação que esses poderes chegam a apresentar uma ameaça para os planos de Deus. Deus é soberano e está acima de todos eles. O Pai busca a devoção completa de seu povo. Ele quer que os crentes o busquem diretamente para obter sabedoria, força e ajuda (Arnold 2000, 941)

- um dos maiores problemas na abordagem dos espíritos territoriais é o pragmatismo – já que funciona deve estar certo. Diversos livros têm apresentado resultados mirabolantes a partir da ênfase de amarrar o espírito que guarda a cidade. Uma visão reducionista vê que esse é “o” resultado de amarrar o espírito. Sendo mais realistas, muitas outras coisas estão em jogo – a união da liderança religiosa em oração, outros fatores econômicos e sociais, além da intervenção de Deus que não podemos explicar em termos racionais.

- algumas histórias contadas podem não representar a realidade de forma tão exata como gostaríamos. O caso do evangelismo entre Brasil e Uruguai ocorreu em 1947 onde o evangelista tinha mais sucesso em distribuir folhetos do lado brasileiro que do uruguaio. Essa história contada por Wagner em 1988 dá a impressão de que é algo muito recente. O missionário que contou essa história nem se lembrava da cidade onde ocorreu e enfatizou que se tratava de uma viagem missionária de 4 meses na região (Priest et al. 1995, 40)

- não é bom dar atenção demasiada para os demônios. Moreau diz que Paulo dava a eles uma inatenção seletiva apropriada. Assim evitada um interesse demasiado neles e focalizava sobre o controle soberano de Deus através do qual poderia avaliar as atividades demoníacas. Precisamos enfatizar mais o discipulado do que a batalha espiritual (Moreau internet). Como Wink nos diz: não nos libertamos dos Poderes vencendo-os com um ataque frontal. Ao invés disso morremos para o seu controle. Aqui a cruz é o modelo. Somo libertados não revidando sobre aquilo que nos escraviza, pois revidar ainda demonstra que estamos usando as mesmas armas do inimigo – mas morrendo para a sua jurisdição e comando (in Moreau internet). Devemos morrer para nós mesmos, e também para as estruturas sociais. Precisamos nos submeter a Deus e a seus propósitos. Dentro das estruturas não vencemos trocando as estruturas, mas levando o evangelho para as pessoas que habitam essas estruturas para que se submetam às iniciativas divinas de redenção (Moreau internet)

- precisamos lutar para integrar o aspecto espiritual, pessoal, cultural e social e parar de culpar os espíritos e reconhecer o aspecto humano na escolha de rebelar contra a ordem estabelecida por Deus (Moreau internet)

- certamente podemos pedir a Deus que tire um governante que impede a proclamação do evangelho para que as portas se abram para esta dimensão (Moreau internet)

 


C – Possessão de Cristãos?

- em praticamente todas as culturas no mundo ocorre o fenômeno da possessão. Esta normalmente se manifesta com transe, tremores, transpiração, gemidos, gritos, falar uma língua ou tonalidade de voz diferente e linguagem incoerente, assumir uma nova identidade, força extraordinária, conhecimento inexplicável e profecia. Muitas vezes, mas não sempre, os possessos não se lembra do que ocorreu quando estavam possessos (Moreau 2000b, 771)

- a explicação para este fenômeno pode ocorrer de forma física, psicológica, social e espiritual. Cada uma das áreas tenta explicar o que ocorre, mas elas são se excluem mutuamente.

a.       Explicações fisiológicas. Estas incluem febre, desequilíbrio químico, epilepsia, asma, hipnose, alucinações provenientes de drogas, traumas físicos severos resultando em estado de choque e sonambulismo. Quando a possessão é resultado somente de um estado fisiológico, esta é aliviada tão logo o problema físico é tratado (Moreau 2000b, 771)

b.       Explicação psicológica e social. Estas incluem o cumprimento de um desejo para se conseguir a atenção das pessoas, stress social, histeria provocada por turbas de pessoas enfurecidas, e uma possessão estimulada (como um meio de atingir um determinado objetivo (Moreau 2000b, 771)

c.       Explicação antropológica. Como exemplo temos o povo Taita do Quênia. Quando as mulheres deste povo estão estressadas por causa da negligencia dos maridos, eles podem pedir por uma dança cerimonial da comunidade. Durante essa dança alguns se tornam possessos e os espíritos repreendem severamente os maridos através das bocas das mulheres. Os maridos, com medo da retribuição do mundo dos espíritos pela sua desobediência, obedecem às instruções dos espíritos. Os Taita vêem isso como uma possessão de fato, enquanto que os antropólogos como um fenômeno cultural designado para aliviar o stress social (Moreau 2000b, 771)

d.       Explicações espirituais de um ponto de vista não-cristão variam de uma perspectiva de estado os místicos (viagem de um xamã) até a mediunidade benéfica. Essas perspectivas não vêem a possessão de forma necessariamente negativa. Pode ser um sinal que os ancestrais ou espíritos escolheram uma pessoa como canal através do qual podem se comunicar com a comunidade. Da perspectiva cristã, no entanto, toda possessão genuína (ou demonização) é vista como controle demoníaco da pessoa que precisa ser tratado exercendo a autoridade de Cristo. Alguns fenômenos pentecostais têm aparentam na sua superfície uma similaridade com a possessão (ex. o tombo santo), mas nestes casos a explicação é que o Espírito Santo está operando (Moreau 2000b, 771-72)

- a tendência é que as pessoas expliquem os fenômenos baseados em sua cosmovisão. O missionário ocidental tenderá para explicar o fenômeno em termos físicos ou psicológicos, enquanto o animista como possessão dos espíritos. Ambos precisam estar cientes que sua explicação possivelmente é parcial. Dentro do ministério as pessoas devem buscar permanecer fiel às Escrituras e dar explicações culturalmente aceitáveis (Moreau 2000b, 772). Essa tarefa não é nada fácil, pois pode haver um conflito sério entre as duas ou um reducionismo de ambas as partes que impede que se busque a verdade sobre o assunto

 

- a questão sobre a possessão de cristãos é bem complexa. Os problemas ligados com o termo possessão são explicados por Grudem (1999, 344-46). Mas não há dúvida que os cristãos podem ser influenciados por demônios. A questão chave é se os cristãos são influenciados de fora ou de dentro. Existe uma passagem (Ef 4:28) que sugere dar espaço para o diabo dentro de nossas vidas. Essa questão também mexe com a diferença entre calvinismo e arminianismo. Se alguém foi cristão e de repente vive como pagão, ele poderia ter perdido a salvação e ser habitado por demônios? Para alguns isso é uma possibilidade, para outros não

- alguém que tem o Espírito Santo nunca poderá ser controlado totalmente por demônios. Mas se consideramos que alguém que conheceu a verdade pode dar ouvidos e se entregar ao pecado e abandonar a fé, temos que admitir que provavelmente possa também se entregar ao diabo. Mas será que ainda é cristão quando é dominado pelo diabo? Evidentemente que não

 

1 – A discussão sobre o significado da palavra daimonizomai

- as pessoas que defendem que cristãos podem ficar dominados por demônios afirmam que o uso de possessão na Bíblia não está de acordo com o original. Eles advogam que deveríamos utilizar a palavra demonizado ao invés de possesso. A expressão daimonizomai ocorre cerca de 13 vezes no NT (Mat 4:24; 8:16; 8:28; 8:33; 9:32; 12:22; 15:22; Mc 1:32; 5:15; 5:16; 5:18; Lc 8:36; Jo 10:21). Uma expressão paralela é echein daimonion (ter demônio), que ocorre 4 vezes (Lc 4:33; 7:33; 8:27; Jo 7:20); e ainda echein pneuma (ter um espírito [maligno ou imundo], 5 vezes (Mc 9:17; Lc 4:33; At 8:7; 16:16; 19:13) (Lopes 2001, 86)

- o argumento contra a palavra possessão é que ela é absoluta: ou alguém está dominado, ou parte de sua vida está dominada ou não está. Ela não permite graduações de controle sobre a vida da pessoa. Desta forma o termo preferido seria demonizado ou endemoninhado que permitiria segundo eles um controle parcial sobre a vida de uma área da pessoa sem estar possesso pelo demônio como um HD de um computador que poderia ter um vírus em alguns arquivos sem estar totalmente contaminado. Dessa forma alguns até diriam que um incrédulo não poderia ficar possesso, apenas demonizado. Nesse sentido explicam alguns pecados (como relacionamento imoral ilícito) como demônios desse pecado que estão no coração da pessoa (Lopes 2001, 86-87)

- alguns dos problemas se relacionam com as definições usadas para o termo possessão. Segundo Murphy, possessão seria a recepção voluntária de um espírito controlador por um médium espírita. O espírito monta, ou temporariamente controla o médium para um certo propósito e tempo. Durante o tempo em que a pessoa está em transe, provavelmente o espírito controla totalmente a pessoa. Quando o espírito a deixa, o médium volta a ter controle sobre si mesmo (Murphy 1990, 56). O autor continua dizendo que não temos pessoas nesta situação na Bíblia. Possessão implica em posse total. Satanás e seus demônios não possuem coisa alguma no universo, a não ser a propria maldade. Eles são usurpadores já que tudo pertence a Deus (Murphy 1990, 56-57). Além disso, possessão implica em que a pessoa não se torna responsável por seus atos, já que literalmente o diabo forçou a pessoa a cometer as ações. No entanto, diante de Deus somos responsáveis por nossas ações (Murphy 1990, 57)

- segundo essa perspectiva temos diversos níveis de demonização. Assim sendo, demonização ocorre quando Satanás, através dos seus espíritos maus, exerce controle parcial direto sobre uma ou mais áreas de um ser humano (Murphy 1990, 57). Segundo Murphy esse controle pode ocorrer de fora ou de dentro da pessoa (Murphy 1990, 57)

 

2 – Relatos mais extensos sobre Jesus encontrando pessoas “demonizadas”

- a Bíblia apresenta 4 relatos de exorcismos de Jesus onde temos uma quantidade razoável de detalhes. Em Atos temos um relato longo da menina em Filipos e uma tentativa de exorcismo pelos filhos de Ceva (Page 1995, 139)

a.       Mc 1:21-28; Luc 4:33-37 – Jesus está pregando na sinagoga e ali aparece uma pessoa com um espírito imundo (a;nqrwpoj evn pneu,mati avkaqa,rtw|) (Mat 1:23); um homem que tinha o espírito de um demônio imundo (e;cwn pneu/ma daimoni,ou avkaqa,rtou)(o grego não fala aqui em possessão). O que fica claro, no entanto, é que esse espírito tem muita influência, pois logo reconhece quem Jesus é, além de agitá-lo fortemente (arremessá-lo ao chão em Lucas) quando este sai dele e falando em alta voz. O que também fica claro desse texto é que o espírito imundo estava dentro da pessoa. Aqui não está falando nada sobre o estado moral da pessoa. Não sabemos se era um seguidor fiel de Deus. Aparentemente essa pessoa não tinha um comportamento anormal que chamasse à atenção das pessoas presentes, ou então, o espírito imundo somente se manifestava quando confrontado por um inimigo espiritual (Twelftree 1992, 165). A influência aqui é a ponto de que ele arremessou a pessoa no chão, claramente indicando que ao menos uma parte da pessoa estava dominada pelo demônio, pelo menos durante esse encontro com Jesus

b.       Mc 5:1-20; Mat 8:28-34; Lc 8:26-39 – Jesus encontra com o geraseno. Mateus fala nessa circunstância sobre dois endemoninhados (8:28, 33 – daimonizomenos); Marcos fala de um homem com um espírito imundo (evn pneu,mati avkaqa,rtw|) (5:2) e endemoninhado (5:15, 16, 18 - daimonizomenos); e Lucas que ele tinha demônios (e;cwn daimo,nia) (8:27), espírito imundo (tw/| pneu,mati tw/| avkaqa,rtw) (8:29) e endemoninhado (8:36 – daimonizomenos). Essa pessoa vivia entre os túmulos e era acorrentada na tentativa de poder dominá-lo. Aqui fica evidente que o espírito imundo (demônio) tem um grau muito elevado de controle sobre a vida da pessoa. Aparentemente toda a sua personalidade é mudada depois da libertação. Aparentemente as expressões ter demônios ou espíritos imundos e endemoninhado tem significados parecidos ou até idênticos

c.       Mc 7:24-30; Mat 15:21-28 – Marcos diz que a menina tinha um espírito imundo (pneu/ma avka,qarton) (7:25); Mateus apresenta que a mulher estava severamente demonizada (h` quga,thr mou kakw/j daimoni,zetai) (15:22). Não sabemos exatamente a situação em que vivia esse menina. A sua mãe vai ao encontro de Jesus pedindo que a cure. Poderia ser que ela não tirou a menina de casa, pois a menina poderia ser um perigo para o povo em geral, ou estava doente demais para deixar a casa (Twelftree 1992, 165)

d.       Mc 9:14-29; Mat 17:14-21; Lc 9:37-43 – Marcos fala sobre uma criança com um espírito mudo (e;conta pneu/ma a;lalon) (9:17); Mateus fala sobre um epiléptico (17:15); Lucas menciona um espírito que o domina (se apodera dele) (ivdou. pneu/ma lamba,nei auvto,n) (9:39). Aparentemente essa criança vivia com seus pais e podia ser controlada, pois acompanhou o seu pais para se encontrar com os discípulos de Jesus (Twelftree 1992, 165). Aqui esse espírito parece ter um controle bastante grande sobre a criança (ao menos na ocasião onde encontra Jesus) pois diz que o espírito o dominava e jogava ao chão, ele espuma pela boca e range os dentes. Além disso o jogava na água e no fogo para destruí-lo. Quando é expulso o espírito maligno reage fortemente no rapaz e grita saindo da criança

e.       At 16:16 – uma menina tem um espírito de píton (e;cousan pneu/ma pu,qwna) (todos os que profetizavam habitados por esse espírito era chamados de pitons [Larkin 1995, 237]). Fica evidente para Lucas que essa mulher era possessa [habitada] por um espírito mau (Stott 1994, 297). Mas pelo que o texto indica, o espírito não causava danos à pessoa, mas simplesmente dava a ela um poder especial de predizer o futuro (Page 1995, 175). Certamente as palavras que eram expressas por esta mulher eram involuntárias (Bruce 1988, 312), o que mostra que um espírito ao menos parcialmente a controlava

 

3 – Relatos mais breves de pessoas “demonizadas”

- Mat 4:24-25 – Jesus cura todo o tipo de doença entre eles as pessoas que estavam endemoninhadas (daimonizomai)

- Mat 9:32-34 – Jesus expulsa um demônio que causava a mudez na pessoa. Outra vez o termo usado aqui é endemoninhado (daimonizomai)

- Mat 12:22 – Jesus expulsa um demônio que causava a mudez e a cegueira. O termo aqui também é endemoninhado (daimonizomai)

- Lc 7:33 – Jesus por comer e beber é acusado de ter demônios (echei daimonion)

- Jo 10:20-21 – Jesus é acusado de ter demônios (echei daimonion) e outros reagem dizendo que alguém que é endemoninhado (daimonizomai) não pode curar a cegueira

- At 5:16 – ali menciona que os apóstolos curam os doentes e aqueles que eram atormentados por espíritos imundos (ovcloume,nouj u`po. pneuma,twn avkaqa,rtwn)

- At 8:5-8 – fala do ministério de Filipe em Samaria. Ele curava os doentes e as pessoas que tinham espíritos (echei pneumata akathartos) imundos eram libertas. Os espíritos saíam das pessoas gritando em alta voz

 

4 – Avaliação

- o que fica claro é que a palavra possessão seria uma interpretação da palavra daimonizomai. Ao que tudo indica o espírito imundo que está dentro da pessoa (atua de dentro, pois Jesus o expulsa e depois diz que ele saiu) tem um certo controle sobre a vida da pessoa. Não podemos dizer se o controle é total, mas é bem possível, em muitos dos casos narrados pela Bíblia, ao menos quando são confrontados com o poder de Jesus. Todos esses espíritos estão sujeitos a Jesus ou aos apóstolos (que agem em nome de Jesus) e não resistem às suas ordens.

- também precisamos nos certificar aqui de que nenhum dos que eram habitados pelos demônios poderiam ser considerados cristãos no sentido do NT.

- creio que a discussão se a pessoa era ou não possessa/dominada, não faz muito sentido já que a questão de uma pessoa não-cristã sendo possessa por demônios é de mais fácil consenso. A não ser que consideremos que as pessoas de quem Jesus expulsou os demônios eram salvas porque eram do povo de Israel que estava sob a aliança de Deus. Mas mesmo assim ficaria muito difícil determinar se estas faziam parte do remanescente fiel (que era o verdadeiro povo de Deus). Além disso, temos tão poucas informações deles que seria mera especulação tratá-los dessa forma.

- o problema em substituir a palavra “possessão” por “demonizado” tem suas vantagens e desvantagens. A vantagem é que o termo seria basicamente uma transliteração do grego. O problema no entanto, é que não sabemos o que o termo significa exatamente e com isso aplicamos essa palavra para situações muito mais amplas do que aparece na Bíblia. Parece que o termo possessão não é tão estranho, já que olhando os casos temos que reconhecer que havia no mínimo um controle parcial da vida das pessoas (Page 1995, 138).

- o que fica claro na análise dos evangelho e de Atos é que estamos lidando quase que exclusivamente com possessão e exorcismo [ou então um estado demonizado agudo – dependendo de nossa predileção pela tradução da palavra grega]. Ocorre o conflito de poderes, mas nunca de igual para igual. Os evangelhos e Atos mostram uma condição onde um ou mais demônios habitam uma pessoa de tal forma que a personalidade da pessoa é suprimida e a outra personalidade fala e age através dela. Possivelmente uma pessoa que exibia esse comportamento era designada como possessa. O NT não nos apresenta como essa possessão ocorreu, mas parece que era algo reconhecido com certa facilidade. Essas pessoas manifestavam uma série de sintomas. Normalmente a pessoa sofria de uma doença física ou mental. Ao mesmo tempo, no entanto o texto distingue entre possessão das doenças e mostra que a possessão era tratada de modo diferenciado (Page 1995, 177-78)

- normalmente os endemoninhados se aproximam de Jesus, ou são trazidos a ele. Freqüentemente eles gritam quando são confrontados com Jesus ou os apóstolos e mostram preocupação com o que Jesus vai fazer com eles. Eles reconhecem a Jesus e os apóstolos mostrando um certo conhecimento sobrenatural e admitindo sua sujeição a eles. Normalmente o exorcismo ocorre com uma voz de comando, onde se fala diretamente que os demônios devam deixar a pessoa. Às vezes os demônios são silenciados antes de serem expulsos. Digno de nota é simplicidade com que Jesus lida com o exorcismo em contraste com os rituais usados por outros exorcistas do seu tempo. Mesmo que nas curas, Jesus e os apóstolos, às vezes, impõem as mãos e ungem com óleo, isso não ocorre no exorcismo. Basicamente não se fala com os demônios (Page 1995, 178)

- Jesus e os apóstolos tratam de forma bem diferente os endemoninhados e os demônios. Os demônios são tratados como ligados a Satanás e caracterizados como impuros ou maus. São inimigos de Jesus e sujeitos ao seu julgamento. Mas os endemoninhados são sofredores que são tratados com compaixão. Não existe indicação que os endemoninhados era considerados responsáveis pela situação em que se encontravam. A freqüente relação entre doença e possessão pode indicar justamente que as pessoas não tinham culpa por isso. Nesse sentido é muito difícil ver ligação entre desobediência e possessão. Nenhum dos endemoninhados é acusado de pecado e nunca criticado por ter permitido a possessão (os sociólogos diferenciam entre possessão voluntária e involuntária – na Bíblia todos os casos são de possessão involuntária). Aliado a isso temos 2 casos onde crianças são vitimas dos demônios, o que é mais uma prova de que não eram culpados por isso. Por causa da sua situação, nenhum endemoninhado é liberto por causa de sua fé – às vezes pela fé dos outros (Page 1995, 178-79)

- nem Jesus, nem os apóstolos buscaram os endemoninhados. Aqueles que era trazidos a eles eram libertos. A igreja pode perder o foco de sua missão, sem ela se concentrar demais nas obras do inimigo (Page 1995, 181)

- pessoalmente tenho dificuldades com repreender espírito de medo, rebeldia, etc. A maior parte desses se caracteriza por obras da carne. Não adianta repreender a carne, mas precisamos disciplinar a nossa carne para que obedeça a Cristo. Nesse sentido é mais difícil lidar com alguém possuído por si mesmo do que possuído pelo diabo

 

Argumentos a favor de que um cristão poderia ser habitado por demônios

1 – O poder do pecado pode habitar em um cristão e ter uma influência bastante forte a ponto de que Paulo menciona que ele pode reinar (Rom 6:12-13). Se isso pode acontecer porque deveríamos supor que uma outra força maligna não pudesse também reinar na vida das pessoas? Mesmo após a conversão a tendência para o pecado continua residindo na vida dos cristãos até a glória. Essa tendência dentro de nós é o motivo de muitas de nossas batalhas e está residindo dentro de nós ao lado do Espírito de Deus (Arnold 1997, 82). O poder do pecado em nossas vidas não acaba com a nossa conversão. O pecado quer reinar em nossa vida. O pecado procura nos influenciar por 3 fontes: a nossa tendência para o mal (carne), o meio (cultura) no qual vivemos (mundo) e os demônios (diabo). Dessa forma a Bíblia estaria nos alertando para que não deixássemos que nenhuma dessas influências nos dominasse. Todas elas querem nos dominar. Na vida do cristão nenhuma dessas forças tem domínio absoluto, mas vão se apropriar de todo o espaço que receberem de nós mesmos (Arnold 1997, 91)

2 – Arnold argumenta que Paulo usa linguagem de espaço para falar sobre o diabo achando lugar na vida do cristão. “E não deis lugar ao diabo” (Ef 4:27) (Arnold 1997, 82). A palavra usada aqui (topos) é usada muitas vezes no NT para falar de um local físico (Lc 2;7; 14:9; 4:37; Jo 14:2-3), mas em outros locais também se refere a oportunidade (Rom 12:19; Heb 12:17). A opinião de Arnold é de que a linguagem do espaço aqui seria mais apropriada já que estamos falando de autoridade e controle nessa carta (Arnold 1997, 88-89). Outros comentaristas já vêem aqui uma alusão a oportunidades para o diabo. O diabo estaria andando em derredor das pessoas iradas pronto para se aproveitar da situação (cf. 1 Tim 3:7; 2 Tim 2:26; 1 Pe 5:8). A raiva seria como uma arma pronta para cooperar com o diabo (Lincoln 1990, 303; O’Brien 1999, 341; Page 1995, 188-89; Lopes 2001, 92). Mas seja como for, a ênfase aqui não está no exorcismo, mas na atitude correta que as pessoas devem ter para não dar espaço para o diabo. Se ligamos essa passagem ainda com outros textos paralelos temos que a ênfase está mais na obediência a Deus e com isso na vida diferente provocada por uma ética nova do que no exorcismo

3 – A imagem do templo no AT pode ser usada para ilustrar o que acontece na vida do cristão. O templo de Deus era habitado volta e meia por outros deuses. Muitas vezes o próprio povo de Deus trazia os deuses para dentro do templo. De acordo com Deut 32:17 esses ídolos representam demônios (Arnold 1997, 82)

- Merrill Unger acha que se permitimos que o pecado acha espaço em nossa vida os demônios vão tomar conta (in Arnold 1997, 82). Arnold argumenta com base em Mat 12:29 (Jesus amarrou o diabo para roubar as suas posses) que as pessoas são posse do diabo (Arnold 1992a, 79; 1997, 81). Mas Jesus aqui está fazendo uma comparação e “posses” poderia ser meramente uma ilustração parabólica para os objetos da casa. Carson diz que posse nada tem a ver com possessão demoníaca, a não ser de forma metafórica (Carson 1995, 290). Mas esse ponto é bastante discutido (veja Page 1995, 106)

4 – Em At 10:38 dizcomo Deus ungiu a Jesus de Nazaré com o Espírito Santo e com poder, o qual andou por toda parte, fazendo o bem e curando a todos os oprimidos do diabo, porque Deus era com ele. O argumento utilizado é que Jesus expulsou demônios de judeus que faziam parte da velha aliança, como a filha de Abraão que era cativa de Satanás (Luc 13:16). A questão chave é que ser da família de Abraão é aplicado para basicamente todos os judeus. Mesmo entre o povo judeu havia o remanescente fiel. É muito difícil dizer quem realmente participava desse remanescente fiel, assim como na igreja hoje temos muitas pessoas que participam e nem todas são fiéis a Deus (Lopes 2001, 90-92)

5 – 2 Co 10:4 “Porque as armas da nossa milícia não são carnais, e sim poderosas em Deus, para destruir fortalezas, anulando nós sofismas”. Para alguns interpretes temos aqui fortalezas demoníacas, mas o texto mostra que essas fortalezas são raciocínios feitos pelos incrédulos contra o Cristianismo. Paulo não está lutando contra essas fortalezas amarrando, decretando, etc., mas pregando o evangelho a elas (Lopes 2001, 92). Trata-se de linguagem militar para lutar contra esses raciocínios que acabam dominando o pensamento e as ações das pessoas (Belleville 1996, 254-55)

Caixa de texto: Identidade central da pessoa
- corrupta
- pertence ao presente mundo
- destinada para a morte e o juízo

6 – Arnold argumenta que quando a pessoa está sem Cristo o cerne de sua vida é corrupto e é direcionado para o mal. A imagem de Deus dentro dessa pessoa está manchada. A pessoa tem impulsos pecaminosos que agem junto com os demônios levando a pessoa a pecar. Quando a pessoa se converte, o cerne da pessoa muda. Ocorre uma transformação sobrenatural nela que agora se direciona para Deus. O Espírito Santo vem habitar dentro da vida da pessoa. A imagem de Deus dentro da pessoa está em processo de renovação. Algumas pessoas querem fazer distinção aqui entre o espírito humano que estava morto e agora foi vivificado. Mas biblicamente não podemos fazer essa distinção clara entre o espírito e a alma. Mesmo que ocorra essa transformação, ainda continuamos vivendo em um corpo que morre. A inclinação para o pecado continua. A carne vai nos incomodar até chegarmos na glória. Os demônios procuram exercer a sua influência sobre cada um de nós da mesma forma como acontece com a nossa tendência pecaminosa, mas eles não têm acesso ao cerne de nossa vida que é habitado pelo Espírito Santo (Arnold 1997, 85). Abaixo estaria a figura da pessoa sem Cristo


 

Caixa de texto: Identidade central da pessoa
- pura e santa
- uma nova criação
- pertence ao reino vindouro
- destinada para a vida
- habitação do Espírito Santo

A pessoa regenerada tem outro aspecto


 

7 – Arnold vai adiante expondo a ilustração de uma casa onde permitimos que o Espírito Santo tenha acesso a alguns quartos e o impedimos em outros (Arnold 1997, 87)

 

Argumentos contra a idéia de que um cristão pode ser habitado por demônios

1 – A substituição do conceito de possessão pelo termo demonizado não vai ajudar. Nos casos em que aparece na Bíblia a pessoa demonizada claramente tem ao menos parte de sua vida controlada por Satanás – o que significa possessão.

2 – “Os demônios denominados pela ‘batalha espiritual’ como sendo demônios da lascívia, do ódio, da ira, da vingança, da embriagues, da inveja, e assim por diante, não aparecem no NT. Essas coisas são, na verdade, as obras da carne mencionadas por Paulo em Gal 5:19-21. A solução para esses pecados não é expulsar demônios que supostamente os produzem, mas arrependimento confissão, e santificação” (Lopes 2001, 89)

3 – Não temos comprovação bíblica nem exemplos claros que devemos expulsar demônios de pessoas renascidas. Nem Jesus, nem os apóstolos expulsaram demônios de pessoas convertidas. A Bíblia também não diz porque as pessoas estavam habitadas por demônios. Logo toda a especulação é um bocado perigosa (Lopes 2001, 90). Jesus e Paulo enfrentaram situações reais onde encontraram muitas pessoas em situações complicadas. Paulo em Éfeso estava na cidade onde a adoração a Diana era muito forte. Os cristãos queimaram muitos livros de ocultismo, mas não temos nenhuma menção de algo especial feito pela libertação deles após a conversão. A idéia da habitação de demônios na vida dos cristãos não procede da Bíblia, mas da experiência de pessoas que lidam com exorcismo. Muitas vezes essas histórias não são usadas para ilustrar verdades, mas para construir as verdades (Priest et al. 1995, 36). Isso pode e acaba levando à formulação de novas doutrinas – o que é muito perigoso

- não há dúvidas que os demônios, o mundo, e a carne querem exercer o controle sobre a vida das pessoas, inclusive dos cristãos. A carne está dentro de nós e quer que atendamos os seus desejos. Muitos dos desejos da carne são provocados pela influência do mundo. Quando aceitamos a influência do mundo sem critérios, acabamos despertando diversos desejos da carne. Da mesma forma temos que reconhecer que os demônios atuam através da carne e da influência do mundo sobre nós. É muito difícil saber se ocorre espaço dentro de nossas vidas para a habitação de demônios, ou se isso acontece de fora

- a tentativa de Arnold para explicar a diferença entre o cerne da vida dos cristãos onde os demônios não têm acesso, é uma tentativa de explicar esse problema. Mas esse modelo não é mencionado claramente na Bíblia e nem necessariamente é contrário a ele. Então precisamos olhar essa situação com cuidado.

- Arnold argumenta que precisamos fugir do conceito bipolar na vida dos cristãos: o tem um demônio, ou não tem. Para ele deveríamos ver essa questão como um contínuo onde podemos, mesmo como cristãos, entregar cada vez mais o controle de nossas vidas à influência demoníaca de modo que poderíamos ser habitados por demônios. Todos sofremos tentações, mas nem todos abrem espaço, ou até convidam os demônios para fazerem parte de suas vidas (Arnold 1997, 101)

 

            ____________________________________________________________________________________

                      tentação                       regularmente                         ser devorado (1Pe 5:8)                             ter um demônio

                                                                sucumbir às                           tomado cativo (2Tm 2:25-26)

                                                                tentações                               tomado como despojo (Col 2:8)

                                                                demoníacas

 

- o que fica claro da perspectiva de Arnold (calvinista) é que uma vez salvo a pessoa não perde mais a sua salvação (Arnold 1997, 81 e nota 14 [pág. 205]). Se cremos que alguém pode perder a sua salvação, a questão pode ser explicada mais facilmente. Até que ponto uma pessoa pode dar ouvidos e sucumbir a tentação regular do inimigo e ser influenciado cada vez mais a ponto de ser tomado cativo e habitado por um demônio mesmo sendo cristão? Se Jesus não manda mais em sua vida, e a pessoa se recusa a entregar o comando de sua vida a Cristo, isso ainda a classifica como cristã? Nesse sentido, apesar de que concordamos que existe uma escala crescente de domínio demoníaco na vida das pessoas, vai haver um momento onde o inimigo vai fazer morada na vida da pessoa. É um processo que pode eventualmente culminar nisso, como acontece com o Espírito Santo na salvação da pessoa. A pessoa pode estar chegando cada vez mais perto de um encontro com Cristo, mas a regeneração ocorre em um momento pelo Espírito Santo que vem habitar na vida da pessoa, assim também precisaria acontecer com uma eventual habitação de um demônio na vida de um cristão. Resta a dúvida se esta pessoa ainda poderia ser considerada um cristão a estas alturas?

- se fizermos a distinção entre ter Jesus como Salvador e Jesus como Senhor, outra vez a coisa se explica mais facilmente. Mas como creio que essa distinção é artificial, fica difícil a nível teórico admitir que a pessoa possa servir a 2 senhores. Por outro lado, em nossa caminhada com Deus vemos que mesmo sendo cristãos devotos, nem sempre Cristo reina em nossas vidas. Mesmo Paulo admite que acaba fazendo aquilo que sabe que não deve e não quer (Rom 7). Será que isso seria indicação que um cristão pode ser habitado por demônios?

- uma das coisas centrais para lidar com essa situação está ligado com definições. Se concordamos com Murphy que Satanás e os seus demônios não possuem nada já que são usurpadores, ninguém pode ser possesso por Satanás, se isso implicar em controle total. Nesse caso, nem cristãos, nem não-cristãos podem ser possessos. Por outro lado, os cristãos que têm o Espírito Santo com eles estão numa situação diferente daqueles que não têm o Espírito. Como diz Bubeck: nenhum cristão pode ser possesso por um espírito mau da mesma forma que um não-crente ... Um cristão pode ser afligido ou mesmo controlado em certas áreas de seu ser, mas ele nunca pode ser totalmente controlado como ocorrer com um não-crente (Bubeck 1975, 87-88). Creio que a diferença entre cristãos e não-cristãos é essencial nesse assunto. Quando utilizamos o termo demonizado, tendemos a esquecer essa diferença, o que é muito prejudicial

 

 

 

 

Maldição Hereditária

- o livro de Deuteronômio tem alguns capítulos que falam sobre benção e maldição. Os capítulos que falam sobre este assunto (27-28) colocam a ênfase sobre as maldições ao invés das bênçãos, no espaço dado para o tratamento do assunto. As maldições funcionam como uma advertência solene para aqueles que renovaram a sua aliança com o Senhor – não é uma brincadeira entrar num relacionamento com o Senhor. Esses capítulos são escritos dentro do contexto da comunidade como um todo. A obediência ao Senhor da aliança trará bênçãos, uma vida longa e a posse da Terra Prometida, enquanto que a desobediência será desastrosa.. Assim quando Israel renova a sua aliança com o Senhor, o futuro glorioso com Deus é contrastado com um futuro desesperador sem Deus. Enfatizando as maldições, Moisés enfatizou a responsabilidade do povo sobre o compromisso que estavam tomando (Craigie 1976, 43-44)

- como Deus está no controle tanto das nações quanto da natureza, ele tem todo o controle sobre todos os fatores que podem afetar o bem-estar das pessoas, seja saúde, fertilidade da terra, ou qualquer outra parte da ordem criada. Se o povo fosse obediente Deus tinha o poder de conceder bênçãos a eles, controlar as outras nações e dar paz a Israel. Poderia dar a eles uma vida longa, saúde e colheitas boas. Mas se Israel fosse desobediente. Não havia esfera que pudesse escapar ao controle de Deus: o poder do seu exército, a riqueza da terra, etc., de nada adiantaria quando o relacionamento com Deus estivesse quebrado (Craigie 1976, 44)

- olhando a história vemos que de início as bênçãos foram concedidas a Israel, mas depois estes abandonam a Deus. Como conseqüência vamos ladeira a baixo nas maldições de Deus sobre o povo chegando ao exílio. Nesse sentido parece até que o textos de Deuteronômio funciona mais como uma profecia do que como advertência. Mas esse relato não foi escrito para julgarmos as pessoas do Israel antigo. Foi escrito porque mostra o paradigma da natureza humana. Mesmo recebendo todos os privilégios, um relacionamento íntimo com Deus, o ser humana escolhe o seu próprio caminho, esquecendo do seu chamado e traz sobre si mesmo a maldição de Deus. A maldição não parece ser uma vingança agradável que Deus impõe sobre eles, mas o resultado inevitável da vida que é vivida apesar de Deus, rejeitando um relacionamento com Deus cuja essência é o amor (Craigie 1976, 44)

- a lei do AT não consistia de leis arbitrárias, mas cujo cumprimento beneficiaria o povo: “O SENHOR nos ordenou que obedecêssemos a todos estes decretos e que temêssemos o SENHOR, o nosso Deus, para que sempre fôssemos bem-sucedidos e que fôssemos preservados em vida, como hoje se pode ver” (Deut 6:24; veja também 4:40; 5:33; 30:15-20). Deus sabe melhor o que contribui para o nosso bem-estar. As leis não são negativas, no sentido de restringir, mas para prover as condições nas quais a vida pode ser mais benéfica e verdadeiramente humana. A obediência traz bênçãos, não como recompensa, mas como resultado natural. A nossa saúde física não é um bônus pelo bom comportamento, mas o resultado natural dela. A lei defendia em especial as pessoas marginalizadas. A lei não foi dada para agradar a Deus, mas para agradar as pessoas. É claro que Deus se alegra quando a sua lei é cumprida, mas quem mais lucra com isso somos nós. A obediência à lei de Deus não era a crosta seca de um legalismo rígido como podemos imaginar, mas a rota mais certa para a satisfação pessoal, liberdade genuína, harmonia social e prosperidade. A lei foi uma dádiva da graça, uma bênção, um tesouro, um dos muitos privilégios que Deus tinha dado para Israel, para o seu próprio bem e depois para a bênção de toda a humanidade (Wright 1992, 205-7)

- o conceito de bênção e maldição do AT depende bastante do contexto onde ocorrem. Deus abençoa as pessoas que estão em harmonia com ele. Quando uma pessoa abençoa a outra, isso está fortemente ligado com o relacionamento entre elas. Em contraste, a maldição reflete uma quebra de relacionamentos. Deus resolveu abençoar a Israel por causa de sua graça e não porque mereciam. Para continuar a sendo abençoado através desse relacionamento profundo com Deus Israel deveria obedecer às regras do acordo que fizeram com Deus (Deut 7:11-15; 11:8-15; 28:1-14). Por outro lado, a desobediência levaria o acordo a ser quebrado e as bênçãos seriam trocadas por maldições (Deut 28:15-68) (McKeown 2003, 84-85)

 

Argumentos contra

- a Bíblia fala que todos nascemos no pecado. Isso significa que todos herdamos de alguma forma a natureza pecaminosa de nossos antepassados. Alguns acham que pessoas que foram dedicadas aos demônios antes de nascerem, ou onde os pais tiveram forte influência demoníaca, têm por este motivo um controle demoníaco hereditário sobre eles. Essa é uma crença que existe no mundo animista. A Bíblia silencia sobre isso. As únicas passagens bíblicas que falam sobre esse assunto são:

Ex 20:4-6 - “Não farás para ti imagem de escultura, nem semelhança alguma do que há em cima nos céus, nem embaixo na terra, nem nas águas debaixo da terra. 5 Não as adorarás, nem lhes darás culto; porque eu sou o SENHOR, teu Deus, Deus zeloso, que visito a iniqüidade dos pais nos filhos até à terceira e quarta geração daqueles que me aborrecem  6 e faço misericórdia até mil gerações daqueles que me amam e guardam os meus mandamentos

Ex 34:6-7 - “E, passando o SENHOR por diante dele, clamou: SENHOR, SENHOR Deus compassivo, clemente e longânimo e grande em misericórdia e fidelidade;  7 que guarda a misericórdia em mil gerações, que perdoa a iniqüidade, a transgressão e o pecado, ainda que não inocenta o culpado, e visita a iniqüidade dos pais nos filhos e nos filhos dos filhos, até à terceira e quarta geração!”

Baseado nessa doutrina se ensina que os filhos pagam pelo envolvimento dos pais com atividades ocultas. A evidência se mostra em que muitos dos filhos andam pelos mesmos caminhos de seus pais. Mas a Bíblia coloca claramente que os pais devem ensinar par aos filhos o caminho a seguir. Fica muito fácil ver que os pais ensinam os filhos pelo seu exemplo. É a influência e não um processo de transmissão de demônios. Tanto Jeremias quanto Ezequiel falam de um provérbio que era dito na sua época: “Os pais comeram uvas verdes, e os dentes dos filhos é que se embotaram” (Jer 31:29; Ez 18:2). Mas ambos os autores repudiam esse provérbio dizendo: “Que tendes vós, vós que, acerca da terra de Israel, proferis este provérbio, dizendo: Os pais comeram uvas verdes, e os dentes dos filhos é que se embotaram? 3 Tão certo como eu vivo, diz o SENHOR Deus, jamais direis este provérbio em Israel. 4 Eis que todas as almas são minhas; como a alma do pai, também a alma do filho é minha; a alma que pecar, essa morrerá” (Ez 18:2-4). A idéia que fica clara aqui é que o pai pode dar mau exemplo, mas somente se o filho seguir os passos errados de seu pai, pagará pelos seus próprios pecados (Priest et al. 1995, 67-68)

- a retribuição divina sobre os filhos dos que aborrecem  a Deus ocorre porque o pecado exige castigo. Mas Deus muda de atitude com o pecador quando este se arrepende. Lev 26 fala do que acontece quando o povo obedece e quando desobedece. As conseqüências pela desobediência são devastadoras, mas ainda não significa que Deus os abandona por causa disso:

Lv 26: 38-45 - “38 Vocês perecerão entre as nações, e a terra dos seus inimigos os devorará. 39 Os que sobreviverem apodrecerão na terra do inimigo por causa dos seus pecados, e também por causa dos pecados dos seus antepassados. 40Mas, se confessarem os seus pecados e os pecados dos seus antepassados, sua infidelidade e oposição a mim, 41 que me levaram a opor-me a eles e a enviá-los para a terra dos seus inimigos; se o seu coração obstinado se humilhar, e eles aceitarem o castigo do seu pecado, 42 eu me lembrarei da minha aliança com Jacó, da minha aliança com Isaque, e da minha aliança com Abraão, e também me lembrarei da terra, 43 que por eles será abandonada e desfrutará os seus sábados enquanto permanecer desolada. Receberão o castigo pelos seus pecados porque desprezaram as minhas ordenanças e rejeitaram os meus decretos. 44 Apesar disso, quando estiverem na terra do inimigo, não os desprezarei, nem os rejeitarei, para destruí-los totalmente, quebrando a minha aliança com eles, pois eu sou o Senhor, o Deus deles. 45 Mas por amor deles eu me lembrarei da aliança com os seus antepassados que tirei da terra do Egito à vista das nações, para ser o Deus deles. Eu sou o SENHOR.”.

Aqui fica claro que Deus não os abandona, mas se lembra da aliança feita a eles. Outro texto que nos ajuda a ver como Deus age com o povo que peca é Num 14:13-34:

Num 14:13-34  - “13 Moisés disse ao SENHOR: Então os egípcios ouvirão que pelo teu poder fizeste este povo sair dentre eles, 14 e falarão disso aos habitantes desta terra. Eles ouviram que tu, ó SENHOR, estás com este povo e que te vêem face a face, SENHOR, e que a tua nuvem paira sobre eles, e que vais adiante deles numa coluna de nuvem de dia e numa coluna de fogo de noite. 15 Se exterminares este povo, as nações que ouvirem falar do que fizeste dirão: 16 ‘O SENHOR não conseguiu levar esse povo à terra que lhes prometeu em juramento; por isso os matou no deserto’. 17 Mas agora, que a força do Senhor se manifeste, segundo prometeste: 18 ‘O SENHOR é muito paciente e grande em fidelidade, e perdoa a iniqüidade e a rebelião, se bem que não deixa o pecado sem punição, e castiga os filhos pela iniqüidade dos pais até a terceira e quarta geração’. 19 Segundo a tua grande fidelidade, perdoa a iniqüidade deste povo, como a este povo tens perdoado desde que saíram do Egito até agora. 20 O SENHOR respondeu: Eu o perdoei, conforme você pediu. 21 No entanto, juro pela glória do SENHOR que enche toda a terra, 22 que nenhum dos que viram a minha glória e os sinais miraculosos que realizei no Egito e no deserto, e me puseram à prova e me desobedeceram dez vezes 23 nenhum deles chegará a ver a terra que prometi com juramento aos seus antepassados. Ninguém que me tratou com desprezo a verá. 24 Mas, como o meu servo Calebe tem outro espírito e me segue com integridade, eu o farei entrar na terra que foi observar, e seus descendentes a herdarão. 25 Visto que os amalequitas e os cananeus habitam nos vales, amanhã dêem meia-volta e partam em direção ao deserto pelo caminho que vai para o mar Vermelho. 26 Disse mais o SENHOR a Moisés e a Arão: 27 Até quando esta comunidade ímpia se queixará contra mim? Tenho ouvido as queixas desses israelitas murmuradores. 28 Diga-lhes: Juro pelo meu nome, declara o SENHOR, que farei a vocês tudo o que pediram: 29 Cairão neste deserto os cadáveres de todos vocês, de vinte anos para cima, que foram contados no recenseamento e que se queixaram contra mim. 30 Nenhum de vocês entrará na terra que, com mão levantada, jurei dar-lhes para sua habitação, exceto Calebe, filho de Jefoné, e Josué, filho de Num. 31 Mas, quanto aos seus filhos, sobre os quais vocês disseram que seriam tomados como despojo de guerra, eu os farei entrar para desfrutarem a terra que vocês rejeitaram. 32 Os cadáveres de vocês, porém, cairão neste deserto. 33 Seus filhos serão pastores aqui durante quarenta anos, sofrendo pela infidelidade de vocês, até que o último cadáver de vocês seja destruído no deserto. 34 Durante quarenta anos vocês sofrerão a conseqüência dos seus pecados e experimentarão a minha rejeição; cada ano corresponderá a cada um dos quarenta dias em que vocês observaram a terra.

Aqui o pecado do povo tem conseqüências, mas é Deus quem está castigando e não algo que o inimigo faz por trás de maneira astuta

- além disso Cristo nos resgatou da maldição da lei: “13 Quando vocês estavam mortos em pecados e na incircuncisão da sua carne, Deus os vivificou com Cristo. Ele nos perdoou todas as transgressões, 14 e cancelou a escrita de dívida, que consistia em ordenanças, e que nos era contrária. Ele a removeu, pregando-a na cruz, 15 e, tendo despojado os poderes e as autoridades, fez deles um espetáculo público, triunfando sobre eles na cruz” (Col 2:13-15); “Cristo nos redimiu da maldição da Lei quando se tornou maldição em nosso lugar, pois está escrito: ‘Maldito todo aquele que for pendurado num madeiro’ ” (Gal 3:13). O grande perigo quando falamos da necessidade de quebra de maldições está em que acabamos afirmando que a obra de Cristo não é completa. Além da conversão a pessoa precisa de mais algo para poder servir a Deus e ser totalmente liberta. Isso seria acrescentar algo à salvação e isso é extremamente perigoso. Paulo usa a linguagem da redenção para mostrar que erramos escravos do pecado mas fomos comprados por alto preço. Agora o velho chefe não tem nenhum direito a reivindicar sobre nós (1 Co 6:20; 1 Co 7:23; 1 Pe 1:18) (Lopes 2001, 63)

 

- um estudo um pouco mais aprofundado de Ex 20 e Ez 18 nos ajuda a entender melhor o que está por trás desses textos freqüentemente usados para defender a maldição hereditária

- Judá está no cativeiro. Eles tinham sido exilados porque deixaram de lado o que Deus tinha lhes dito. Eles abandonaram os caminhos do Senhor e correram atrás de outros deuses até que finalmente a paciência de Deus se esgotara. Agora estão “pagando” pelos seus pecados. Isso levou diversas pessoas para acharem que Deus estava sendo injusto levando eles para a Babilônia. Afinal de contas os seus pais haviam pecado e agora eles estão pagando pelos pecados de seus pais

- existe um provérbio que circula entre eles que deixa essa verdade muito clara: “Os pais comem uvas verdes, e os dentes dos filhos se embotam” (Ez 18:2). Esse provérbio também circulava em Israel, mas nesse caso se refere mais às pessoas para quem Ezequiel está escrevendo (exilados) (Block 1997, 558)

- o conceito de que os filhos pagam pelos pecados dos pais era muito comum nessa época no Antigo Oriente Médio. Mas ela também estava presente fortemente em Israel. Já nos 10 mandamentos temos a expressão:

Ex 20:4-6 - “4Não farás para ti nenhum ídolo, nenhuma imagem de qualquer coisa no céu, na terra, ou nas águas debaixo da terra. 5 Não te prostrarás diante deles nem lhes prestarás culto, porque eu, o SENHOR, o teu Deus, sou Deus zeloso, que castigo os filhos pelos pecados de seus pais até a terceira e quarta geração daqueles que me desprezam, 6 mas trato com bondade até mil gerações aos que me amam e obedecem aos meus mandamentos

Ex 34:5-7 - “5 Então o SENHOR desceu na nuvem, permaneceu ali com ele e proclamou o seu nome: o SENHOR. 6 E passou diante de Moisés, proclamando:SENHOR, SENHOR, Deus compassivo e misericordioso, paciente, cheio de amor e de fidelidade,  7 que mantém o seu amor a milhares e perdoa a maldade, a rebelião e o pecado. Contudo, não deixa de punir o culpado; castiga os filhos e os netos pelo pecado de seus pais, até a terceira e a quarta gerações

Num 14:18 - “18 ‘O SENHOR é muito paciente e grande em fidelidade, e perdoa a iniqüidade e a rebelião, se bem que não deixa o pecado sem punição, e castiga os filhos pela iniqüidade dos pais até a terceira e quarta geração

Deut 5:8-10 - “8 Não farás para ti nenhum ídolo, nenhuma imagem de qualquer coisa no céu, na terra ou nas águas debaixo da terra. 9 Não te prostrarás diante deles nem lhes prestarás culto, porque eu, o SENHOR, o teu Deus, sou Deus zeloso, que castigo os filhos pelo pecado de seus pais até a terceira e quarta geração daqueles que me desprezam, 10 mas trato com bondade até mil gerações os que me amam e obedecem aos meus mandamentos

Deut 7:9-10 - “9 Saibam, portanto, que o SENHOR, o seu Deus, é Deus; ele é o Deus fiel, que mantém a aliança e a bondade por mil gerações daqueles que o amam e obedecem aos seus mandamentos. 10 Mas àqueles que o desprezam, retribuirá com destruição; ele não demora em retribuir àqueles que o desprezam” Fica muito patente que as pessoas interpretavam a atuação de Deus com base nesse princípio. Até a ida para a Babilônia é vista neste prisma: “3 Isso aconteceu a Judá conforme a ordem do SENHOR, a fim de removê-los da sua presença, por causa de todos os pecados que Manassés cometeu, 4 inclusive o derramamento de sangue inocente. Pois ele havia enchido Jerusalém de sangue inocente, e o SENHOR não o quis perdoar” (2 Rs 24:3-4) (Block 1997, 559)

- mas esta teologia estava criando problemas para os exilados. Eles achavam que Deus estava sendo injusto castigando os filhos (eles próprios) pelos pecados de seus pais. Parece que Deus não está interessado em culpa e inocência de um indivíduo, mas simplesmente interessado em equilibrar o pecado e a retribuição. Mas isso vai exatamente contra o que Deus queria. Deus havia avisado os pais que cuidassem de sua conduta pois ela trazia conseqüências para os seus filhos. Há diversas maneiras de ver este castigo de Deus: poderia ser que Deus castiga as pessoas das gerações sucessivas mesmo depois que a pessoa culpada já morreu; ou então poderia ser que no máximo 4 gerações viviam juntas como família estendida e estes carregam as conseqüências pelos atos dos pais (Block 1997, 559). No Oriente Médio cada pessoa pertence a um clã ou família estendida onde a integração e interdependência são valores importantes, e o grupo é visto como uma unidade. Um comportamento individual não é visto como isolado do grupo. Quando alguém na família peca a família toda divide a responsabilidade (Walton et al. 1997, 95)

- esse conceito de que os filhos pagam pelos pecados dos pais era secular, mas estava firmemente arraigado nas pessoas da época:

Lam 5:7 - “Nossos pais pecaram e já não existem, e nós recebemos o castigo pelos seus pecados 

Jer 31:29-30 - “29 Naqueles dias não se dirá mais: ‘Os pais comeram uvas verdes, e os dentes dos filhos se embotaram’. 30 Ao contrário, cada um morrerá por causa do seu próprio pecado. Os dentes de todo aquele que comer uvas verdes se embotarão

Isso levava as pessoas a um fatalismo: é assim que as coisas são e ninguém pode fazer nada para mudar a situação (Block 1997, 559-60)

- em Ez 16:44 Ezequiel tinha mencionado o relacionamento de causa-efeito entre gerações. Ele cita o provérbio: “Tal mãe, tal filha”. Ele não faz isso para culpar a geração anterior, mas para mostrar que os traços de personalidade são passados de uma geração para a outra. Em sua conduta Jerusalém mostra que tem pais pagãos. A situação é que Ezequiel está lidando com pessoas que estão vendo um fatalismo que não pode ser mudado. São regras cósmicas de causa e efeito que deixam os exilados sem esperança e sem Deus. Durante anos eles colocaram a sua esperança em Deus para agora perceber que existem leis imutáveis das quais não podem fugir: uma geração paga pelos pecados da geração anterior (Block 1997, 560-61)

- mas Ezequiel vai responder a esta situação. Ele logo coloca a sua tese e depois vai explicá-la: “3 Juro pela minha vida, palavra do Soberano, o SENHOR, que vocês não citarão mais esse provérbio em Israel. 4 Pois todos me pertencem. Tanto o pai como o filho me pertencem. Aquele que pecar é que morrerá” (Ez 18:3-4). Ezequiel está mudando a teologia das pessoas dizendo que não podemos entender a experiência das pessoas sem reconhecer que a vida pertence a Deus: “todos me pertencem”. Ele é o criador de todos e sustenta a vida de todos – logo todos pertencem a ele. Aqui ele rejeita o fatalismo e anuncia que o mundo é teocêntrico. Eles não são vitimas de leis cósmicas imutáveis, mas o seu destino está nas mãos de Deus (Block 1997, 561-62)

- além disso Ezequiel mostra que para entender a experiência humana precisamos entender o relacionamento entre culpa e castigo: “Aquele que pecar é que morrerá”. Jeremias já havia tocado no assunto dizendo que no futuro as pessoas seriam fiéis à nova aliança de Deus e seriam perdoadas. A culpa coletiva daria lugar à responsabilidade individual pela culpa. Jeremias deixou a questão aberta para os seus dias, mas falou do futuro. Ezequiel por sua vez diz que esse provérbio não representa uma teologia correta. Ezequiel dá por certo que as pessoas conhecem Deut 24:16: “Os pais não serão mortos em lugar dos filhos, nem os filhos em lugar dos pais; cada um morrerá pelo seu próprio pecado”. Parece que este versículo contradiz o que temos nos 10 mandamentos. Mas Ex 20:5 está lidando com a administração divina da justiça, enquanto que Deut 24:16 é colocada para controlar os abusos em julgamentos humanos. As pessoas não devem castigar os filhos pelos pecados dos pais [vide também Brown in NIDOTEE 4:891) [pode ser que temos aqui a diferença entre a culpa coletiva – todos vivendo debaixo de mesmo teto e assim se tornam co-responsáveis pelo pecado; e culpa individual (veja Martens in DOTP 772). O castigo pressupõe que os filhos são castigados pela sua solidariedade com e participação no erro de conduta dos pais (cf. Jos 7) (Williams in NIDOTEE 3:660); ou ainda que a pessoa que abandona Deus deixa de instruir as gerações posteriores sobre a aliança com Deus e desta forma não conhece o essencial para a sua vida e seu bem-estar (Craigie 1976, 154), muito pelo contrário aprende coisas que vão fazer mal (especialmente a idolatria que é mencionada no contexto direto) (Wright in NIDOTEE 1:221). Além disso o castigo em Deut 5:9-10 (e outras passagens) é para aqueles que desprezam/odeiam a Deus, i.é., aqueles que continuam a viver em rebelião contra Deus (Ashley 1993, 259)]. O que Ezequiel está fazendo é transferir o princípio que governa as relações humanas para ser o princípio geral sobre este assunto. Nenhuma geração é simplesmente a extensão moral da outra. As pessoas morrem pelos seus pecados e não pelos pecados dos outros (Block 1997, 563). Parece indicar que aqui estávamos falando de uma nova época onde a responsabilidade corporativa (coletiva) é substituída pela individual. O pecado seria castigado imediatamente. Isso deveria ser considerado uma bênção (Brown in NIDOTEE 4:891; Williams in NIDOTEE 3:660). Fica patente que essa teologia no exílio está em contraste com a teologia pré-exílica, mesmo que já vemos ela presente em Gen 18:25 (Southwell in NIDOTEE 3:888). Mesmo em Jeremias essa ambigüidade continua. Por um lado Jeremias coloca que a geração de Manassés pecara e isso ocasionara o cativeiro, mas por outro ele não considera o povo que vai ao exílio totalmente inocente. Não sabemos exatamente se Jeremias aceitava a responsabilidade coletiva em certas circunstâncias. Possivelmente ele antecipava a visão dos rabinos que a culpa dos pais é transferida para os filhos que continuam nos caminhos deles (Hostetter in NIDOTEE 3:679). Cada geração precisaria escolher por si mesma como iria viver e como iria se relacionar com Deus. Havia diversos exemplos de pessoas que mesmo vivendo em uma sociedade corrupta se decidiram a viver como Deus queria (Abraão, Moises, Josué, Elias e outros profetas). Logo o princípio da responsabilidade coletiva não é novo em Jeremias e Ezequiel. A sociedade precisava entender que existia a responsabilidade coletiva e individual (Thompson 1980, 579)

- depois disso Ezequiel vai mostrar 3 casos de justiça divina. Ele não está satisfeito simplesmente em afirmar o contrário do que o povo está pensando. Ele quer demonstrar isso com exemplos. Pode até ser que ele esteja se baseando no princípio que para julgar uma situação deveria haver entre 2-3 testemunhas. Ele está falando de 3 gerações para mostrar que uma geração pode quebrar com as práticas erradas de outra. Veja a comparação abaixo (Block 1997, 565-66)

 

18:5-9 (avô)

18:10-13 (pai)

18:14-17 (filho)

Não come nos montes – sacrifícios aos deuses

Come nos montes

Não come nos montes

Não olha para os ídolos – buscando sua ajuda

 

Não olha para os ídolos

Não contamina a mulher do próximo – adultério

Contamina a mulher do próximo

Não contamina a mulher do próximo

Não se deita com a mulher na menstruação

 

 

Não explora/oprime ninguém – se aproveitar do outro

Oprime os pobres e necessitados

Não oprime ninguém

Devolve o que tomou como empréstimo (penhor)

Comete roubos

Não exige garantia pelo empréstimo

Não comete roubos

Não devolve o penhor que recebeu como garantia pelo empréstimo

Não comete roubos

Dá comida aos famintos

Volta-se para os ídolos

Dá comida aos famintos

Fornece roupas para os despidos

Comete práticas detestáveis

Fornece roupas para os despidos

Não empresta dinheiro com juros (para não explorar os pobres)

Empresta dinheiro com juros

Mantém a mão longe dos pobres

Não exige lucro do dinheiro emprestado

Exige lucro do dinheiro emprestado

Não exige juros nem lucros do dinheiro emprestado

Retém a mão para não cometer injustiça = é honesto e justo nos negócios

 

 

Promove justiça entre a comunidade

 

 

Age/vive segundo as leis de Deus

 

Obedece às leis de Deus

Obedece às leis de Deus

 

Age/vive segundo as leis de Deus

Vive de maneira justa/íntegra

 

 

 

- os pobres são cuidados porque todas as pessoas são vistas como sendo a imagem de Deus

- o pai tem um filho violento, um criminoso que comete qualquer dos crimes abaixo, mesmo que o pai não os tenha cometido. Ezequiel quer mostrar que mesmo o pai sendo bom pode ter um filho mau. A geração anterior não determina o destino da presente geração. Enquanto o pai vive aqui o filho não deve viver. Deve ser morto e ser responsável por sua própria morte – ou seja, não existe transferencia de culpa ou justiça do pai para o filho (Block 1997, 575-76)

- depois ele apresenta o neto que teve um avô bom mas um pai perverso. Ele refletiu sobre os erros de seu pai  e deliberadamente andou na direção contrária. Basicamente ele é a antítese de seu pai e cópia de seu avô. Ele não vai pagar pelos pecados de seu pai. A sua conduta de justiça determina o seu destino (Block 578-79)

- Ezequiel quer deixar bem claro que cada pessoa é responsável pelos seus atos e será recompensada ou castigada por eles e não pelos pecados de outra geração. Ele ainda acrescenta a possibilidade de perdão para quem está vivendo no pecado. Se alguém se arrepende ele pode ser perdoado. Três ações são requeridas: arrependimento que envolve uma mudança de direção, afastando-se do pecado, e comprometendo-se de fazer a vontade de Deus – o que vai se expressar em atos concretos. Nesse caso o pecado é perdoado e ele viverá porque o que conta é o que ele vive hoje (Block 1997, 582)

- Deus não tem prazer na morte das pessoas, nem mesmo dos perversos. O povo precisa de uma nova visão de Deus – um Deus que quer dar vida e abençoar e não amaldiçoar e matar. Mesmo que Israel estivera em pecado durante gerações, o futuro está aberto diante deles com esperança. Aqueles que se arrependem vão encontrar a vida. Mas o contrário também acontece. Se uma pessoa justa abandona os caminhos de Deus e se perverte e ele vai pagar pela sua apostasia. Ele não vai viver. A sua vida atual apaga os bons caminhos que andou no passado. Com isso Ezequiel está mostrando que a pessoa não pode confiar que o seu destino é firmado pela geração anterior. Cada pessoa determina o seu próprio destino. Ele também mostra que não podemos pensar que se no passado fizemos o bem agora podemos pecar que ainda na média estamos bem. O destino da pessoa é determinado pelo presente quando ocorre o julgamento (Block 1997, 583)

 

1.    Ezequiel deixa claro que ninguém pode culpar o outro pelo seu pecado. É verdade que os pais são responsáveis pelo bem-estar dos filhos. Mas os filhos não podem se esconder atrás da teologia que culpa os pais pelo seu próprio destino. A sentença de morte ou de vida não é imutável. Cada um vive ou morre por causa de seus atos – cada um é responsável pelo seu próprio destino (Block 1997, 589)

2.    Não podemos basear o nosso futuro eterno em decisões do passado. A decisão que tomamos hoje é que determina o nosso futuro. Posso ter vivido como Deus quer no passado, mas se abandono hoje, sou julgado pelo meu estado atual. Deus nos incentiva: arrependa-se e viva, o que pode mudar o destino da pessoa (Block 1997, 589-90)

3.    Ezequiel coloca que Deus age segundo alguns padrões: a pessoa que peca morre por causa do seu pecado; vida correta se expressa em ações corretas e não simplesmente em afirmações corretas; o passado da pessoa não precisa determinar o seu futuro; Deus quer vida ao invés de morte (Block 1997, 590)

4.    Deus quer que as pessoas se arrependam para encontrar vida. Deus não tem prazer no castigo pelo pecado (Block 1997, 590)

 

 

 

 

 

Há 3 forças básicas que se opõe a nossa vida com Deus

1.                   O mundo

- principalmente em João trata-se do “sistema de valores alienados de Deus, que orienta o pensamento dos homens em oposição a Ele” (Shedd 1991, 12-13). Nesse sistema de valores está incluído o poder político, as riquezas deste mundo, enfim, o secularismo. Ser o centro sem a presença de Deus. “A influência sutil do mundo ao redor, através dos meios de entretenimento e informação, exclui a voz do Senhor. Quem pensa que esta influência negativo não atinge os membros da igreja é como a avestruz que esconde a cabeça na areia” (Shedd 1991, 17). O mundo acaba nos moldando e nossos valores são mais adaptados à sociedade do que à Bíblia.

- para vencer o mundo é preciso tomar cuidado para não achar que a voz do povo é a voz de Deus. Na cruz Jesus disse um não definito para todas as tentações do mundo. Da mesma forma precisa acontecer conosco. Não podemos nos conformar com a maneira de pensar do mundo. O reino de deus precisa estar em primeiro lugar em nossa vida. Aí não haverá espaço para outras coisas. Essa vitória contra o mundo é muito mais fácil quando estamos em uma comunidade de pessoas com o mesmo propósito.

 

2.                   A carne

- é o desvio da natureza humana agindo como instrumento do pecado (Shedd 1991, 69). É um sistema que governa os seres humanos. Ela ultrapassa os limites da individualidade e cria sistemas que se opõe a Deus. Esse sistema acaba se tornando o deus da pessoa exigindo que faça o que ela (a carne) quer. É o sentimento de individualismo que faz as coisas sem precisar de Deus.

- para vencer a carne precisamos reconhecer que a carne é fraca. Carnalidade e criancice são similares (1 Co 3:1-3). Precisamos reconhecer a nossa dependência de Deus (Shedd 1991, 72). Isso nos leva a vigiar e ser humildes sabendo que se baixarmos a guarda estaremos na mira do inimigo. Nessa dependência de Deus a nossa consciência desempenha papel importante. Andar do Espírito, deixar que ele controle a nossa vida é vital nessa luta. Devemos destruir as fontes de sustento da carne (Gal 5:13). Matar a carne, fugir das paixões e perseguir a justiça.

 

3.                   O diabo

- ele tem diversos nomes na Bíblia: adversário, acusador, tentador, etc. Este tenta cegar os olhos das pessoas para que não vejam a Deus. Faz milagres para enganar as pessoas, torce as escrituras, mente e mata.

- para vencer o diabo precisamos evitar de dar brechas para ele através de nosso comportamento que não é bíblico. Tratamos tanto de expulsar demônios e tão pouco de trabalhar o nosso caráter. Atras de ira não perdoada damos lugar ao diabo em nossa vida (Ef 4:26ss). A nossa identidade e união com Cristo nos dá a vitória sobre o inimigo. Ele está derrotado e a batalha final é somente questão de tempo. Precisamos também vestir a armadura de Deus.

- convém ressaltar que nem sempre sabemos claramente a fonte da nossa tentação. Mas precisamos evitar de expulsarmos demônios quando é nossa tarefa de mortificar a carne. Expulsar o demônio não vai resolver o problema. A recíproca é verdadeira.

 

Bibliografia

Anderson, Neil T. 1990. Finding freedom in Christ. In Wrestling with dark angels. Toward a deeper understanding of the supernatural forces in spiritual warfare, ed. C. Peter Wagner & Douglas Pennoyer, 125-59. Ventura, CA: Regal.

 

__________. 1994. Quebrando correntes: Como vencer a guerra espiritual. São Paulo: Mundo Cristão.

 

Arnold, Clinton E. 1992a. Powers of darkness: Principalities & powers in Paul’s letters. Downers Grove, Ill.: InterVarsity.

 

__________. 1992b. Power and magic: The concept of power in Ephesians. Grand Rapids, Mich.: Baker.

 

__________. 1996. The Colossian syncretism: The inteface between Christianity and folk belief at Colossae. Grand Rapids, Mich.: Baker.

 

__________. 1997. Three crucial questions about spiritual warfare. Grand Rapids, Mich.: Baker.

 

__________. 2000. Territorial spirits. In Evangelical dictionary of world missions, ed. A. Scott Moreau, 940-41. Grand Rapids, Mich.: Baker.

 

Baloian, Bruce. 1997. !j'F'; (satan). In New international dictionary of Old Testament theology & exegesis, ed. Willem A. VanGemeren, 3:1231-32. Grand Rapids, Mich.: Zondervan.

 

Belleville, Linda L. 1996. 2 Corinthians (IVP NTS). Downers Grove, Ill.: InterVarsity.

 

Block, Daniel I. 1997, 1998. The book of Ezekiel (2 Vol) NICOT. Grand Rapids, Mich.: Eerdmans.

 

Blomberg, Craig. 1995. 1 Corinthians. The NIV application commentary. Grand Rapids, Mich.: Zondervan Publishing House.

 

Bock, Darrell L. 1994, 1996. Luke (Baker exegetical commentary on the NT, 2 volumes). Grand Rapids, Mich.: Baker

 

Bruce, Frederick F. 1988b. The book of the Acts (NICNT). Grand Rapids, Mich.: Eerdmans.

 

Bubeck, Mark I. 1975. The adversary: The Christian versus demon activity. Chicago, Ill.: Moody.

 

Carson, Donald A. 1995. Matthew (Expositor’s Bible Commentary). Grand Rapids: Zondervan.

 

__________. 1999. God, the Bible and spiritual warfare: A review article. JETS 42, Nº 2 (June): 251-269.

 

César, Elben M. Lenz. 2001. Antes de amarrar Satanás ... Viçosa: Ultimato.

 

Craigie, Peter C. 1976. The book of Deuteronomy (NICOT). Grand Rapids, Mich.: Eerdmans.

 

Droogers, André. 1985. E a umbanda? Série Religiões – 1. São Leopoldo: Sinodal.

 

Dumbrell, W. J. 1997. Apocalyptic literature. In New international dictionary of Old Testament theology & exegesis, ed. Willem A. VanGemeren, 4:394-99. Grand Rapids, Mich.: Zondervan.

 

Erickson, Millard J. 1996. Christian theology. Grand Rapids, Ill.: Baker

 

Fee, Gordon D. 1987. 1 Corinthians (NICNT). Grand Rapids, Mich.: Eerdmans

 

Fitzmyer, Joseph A. 1979, 1983. The gospel according to Luke (AB). 2 Vol. New York: Doubleday.

 

France, R. T. 2002. The Gospel of Mark (NIGTC). Grand Rapids, Mich.: Eerdmans.

 

Frangipane, Francis. 2003. Os três campos de batalha: A guerra espiritual na mente, na igreja e nas regiões celestes. São Paulo: Vida.

 

Gondim Rodrigues, Ricardo. 1995. Guerra espiritual na Igreja: Desenvolvendo uma prática bíblica e equilibrada. In Ultrapassando Barreiras, vol. 2, ed. J. Scott Horrell, 105-122. São Paulo, SP: Vida Nova.

 

__________. Quatro episódios e muitas inquietações. http://www.ricardogondim.com.br/Artigos/artigos.info.asp?tp=61&sg=0&form_search=&pg=4&id=374. Acesso em 30 de março de 2005.

 

Grudem, Wayne. 1999. Teologia Sistemática. São Paulo: Vida Nova.

 

Guelich, Robert A. 1989. Mark 1-8:26 (WBC). Dallas, Tex.: Word

 

__________. 1991. Spiritual warfare: Jesus, Paul and Peretti. Pneuma 13, no. 1 (Spring):33-64

 

Hamilton, Victor P. 1992. Satan. In The Anchor Bible Dictionary, ed. David N. Freedman, 5:985-89. New York: Doubleday.

 

Hartley, John E. 1988. The book of Job (NICOT). Grand Rapids, Mich.: Eerdmans.

 

__________. 1997. Theology of Job. In New international dictionary of Old Testament theology & exegesis, ed. Willem A. VanGemeren, 4:780-96. Grand Rapids, Mich.: Zondervan.

 

Hiebert, Paul G. 1994. Anthropological reflections on missiological issues. Grand Rapids, Mich.: Baker.

 

__________. 2000. Spiritual warfare and worldview. In Global missiology for the 21st century: The Iguassu dialogue, ed. William D. Taylor, 163-77.

 

Hooker, Morna D. 1999. The Gospel according to Saint Mark (BNTC). Peabody, Mass: Hendrickson

 

Horton, Michael S. 1994. Beyond culture wars: Is Amrica a mission field or battlefield? Chicago, Ill.: Moody.

 

Hunt, Dave. 1993. “Die Wahrheit wird euch frei machen”. Fest und Treu 63, no.1:6-9.

 

Itioka, Neuza. 1998. Deus quer a sua cidade: A lkuta contra principados e potestades. São Paulo: Sepal.

 

Jacobs, Donald R. 1990. Out of Africa: Evangelism and spiritual warfare. In Wrestling with dark angels. Toward a deeper understanding of the supernatural forces in spiritual warfare, ed. C. Peter Wagner & Douglas Pennoyer, 303-12. Ventura, CA: Regal.

 

Kraft, Charles H. 2002. Spiritual Warfare: A neocharismtic perspective. In The new international dictionary of Pentecostal and Charismatic Movements. Ed. Stanely M. Burgess, rev. and expanded ed, 1091-1096. Grand Rapids, Mich.: Zondervan.

 

Kraft, Charles H. 2000. Power encounter. In Evangelical dictionary of world missions, ed. A. Scott Moreau, 774-775. Grand Rapids, Mich.: Baker.

 

Lane, William L 1974. Mark (NICNT). Grand Rapids, Mich.: Eerdmans.

 

Larkin. William J. 1995. Acts (IVP NTCS). Downers Grove, Ill.: InterVarsity.

 

Lincoln, Andrew. T. 1990. Ephesians (WBC). Dallas, Tex.: Word Books.

 

Lopes, Augustus Nicodemus. 2001. O que você precisa saber sobre batalha espiritual. 3a. edição revisada. São Paulo: Cultura Cristã.

 

Martin, Ralph P. 1991. 2 Corinthians (WBC). Milton Keynes, England: Word.

 

McClung Jr., L. Grant. 1990. Pentecostal/charismatic understanding of exorcism. In Wrestling with dark angels. Toward a deeper understanding of the supernatural forces in spiritual warfare, ed. C. Peter Wagner & Douglas Pennoyer, 195-214. Ventura, CA: Regal.

 

McKeown, James. 2003. Blessings and curses. In Dictionary of the Old Testament Pentateuch, ed. T. Desmond Alexander & David W. Baker, 83-87. Downers Grove, Ill.: InterVarsity.

 

Milne, Bruce. 1987. Estudando as doutrinas da Bíblia. São Paulo: SP. ABU.

 

Moo, Douglas J. 1996. 2 Peter, Jude (NIV Application commentary). Grand Rapids, Mich.: Zondervan.

 

Moreau. A. Scott. 2000a. Demon, demonization. In Evangelical dictionary of world missions, ed. A. Scott Moreau, 267-68. Grand Rapids, Mich.: Baker.

 

__________. 2000b. Possession phenomena. In Evangelical dictionary of world missions, ed. A. Scott Moreau, 771-72. Grand Rapids, Mich.: Baker.

 

Motyer, J. Alc. 1999. Isaiah: An introduction & commentary (TOTC). Downers Grove, Ill.: InterVarsity.

 

Murphy, Ed. 1990. We are at war. In Wrestling with dark angels. Toward a deeper understanding of the supernatural forces in spiritual warfare, ed. C. Peter Wagner & Douglas Pennoyer, 49-72. Ventura, CA: Regal.

 

Oswalt,. John. 1986, 1998. The book of Isaiah (NICOT). Grand Rapids, Mich.: Eerdmans.

 

O’Brien, Peter. 1982. Colossians (WBC). Dallas, TX: Word

 

Oropeza, B. J. 2001. 99 perguntas sobre anjos, demônios e batalha espiritual. São Paulo: Mundo Cristão.

 

Oswalt, John N. 1986. The book of Isaiah (Chapters 1-39) (NICOT). Grand Rapids, Mich, Eerdmans.

 

Page, Sydney H. T. 1995. Powers of evil: A biblical study of Satna & demons. Grand Rapids, Mich.: Baker.

 

Pennoyer, F. Douglas. 1990. In dark dungeons of collective captivity. In Wrestling with dark angels. Toward a deeper understanding of the supernatural forces in spiritual warfare, ed. C. Peter Wagner & Douglas Pennoyer, 249-70. Ventura, CA: Regal.

 

Peretti, Frank E. 1991. Este mundo tenebroso. São Paulo: Vida.

 

Priest, Robert J., Thomas Campbell and Bradford Mullen. 1995. Missiological syncretism: The new animistic paradigm. In Spiritual power and missions; ed. Edward Rommen, 9-87. Evangelical Misisological Society Series Number 3. Pasadena, Calif.: William Carey Library.

 

Rommen, Edward. 1995. Introduction. In Spiritual power and missions, ed. Edward Rommen, 1-8. Evangelical Misisological Society Series Number 3. Pasadena, Calif.: William Carey Library.

 

Shedd, Russel. 1991. O mundo, a carne e o diabo: Suas características e estratégias para vencê-los. São Paulo: Vida Nova.

 

Smith, Ebbie C. 2000. Miracles in mission. In Evangelical dictionary of world missions, ed. A. Scott Moreau, 630-31. Grand Rapids, Mich.: Baker.

 

Stott, John R. W. 1994. A mensagem de Atos (série “A Bíblia fala hoje”). São Paulo: ABU.

 

Stuckenbruck, Loren T. 2000. Angels of the Nations. In Dictionary of New Testament background, ed. Craig A. Evans and Stanley E. Porter, 29-31. Downers Grove, Ill.: InterVarsity.

 

Tate, Marvin E. 1990. Psalms 51-100 (WBC). Dallas, Tex.: Word.

 

Tienou, Tite. 2000. Anjos e demônios. In Fundamentos da teologia cristã, ed. Robin Keeley, 137. São Paulo: Editora Vida.

 

Trask, Thomas & Wayne Goodal. 2002. Vitória em tempos de guerra: Resgatando vidas das mãos do inimigo neste novo milênio. São Paulo: Vida.

 

Twelftree, Graham H. 1993. Demon, devil, Satan. In Dictionary of Jesus and the Gospels, ed. Joel B. Green, Scot McKnight, and I. Howard Marshall, 163-72. Downers Grove, IL: InterVarsity.

 

__________. 2000. Spiritual powers. In New dictionary of biblical theology, ed. T. Desmond Alexander, Brian S. Rosner, D. A. Carson, and Graeme Goldsworthy, 796-802. Downers Grove, Ill.: InterVarsity.

 

Van Engen, Charles. 1981. The Growth of the True Church. An Analysis of the Ecclesiology of         Church Growth Theory. Amsterdam: Rodopi.

 

Wagner, C. Peter. 1990. Territorial spirits. In Wrestling with dark angels. Toward a deeper understanding of the supernatural forces in spiritual warfare, ed. C. Peter Wagner & Douglas Pennoyer, 73-91. Ventura, CA: Regal.

 

Wagner, C. Peter, Win Arn, and Elmer Towns. 1986. Church Growth. State of the Art. Wheaton,        IL: Tyndale House Publishers, Inc.

 

Wagner, Mark. 2000. Signs and wonders. In Evangelical dictionary of world missions, ed. A. Scott Moreau, 875-76. Grand Rapids, Mich.: Baker.

 

Wakely, Robin. 1997. Gfn (nsg). In New international dictionary of Old Testament theology & exegesis, ed. Willem A. VanGemeren, 3:163-170. Grand Rapids, Mich.: Zondervan.

 

Warner. Timothy M. 1990. Satan’s chief tactic. In Wrestling with dark angels. Toward a deeper understanding of the supernatural forces in spiritual warfare, ed. C. Peter Wagner & Douglas Pennoyer, 101-14. Ventura, CA: Regal.

 

__________. 2000. Spiritual warfare. In Evangelical dictionary of world missions, ed. A. Scott Moreau, 902-904. Grand Rapids, Mich.: Baker.

 

Wright, Christopher J. H. 1991. Povo, terra e Deus: A relevância da ética do AT para a sociedade de hoje. São Paulo: ABU.

 

__________. 1992. Knowing Jesus through the Old Testament. London: Marshall Pickering.

 

 

 

 

 

 

 

 

Quatro episódios e muitas inquietações – Ricardo Gondim Rodrigues

Primeiro
episódio.
A pastora Miriam Silva prometera algumas surpresas para o próximo culto. Na data marcada uma pequena multidão superlotou o seu auditório em São Paulo. Disputavam lugares até nos corredores. O ar pastoso do calor não inibia a euforia que passava de pessoa para pessoa. Ondas de uma eletricidade emocional causavam arrepios em todos. Cantaram-se alguns hinos; todos convocando os crentes para uma batalha. De repente, as portas que ladeiam a plataforma do templo se abriram e a pastora Miriam entrou. Vinha acompanhada por alguns dos seus oficiais. Apareceu trajando um uniforme militar com camuflagem e carregando uma baioneta pendurada no cinto. Marchou até o centro, sempre rodeada de seus oficiais. Todos igualmente fantasiados. A voltagem subia a cada hino que se cantava. De repente abriu-se mais uma porta e seis homens surgiram carregando um caixão de defuntos nos ombros. Os gazofilácios serviram de apoio para repousarem a urna funerária diante do povo. Agora o frenesi emocional misturava-se à perplexidade. Tudo se mostrava inusitado demais. A pastora Miriam sacou a baioneta e com ela em punho começou a pregar o seu sermão. Culpava a cultura romana pelos percalços da nação brasileira. Afirmou que somos pobres, vivemos no meio da violência e estacionamos em nosso desenvolvimento devido ao “espírito de Roma”. “Esse espírito”, continuou com a voz afetada, “nos ensinou a guardar o domingo e batizar crianças. Temos que matar e esfaquear esse espírito, ele não provém de Deus”. Depois de mais de meia hora condenando o “espírito de Roma”, convocou a todos no auditório a verificarem se suas próprias vidas também não estariam contaminadas com o tal espírito. Abriram o caixão e as pessoas trouxeram um papel escrito, indicando de que maneira estavam maculados por Roma. Quando se aproximavam do caixão, enxergavam-se num espelho estrategicamente colocado no lugar onde repousaria a cabeça do morto. Depois que todos depositaram seus pedaços de papel naquele móvel sinistro, repuseram a sua tampa e esperaram o próximo movimento da pastora. Ela desceu com a baioneta em posição de ataque e logo começou a esfaquear o caixão com força. Lancetava com tanto furor que lascas de madeira voavam pelo espaço. Ao terminar com a sua coreografia, deixou claro para o seu auditório que aquilo não fora apenas uma encenação. Eles haviam presenciado um “ato profético”. Prometeu que depois daquele evento, Deus reverteria a sorte do Brasil.

Segundo Episódio.
Minha secretária anunciou que o Alexandre Souza já chegara. Pedi então que ele entrasse em meu escritório, pois queria um aconselhamento pastoral. Aproximou-se cabisbaixo e me encarou apenas de soslaio, embora apertasse minha mão com firmeza. Notei logo sua timidez. Calculei sua idade por volta dos 28 anos. Os cabelos bem aparados e penteados para a esquerda chamavam a atenção pela negritude. Pedi que Alexandre se sentasse. Iniciei nosso diálogo procurando deixá-lo mais à vontade. Ofereci um copo d’água, que aceitou sem esboçar nenhuma emoção. Achei-o muito quieto. Pensei na dificuldade daquele aconselhamento. Imaginei que gastaria a maior parte do tempo perguntando e ouvindo meras respostas monossilábicas. Ledo engano.
Logo que bebeu o primeiro gole, Alexandre me encarou e perdeu toda timidez. – Pastor, começou sem gaguejar, faço parte da igreja ‘X’ aqui em Fortaleza. Há dois anos estou endemoninhado. – Vim aqui porque preciso de libertação, emendou. Mostrei-me surpreso: - Endemoninhado? Você está em pleno controle de suas faculdades mentais, emocionalmente equilibrado e com um semblante tranqüilo. O que lhe leva a crer que está endemoninhado?
Sua resposta me deixou ainda mais perplexo. – Todas as sextas-feiras eu vou ao culto de quebra de maldições em minha igreja e faz dois anos que eu caio tomado por demônios em todos os cultos. Pela voz não parecia indignado, apenas cansado. – O bispo põe a mão sobre minha cabeça e eu fico agoniado, tenho vontade de tirar a mão dele de cima de mim. É nesse exato momento que acontece... – O quê? Interrompi. – Fico nervoso, com uma aflição muito grande. Quero tirar a mão do bispo de cima de mim. Acabo caindo no chão. Lá me dizem que essa aflição é demoníaca.
Questionei-lhe porque o bispo não conseguia libertá-lo totalmente, já que sua possessão se manifestava semanalmente há dois anos. Explicaram-lhe que esse tipo de demônio é muito esperto. Quando o expulsavam da mente, corria para o espírito. Do espírito se escondia na vontade e da vontade pulava para a alma. Desta forma, continuava cativo mesmo já batizado e mesmo havendo terminado o seu curso sobre plenitude do Espírito Santo. Mostrei-lhe que não era possesso, apenas um inocente útil. Um joguete nas mãos dos líderes que precisavam de pessoas sugestionáveis para valorizar os cultos de libertação da sexta-feira.

Terceiro Episódio.
Roberto Pires pastoreia uma igreja no Rio de Janeiro. Certo dia, resolveu agir, indignado com a violência da cidade. Precisava fazer alguma coisa para reverter a incompetência crônica da polícia. Não cogitou ações políticas, nem imaginou um programa na igreja que melhorasse a educação cívica de seus membros. Sequer lhe passou pela cabeça participar de manifestações ou passeatas exigindo melhor segurança pública. Os óculos teológicos e ideológicos com que enxerga a sua realidade não lhe permitem essas cogitações. Assim, orava em um culto quando lhe veio uma idéia que considerou a mais genial de sua vida - tão genial que ele a relatou por anos.
Correu para o seu escritório, abriu a Lista Telefônica e nervosamente procurou pelos “agás”; queria “helicópteros”. Desejava saber quanto custaria alugar um desses beija-flores mecânicos. Anotou os valores e levou sua idéia para o culto daquela noite. “Irmãos e irmãs, Deus me deu uma visão. Preciso que vocês me ajudem a cumpri-la. Deus mandou que eu alugasse um helicóptero, colocasse um tonel de óleo dentro e ungisse a cidade do Rio de Janeiro”. O auditório irrompeu em palmas, uma oferta foi levantada e o pastor Roberto Pires naquela semana embarcou no mais bizarro sobrevôo que o Rio de Janeiro já teve. Latas de óleo eram derramadas para ungirem a Cidade Maravilhosa. Respingos melados caíram sobre a avenida Rio Branco, na praia de Copacabana e sobre alguns dos morros mais violentos da cidade. Fora o inconveniente oleoso, nada aconteceu; meses depois a violência carioca recrudesceu.

Quarto Episódio
O
pastor Carlos Feijó voltou para Curitiba depois de uma semana em um seminário de batalha espiritual. A equipe que ministrou o curso ensinou-lhe a “decretar sua cidade para Deus”. Ali aprendeu como identificar os limites do seu município e declarar que ele pertence a Jesus Cristo. Aprendeu mais: Se a igreja não souber reivindicar o que pertence ao Senhor, o diabo continuará com direitos legais sobre vidas, espalhando miséria. O pastor Carlos passou uma semana indignado consigo mesmo e com os outros pastores. Por anos não se aperceberam dessa imensa negligência. Foi para casa e orou. Com lágrimas rolando pelo rosto, se propôs a jejuar. No terceiro dia do jejum veio-lhe o que também considerou uma brilhante revelação divina. Há muitos anos aprendera que tanto os leões como os lobos urinam para demarcar o seu território e impedir a invasão de outros machos. Ele precisava fazer o mesmo, como legítimo representante de Jesus – o Leão da Tribo de Judá.
Naquela semana, convocou seus parceiros de ministério para saírem pela madrugada urinando em pontos estratégicos da cidade. Gastaram algumas horas na empreitada. O comboio de carros percorreu vários quilômetros com muitas paradas. Beberam litros e litros d’água; precisavam de muita urina para uma cidade tão grande.

Esses quatro episódios descritos são verdadeiros. Todos patéticos! Realmente aconteceram nas cidades mencionadas. Apenas os nomes e alguns detalhes são fictícios. Ilustram bem o que invade as igrejas evangélicas no Brasil. Entendo que as pessoas têm o direito constitucional de crerem, praticarem ou pregarem o que quiserem. Entretanto, não deveriam fazer em nome da fé protestante e evangélica. Muito sangue já foi derramado, muitas vidas sacrificadas e muitos missionários afadigados para que testemunhássemos tanta superficialidade.
Além disso, produzem um estrago imensurável em vidas. Muita gente já perdeu a fé. Qualquer pessoa com um mínimo de senso crítico, depois que passa a euforia e o fanatismo, se sentirá envergonhada de um dia haver participado de ambientes onde imperam tantas tolices. Acabam trilhando o caminho do cinismo ou da revolta. Ambos muito trágicos.
Torna-se necessário que aconteçam denúncias internas para que o evangelho não se desfigure em um “outro evangelho”. Se nos calarmos, mancharemos nosso legado de fé e nos tornaremos culpados por omissão. Quando a igreja deixa de salgar e passa a ser motivo de chacota, para nada mais serve senão para ser pisada pelos homens. Há muito joio dentro das igrejas evangélicas e ele não se parece em nada com o trigo. Pelo contrário, dá-nos vontade de rir e de chorar ao mesmo tempo. Protestemos, antes que só dê vontade de chorar.


http://www.ricardogondim.com.br/Artigos/artigos.info.asp?tp=61&sg=0&form_search=&pg=4&id=374. Acesso em 30/03/2005

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Resumo

 

I.  Ênfases questionáveis sobre Batalha Espiritual em nossas igrejas

- em meio a essa confusão de idéias têm surgido muitas idéias que são questionáveis. Gondim alerta para algumas doutrinas que se infiltraram que são duvidosas, principalmente ligadas com a teologia da prosperidade

A – A Confissão Positiva tem trazido uma série de ênfases negativas para a igreja no Brasil (Gondim 1995, 106)

1.       Outorgar poderes autônomos a palavras, frases e “decretações” (“em nome de Jesus”, “tá amarrado”, etc.)

2.       Crer na independência e auto-suficiência dos espíritos malignos

3.       Acreditar na possibilidade de anular os poderes satânicos com gestos, frases ensinadas e orações prontas (Gondim 1995, 106) (ex. Salmo 91)

- isso tem gerado práticas simplistas na igreja

1.       Exorcizando príncipes territoriais corrigimos distorções sociais (Gondim 1995, 106)

2.       Amarrando demônios culpados por pecados específicos da carne aumentamos a santidade (Gondim 1995, 106)

- com isso a responsabilidade de disciplinar e mortificar a carne para se ter santidade tem sido substituída pelo exorcismo (Gondim 1995, 106)

- disciplina pessoal, responsabilidade pelos meus atos pecaminosos, etc., passaram a ser resolvidas com exorcismo e não com trabalho duro (Gondim 1995, 106)

 

B – Hermenêutica errada (Gondim 1995, 107)

- exegese pobre dos textos bíblicos

- os princípios de hermenêutica são totalmente ignorados

- usam-se muitos textos do AT e interpreta-se de forma alegórica. As batalhas de Israel contra os seus inimigos são transformadas em batalhas de Deus contra as potestades celestiais. Isso normalmente vai além ainda até o ponto de ver todos os problemas da vida sendo problemas de ordem espiritual

 

C – Extremismo / paranóia (Gondim 1995, 107)

- por um lado a vitória já foi alcançada por Cristo – agora não devemos mais nos preocupar com o diabo. Por outro lado temos aqueles que estão sempre anulando a obra do diabo para não dar brechas para ele em qualquer área/situação da vida

- esse extremismo pode levar a ver o diabo atrás de todas as coisas desde todos os logotipos, quadros, etc. Desta forma damos vazão a nossa imaginação e vemos demônios envolvidos em qualquer situação estranha de nosso dia-a-dia

- o perigo existe em se dar “demais” e “demenos” atenção ao inimigo – o problema dos extremos

- Jesus e a igreja primitiva viviam num mundo dominado por crendices, misticismo, anjos protetores e maldições, mas nem por isso estavam obcecados com isso. A ênfase nas cartas de Paulo não está no exorcismo, mas em viver uma vida baseada em princípios bíblicos sabendo que os poderes das trevas foram derrotados

 

E – Visão maniqueísta do mundo – tudo é controlado por forças espirituais (tudo o que é bom vem de Deus, o ruim do diabo)

- tudo o que acontece é atribuído a Deus ou ao diabo de acordo com a minha percepção se é bom ou ruim para mim. O que é bom/ruim para mim é normalmente determinado de acordo com o imediatismo e com o nosso conceito de bom e ruim baseado na cosmovisão Indo-européia

a – A coexistência eterna do bem e do mal

- nesse cosmovisão o bem e o mal são duas entidades independentes que coexistem desde a eternidade (Hiebert 1994, 204). O bem e o mal procedem de duas fontes sobrenaturais diferentes e opostas entre si (Hiebert 1994, 204). Tudo o que acontece aqui sobre a terra é resultado de forças espirituais em conflito nas regiões celestes. Anjos e demônios lutam de igual para igual para alcançar a vitória. Os seres humanos aqui são meramente fantoches nas mãos dessas forças espirituais (Hiebert 1994, 204). A luta então é para que um vença o outro e tome controle da situação (controle do mundo) (Hiebert 1994, 205)

 

b – Ordem e controle são o bem supremo

- quando temos duas forças lutando pelo poder existe o perigo de termos o caos. Somente quando a ordem é estabelecida podemos falar em construir uma sociedade justa. Dentro desse contexto, paz amor, justiça e relacionamentos harmoniosos são valores secundários (Hiebert 1994, 205-6)

 

c – A batalha no cosmos

- a questão chave aqui é a batalha entre o bem e o  mal. A palavra chave é poder. O mais poderoso vence. Sucesso é o valor máximo. Se o “bem” vencer, justiça, paz e amor irão reinar. Se o “mal” ganhar, este reinará. Logo “vencer”, dentro dessa perspectiva, é tudo (Hiebert 1994, 206)

- de acordo com essa cosmovisão, justiça se baseia em oportunidades iguais. Para que haja justiça, a batalha precisa acontecer entre dois partidos de poder similar. Em outras palavras, o resultado precisa ser incerto. Ambos precisam ter acesso aos mesmos meios para poder vencer.

 

d – A vitória como o alvo

- a batalha está no centro da história. Quando a batalha termina, a história acaba. As palavras finais são: e eles venceram, ou eles casaram e viveram felizes para sempre. Mas não há valor em contar o que aconteceu nesse “felizes para sempre”. O emocionante está na batalha e por isso sempre retornamos a ela (Hiebert 1994, 207)

- a fascinação pela batalha pode ser vista facilmente hoje nos esportes. Depois do jogo vamos para casa esperando o próximo jogo onde o resultado pode ser diferente. Mesmo nos cartuns temos essa visão básica (Hiebert 1994, 207)

 

Resumindo

a – Há uma batalha sendo travada pelo coração e almas dos seres humanos

- o foco não está na batalha entre Deus e Satanás – essa já foi vencida

- o foco está na prontidão de Deus de buscar de volta aquelas pessoas que estão enganadas debaixo de jugo de Satanás. Ele as escraviza por meio de mentiras, intimidação, tentação, etc. Ele não aparenta ser o demônio, mas um anjo de luz

 

b – Satanás não tem poder sobre o povo de Deus além do que Deus permite para testar a fé dos cristãos

- mas Deus dá a força que as pessoas precisam para resistir a essas investidas de Satanás

- as pessoas precisam lutar para resistir a essas forças inimigas

 

c – Satanás e os seus demônios podem dominar a vida de algumas pessoas, mas devemos ter pena dessas pessoas e não temê-las

- a igreja precisa de pessoas capacitadas para lidar com essa situação (psicólogos, pastores, médicos, etc.)

- mas o maior perigo está nas pessoas que de sã consciência rejeitam a autoridade de Deus sobre elas e levam outras para o mau caminho

- idolatria e adoração a si mesmo são o centro de nossa rebelião contra Deus e não possessão demoníaca

 

d – Como cristãos deveríamos focar no amor, reconciliação, paz e justiça

- se a nossa ênfase for demais na guerra, tendemos a ver o nosso próximo como nosso inimigo ou competidor

- quando nos sentimos melhores que as pessoas do mundo o diabo bate palmas

 

e – O evento supremo de batalha espiritual aconteceu na cruz

- Jesus poderia ter chamado hostes de anjos para o ajudar, mas a vitória foi alcançada de uma forma diferente do que as pessoas pensavam

 

f – Devemos ter cuidado com dois extremos: negar a realidade de Satanás e a batalha espiritual na qual estamos engajados, e a fascinação por essa batalha a ponto de temermos a Satanás e seus demônios

- precisamos nos ocupar mais com Deus do que com Satanás – a vitória já foi alcançada

- agora somos mensageiros dessa boa nova

 

- quando a nossa ênfase está na batalha tendemos a ver batalhas como algo positivo e esquecemos que a batalha já foi ganha por Cristo – isso não quer dizer que não existam batalhas no nosso dia-a-dia. Mas o veridito final já foi traçado – é só uma questão de tempo até que tudo esteja terminado

- temos que lembrar que a batalha original foi travada entre Deus e Satanás, mas no nível celestial essa guerra já foi vencida decisivamente por Deus (Col 2:15; 1 Jo 3:8). Na terra a batalha continua, mas a questão não é determinar quem vai vencer a batalha, mas se o povo de Deus vai se apropriar da vitória vencida por eles na cruz e na ressurreição (Warner 2000, 902)

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

A – Origem de Satanás e dos demônios

- aparentemente são seres criados que se revoltaram contra Deus

- não sabemos a origem da queda dos anjos maus. Ao que tudo indica não foram criados maus já que tudo o que Deus fez era bom. 2 Pe 2:4 e Jd 6 nos informam que os anjos pecaram. Logo parecem ser seres criados. Parece que puderem decidir, pois caíram dos seus postos (2 Pe 2:4; Jd 6). Não sabemos se eles têm poder em si mesmos ou se somente agem em nome de alguém que tenha poder

- não sabemos se existem dois tipos de anjos maus (em prisão e soltos) ou se todos estão presos (com uma liberdade limitada). A sua queda deve ter sido entre a criação e a queda do homem (Erickson 1996, 447-48)

- Jud 6 – “E aos anjos . . . ele os tem guardado em trevas, presos com correntes eternas para o juízo do grande Dia

- 2 Pe 2:4 – “Deus não poupou os anjos que pecaram, lançou-os no inferno (tártaro), colocando-os em abismo tenebrosos a fim de serem reservados para o juízo”. Tártaro aqui não significa o inferno/lago de fogo que virá mais tarde. Provavelmente se refere a uma limitação de sua esfera de influência que Deus lhes impôs como resultado de sua queda (Moo 1996, 103)

- esses anjos mencionados são os que pecaram e estão esperando o julgamento final. Na verdade parte do julgamento já veio e o seu futuro está selado

- será que existem duas categorias de demônios, aqueles que estão presos e os que estão soltos sobre a terra? Pode ser que essas correntes eternas que os prendem seria uma referência à sua derrota com a obra de Cristo. A influência de todos os anjos caídos está limitada debaixo da soberania de Deus

- assim como não sabemos a origem dos demônios também não sabemos a origem de Satanás. Essa palavra vem do hebraico e quer dizer adversário. Comumente se fala da queda de Satanás como descrita em Is 14:12-15 e Ez 28:12-15. Alguns pais da igreja fizeram uma conexão entre esse texto e Lc 10:18 e Ap 12:8-9 para fazerem esta afirmação. Ambos são ofícios funebres lamentando a morte de um rei pagão. Ambos descrevem o rei se orgulhando acima do que era correto e por isso sofreu as consequencias. Ambas as passagens estão cheias de sarcasmo onde a morte do tirano é bemvinda

1 – Is 14:12-15 “12 Como você caiu dos céus, ó estrela da manhã, filho da alvorada! Como foi atirado à terra, você, que derrubava as nações! 13 Você, que dizia no seu coração: “Subirei aos céus; erguerei o meu trono acima das estrelas de Deus; eu me assentarei no monte da assembléia, no ponto mais elevado do monte santoc.14 Subirei mais alto que as mais altas nuvens; serei como o Altíssimo”. 15 Mas às profundezas do Sheol você será levado, irá ao fundo do abismo!

- o texto acima aparece em um texto direcionado como escárnio contra o rei da Babilônia: “3 No dia em que o Senhor lhe der descanso do sofrimento, da perturbação e da cruel escravidão que sobre você foi imposta, 4 você zombará assim do rei da Babilônia: Como chegou ao fim o opressor! Sua arrogância acabou-se!” (Is 14:3-4). Não sabemos se o escárnio foi endereçado diretamente a um rei especifico da Babilônia ou aos monarcas da Babilônia como um todo. Mas o que fica claro é que temos uma celebração da queda de um poder humano que se opõe aos humanos e os oprime. O texto inicia dizendo: “Como você caiu dos céus, ó estrela da manhã, filho da alvorada!”. Depois temos o desejo do monarca de se tornar como Deus e sua queda e humilhação. Mesmo que a linguagem usada para o rei é metafórica, não sabemos ao que ele está sendo comparado (Page 1995, 38). Se o autor quisesse que soubéssemos a que rei se refere teria no dito. A descrição é o padrão para os governantes autoritários e arbitrários dos impérios antigos. A questão não é de mostrar como Deus lidou com ele, mas de perceber os princípios do governo divino na história. Os reis humanos têm poder, mas precisam responder por ele diante de Deus (Motyer 1999, 118). Oswalt acha que não existe nenhuma história mitológica que possa ser o protótipo desse evento. Existem muitas histórias, mas todas se referem a deuses desafiando um outro deus e nenhuma delas a um rei humano como temos aqui (Oswalt 1986, 321). Mas essa descrição é de um rei humano como já afirmaram os grandes reformadores (Oswalt 1986, 320

- a alusão a Satanás como sendo a estrela da manhã já pode ser encontrada em Tertuliano (160-220 AD), ou até antes dele. Mesmo que os reformadores discordassem dessa interpretação, ela tem muitos adeptos (Chafer, Unger, Green). É deste texto que surge a palavra Lúcifer para Satanás, como a tradução do termo estrela da manhã para o latim na Vulgata. Mesmo que essa interpretação tem suporte em diversos ambientes, ela não é provável. Possivelmente o texto fala do final da tirania do rei da Babilônia e uma alusão à queda de Satanás não é uma alusão muito correta. Chafer parece até que viu isso e a interpretou como sendo uma descrição do julgamento final de Satanás. Além disso, uma alusão a Satanás não faz muito sentido dentro do contexto de Isaías. Toda a revelação sobre Satanás é muito limitada no AT e aparece num período mais tardio. É muito difícil imaginar que os leitores de Isaías iriam entender qualquer alusão a Satanás na época em que escreveu. É possível que Isaías tenha usado algum resquício de um mito sobre o surgimento de Vênus (a estrela da manhã), que está no céu bem cedo de manhã, mas some rapidamente quando o sol começa a brilhar. Mesmo que isso seja uma possibilidade, isso não quer dizer que Isaías está concordando com essa mitologia (Page 1995, 38-39). Motyer acha que esse texto faz alusão ao mito cananeu de Hela/Ishtar que tentou um golpe de estado contra as hostes celestiais mas não foi bem sucedido. Temos uma alusão aqui a esta mitologia sem atribuir realidade aos personagens (Motyer 1999, 120)

 

2 – Ez 28:12-19 “12Filho do homem, erga um lamento a respeito do rei de Tiro e diga-lhe: Assim diz o Soberano, o SENHOR: “Você era o modelo da perfeição, cheio de sabedoria e de perfeita beleza. 13 Você estava no Éden, no jardim de Deus; todas as pedras preciosas o enfeitavam: sárdio, topázio e diamante, berilo, ônix e jaspe, safira, carbúnculo e esmeralda. Seus engastes e guarnições eram feitos de ouro; tudo foi preparado no dia em que você foi criado. 14 Você foi ungido como um querubim guardião, pois para isso eu o designei. Você estava no monte santo de Deus e caminhava entre as pedras fulgurantes. 15 Você era inculpável em seus caminhos desde o dia em que foi criado até que se achou maldade em você. 16 Por meio do seu amplo comércio,você encheu-se de violência e pecou. Por isso eu o lancei, humilhado, para longe do monte de Deus, e o expulsei, ó querubim guardião, do meio das pedras fulgurantes. 17 Seu coração tornou-se orgulhoso por causa da sua beleza, e você corrompeu a sua sabedoria por causa do seu esplendor. Por isso eu o atirei à terra; fiz de você um espetáculo para os reis. 18 Por meio dos seus muitos pecados e do seu comércio desonesto você profanou os seus santuários. Por isso fiz sair de você um fogo, que o consumiu, e reduzi você a cinzas no chão, à vista de todos os que estavam observando. 19 Todas as nações que o conheciam espantaram-se ao vê-lo; chegou o seu terrível fim, você não mais existirá”.

- da mesma forma como Is 14, esse texto é um lamento de desprezo sobre um monarca pagão orgulhoso que caiu. Esse texto aparece na conclusão de uma série de profecias contra Tiro (Ez 26:1-28:19), numa seção do livro que está relatando o julgamento sobre as nações (Ez 25-32). O texto acima é precedido no início do cap.28 por um oráculo severo contra o rei. A situação histórica é a conquista de Tiro por Nabucodonosor entre 587-574 AC. Nessa época o rei de Tiro era Ithobaal II. Não sabemos se o texto se refere diretamente a ele ou a ele como representante de Tiro (Page 1995, 39-40)

- o texto acima retrata o rei de Tiro como um habitante do Éden, como alguém caracterizado por uma belez excepcional e pureza, mas expulso do jardim por causa do seu pecado. Alguns têm visto aqui a queda de Satanás. Essa visão adotada por alguns pais da igreja tem sido defendida pelas mesmas pessoas que defendem Is 14 como alusão a Satanás. Esse texto é um dos mais difíceis do livro de Ezequiel, já que existem variantes textuais e lingüisticas e incertezas em diversos pontos. Não sabemos se o rei (melek) de Tiro no v.12 é o mesmo que o governador (nagid) de Tiro no v.2; não sabemos se o rei de Tiro deve ser identificado com o “querubim guardião” cuja presença no jardim é mencionada no v.14. Aqueles que vêem uma alusão a Satanás nesse texto enxergam o uso da palavra “rei” ao invés de “governador” no v.12 como alusão que 28:12-19 se referem ao poder sobrenatural atrás do governador humano. Freqüentemente o rei é identificado como o “querubim guardião” no v.14, assim fazendo alusão à queda de um anjo (Page 1995, 40)

- mas não temos certeza que a alusão a “rei” e “governador” apontam para direções diferentes. É mais fácil entender ambos como sinônimos. Existe muita similaridade entre 28:1-10 e 28:11-19. Logo é mais fácil vê-los como sinônimos sem violar o contexto. Além disso, em outros textos de Ezequiel “rei” é usado para governadores humanos (Ez 17:12; 29:2-3). Sobre a relação entre o rei e o querubim em 28:14 o texto hebraico que temos dá suporte a uma equivalência. Mas a maioria dos estudiosos modernos favorecem uma revocalizacao do texto que nos traria uma tradução: “Você foi ungido com um [ao invés de como um] querubim guardião, pois para isso eu o designei”. É essa a tradução que se encontra na LXX e muitos a adotam (Page 1995, 41)

- o rei  é condenado pelo comercio desonesto e a profanação de santuários (28:18). É difícil ver nisso uma alusão a Satanás. Além disso, temos um problema histórico que já mencionamos na alusão a Satanás nessa data tão antiga. É improvável que alguém visse nesse texto uma alusão a Satanás naquela época (Page 1995, 41)

- mas se esse texto não é uma alusão a Satanás, como deve ser visto? Possivelmente está comparando o rei de Tiro ao primeiro habitante do Éden. Ele pode ter se enxergado como uma personificação do primeiro homem em sua arrogância. Há diferenças entre os relatos o que poderia implicar que Ezequiel uniu elementos de Gênesis e da mitologia. Assim como Adão o rei enfrenta o julgamento de Deus por se rebelar contra o Criador (Page 1995, 41-42)

 

 

Mas essa descrição é de um rei humano como já afirmaram os grandes reformadores (Oswalt 1986, 320; Page 1995, 38-39; contra Grudem 1999, 336). Satanás poderia ser alguém parecido com o rei de Tiro, mas temos que ter cuidado em fazer essa ligação pois não temos certeza

- no AT temos 26 referências a Satanás. Dessas apenas 4 fazem menção de um satanás celestial (Num 22:22,32; Jó 1-2; Zac 3:1-2; 1 Cro 21:1) (Hamilton ABD, 5:986). No NT ele ganha muito mais essa dimensão

 

B – Como a Bíblia descreve o nosso adversário

- Satanás é descrito como o príncipe dos demônios. Ele tem muitos nomes: adversário (1 Pe 5:8); tentador (Mt 4:3); Belzebu (Mt 12:24); maligno (Mt 13:19); enganador (Ap 12:9); pai da mentira (Jo 8:44); assassino (Jo 8:44); etc. Ele se disfarça de anjo de luz (2 Co 11:14) para levar as pessoas a segui-lo. Seu poder, no entanto, está limitado.

- Jo 12:31; 14:30; 16:11 – príncipe deste mundo

- Mt 4:8, 9; Luc 4:6, 7 – na tentação de Jesus o diabo dá a entender que é o senhor sobre todos os reinos do mundo e que tenha recebido essa autoridade. Luc 4:6 - “dar-te-ei toda esta autoridade e a glória deste reino, porque ela me foi entregue e a dou a quem eu quiser”.

- 2 Co 4:4 – o deus deste século.

- Ef 2:2; 6:12 – príncipe da potestade do ar, dominadores desse mundo tenebrosos, principados e potestades

- alguns autores crêem que o diabo tem o direito legal sobre esse mundo. Alguns argumentam que por causa do pecado de Adão e Eva os humanos estão legalmente ligados com o diabo e Deus precisa acertar as contas com o diabo para resgatar essas vidas. Outro argumento é que Jesus não argumenta com o diabo de que os reinos não seriam posse dele.

- por outro lado Jo 8:44 fala que o diabo é o pai da mentira. Assim sendo o que ele pode ter oferecido para Jesus era uma mistura de verdade e mentira (Bock 1994, 376). De fato o diabo tem certa influência sobre a terra levando as pessoas a se rebelarem contra Deus, mas o fato de que ele possui toda autoridade sobre a terra vai contra a soberania de Deus (Page 1995, 98). Mt 28:18 fala que toda a autoridade foi dada a Jesus. Então a autoridade não pode pertencer a dois opostos.

- a Bíblia nunca menciona que Deus e o diabo estão numa batalha de igual pra igual. O diabo está derrotado e ainda tenta lutar contra Deus e o seu povo. Mas o destino dele está selado.

- uma das questões complicadas é lidar com quem é o dono da terra. Será que quando o homem pecou ele selou um pacto com o diabo? Será que o diabo tem direito legal sobre a vida das pessoas? Sl 24:1 – a terra e tudo o que nela há pertence ao Senhor. Apesar que o homem pecou e abandonou a Deus, a terra continuou pertencendo a Deus. Nem o homem, nem o diabo consegue impedir os planos de Deus. Mas será que as pessoas se venderam para o diabo através do pecado e Deus precisa pagar essa dívida? Deus estava devendo essa dívida para o diabo ou para as suas próprias leis? Col 2:14 “... tendo cancelado o escrito de dívida, que era contra nós e que constava de ordenanças, o qual nos era prejudicial, removeu-o inteiramente encravando-o na cruz”. Apesar de que alguns vêem aqui a nossa dívida com o diabo o mais provável é que a dívida é com Deus mesmo (O’Brien 1982, 124-25). Que direito legal o diabo poderia ter de acordo com as leis de Deus já que faz as coisas somente por interesse próprio? Ele mente, oferece coisas que não pode cumprir, mata, etc. O diabo nunca é apresentado na Bíblia como sendo a pessoa a quem Deus teve que pagar a dívida pelo nosso pecado.

- 2 Co 4:4 nos fala que o diabo é o deus desse século. A idéia aqui é que pessoas fazem do diabo o seu deus (Page 1995, 184). Os judeus criam que o diabo reinava sobre a terra, mas estava sujeito à orientação de Deus (Martin 1991, 78). Em Jo 12:30-31 Jesus diz que o príncipe desse mundo vai ser julgado. Isso acontece quando Jesus é crucificado.

- mesmo durante o tempo de Jesus, os seus exorcismos não mostram um confronto real, já que os demônios não conseguem armar resistência contra ele.

 

C – Principados e Potestades

- no passado as palavras usadas por Paulo para descrever os poderes do mal foram vistas única e exclusivamente como forças sobrenaturais. Com o iluminismo + demitologização a tendência caminhou para o outro lado e as forças, poderes, etc., foram vistas única e exclusivamente como reinados humanos e a força demoníaca atrás das instituições humanas que promovem o mal

- Bultmann com a sua linha da demitologização exerceu grande influência sobre a teologia no mundo todo. Para ele a crença em milagres e demônios estava condicionada à cultura da época, e, portanto, o homem moderno não precisava mais dessa muleta. A idéia é que a crença em demônios teria a sua origem na mitologia da Pérsia.

- uma outra linha forte no presente está ligado com a despersonalização dos demônios. O mal não pode ser ignorado, ele é real e está presente no mundo todo. No entanto, como não se crê na origem do mal como vindo de uma pessoa, atribui-se o mal a estruturas e sistemas sociais demoníacos (Erickson 1996, 446).

- pessoalmente creio que Arnold está certo no que refere aos principados e potestades. Essas palavras se referem a poderes sobrenaturais. No entanto, não podemos negar que existe o mal sistêmico, estruturas demoníacas as quais também lutam contra os planos de Deus. Estruturas erradas podem promover o mal sobre a terra já que todos os que atuam precisam trabalhar de acordo com essas estruturas. Além disso as estruturas podem se tornar uma tradição ou lei que dificilmente muda, já que a pessoas se acostumam a esse modelo e o sacralizam. Dessa forma podemos dizer que as instituições adquirem praticamente uma vida própria onde as estruturas ditam a espiritualidade da igreja

- mas os demônios também têm influência sobre os indivíduos que fazem parte do corpo de Cristo

- para Paulo a maior oposição das forças demoníacas se refere a impedir a proclamação do evangelho. Isso é feito através das forças da carne e das estruturas demoníacas (Arnold 1992a, 201)

- o diabo influencia as pessoas sobre a terra e é claro que vai ter um interesse especial nas pessoas que estão em posições de poder, pois influenciam muito mais pessoas. Essas pessoas criam as estruturas que podem ser de acordo ou contra a vontade de Deus. Satanás precisa somente explorar os desejos de nossa natureza depravada para fazer valer os seus intuitos perversos (Arnold 1992a, 203)

- o nosso pecado traz conseqüências sociais. O pecado que cometemos quase sempre afeta as pessoas ao nosso redor. Esse pecado leva a implementação de leis e estruturas que por sua vez são contrárias à vontade de Deus. Sem dúvida há influência demoníaca nessas estruturas. Mas, como uma luva sem a mão é inofensiva, as estruturas são inofensivas se não são executadas. As pessoas têm uma natureza pecaminosa e assim levam a vontade da carne para o seu próprio benefício e não para o que é correto.

 

D – Quais são as atividades de Satanás e dos demônios?

- a Bíblia faz questão de colocar que “forças externas pessoais (anjos, demônios, espíritos) podem influenciar e realmente influenciam o comportamento dos seres humanos” (Tienou 2000, 137)

- Satanás originou o pecado sobre a terra. Ele mesmo tentou aos seres humanos para “frustrar” os planos de Deus. Ele tentou a Jesus para acabar com o plano da salvação (Mt 4:1-11) e continua mentindo (Jo 8:44), enganando (Ap 12:9), matando (Jo 8:44) e todo o tipo de falsidade para afastar as pessoas de Deus (Grudem 1999, 337)

- no AT temos poucas referências a demônios e a Satanás. Ele aparece como o adversário, mas não como o adversário celestial na proporção como no NT

- no NT Jesus vem expulsando demônios e invadindo o reino de Satanás. Ele amarrou a Satanás e está saqueando a sua casa. Jesus amarrou Satanás de uma forma quando o venceu na tentação? ou através do próprio exorcismo (Grudem 1999, 340, Twelftree DJG 166). Nos sinóticos a derrota de Satanás está atrelada aos exorcismos enquanto que em João está ligada com a cruz (Jo 14:30; 16:11) (Twelftree 1992, 171)

- a autoridade sobre os poderes do mal é concedida por Jesus aos 12 (Mt 10:8) e depois aos 70 (Lc 10:17-20) e depois passa para a igreja primitiva (At 8:7; 16:18; Tg 4:7; 1 Pe 5:8-9)

- os demônios podem causar doenças (Mc 9:17, 25) e atrapalhar o desenvolvimento da vida espiritual da pessoa (Ef 6:12). Mas nem todas as doenças são causadas por atividade demoníaca. Jesus diferencia entre doença e atividade demoníaca (Mc 3:10-12)

- não temos relato claro de que os demônios consigam ler os nossos pensamentos (Grudem 1999, 338) ou que somente a oração em línguas está fora do seu alcance. 1 Co 14:2 (falar em línguas a Deus que ninguém entende) é visto por alguns como prova de que os demônios não têm acesso a essa oração. O texto não está falando de demônios, mas de pessoas. Logo não confirma nem desconfirma – simplesmente não fala sobre o assunto

- apesar do poder dos demônios, todo o poder que eles têm é concedido por Deus e é limitado. Eles somente podem ir até onde Deus permite (Jó 1:12; 2:6). Não sabemos a extensão do seu poder, mas sabemos que Deus é maior e somente dá a eles o que de uma ou de outra forma vai servir para construir o seu Reino

- Satanás e seus demônios já estão derrotados, mas a batalha final ainda virá. Aí serão lançados no lago de fogo. Em nossa teologia pós-moderna estamos dando demasiada ênfase no diabo como se ele estivesse lutando de igual para igual com Deus. Isso não é verdade, pois ele já está derrotado e não tem mais chances. A batalha está perdida e só vai levar um pouco de tempo até que todo o poder tenha sido tirado dele e ele será condenado para o inferno

 

IV – Assuntos controvertidos

A – Teologia da Experiência

- muitos experimentos foram realizados tentando reverter a situação que não estava à contento – doutrinas foram baseadas no resultado dessas experiências. O pragmatismo é uma das linhas mais fortes influenciando essa área – o que funciona deve estar certo. A base para as doutrinas tem se tornado a fenomenologia (o fenômeno observado ou relatado por alguém) e não a ontologia (a Bíblia interpretada por princípios coerentes dentro da igreja). Na prática a experiência das pessoas (fenômenos) acabam se tornando tão ou até mais importante do que os ensinos da Bíblia

- na prática tem-se dificuldade muito grande em distinguir a atuação de Deus, do espírito humano e do inimigo. A voz interior pode vir de todas as fontes. Dentro da visão de mundo atual tomada pela emoção e a abertura brasileira para o sobrenatural, tendemos a ver qualquer manifestação sobrenatural como vinda de Deus. Mas isso é perigoso

- como a Bíblia é silenciosa em algumas áreas os defensores dessas teologias estão buscando outras fontes de revelação dominadas pelo pragmatismo. Em pouco tempo a Bíblia não é mais suficiente. A interpretação da Bíblia é forçada para defender suas idéias.

- Priest et al. argumentam que as novas linhas teológicas de batalha espiritual têm invadido o ocidente com uma força impressionante, sempre baseadas nas experiências trazidas do campo missionário. Essas experiências formam as lentes pelas quais a Bíblia é lida (Priest et al. 1995, 11) Essas pessoas não estão cientes de que aceitando essas experiências como autênticas incluem uma série de crenças que fazem parte da visão de mundo da pessoa que teve a experiência (Priest et al. 1995, 11). Essas experiências, então são vistas como revelação, e, logo, se tornam a base para novas doutrinas. Deus pode se revelar através de profecias, etc., aos cristãos de hoje. Mas todas as profecias precisam ser avaliadas com base na Bíblia antes de ter alguma valor. Se essas “novas revelações” se tornarem a base para novas doutrinas, estamos indo além da Bíblia, acrescentando algo à revelação de Deus na Bíblia. Existe um perigo muito grande até de se especular sobre alguns desses itens, já que essas idéias são desenvolvidas por outras pessoas e logo temos uma doutrina (ex. Wagner fez uma suposição que de uma forma geral havia cerca de 10% dos membros da igreja com o dom de evangelismo. Essa suposição é citada seguidamente como um estudo nas igrejas que comprova o fato).

- não há dúvida que precisamos de experiências com Deus. Precisamos ter um encontro com Deus, etc.

- ligado com isso temos que se usarmos o nome do demônio temos mais poder sobre o mesmo. Alguns estudiosos acham que essa era a tentativa do demônio em Mc 5 que quer saber o nome de Jesus para ter controle sobre Jesus (contra Guelich).

- Jesus nunca chama um demônio pelo nome nem implica que raiva, ódio, orgulho, etc., são obras demoníacas (Guelich 1991, 41).

 

Sincretismo cristão e o animismo

- se de um lado o Iluminismo tirou Deus e as forças demoníacas de cena, hoje a ênfase pode estar indo para o outro lado, para usar a Bíblia como amuleto para proteger dos maus espíritos, usar certas expressões para lidar com demônios, ou enfatizar que sabendo o nome do demônio se obtém um poder maior sobre ele. A conversão de pessoas vindas do animismo também contribuiu para esse sincretismo já que os cristãos que os instruem não os ajudam a entender a cosmovisão cristã principalmente no tocante a questões de poder (Warner 2000, 903)

- muito dessa confusão procede da tática preferida de Satanás que é a confusão/engano/ilusão. Isso não significa que tudo o que os demônios nos dizem é mentira. O engano ganha força quando se esconde no meio da verdade. O que necessitamos acima de tudo é discernimento quando lidamos com espíritos enganadores que estão constantemente tentando confundir as nossas crenças (Ap 12:9; 1 Tm 4:1) (Warner 2000, 903)

- a questão principal da engano sempre gira sobre a verdade. Satanás gosta de nos enganar geralmente nas questões da fonte de poder e conhecimento. Deus nos proveu de todo poder e conhecimento que precisamos para viver como “mais do que vencedores” em Cristo, mas desde o Éden, Satanás tem nos tentado a não confiar e Deus para prover o poder que precisamos e a duvidar da nossa habilidade de conhecer a Deus e confiar em sua palavra. Satanás usa o seu poder para nos levar a temê-lo. Para os cristãos, temer a Satanás, significa que precisam duvidar do poder e da provisão de Deus para a vitória sobre Satanás. Assim ele atinge 2 objetivos: leva os cristãos a duvidar de Deus e consegue um certo controle sobre eles por meio do medo (Warner 2000, 903)

- mas Satanás também tenta seduzir as pessoas a buscar poder dele ao invés de Deus. Ele se apresenta como anjo de luz e torna esse poder algo desejável. Isso nos leva a uma longa lista de práticas ocultas como ler a sorte, magia, feitiçaria, etc. Satanás tem poder suficiente para produzir resultados surpreendentes – sinais e maravilhas que procedem da mentira (2 Ts 2:9). Algumas pessoas somente perguntam: será que funciona? ao invés de: será que vem de Deus; será que é verdade”. Diversas pessoas dão espaço para o inimigo em suas vidas porque caíram no uso enganoso do poder de Satanás (Warner 2000, 903)

- no final nas contas, batalha espiritual é uma batalha pela mente. Satanás sabe que as pessoas sempre viveram o que realmente crêem, mesmo que não vivam aquilo que professam crer. Já que a nossa crença sobre Deus é a base para todas as outras crenças, Satanás tentará quase sempre iniciar tentando perverter a nossa crença sobre o caráter de Deus. Aconteceu no Éden quando Satanás disse ser mentira que as pessoas morreriam se comessem do fruto proibido, logo não se poderia confiar em Deus. Ele também deu a entender que não se poderia crer no amor de Deus que restringiu o seu acesso àquela fruta bonita e desejável do jardim. Uma vez que as pessoas iniciaram a duvidar da integridade de Deus, eles se colocaram debaixo do controle de Satanás (Warner 2000, 903)

- ao que tudo indica o maior desejo de Satanás é ser como Deus :5 O Diabo o levou a um lugar alto e mostrou-lhe num relance todos os reinos do mundo. 6 E lhe disse: ‘Eu te darei toda a autoridade sobre eles e todo o seu esplendor, porque me foram dados e posso dá-los a quem eu quiser. 7 Então, se me adorares, tudo será teu’ ” (Lc 4:5-7); “3 Não deixem que ninguém os engane de modo algum. Antes daquele dia virá a apostasia e, então, será revelado o homem do pecado, o filho da perdição. 4 Este se opõe e se exalta acima de tudo o que se chama Deus ou é objeto de adoração, chegando até a assentar-se no santuário de Deus, proclamando que ele mesmo é Deus” (2 Ts 2:3-4). Isso pode ser visto também no AT no conflito entre Deus e os deuses. Quem está por trás dos deuses é Satanás. Isso também ainda ocorre nos dias de hoje. A batalha continua. Infelizmente muitos missionários [e pastores] têm deixado de ajudar as pessoas a mudarem a sua cosmovisão, de uma visão animista onde os espíritos são manipulados para uma visão cristã onde Deus é soberano. Além de não podermos manipular a Deus, não há nada que possamos fazer para nos promover diante de Deus. Somos totalmente dependentes da sua graça para lidar com o nosso pecado e se relacionar com ele diariamente. O nosso conceito de pecado é determinado pelo nosso conceito de Deus (Warner 2000, 903-4)

- para obter vitória na batalha espiritual sempre precisamos começar com uma visão correta de Deus e do que significa ser filho de Deus. Se me torno filho de Deus pela graça, mas depois acho que preciso merecer ser filhos de Deus, me coloco numa contradição insuperável. É através da fé que somos aceitos diante de Deus e não por nosso mérito. Saber quem eu sou em Cristo nos provê com a única posição viável para vencer o inimigo. A batalha toma dimensões bem diferentes quando vista do ponto de vista do trono de Deus e daquele governado pelas circunstâncias de nossa vida sobre a terra (Warner 2000, 904)

- na obra missionária tem havido diversos encontros de poder, onde o missionário tem confrontado os poderes das trevas na pessoa do xamã ou pajé da tribo. Normalmente as pessoas dentro das tribos são animistas onde a questão básica é o poder. Nestes casos as pessoas querem provas de seguir o deus mais forte e não somente argumentos. Os resultados desses encontros são variados, mas em diversas situações grupos de pessoas têm se colocado ao lado de Cristo nestas situações. Cabe lembrar, no entanto, que esses encontros de poder não garantem a estabilidade e perseverança espiritual dessas pessoas. Mesmo nas Escrituras vemos que pessoas experimentam o poder de Deus, mas freqüentemente voltam para os seus deuses, mesmo que tenham sido derrotados, como aconteceu no confronto entre Moisés e faraó, Elias e os profetas de Baal. O elemento chave é o que ocorre depois desse confronto de poder e eventual “conversão”. Se as pessoas não forem ajudadas a crescer no seu relacionamento com Deus, sua fé tende a morrer (Kraft 2000, 775). Num certo sentido precisamos comunicar com as pessoas na sua cosmovisão, no caso o confronto de poder. Por outro lado, isso pode nos complicar muito a vida já que o cristianismo pode ser derrotado quando ele permanece no confronto de poder que olha somente para resultados imediatos visíveis e não para a verdade que muitas vezes pode estar oculta e que resulta em transformação de vida que não seja tão imediata, mas que vai aparecer a médio e longo prazo. Não estou certo que devemos provocar esses encontros de poder. Acho que quando Deus resolve usá-los ele sabe do que as pessoas precisam. Em nossa visão limitada tentamos prever os resultados de diversos desses encontros, mas Deus conhece o coração das pessoas e sabe do que elas precisam. Se achamos que o encontro de poder vai resolver o problema, e Deus acha diferente e não se mostra como nós achamos que iria se mostrar e criamos a expectativa na vida das pessoas, o resultado pode ser muito pior do que pensamos. Não conseguimos forçar Deus a agir de acordo com os nossos planos

 

 

 

 

B – Espíritos Territoriais

- muita ênfase ultimamente tem sido colocada sobre espíritos territoriais nos últimos anos. O estímulo para tal não nasceu da Bíblia mas de informações vindas de outras fontes. A partir dessas informações, às vezes recebidas de ex-bruxos passou-se a ler a Bíblia para ver se esse conceito estaria presente nas Escrituras para defender práticas adotadas por diversos líderes no mundo todo

- a idéia principal é que o diabo teria designado espíritos para controlarem determinadas áreas geo-políticas (geográficas) no mundo. Baseados principalmente em Dan 10 e 12 advogam que existem espíritos que controlam nações, estados, cidades, ruas e até casas (Lopes 2001, 38-39)

- um outro argumento diz respeito à janela 10/40 onde estão os povos ou nações menos atingidos com o evangelho. Isso seria em virtude de demônios territoriais que cegam as pessoas. Creio que os demônios cegam mesmo as pessoas, mas não precisamos admitir que sejam necessariamente geográficos (Lopes 2001, 40-41)

- outra perspectiva é a demonização de estruturas sociais (Lopes 2001, 41). Creio que existe o mal nas estruturas. As pessoas que dominam o mundo são influenciadas por Satanás e seu demônios. Mas outra vez não precisam ser necessariamente espíritos territoriais

- esses espíritos atacam as igrejas promovendo a divisão e o pecado na vida das igrejas, semeiam confusão e procuram frustrar os planos de evangelização. Logo, a igreja não vai avançar se não conseguir derrotar esses espíritos que colocaram essa barreira no seu caminho. A igreja precisa vencer esse demônio que controla essa região para depois poder ganhar as pessoas para Cristo. Isso não é tarefa para cada cristão. As pessoas precisam de treinamento especial para poder vencer essas batalhas que é recebido nos seminários específicos de batalha espiritual (Lopes 2001, 41-42). Para isso algumas estratégias são bem comuns:

(1) Mapeamento Espiritual. Consiste em localizar os demônios que controlam as áreas a serem evangelizadas. Tenta-se descobrir o nome dos demônios e as razoes pelas quais estão ali. Faz-se um estudo histórico, social e geográfico da região para entender o que se passou nesse local. Assim se chega ao perfil dessa cidade. Mas para descobrir que entidade domina a região, muitas vezes se recorre a revelação direta de Deus para isso. Ora-se sobre cada área da cidade. Quando sentirem uma opressão muito forte marcam esse local como a fortaleza de Satanás. A igreja é chamada para colocar guerreiros de oração para declarar a queda do trono de Satanás. Quando isso ocorre a cidade está livre para ser evangelizada sem impedimentos – a cidade inteira poderá ser ganha para Cristo (Lopes 2001, 43-44)

(2) Oração de Guerra. A oração de guerra consiste em declarar pela fé que em nome de Jesus aquela fortaleza do inimigo está derrubada e que o poder do maligno está anulado. Os crentes determinam a vitória de Jesus nesse local e declaram que a cidade pertence a Cristo. Esta noção está por trás da “Marcha para Jesus”. Nesse processo se amarram os demônios que prendem a cidade bem como os demônios da imoralidade, drogas, etc. É necessário dizer o nome do demônio para poder amarrá-lo. A oração não somente amarra esses demônios como também movimenta as hostes celestiais para a resistência (Peretti) (Lopes 2001, 44-45)

- vamos fazer uma análise dos espíritos territoriais na Bíblia e depois caminhar para analisar um pouco mais a fundo o mapeamento espiritual e a oração de guerra

 

1.       Espírito Territoriais na Bíblia

- no AT havia um paradoxo que não era resolvido facilmente: Como reconciliar o particularismo da eleição de Israel com o conceito de que todas as nações do mundo precisam prestar contas para o Deus de Israel. Uma tentativa de conciliar essas duas idéias se encontra nas descrições de Javé estando no topo da assembléia das divindades chamadas “filhos de Deus”: “Atribuam ao Senhor, ó seres celestiais (filhos de Deus), atribuam ao Senhor glória e força” (Sl 29:1); “6 Pois, quem nos céus poderá comparar-se ao Senhor? Quem dentre os seres celestiais (deuses/poderosos) assemelha-se ao Senhor? 7 Na assembléia dos santos Deus é temível, mais do que todos os que o rodeiam” (Sl 89:6-7) (Stuckenbruck 2000, 29)

- a Bíblia apresenta algumas passagens que poderiam indicar que existe alguma coisa como espíritos territoriais

- Deut 32:8 – “Quando o Altíssimo deu às nações a sua herança, quando dividiu toda a humanidade, estabeleceu fronteiras para os povos de acordo com o número dos filhos de Israel. A LXX traz filhos/anjos de Deus. A idéia aqui é que o número de nações está ligada com o número desses filhos/anjos de Deus (Craigie 1976, 379, Arnold 1997, 151) e que nações específicas estão associadas a determinados anjos (Arnold 2000, 940). Mas o povo de Israel está debaixo da jurisdição de Javé (Stuckenbruck 2000, 29). O que freqüentemente é esquecido nesta passagem é que a soberania de Deus está colocada sobre todos os povos e nações (Arnold 1997, 150). Somente Yahweh determina as fronteiras das nações [e não os outros deuses]: “Quando o Altíssimo deu às nações a sua herança, quando dividiu toda a humanidade, estabeleceu fronteiras para os povos ...” (Deut 32:8); “Vocês, israelitas, não são para mim melhores do que os etíopes”, declara o SENHOR. “Eu tirei Israel do Egito, os filisteus de Caftor e os arameus de Quir” (Am 9:7). Mesmo que as outras nações viam que sua terra era dada pelos seus respectivos deuses, Yahweh, na verdade, é o único que designa as terras para os povos

- Sl 82:1-8 – esse texto, bem como Jó 1 e Zac 3:1-2 falam de uma reunião que Deus tem com os deuses (anjos, ou filhos dos deuses): “1 É Deus quem preside à assembléia divina; no meio dos deuses, ele é o juiz. 2 Pausa][“Até quando vocês vão absolver os culpados e favorecer os ímpios? [Pausa]3 "Garantam justiça para os fracos e para os órfãos; mantenham os direitos dos necessitados e dos oprimidos. 4 Livrem os fracos e os pobres; libertem-nos das mãos dos ímpios. 5 "Eles nada sabem, nada entendem. Vagueiam pelas trevas; todos os fundamentos da terra estão abalados. 6 "Eu disse: Vocês são deuses, todos vocês são filhos do Altíssimo. 7 Mas vocês morrerão como simples homens; cairão como qualquer outro governante.” 8 Levanta-te, ó Deus, julga a terra, pois todas as nações te pertencem”. Aqui Deus está chamando a atenção da assembléia divina por não fazerem justiça às nações. Existe muita discussão sobre quem seriam os componentes dessa assembléia divina: homens sobrenaturais, seres humanos – juízes, povo de Israel. A referência provável é que esses são anjos caídos que exercem influência sobre as nações da terra (Page 1995, 56-59; Stuckenbruck 2000, 29). Em Sl 82, esses anjos são chamados a dar contas pela influência negativa que exerceram sobre as pessoas da terra e por isso são julgados, até condenados à morte. Algumas passagens do AT dão a entender que Deus governa o mundo com a ajuda de um conselho de seres espirituais (Sl 29:1; 82; 89:5-9; 1 Rs 22:19-23). Mas a dependência completa desses “filhos de Deus” a Deus nunca é questionada (Hartley 1988, 71; Stuckenbruck 2000, 29). Esses seres espirituais como “responsáveis” pelas nações se responsabilizavam pelo tipo de líderes que colocavam para governar essas nações. Mas esses “anjos” não operavam diretamente, e sim através dos líderes das nações (da mesma forma como Deus normalmente opera através das pessoas). Esses líderes eram de certa forma a extensão da presença divina sobre a terra em questões terrenas. Os julgamento dos “anjos” é ao mesmo tempo o julgamento dos líderes sobre a terra (Tate 1990, 341). Evidentemente alguns desses anjos não direcionaram a adoração das pessoas ao Deus verdadeiro e buscaram a veneração a si mesmos e se apresentaram de maneira falsa como deuses (Arnold 2000, 940).

- Is 24:21 – “Naquele dia o Senhor castigará os poderes em cima nos céus e os reis embaixo na terra”. Dá a entender desses versos que os anjos caídos têm influência forte sobre os reinos na terra e que serão julgados (Arnold 2000, 940)

- Sal 96:5 “Todos os deuses das nações não passam de ídolos, mas o Senhor fez os céus”; Sl 106:37-38 “37 Sacrificaram seus filhos e suas filhas aos demônios. 38 Derramaram sangue inocente, o sangue de seus filhos e filhas sacrificados aos ídolos de Canaã; e a terra foi profanada pelo sangue deles”; Deut 32:16-17 “16 Eles o deixaram com ciúmes por causa dos deuses estrangeiros, e o provocaram com os seus ídolos abomináveis. 17 Sacrificaram a demônios que não são Deus, a deuses que não conheceram, a deuses que surgiram recentemente, a deuses que os seus antepassados não adoraram”. Esses poderes mascarados de deuses, na verdade são espíritos demoníacos. Deut 32 que já falou sobre anjos da guarda sobre determinadas nações menciona que Israel provocou o ciúme em Deus adotando deuses estrangeiros: Israel estava sacrificando a demônios. Eles deixaram o Deus verdadeiro para se devotar a anjos caídos, mesmo que não sabiam disso. Esses deuses enganavam as pessoas posando como se fossem os governadores onipotentes do céu e da terra (Arnold 2000, 940; 1997, 152). Esses deuses/demônios iam ao ponto de pedir sacrifícios humanos de seus devotos. Alguns chamam essas divindades locais de espíritos territoriais (Arnold 2000, 940). A idéia era de que o deus do povo que vencia as batalhas esse era o deus mais forte e, portanto governava aquele local (1 Rs 20:23, 28 – Deus das montanhas ou planícies). Mas nem todos os deuses pagãos tinham uma conotação territorial (Arnold 1997, 153)

- aqui cabe fazer uma pequena análise sobre a questão dos ídolos e demônios. Toda batalha de Israel na conquista da Terra Prometida era vencida ou perdida no campo espiritual. Quando Israel obedecia a Deus, Deus lhe dava vitória independente da situação militar (Warner 2000, 903). A batalha não era dentre Deus e os deuses como Warner sugere, porque Deus é soberano e tinha decidido dar esta terra a Israel. A batalha é pela fidelidade dos israelitas. Deus usa diversas ferramentas para trazer Israel a adorá-lo unicamente, mesmo que isso implique em utilizar as nações, que Israel resolveu não expulsar, para que Israel se lembre do seu Deus. Mas como Warner no lembra (2000, 903), no AT os ídolos são tratados com desprezo já que não tem poder algum:

Sl 115:4-8 - “4 Os ídolos deles, de prata e ouro, são feitos por mãos humanas. 5 Têm boca, mas não podem falar, olhos, mas não podem ver; 6 têm ouvidos, mas não podem ouvir, nariz, mas não podem sentir cheiro; 7 têm mãos, mas nada podem apalpar, pés, mas não podem andar; e não emitem som algum com a garganta. 8 Tornem-se como eles aqueles que os fazem e todos os que neles confiam” (Sl 115:4-8);

Is 40:18-20 - “18 Com quem vocês compararão Deus? Como poderão representá-lo? 19 Com uma imagem que o artesão funde, e que o ourives cobre de ouro e para a qual modela correntes de prata? 20 Ou com o ídolo do pobre, que pode apenas escolher um bom pedaço de madeira e procurar um marceneiro para fazer uma imagem que não caia?” (Is 40:18-20);

Is 44:9-20 - “9 Todos os que fazem imagens nada são, e as coisas que estimam são sem valor. As suas testemunhas nada vêem e nada sabem, para que sejam envergonhados. 10 Quem é que modela um deus e funde uma imagem, que de nada lhe serve? 11 Todos os seus companheiros serão envergonhados; pois os artesãos não passam de homens. Que todos eles se ajuntem e declarem sua posição; eles serão lançados ao pavor e à vergonha. 12 O ferreiro apanha uma ferramenta e trabalha com ela nas brasas; modela um ídolo com martelos, forja-o com a força do braço. Ele sente fome e perde a força; passa sede e desfalece. 13 O carpinteiro mede a madeira com uma linha e faz um esboço com um traçador; ele o modela toscamente com formões e o marca com compassos. Ele o faz na forma de homem, de um homem em toda a sua beleza, para que habite num santuário. 14 Ele derruba cedros, talvez apanhe um cipreste, ou ainda um carvalho. Ele o deixou crescer entre as árvores da floresta, ou plantou um pinheiro, e a chuva o fez crescer. 15 É combustível usado para queimar; um pouco disso ele apanha e se aquece, acende um fogo e assa um pão. Mas também modela um deus e o adora; faz uma imagem e se encurva diante dela. 16 Metade da madeira ele queima no fogo; sobre ela ele prepara sua refeição, assa a carne e come sua porção. Ele também se aquece e diz:Ah! Estou aquecido; estou vendo o fogo. 17 Do restante ele faz um deus, seu ídolo; inclina-se diante dele e o adora. Ora a ele e diz: “Salva-me; tu és o meu deus”. 18 Eles nada sabem, nada entendem; seus olhos estão tapados, não conseguem ver, e suas mentes estão fechadas, não conseguem entender. 19 Ninguém pára para pensar, ninguém tem o conhecimento ou o entendimento para dizer: “Metade dela usei como combustível; até mesmo assei pão sobre suas brasas, assei carne e comi. Faria eu algo repugnante com o que sobrou? Iria eu ajoelhar-me diante de um pedaço de madeira?20 Ele se alimenta de cinzas, um coração iludido o desvia; ele é incapaz de salvar a si mesmo ou de dizer: “Esta coisa na minha mão direita não é uma mentira?”” (Is 44: 9-20);

Jer 10:3-16 - “3 Os costumes religiosos das nações são inúteis: corta-se uma árvore da floresta, um artesão a modela com seu formão; 4 enfeitam-na com prata e ouro, prendendo tudo com martelo e pregos para que não balance. 5 Como um espantalho numa plantação de pepinos, os ídolos são incapazes de falar, e têm que ser transportados porque não conseguem andar. Não tenham medo deles, pois não podem fazer nem mal nem bem”. 6 Não há absolutamente ninguém comparável a ti, ó Senhor; tu és grande, e grande é o poder do teu nome. 7 Quem não te temerá, ó rei das nações? Esse temor te é devido. Entre todos os sábios das nações e entre todos os seus reinos não há absolutamente ninguém comparável a ti. 8 São todos insensatos e tolos; querem ser ensinados por ídolos inúteis. Os deuses deles não passam de madeira. 9 Prata batida é trazida de Társis, e ouro, de Ufaz. A obra do artesão e do ourives é vestida de azul e de vermelho; tudo não passa de obra de hábeis artesãos. 10 Mas o Senhor é o Deus verdadeiro; ele é o Deus vivo; o rei eterno. Quando ele se ira, a terra treme; as nações não podem suportar o seu furor. 11 “Digam-lhes isto: Estes deuses, que não fizeram nem os céus nem a terra, desaparecerão da terra e de debaixo dos céus”. 12 Mas foi Deus quem fez a terra com o seu poder, firmou o mundo com a sua sabedoria e estendeu os céus com o seu entendimento. 13 Ao som do seu trovão, as águas no céu rugem, e formam-se nuvens desde os confins da terra. Ele faz os relâmpagos para a chuva e dos seus depósitos faz sair o vento. 14 Esses homens todos são estúpidos e ignorantes; cada ourives é envergonhado pela imagem que esculpiu. Suas imagens esculpidas são uma fraude, elas não têm fôlego de vida. 15 São inúteis, são objetos de zombaria. Quando vier o julgamento delas, perecerão. 16 Aquele que é a porção de Jacó nem se compara a essas imagens, pois ele é quem forma todas as coisas, e Israel é a tribo de sua propriedade, Senhor dos Exércitos é o seu nome(Jer 10:3-16)

Por outro lado o espírito que está por trás do ídolo é tratado como real

Deut 32:16-17  - “16 Eles o deixaram com ciúmes por causa dos deuses estrangeiros, e o provocaram com os seus ídolos abomináveis. 17 Sacrificaram a demônios que não são Deus, a deuses que não conheceram, a deuses que surgiram recentemente, a deuses que os seus antepassados não adoraram

Sl 106:37-38  - “37 Sacrificaram seus filhos e suas filhas aos demônios. 38 Derramaram sangue inocente, o sangue de seus filhos e filhas sacrificados aos ídolos de Canaã; e a terra foi profanada pelo sangue deles”;

1 Co 10:18-20  - “18 Considerem o povo de Israel: os que comem dos sacrifícios não participam do altar? 19 Portanto, que estou querendo dizer? Será que o sacrifício oferecido a um ídolo é alguma coisa? Ou o ídolo é alguma coisa? 20 Não! Quero dizer que o que os pagãos sacrificam é oferecido aos demônios e não a Deus, e não quero que vocês tenham comunhão com os demônios

 

- Israel se afastava de Deus e adorava os deuses das nações vizinhas que eram considerados deuses locais, e as vezes ligados a pecados específicos (Arnold 1997, 153).

- diversos textos rabínicos atestavam que Israel fora escolhido especialmente por Deus e por isso o seu relacionamento era diretamente com Yahweh enquanto as outras nações optaram por anjos/padroeiros espirituais. De acordo com Filo, Deut 32 se refere a anjos colocados por Deus sobre as nações. O livro de Eclesiástico 17:11-18 enfatiza que Israel é a porção de Deus enquanto os outros seres celestiais governam sobre os povos gentios. Mas mesmo aqui a soberania de Deus é enfatizada (Stuckenbruck 2000, 29-30)

- se essas pressuposições de fato são verdadeiras não sabemos. Poderia ser uma forma de Deus se comunicar de forma que os seres humanos entendessem. Mas não podemos descartar uma possibilidade real de que existam espíritos e anjos que estejam colocados sobre certos povos.

- na literatura rabínica judia antiga estava presente o conceito de anjos da guarda ou advogados das nações dos gentios. Isso era muito similar ao conceito das divindades nacionais do Antigo Oriente Médio. Ambos parecem ter uma base comum (Stuckenbruck 2000, 30)

- mas esses textos somente falam dessas divindades sem especificar se são boas ou ruins. Mas em Sl 82:7 as divindades são responsabilizadas por não fazer justiça. Mas a literatura pseudepígrafa também começa a apresentar um dualismo forte na cosmologia. A eleição de Israel é contrastada com a designação de espírito ou anjos sobre as nações que as levam para o mal caminho. A pressuposição é que essas divindades nem sempre estão debaixo do controle de Deus enquanto que os anjos que obedecem a Deus agem em favor do povo de Israel. Em outro escrito as nações correspondem a 70 “pastores” angelicais que em suas respectivas áreas recebem a tarefa de cumprir o castigo divino contra os infiéis de Israel. Mas esses pastores se tornam desobedientes por sua própria conta e excedem os limites estabelecidos por Deus na sua função. Outro conceito é que os conflitos político-religiosos são o reflexo de conflitos nas regiões celestiais. Esse conceito também pode ser visto em Dan 11-12 onde há príncipes de um lado lutando contra príncipes do outro lado. Em algumas situações os conflitos entre nações ou pessoas (ex. Esaú e Jacó) são vistos como lutas entre anjos. Os anjos bons são vistos como garantia da presença de Deus agindo no mundo em prol do seu povo (Stuckenbruck 2000, 30-31)

- o texto central para a existência de espíritos territoriais é Dan 10:12-14, 20-21 “12 Então, me disse: Não temas, Daniel, porque, desde o primeiro dia em que aplicaste o coração a compreender e a humilhar-te perante o teu Deus, foram ouvidas as tuas palavras; e, por causa das tuas palavras, é que eu vim. 13 Mas o príncipe do reino da Pérsia me resistiu por vinte e um dias; porém Miguel, um dos primeiros príncipes, veio para ajudar-me, e eu obtive vitória sobre os reis da Pérsia. 14 Agora, vim para fazer-te entender o que há de suceder ao teu povo nos últimos dias; porque a visão se refere a dias ainda distantes” . . .  20 E ele disse: Sabes por que eu vim a ti? Eu tornarei a pelejar contra o príncipe dos persas; e, saindo eu, eis que virá o príncipe da Grécia. 21 Mas eu te declararei o que está expresso na escritura da verdade; e ninguém há que esteja ao meu lado contra aqueles, a não ser Miguel, vosso príncipe. Em 11:5 Daniel ainda se refere ao rei do sul que será derrotado por outro príncipe. Os proponentes da ‘batalha espiritual’ explicam que para que o anjo pudesse chegar a Daniel precisava primeiro vencer o príncipe da Pérsia. Para eles essa seria a única interpretação viável [a interpretação que são espíritos territoriais, já que Miguel também é descrito como príncipe nesse texto (Arnold 2000, 941)]. Mas se olharmos para as circunstâncias históricas vemos que Daniel estava jejuando e orando provavelmente porque a construção do templo em Jerusalém havia sido interrompida. Seria muito possível que Daniel aqui estivesse orando pelos príncipes da Pérsia que tinham a autoridade política sobre Israel e que podiam ajudá-los na oposição que os judeus enfrentavam dos samaritanos nessa situação. Isso seria uma outra interpretação possível (Priest et al. 1995, 70-73). Mesmo que sejam seres sobrenaturais, isso ainda é muito diferente do que os proponentes dos espíritos territoriais querem fazer entender (Priest et al. 1995, 73). Arnold argumenta que talvez “espíritos do império” seria uma descrição melhor. A conotação de geografia está baseada no pensamento pagão da época. Ali são mencionados o príncipe da Pérsia e o da Grécia. Não vemos, no entanto, nenhuma tentativa de Daniel para lutar contra esses príncipes, nem que tenha algum poder para amarrá-los, etc. Essa nem era a intenção de Daniel.

- a Bíblia mostra claramente que os deuses não controlam certas áreas como os pagãos achavam. Deus se mostrava superior a esses deuses e os derrotava. Deus não tinha menos controle sobre essas áreas do que outras (Priest et al. 1995, 74-75), mesmo que os pagãos, e mesmo Israel paganizado cria nisso

- trata-se claramente de uma questão de cosmovisão. A cosmovisão ocidental essa presença dos espíritos ou anjos enquanto que a cosmovisão dos povos pagãos da época tratava essa presença desses seres como algo corriqueiro. Muitas pessoas lêem a Bíblia como se esta descrição de fato fosse uma descrição da realidade, sem verificar se a Bíblia aceita ou condena tal cosmovisão. Algumas pessoas como Neuza Itioka argumenta que perdemos a riqueza da visão animista

- o NT é silencioso quanto a essa questão de espíritos territoriais. Nenhuma menção clara é feita a eles. 1 Co 2:6, 8 nos fala dos dominadores desse mundo que incitaram a morte de Jesus. A discussão sobre esse texto é grande e uns argumentam que seriam demônios que influenciaram os líderes a matarem Jesus (Arnold 1997, 156; Blomberg 1995, 63; contra Fee 1987, 103-104 que diz que não há base para crer isso). Seja lá como for, a igreja primitiva via a ação do Deus soberano atrás destas ações: “26 Os reis da terra se levantam, e os governantes se reúnem contra o Senhor e contra o seu Ungido’. 27 De fato, Herodes e Pôncio Pilatos reuniram-se com os gentios e com o povo de Israel nesta cidade, para conspirar contra o teu santo servo Jesus, a quem ungiste. 28 Fizeram o que o teu poder e a tua vontade haviam decidido de antemão que acontecesse” (At 4:26-28). Isso deixa claro que, independente da atuação dos demônios sobre a liderança, ou de espíritos territoriais, estes estão debaixo da soberania de Deus

- 1 Co 10:20 – “Quero dizer que o que os pagãos sacrificam é oferecido aos demônios e não a Deus ...”. Esse texto acaba enfatizando a noção já vista no AT que atrás dos deuses adorados pelas nações estavam demônios

- Ap 12:7-9 - “7 Houve então uma guerra nos céus. Miguel e seus anjos lutaram contra o dragão, e o dragão e os seus anjos revidaram. 8 Mas estes não foram suficientemente fortes, e assim perderam o seu lugar nos céus. 9 O grande dragão foi lançado fora. Ele é a antiga serpente chamada Diabo ou Satanás, que engana o mundo todo. Ele e os seus anjos foram lançados à terra”. Aqui lemos sobre a luta no céu. Satanás e seus anjos são derrotados por Miguel e seus anjos e lançados sobre a terra. Na terra eles vão criar problemas para os cristãos fiéis, na forma de bestas que representam Roma (Ap 12:13-13:18). O autor que está trabalhando com uma dimensão céu (anjos) e terra (anjos maus e os inimigos dos crentes, ambos sobre a terra) para enfatizar que Satanás está derrotado (Stuckenbruck 2000, 31). Mas nada é mencionado sobre territórios

- as cartas do Apocalipse (2:1-3:22) são endereçadas a anjos. Seriam estes os anjos (da guarda) que foram colocados sobre as igrejas nas cidades? As opiniões divergem:  (1) diversos estudiosos crêem que seriam anjos da guarda (Arnold 1997, 157; Stuckenbruck 2000, 31);  (2) poderia ser o espírito coletivo da igreja (Mounce);

- “12 O sexto anjo derramou a sua taça sobre o grande rio Eufrates, e secaram-se as suas águas para que fosse preparado o caminho para os reis que vêm do Oriente. 13 Então vi saírem da boca do dragão, da boca da besta e da boca do falso profeta três espíritos imundos semelhantes a rãs. 14 São espíritos de demônios que realizam sinais miraculosos; eles vão aos reis de todo o mundo, a fim de reuni-los para a batalha do grande dia do Deus todo-poderoso. 15Eis que venho como ladrão! Feliz aquele que permanece vigilante e conserva consigo as suas vestes, para que não ande nu e não seja vista a sua vergonha.16 Então os três espíritos os reuniram no lugar que, em hebraico, é chamado Armagedom” (Ap 16:12-16). Os poderes demoníacos que reúnem os reis além do Eufrates podem se referir a anjos de quem se espera que incitem as nações para a guerra no fim dos tempos (Stuckenbruck 2000, 31)

 

Considerações sobre “espíritos territoriais”

1 – Não temos referências dos pais da igreja sobre a existência de espíritos territoriais (Arnold 1997, 157)

2 – Nenhum personagem bíblico expulsou demônios de cidades

3 – Podemos e devemos orar para que Deus reine na cidade, mas não temos instrução para expulsar demônios de cidades

4 – Pode ser que de fato há espíritos territoriais, mas a Bíblia nunca se preocupou em dar uma explicação sobre a sua hierarquia nem sobre um ministério contra eles.

5 – Se existem espíritos territoriais estes nunca são colocados como rivais de Deus de igual para igual. Eles nunca são colocados como uma ameaça as planos e a soberania de Deus.

6 – Não podemos mandar um demônio embora de uma cidade, se este foi convidado a morar lá na vida das pessoas que o adoram. No máximo ele sai e busca mais alguns companheiros e volta para a sua casa.

7 – O que precisamos evitar a todo custo é de ver que se existem esses espíritos territoriais, que Deus teria menos controle sobre estas regiões, pois esses espíritos controlariam totalmente essas regiões (Priest et al. 1995, 75). Isso não pode ser encaixado com nenhum ensinamento sobre esses anjos sobre cidades da Bíblia.

- parece que existe suficiente base para se crer (ou não crer) que existem de fato espíritos que foram colocados sobre certas nações, ou territórios no AT. O NT não apresenta nenhuma evidência clara para tal. Seria tão normal que não foi mencionado? Ou poderia ser que a vitória de Cristo foi tão esmagadora que isso não importa? (Talvez existam outras explicações melhores). Se esses espíritos existem ou não, pouco importa, pois essa esfera é de preocupação exclusiva de Deus. Não temos nenhum texto nos instruindo a fazer algo com esses eventuais espíritos. Não devemos nos ocupar com coisas que acabam nos desviando de fazer aquilo que a Bíblia nos ensina a fazer. Deixa que Deus cuida dessa dimensão nas regiões celestiais.

- a Bíblia nunca apresenta qualquer indicação que esses poderes chegam a apresentar uma ameaça para os planos de Deus. Deus é soberano e está acima de todos eles. O Pai busca a devoção completa de seu povo. Ele quer que os crentes o busquem diretamente para obter sabedoria, força e ajuda (Arnold 2000, 941)

- um dos maiores problemas na abordagem dos espíritos territoriais é o pragmatismo – já que funciona deve estar certo. Diversos livros têm apresentado resultados mirabolantes a partir da ênfase de amarrar o espírito que guarda a cidade. Uma visão reducionista vê que esse é o resultado de amarrar o espírito. Sendo mais realistas, muitas outras coisas estão em jogo – a união da liderança religiosa em oração, outros fatores econômicos e sociais, além da intervenção de Deus que não podemos explicar em termos racionais.

 

- tenho dificuldades com repreender espírito de medo, rebeldia, etc. A maior parte desses se caracteriza por obras da carne. Não adianta repreender a carne, mas precisamos disciplinar a nossa carne para que obedeça a Cristo. Nesse sentido é mais difícil lidar com alguém possuído por si mesmo do que possuído pelo diabo

- Arnold menciona algumas coisas que Paulo não diz que nos ajudam a entender alguns pontos controvertidos dentro dessa teologia (Arnold 1992a, 98-99)

1.       Paulo não menciona a origem da rebelião dos anjos caídos

2.       Paulo não menciona ou dá importância aos nomes dos demônios – já que todos estão sujeitos a Cristo do mesmo jeito isso não tem significado.

3.       Paulo não dá importância a hierarquia dos demônios – essa hierarquia existia em escritos judaicos, mas Paulo dá ênfase que as igrejas estejam cientes dos poderes e saibam como responder a eles.

4.       Paulo não menciona a atividade específica de alguns demônios e como estes podem ser evitadas. Paulo menciona que Cristo é a única autoridade pela qual os demônios podem ser vencidos, mas nenhum outro conhecimento com o qual estariam em vantagem em relação aos demônios.

5.       Paulo não menciona territórios governados por demônios. Apesar de que pode haver uma relação entre Daniel pelas palavras que usa, ele nunca nos fala para identificarmos ou prender-mos os espíritos que supostamente estariam governando uma certa região. Paulo reconhece que existem poderes sobrenaturais que procuram de todas as formas impedir a missão da igreja, mas estes podem ser vencidos na dependência do poder de Deus (1992, 99)

 

C – Possessão de Cristãos?

- em praticamente todas as culturas no mundo ocorre o fenômeno da possessão. Esta normalmente se manifesta com transe, tremores, transpiração, gemidos, gritos, falar uma língua ou tonalidade de voz diferente e linguagem incoerente, assumir uma nova identidade, força extraordinária, conhecimento inexplicável e profecia. Muitas vezes, mas não sempre, os possessos não se lembra do que ocorreu quando estavam possessos (Moreau 2000b, 771)

- a explicação para este fenômeno pode ocorrer de forma física, psicológica, social e espiritual. Cada uma das áreas tenta explicar o que ocorre, mas elas são se excluem mutuamente

- a questão sobre a possessão de cristãos é bem complexa. Os problemas ligados com o termo possessão são explicados por Grudem (1999, 344-46). Mas não há dúvida que os cristãos podem ser influenciados por demônios. A questão chave é se os cristãos são influenciados de fora ou de dentro. Existe uma passagem (Ef 4:28) que sugere dar espaço para o diabo dentro de nossas vidas. Essa questão também mexe com a diferença entre calvinismo e arminianismo. Se alguém foi cristão e de repente vive como pagão, ele poderia ter perdido a salvação e ser habitado por demônios? Para alguns isso é uma possibilidade, para outros não

- alguém que tem o Espírito Santo nunca poderá ser controlado totalmente por demônios. Mas se consideramos que alguém que conheceu a verdade pode dar ouvidos e se entregar ao pecado e abandonar a fé, temos que admitir que provavelmente possa também se entregar ao diabo. Mas será que ainda é cristão quando é dominado pelo diabo? Evidentemente que não

 

1 – A discussão sobre o significado da palavra daimonizomai

- as pessoas que defendem que cristãos podem ficar dominados por demônios afirmam que o uso de possessão na Bíblia não está de acordo com o original. Eles advogam que deveríamos utilizar a palavra demonizado ao invés de possesso. A expressão daimonizomai ocorre cerca de 13 vezes no NT (Mat 4:24; 8:16; 8:28; 8:33; 9:32; 12:22; 15:22; Mc 1:32; 5:15; 5:16; 5:18; Lc 8:36; Jo 10:21). Uma expressão paralela é echein daimonion (ter demônio), que ocorre 4 vezes (Lc 4:33; 7:33; 8:27; Jo 7:20); e ainda echein pneuma (ter um espírito [maligno ou imundo], 5 vezes (Mc 9:17; Lc 4:33; At 8:7; 16:16; 19:13) (Lopes 2001, 86)

- o argumento contra a palavra possessão é que ela é absoluta: ou alguém está dominado, ou parte de sua vida está dominada ou não está. Ela não permite graduações de controle sobre a vida da pessoa. Desta forma o termo preferido seria demonizado ou endemoninhado que permitiria segundo eles um controle parcial sobre a vida de uma área da pessoa sem estar possesso pelo demônio como um HD de um computador que poderia ter um vírus em alguns arquivos sem estar totalmente contaminado. Dessa forma alguns até diriam que um incrédulo não poderia ficar possesso, apenas demonizado. Nesse sentido explicam alguns pecados (como relacionamento imoral ilícito) como demônios desse pecado que estão no coração da pessoa (Lopes 2001, 86-87)

 

2 – Relatos mais extensos sobre Jesus encontrando pessoas “demonizadas”

- Mc 1:21-28; Luc 4:33-37 – Jesus está pregando na sinagoga e ali aparece uma pessoa com um espírito imundo (a;nqrwpoj evn pneu,mati avkaqa,rtw|) (Mat 1:23); um homem que tinha o espírito de um demônio imundo (e;cwn pneu/ma daimoni,ou avkaqa,rtou)(o grego não fala aqui em possessão). O que fica claro, no entanto, é que esse espírito tem muita influência, pois logo reconhece quem Jesus é, além de agitá-lo fortemente (arremessá-lo ao chão em Lucas) quando este sai dele e falando em alta voz. O que também fica claro desse texto é que o espírito imundo estava dentro da pessoa. Aqui não está falando nada sobre o estado moral da pessoa. Não sabemos se era um seguidor fiel de Deus. Aparentemente essa pessoa não tinha um comportamento anormal que chamasse à atenção das pessoas presentes, ou então o espírito imundo somente se manifestava quando confrontado por um inimigo espiritual (Twelftree 1992, 165). A influência aqui é a ponto de que ele arremessou a pessoa no chão, claramente indicando que ao menos uma parte da pessoa estava dominada pelo demônio

- Mc 5:1-20; Mat 8:28-34; Lc 8:26-39 – Jesus encontra com o geraseno. Mateus fala nessa circunstância sobre dois endemoninhados (8:28, 33 – daimonizomenos); Marcos fala de um homem com um espírito imundo (evn pneu,mati avkaqa,rtw|) (5:2) e endemoninhado (5:15, 16, 18 - daimonizomenos); e Lucas que ele tinha demônios (e;cwn daimo,nia) (8:27), espírito imundo (tw/| pneu,mati tw/| avkaqa,rtw) (8:29) e endemoninhado (8:36 – daimonizomenos). Essa pessoa vivia entre os túmulos e era acorrentada na tentativa de poder dominá-lo. Aqui fica evidente que o espírito imundo (demônio) tem um grau muito elevado de controle sobre a vida da pessoa. Aparentemente toda a sua personalidade é mudada depois da libertação. Aparentemente as expressões ter demônios ou espíritos imundos e endemoninhado tem significados parecidos ou até idênticos

- Mc 7:24-30; Mat 15:21-28 – Marcos diz que a menina tinha um espírito imundo (pneu/ma avka,qarton) (7:25); Mateus apresenta que a mulher estava severamente demonizada (h` quga,thr mou kakw/j daimoni,zetai) (15:22). Não sabemos exatamente a situação em que vivia esse menina. A sua mãe vai ao encontro de Jesus pedindo que a cure. Poderia ser que ela não tirou a menina de casa, pois a menina poderia ser um perigo para o povo em geral, ou estava doente demais para deixar a casa (Twelftree 1992, 165)

- Mc 9:14-29; Mat 17:14-21; Lc 9:37-43 – Marcos fala sobre uma criança com um espírito mudo (e;conta pneu/ma a;lalon) (9:17); Mateus fala sobre um epiléptico (17:15); Lucas menciona um espírito que o domina (se apodera dele) (ivdou. pneu/ma lamba,nei auvto,n) (9:39). Aparentemente essa criança vivia com seus pais e podia ser controlada, pois acompanhou o seu pais para se encontrar com os discípulos de Jesus (Twelftree 1992, 165). Aqui esse espírito parece ter um controle bastante grande sobre a criança (ao menos na ocasião onde encontra Jesus) pois diz que o espírito o dominava e jogava ao chão, ele espuma pela boca e range os dentes. Além disso o jogava na água e no fogo para destruí-lo. Quando é expulso o espírito maligno reage fortemente no rapaz e grita saindo da criança

 

4 – Avaliação

- o que fica claro é que a palavra possessão seria uma interpretação da palavra daimonizomai. Ao que tudo indica o espírito imundo que está dentro da pessoa (atua de dentro, pois Jesus o expulsa e depois diz que ele saiu) tem um certo controle sobre a vida da pessoa. Não podemos dizer se o controle é total, mas é bem possível, em muitos dos casos narrados pela Bíblia. Todos esses espíritos estão sujeitos a Jesus ou aos apóstolos (que agem em nome de Jesus) e não resistem às suas ordens. Também precisamos nos certificar aqui de que nenhum dos que eram habitados pelos demônios poderiam ser considerados cristãos no sentido do NT. Logo creio que a discussão se a pessoa era ou não possessa/dominada, não faz muito sentido já que a questão de uma pessoa não-cristã sendo possessa por demônios é de mais fácil consenso. A não ser que consideremos que as pessoas de quem Jesus expulsou os demônios eram salvas porque eram do povo de Israel que estava sob a aliança de Deus. Mas mesmo assim ficaria muito difícil determinar se estas faziam parte do remanescente fiel (que era o verdadeiro povo de Deus). Além disso, temos tão poucas informações deles que seria mera especulação tratá-los dessa forma.

- o problema em substituir a palavra “possessão” por “demonizado” tem suas vantagens e desvantagens. A vantagem é que o termo seria basicamente uma transliteração do grego. O problema no entanto, é que não sabemos o que o termo significa exatamente e com isso aplicamos essa palavra para situações muito mais amplas do que aparece na Bíblia. Parece que o termo possessão não é tão estranho, já que olhando os casos temos que reconhecer que havia no mínimo um controle parcial da vida das pessoas (Page 1995, 138).

 

Argumentos a favor de que um cristão poderia ser habitado por demônios

1 – O poder do pecado pode habitar em um cristão e ter uma influência bastante forte ao ponto de que Paulo menciona que ele pode reinar (Rom 6:12-13). Se isso pode acontecer porque deveríamos supor que uma outra força maligna não pudesse também reinar na vida das pessoas? Mesmo após a conversão a tendência para o pecado continua residindo na vida dos cristãos até a glória. Essa tendência dentro de nós é o motivo de muitas de nossas batalhas e está residindo dentro de nós ao lado do Espírito de Deus (Arnold 1997, 82). O poder do pecado em nossas vidas não acaba com a nossa conversão. O pecado quer reinar em nossa vida. O pecado procura nos influenciar por 3 fontes: a nossa tendência para o mal (carne), o meio (cultura) no qual vivemos (mundo) e os demônios (diabo). Dessa forma a Bíblia estaria nos alertando para que não deixássemos que nenhuma dessas influências nos dominasse. Todas elas querem nos dominar. Na vida do cristão nenhuma dessas forças tem domínio absoluto, mas vão se apropriar de todo o espaço que receberem de nós mesmos (Arnold 1997, 91)

2 – Arnold argumenta que Paulo usa linguagem de espaço para falar sobre o diabo achando lugar na vida do cristão. “E não deis lugar ao diabo” (Ef 4:27) (Arnold 1997, 82). A palavra usada aqui (topos) é usada muitas vezes no NT para falar de um local físico (Lc 2;7; 14:9; 4:37; Jo 14:2-3), mas em outros locais também se refere a oportunidade (Rom 12:19; Heb 12:17). A opinião de Arnold é de que a linguagem do espaço aqui seria mais apropriada já que estamos falando de autoridade e controle nessa carta (Arnold 1997, 88-89). Outros comentaristas já vêem aqui uma alusão a oportunidades para o diabo. O diabo estaria andando em derredor das pessoas iradas pronto para se aproveitar da situação (cf. 1 Tim 3:7; 2 Tim 2:26; 1 Pe 5:8). A raiva seria como uma arma pronta para cooperar com o diabo (Lincoln 1990, 303; O’Brien 1999, 341; Page 1995, 188-89; Lopes 2001, 92). Mas seja como for, a ênfase aqui não está no exorcismo, mas na atitude correta que as pessoas devem ter para não dar espaço para o diabo. Se ligamos essa passagem ainda com outros textos paralelos temos que a ênfase está mais na obediência a Deus e com isso na vida diferente provocada por uma ética nova do que no exorcismo

3 – A imagem do templo no AT pode ser usada para ilustrar o que acontece na vida do cristão. O templo de Deus era habitado volta e meia por outros deuses. Muitas vezes o próprio povo de Deus trazia os deuses para dentro do templo. De acordo com Deut 32:17 esses ídolos representam demônios (Arnold 1997, 82)

- Merrill Unger acha que se permitimos que o pecado acha espaço em nossa vida os demônios vão tomar conta (in Arnold 1997, 82). Arnold argumenta com base em Mat 12:29 (Jesus amarrou o diabo para roubar as suas posses) que as pessoas são posse do diabo (Arnold 1992a, 79; 1997, 81). Mas Jesus aqui está fazendo uma comparação e “posses” poderia ser meramente uma ilustração parabólica para os objetos da casa. Carson diz que posse nada tem a ver com possessão demoníaca, a não ser de forma metafórica (Carson 1995, 290). Mas esse ponto é bastante discutido (veja Page 1995, 106)

4 – Em At 10:38 dizcomo Deus ungiu a Jesus de Nazaré com o Espírito Santo e com poder, o qual andou por toda parte, fazendo o bem e curando a todos os oprimidos do diabo, porque Deus era com ele. O argumento utilizado é que Jesus expulsou demônios de judeus que faziam parte da velha aliança, como a filha de Abraão que era cativa de Satanás (Luc 13:16). A questão chave é que ser da família de Abraão é aplicado para basicamente todos os judeus. Mesmo entre o povo judeu havia o remanescente fiel. É muito difícil dizer quem realmente participava desse remanescente fiel, assim como na igreja hoje temos muitas pessoas que participam e nem todas são fiéis a Deus (Lopes 2001, 90-92)

5 – Em 2 Co 10:4 “Porque as armas da nossa milícia não são carnais, e sim poderosas em Deus, para destruir fortalezas, anulando nós sofismas”. Para alguns interpretes temos aqui fortalezas demoníacas, mas o texto mostra que essas fortalezas são raciocínios feitos pelos incrédulos contra o Cristianismo. Paulo não está lutando contra essas fortalezas amarrando, decretando, etc., mas pregando o evangelho a elas (Lopes 2001, 92). Trata-se de linguagem militar para lutar contra esses raciocínios que acabam dominando o pensamento e as ações das pessoas (Belleville 1996, 254-55)

Caixa de texto: Identidade central da pessoa
- corrupta
- pertence ao presente mundo
- destinada para a morte e o juízo

6 – Arnold argumenta que quando a pessoa está sem Cristo o cerne de sua vida é corrupto e é direcionado para o mal. A imagem de Deus dentro dessa pessoa está manchada. A pessoa tem impulsos pecaminosos que agem junto com os demônios levando a pessoa a pecar. Quando a pessoa se converte, o cerne da pessoa muda. Ocorre uma transformação sobrenatural nela que agora se direciona para Deus. O Espírito Santo vem habitar dentro da vida da pessoa. A imagem de Deus dentro da pessoa está em processo de renovação. Algumas pessoas querem fazer distinção aqui entre o espírito humano que estava morto e agora foi vivificado. Mas biblicamente não podemos fazer essa distinção clara entre o espírito e a alma. Mesmo que ocorra essa transformação, ainda continuamos vivendo em um corpo que morre. A inclinação para o pecado continua. A carne vai nos incomodar até chegarmos na glória. Os demônios procuram exercer a sua influência sobre cada um de nós da mesma forma como acontece com a nossa tendência pecaminosa, mas eles não têm acesso ao cerne de nossa vida que é habitado pelo Espírito Santo (Arnold 1997, 85). Abaixo estaria a figura da pessoa sem Cristo


 

Caixa de texto: Identidade central da pessoa
- pura e santa
- uma nova criação
- pertence ao reino vindouro
- destinada para a vida
- habitação do Espírito Santo

A pessoa regenerada tem outro aspecto


 

7 – Arnold vai adiante expondo a ilustração de uma casa onde permitimos que o Espírito Santo tenha acesso a alguns quartos e o impedimos em outros (Arnold 1997, 87)

 

Argumentos contra a idéia de que um cristão pode ser habitado por demônios

1 – A substituição do conceito de possessão pelo termo demonizado não vai ajudar. Nos casos em que aparece na Bíblia a pessoa demonizada claramente tem ao menos parte de sua vida controlada por Satanás – o que significa possessão.

2 – “Os demônios denominados pela ‘batalha espiritual’ como sendo demônios da lascívia, do ódio, da ira, da vingança, da embriagues, da inveja, e assim por diante, não aparecem no NT. Essas coisas são, na verdade, as obras da carne mencionadas por Paulo em Gal 5:19-21. A solução para esses pecados não é expulsar demônios que supostamente os produzem, mas arrependimento confissão, e santificação” (Lopes 2001, 89)

3 – Não temos comprovação bíblica nem exemplos claros que devemos expulsar demônios de pessoas renascidas. Nem Jesus, nem os apóstolos expulsaram demônios de pessoas convertidas. A Bíblia também não diz porque as pessoas estavam habitadas por demônios. Logo toda a especulação é um bocado perigosa (Lopes 2001, 90). Jesus e Paulo enfrentaram situações reais onde encontraram muitas pessoas em situações complicadas. Paulo em Éfeso estava na cidade onde a adoração a Diana era muito forte. Os cristãos queimaram muitos livros de ocultismo, mas não temos nenhuma menção de algo especial feito pela libertação deles após a conversão. A idéia da habitação de demônios na vida dos cristãos não procede da Bíblia, mas da experiência de pessoas que lidam com exorcismo. Muitas vezes essas histórias não são usadas para ilustrar verdades, mas para construir as verdades (Priest et al. 1995, 36). Isso pode e acaba levando à formulação de novas doutrinas – o que é muito perigoso

- não há dúvidas que os demônios, o mundo, e a carne querem exercer o controle sobre a vida das pessoas, inclusive dos cristãos. A carne está dentro de nós e quer que atendamos os seus desejos. Muitos dos desejos da carne são provocados pela influência do mundo. Quando aceitamos a influência do mundo sem critérios, acabamos despertando diversos desejos da carne. Da mesma forma temos que reconhecer que os demônios atuam através da carne e da influência do mundo sobre nós. É muito difícil saber se ocorre espaço dentro de nossas vidas para a habitação de demônios, ou se isso acontece de fora

- a tentativa de Arnold para explicar a diferença entre o cerne da vida dos cristãos onde os demônios não têm acesso, é uma tentativa de explicar esse problema. Mas esse modelo não é mencionado claramente na Bíblia e nem necessariamente é contrário a ele. Então precisamos olhar essa situação com cuidado.

- Arnold argumenta que precisamos fugir do conceito bipolar na vida dos cristãos: o tem um demônio, ou não tem. Para ele deveríamos ver essa questão como um contínuo onde podemos, mesmo como cristãos, entregar cada vez mais o controle de nossas vidas à influência demoníaca de modo que poderíamos ser habitados por demônios. Todos sofremos tentações, mas nem todos abrem espaço, ou até convidam os demônios para fazerem parte de suas vidas (Arnold 1997, 101)

            ____________________________________________________________________________________

                      tentação                       regularmente                         ser devorado (1Pe 5:8)                             ter um demônio

                                                                sucumbir às                           tomado cativo (2Tm 2:25-26)

                                                                tentações                               tomado como despojo (Col 2:8)

                                                                demoníacas

- o que fica claro da perspectiva de Arnold (calvinista) é que uma vez salvo a pessoa não perde mais a sua salvação (Arnold 1997, 81 e nota 14 [pág. 205]). Se cremos que alguém pode perder a sua salvação, a questão pode ser explicada mais facilmente. Até que ponto uma pessoa pode dar ouvidos e sucumbir a tentação regular do inimigo e ser influenciado cada vez mais a ponto de tomado cativo e habitado por um demônio mesmo sendo cristão? Se Jesus não manda mais em sua vida, e a pessoa se recusa a entregar o comando de sua vida a Cristo, isso ainda a classifica como cristã? Nesse sentido, apesar de que concordamos que existe uma escala crescente de domínio demoníaco na vida das pessoas, vai haver um momento onde o inimigo vai fazer morada na vida da pessoa. É um processo que pode eventualmente culminar nisso, mas como acontece com o Espírito Santo na salvação da pessoa. A pessoa pode estar chegando cada vez mais perto de um encontro com Cristo, mas a regeneração ocorre em um momento pelo Espírito Santo que vem habitar na vida da pessoa, assim também precisaria acontecer com uma eventual habitação de um demônio na vida de um cristão. Resta a dúvida se esta pessoa ainda poderia ser considerada um cristão a estas alturas

= = =

É um estudo de 70 páginas que estamos fazendo em nossa Faculdade Fidelis
idealizado pelo Dr. Harthur (reitor).
     Espero que seja benção em vossos ministérios.
                   Marcelo,Ellen e Débora Taborda
                       Siloé Ministério em Missões_ 23 Jun 2005


Participe! Envie-nos seu comentário : iceuniao@uol.com.br - www.uniaonet.com