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Batalha Espiritual
I.
Introdução
- no passado o diabo tem
sido ignorado na maior parte do mundo. Isso se deu porque a visão de mundo
ocidental estava basicamente dominada pelo Iluminismo e queria provar todas as
coisas pela razão (o verdadeiro deus desse período foi a
razão humana e a ciência)
- as igrejas históricas que
vieram para o Brasil basicamente representaram um modelo de classe média vindo
dos EUA. Elas trouxeram a nós um evangelho dominado pela sua cultura (grande
parte Iluminista e colonizadora). Assim não é de estranhar que pouca atenção
foi dada para o conflito com os poderes de Satanás. Basicamente o espiritual e o material foi separado e a ciência iria
cuidar da maioria dos problemas que enfrentavam. Além disso, a verdade é que o
nosso inimigo pode se apresentar de diversas formas e não precisa se mostrar lá
da mesma maneira que se mostra aqui no Brasil
- na América Latina houve
uma ênfase bastante forte sobre a batalha espiritual nos últimos anos. Ricardo
Gondim nos lembra que a ênfase que está sendo dada à Batalha Espiritual nos
últimos anos se deve ao fato de que a igreja pentecostal tem levado a sério
essa dimensão da vida cristã (Gondim 1995, 106). Isso tem sido positivo, mas
também deixou algumas marcas negativas devido a extremos praticados em diversas
igrejas. A falta de ênfase sobre este assunto levou a uma super-ênfase
o que também foi prejudicial
- com o declínio da razão
como a solução para todos os problemas da humanidade, passou-se a buscar
soluções em diversos segmentos. Hoje se aceita diversos tipos de
espiritualidade. Com a perda de esperança de que o homem é capaz de resolver os
problemas da humanidade se instala a incerteza e o medo (Hiebert 1994, 203).
Uma das formas de espiritualidade que tem recebido muita ênfase nos últimos anos
é a batalha espiritual. Muitos livros têm sido lançados no mercado com um
sucesso impressionante (ex. “Esse Mundo Tenebroso”)
- a busca pela
espiritualidade deve ser incentivada e ao mesmo tempo testada. No passado a
igreja, sem perceber, acabou adotando a cosmovisão secular. Por outro lado, no
contexto atual existe a tendência de voltar para uma cosmovisão pagã na busca
por respostas para esse medo (Hiebert 1994, 203)
- o Brasil é um terreno
muito fértil para esse assunto. Juntando o culto aos ancestrais praticado pelos
índios, a culto aos deuses dos africanos, o catolicismo medieval que veio da
Europa e a influência do Kardecismo da França temos
uma abertura escancarada para o sobrenatural. A tendência para voltar à visão
de mundo animista (que não morre facilmente na vida das pessoas) é muito grande
II. Ênfases questionáveis sobre
Batalha Espiritual em nossas igrejas
- em meio a essa confusão de
idéias têm surgido muitas idéias que são questionáveis. Gondim alerta para
algumas doutrinas que se infiltraram que são duvidosas, principalmente ligadas
com a teologia da prosperidade
A – A Confissão Positiva tem
trazido uma série de ênfases negativas para a igreja no Brasil (Gondim 1995,
106)
1. Outorgar poderes autônomos a
palavras, frases e “decretações” (“em nome de Jesus”, “tá amarrado”, etc.)
2. Crer na independência e
auto-suficiência dos espíritos malignos
3. Acreditar na possibilidade
de anular os poderes satânicos com gestos, frases ensinadas e orações prontas
(Gondim 1995, 106) (ex. Salmo 91)
- isso tem gerado práticas
simplistas na igreja
1. Exorcizando príncipes
territoriais corrigimos distorções sociais (Gondim 1995, 106)
2. Amarrando demônios culpados
por pecados específicos da carne aumentamos a santidade (Gondim 1995, 106)
- com isso a
responsabilidade de disciplinar e mortificar a carne para se ter santidade tem
sido substituída pelo exorcismo (Gondim 1995, 106)
- disciplina pessoal,
responsabilidade pelos meus atos pecaminosos, etc., passaram a ser resolvidas com exorcismo e não com trabalho duro (Gondim
1995, 106)
B – Hermenêutica errada
(Gondim 1995, 107)
- exegese pobre dos textos
bíblicos
- os princípios de
hermenêutica são totalmente ignorados
- usam-se muitos textos do
AT e interpreta-se de forma alegórica. As batalhas de Israel contra os seus
inimigos são transformadas em batalhas de Deus contra as potestades celestiais.
Isso normalmente vai além ainda até o ponto de ver todos os problemas da vida
sendo problemas de ordem espiritual
C – A maior parte da
teologia é importada (Gondim 1995, 107)
- tenta-se explicar os fatos
que não podem ser entendidos pela razão com uma teologia fora do contexto
- a história brasileira com
toda a influência africana e indígena, é um ambiente propício para ser observar
muitas manifestações das trevas diretamente. No entanto a nossa teologia com
relação à batalha espiritual é baseada nas idéias propagadas basicamente no
Fuller através de livros (ex. Peter Wagner) e de alunos que passaram por lá
(ex. Neuza Itioka)
- por fazemos pouca
reflexão, queremos colocar tudo debaixo de um mesmo guarda-chuva e isso acaba
criando muitas distorções (Gondim 1995, 107).
D – Extremismo / paranóia
(Gondim 1995, 107)
- por um lado a vitória já foi alcançada por Cristo – agora não devemos
mais nos preocupar com o diabo. Por outro lado temos aqueles que estão sempre
anulando a obra do diabo para não dar brechas para ele em qualquer
área/situação da vida
- esse extremismo pode levar
a ver o diabo atrás de todas as coisas desde todos os logotipos, quadros, etc.
Desta forma damos vazão a nossa imaginação e vemos demônios envolvidos em
qualquer situação estranha de nosso dia-a-dia
- o perigo existe em se dar
“demais” e “demenos” atenção ao inimigo – o problema dos extremos
- Jesus e a igreja primitiva
viviam num mundo dominado por crendices, misticismo, anjos protetores e
maldições, mas nem por isso estavam obcecados com isso. A ênfase nas cartas de
Paulo não está no exorcismo, mas em viver uma vida baseada em princípios
bíblicos sabendo que os poderes das trevas foram derrotados
E – Visão maniqueísta do
mundo – tudo é controlado por forças espirituais (tudo o que é bom vem de Deus,
o ruim do diabo)
- tudo o que acontece é
atribuído a Deus ou ao diabo de acordo com a minha percepção se é bom ou ruim
para mim. O que é bom/ruim para mim é normalmente determinado de acordo com o
imediatismo e com o nosso conceito de bom e ruim.
1 – Cosmovisão Indo-européia
- segundo Hiebert, essa
visão se baseia na cosmovisão “indo-européia” que admite que existe uma batalha
cósmica entre o bem e o mal (Hiebert 1994, 204). Segundo Hiebert algumas das
idéias básicas dessa cosmovisão são:
a – A coexistência eterna do
bem e do mal
- nesse cosmovisão o bem e o
mal são duas entidades independentes que coexistem desde a eternidade (Hiebert
1994, 204). O bem e o mal procedem de duas fontes sobrenaturais diferentes e
opostas entre si (Hiebert 1994, 204). Tudo o que acontece aqui sobre a terra é
resultado de forças espirituais em conflito nas regiões celestes. Anjos e
demônios lutam de igual para igual para alcançar a vitória. Os seres humanos
aqui são meramente fantoches nas mãos dessas forças espirituais (Hiebert 1994,
204). A luta então é para que um vença o outro e tome controle da situação
(controle do mundo) (Hiebert 1994, 205)
- aplicando isso à nossa
realidade, Satanás e os demônios podem até ter sido criados
por Deus no início, mas agora são autônomos e não dependem de Deus para a sua
existência. Para eles a criação foi terminada num passado distante (Hiebert
1994, 205). Vivemos então nesse dualismo, com tudo dividido em opostos: Deus e
o diabo, anjos e demônios, nações boas e nações perversas, pessoas boas e
pessoas más. Aquilo (aqueles) que são bons podem ser
enganados ou forçados a fazer o que é mau, mas no fundo são pessoas
boas. Aqueles que estão do lado do mal, não têm nada de bom neles. Logo
precisam ser destruídos para que o bem possa reinar (Hiebert 1994, 205)
b – Ordem e controle são o
bem supremo
- quando temos duas forças
lutando pelo poder existe o perigo de termos o caos. Somente quando a ordem é
estabelecida podemos falar em construir uma sociedade justa. Dentro desse
contexto, paz amor, justiça e relacionamentos harmoniosos são valores
secundários (Hiebert 1994, 205-6)
- para que possa haver
ordem, alguém precisa estar no controle. Logo precisamos de hierarquia para
prevenir o caos. Nessa cosmovisão, os deuses e demônios vivem em uma esfera e
governam os seres humanos que vivem em outra esfera. Os humanos se tornam os
fantoches das brigas que acontecem nessa outra esfera. Como diz o velho adágio:
“Quando os elefantes brigam, os ratos são pisoteados”. Os homens vivem com medo
dos espíritos (bons e maus) que controlam o seu
destino. Para ter um bom destino precisamos de mágica e
manipulação para alcançarmos os nossos objetivos (Hiebert 1994, 206)
- a questão chave aqui é
quem comanda as coisas. Comandar significa estabelecer a ordem se necessário à
força. O rei governa com poder e ordena a obediência dos seus súditos. Esse rei
precisa ser forte, orgulhoso e distante (Hiebert 1994, 206)
c – A batalha no cosmos
- a questão chave aqui é a
batalha entre o bem e o mal. A palavra
chave é poder. O mais poderoso vence. Sucesso é o valor máximo. Se o “bem”
vencer, justiça, paz e amor irão reinar. Se o “mal” ganhar, este reinará. Logo
“vencer”, dentro dessa perspectiva, é tudo (Hiebert 1994, 206)
- de acordo com essa
cosmovisão, justiça se baseia em oportunidades iguais. Para que haja justiça, a
batalha precisa acontecer entre dois partidos de poder similar. Em outras
palavras, o resultado precisa ser incerto. É injusto colocar o time do “Santos”
para jogar contra um time de um colégio da periferia. Ambos precisam ter acesso
aos mesmos meios para poder vencer. O lado bom não pode usar os meios maus em
primeira instância, mas se o lado mau os usa, isso também dá direito ao lado “bom”
usar esses meios para vencer. Nos filmes de bang-bang o xerife não pode sacar
primeiro. Mas quando o fora-da-lei saca primeiro ele vai matá-lo sem um
julgamento. Dentro desse contexto o lado bom se torna como os seus inimigos
usando violência, mentindo, adulterando, matando. Tudo isso é justificado pelo
desejo da vitória. Justiça e amor somente irão reinar quando alcançamos a
vitória (Hiebert 1994, 206)
- dentro dessa visão de
mundo, o território é importante. Deuses e homens lutam por governar territórios
diferentes. Os deuses inferiores controlam rios, montanhas, planícies e mares.
Os reis invocam os seus deuses para vencerem as guerras contra os inimigos e os
deuses dos seus inimigos. Se eles perderem a batalha significa que os seus
deuses perderam. Nessa cosmovisão seria inimaginável que um deus permitisse que
os inimigos fossem vencidos para trazer julgamento sobre o povo por causa do
seu pecado [como ocorre no AT com Israel]. Lealdade é muito mais importante que
justiça (Hiebert 1994, 206-7)
- pensamos que os
relacionamentos no cosmos se baseiam na competição, que a competição em si é
boa e que no final a força do “bem” vai vencer. O nosso sucesso prova que
estávamos do lado certo. Nesse contexto os soldados são uma classe muito
importante de pessoas (Hiebert 1994, 207).
d – A vitória como o alvo
- depois da vitória os
deuses podem inaugurar um reino de justiça e de paz. Justiça e relacionamentos
estão em segundo plano depois do conceito de ordem. Mas precisamos resolver
dois dilemas: Se os deuses usaram armas ilícitas (más) para vencer a batalha,
isso faz com que eles se tornassem maus também? Uma das respostas dadas no
hinduísmo e na nova era é que o bem e o mal são uma coisa só, os dois lados da
mesma moeda. No zoroastrismo, os dois lados coexistem eternamente em batalhas
cósmicas. Em ambas as perspectivas nenhuma vitória é final. O mal nunca é
totalmente derrotado. Ele logo se levanta novamente para desafiar o bem. O lado
bom precisa estar sempre alerta contra ataques futuros do mal (Hiebert 1994,
207)
- na cosmovisão
indo-européia, a batalha está no centro da história. Quando a batalha termina,
a história acaba. As palavras finais são: e eles venceram, ou eles casaram e
viveram felizes para sempre. Mas não há valor em contar o que aconteceu nesse “felizes
para sempre”. O emocionante está na batalha e por isso sempre retornamos a ela
(Hiebert 1994, 207)
- a fascinação pela batalha
pode ser vista facilmente hoje nos esportes. Depois do jogo vamos para casa
esperando o próximo jogo onde o resultado pode ser diferente. Mesmo nos cartuns
temos essa visão básica (Hiebert 1994, 207)
2 – Avaliando essa
cosmovisão (Hiebert 1994, 208)
- a Bíblia também fala de
batalha espiritual (Ef 6:10-20; Ap 19:19-20), mas essa batalha não se enquadra
dentro da visão de mundo indo-européia
a – O aspecto central da
batalha na Bíblia não é poder, mas fidelidade
- no AT tanto as vitórias de
Israel bem como as suas derrotas são atribuídas a Deus. O povo vence os
inimigos quando são fiéis a Deus e as suas leis; e são punidos por Deus
perdendo a guerra quando abandonam a Deus (Jz 4:1-2; 6:1; 1 Sam 28:17-19; 1 Rs
16:2-3; 20:28; 2 Rs 17:7-23). Em nenhuma ocasião a sua derrota é atribuída a
Deus que perdeu a batalha para outros deuses. Na verdade os profetas até dizem
que não há outros deuses que possam desafiá-lo (Is 37:19; Jer 2:11; 5:7).
Colocar qualquer outro deus em pé de igualdade com o Deus verdadeiro é
idolatria (Ex 20:4-5). A questão central não é poder, mas shalom – o
relacionamento entre Deus e seu povo. Essa perspectiva está em contraste total
com a dos povos que viviam ao redor de Israel (1 Rs 20:23). Eles atribuíam as
suas derrotas ao poder de Jeová e as suas vitórias ao poder dos seus deuses
(Hiebert 1994, 208)
b – A responsabilidade pelo
sofrimento é colocada sobre os homens
- não somos simplesmente
pessoas passivas que precisam suportar as conseqüências das lutas entre os
deuses. Somos pecadores e fazemos parte da conspiração de Satanás contra Deus
- a Bíblia dá muito pouca
ênfase à batalhas nas regiões celestes. Ela faz
questão de falar que da história dos homens e da atuação de Deus nesse mundo ???? fonte
c – A cruz e a ressurreição
são a batalha final
- em nossa visão de mundo,
Cristo deveria ter descido da cruz com suas hostes angelicais para desafiar as
pessoas. Ele deveria ter enfrentado e vencido a Satanás no deserto
- mas a Bíblia fala que a
cruz foi a derrota de Satanás. Não se trata de uma
derrota aparente que se transformou em vitória no último minuto quando Jesus
ressuscitou
d – Justiça e amor são o fim que almejamos
- nesse mundo perdido, os
mais fortes destroem os mais fracos. Competição é melhor do que cooperação e o
mais saudável para organizar uma sociedade
- mas esse não é o plano de
Deus. Reconciliação e cooperação devem ser as nossas metas
3 – Imagens Bíblicas da
Batalha Espiritual
- o bem e o mal não são
forças eternas que coexistem. Deus é bom e criou tudo como sendo bom. O mal foi
introduzido quando o bem foi pervertido. Mas toda a criação depende de Deus
para a sua existência. Um dia o mal vai acabar. A sua existência atual de
rebelião mostra a bondade e o amor de Deus
- a questão central não é o
poder. O poder absoluto de Deus nunca é questionado na Bíblia. Até o diabo e
seus anjos sabem que Deus é supremo. O mal não existe de forma independente,
mas é uma perversão do bem. É rebelião, idolatria, e auto-adoração
- o centro do evangelho é o
shalom – o relacionamento correto com Deus. Esse relacionamento com Deus envolve adoração, santidade e
obediência. A oração não é vista como uma maneira de conseguirmos de Deus o que
queremos, mas uma forma de submissão a ele
- shalom também envolve um
relacionamento correto com o nosso próximo. Isso não é um relacionamento de
poder onde os mais fortes mandam nos mais fracos, mas um relacionamento onde
vemos todas as pessoas criadas à imagem de Deus
- shalom olha para as
pessoas e não somente para projetos que queremos alcançar
- shalom acontece quando
Deus reina. Ele não reina sobre territórios específicos como os deuses pagãos.
Ele é Senhor sobre tudo. Quando Israel perde as batalhas, não significa que os
deuses inimigos se tornaram mais fortes. É Deus que está trabalhando com o seu
povo. Ele cura, mas também castiga
- a maior batalha espiritual
que acontece é para determinar a quem o ser humano vai servir. É a batalha pelo
seu coração. Satanás quer que as pessoas o sigam, e Deus quer que as pessoas o sigam
- na visão bíblica os seres
humanos não são passivos diante da batalha que se trava nas regiões celestiais.
Os seres humanos são os atores principais e as ações principais se relacionam
com eles. Eles são rebeldes contra o plano de Deus e desde Adão o principal
problema do ser humano tem sido a adoração do próprio homem – ele adora a si
mesmo, que é a essência da idolatria. Satanás luta para conseguir a sujeição e
lealdade das pessoas. Mas ele usa para isso a tentação e a sedução. Ele e os
seus demônios dominam as pessoas que se colocam debaixo de sua liderança. Para
estas pessoas a salvação envolve libertação. Jesus expulsou os demônios das
pessoas quando estava sobre a terra, mas este não era o seu ministério
principal. Não foram os demônios que mataram a Jesus, mas os homens. A rebelião
contra Deus é individual e corporativa. Como indivíduos optamos pelo pecado.
Como grupos de pessoas estabelecemos sistemas culturais que afastam as pessoas
de Cristo. Há coisas boas e ruins em cada cultura. Criamos sistemas que impedem
as pessoas de conhecerem a Cristo sob pena de perseguição e até morte (Hiebert
1994, 211-12)
- a questão com as forças
opositoras, não é vencê-las. O objetivo é a reconciliação. A questão central
não é a derrota do inimigo pela força, mas a verdade e a justiça. Deus vai
fazer justiça, mas se alegra quando o perverso muda de caminho e não pela sua
morte ou derrota. Amor e justiça andam juntas na visão de Deus. No final
aquelas pessoas que continuam se opondo a Jesus vão ser derrotadas. Mas a
questão importante é que isso nunca foi o propósito inicial de Deus. A
restauração é o propósito. Deus odeia o pecado, mas não o pecador. Ele quer a
reconciliação do pecador. Foi para isso que Jesus veio ao mundo
- infelizmente no nosso
mundo, “viveram felizes para sempre” é algo que é chato. É muito mais
interessante viver sob a ameaça de casos extraconjugais, etc. Isso é que traz
emoção ao palco. A vitória sempre precisa ser parcial porque a batalha é tão
importante para nós. Mas essa visão de mundo não é bíblica (Hiebert 1994,
212-13). Creio que grande parte da nossa ênfase sobre batalha espiritual está
alicerçada sobre uma visão errada de Deus e da Bíblia e isso nos leva a ênfases
erradas
4 – Resumindo
a – Há uma batalha sendo
travada pelo coração e almas dos seres humanos
- o foco não está na batalha
entre Deus e Satanás – essa já foi vencida
- o foco está na prontidão
de Deus de buscar de volta aquelas pessoas que estão enganadas debaixo de jugo
de Satanás. Ele as escraviza por meio de mentiras, intimidação, tentação, etc.
Ele não aparenta ser o demônio, mas um anjo de luz
b – Satanás não tem poder
sobre o povo de Deus além do que Deus permite para testar a fé dos cristãos
- mas Deus dá a força que as
pessoas precisam para resistir a essas investidas de Satanás
- as pessoas precisam lutar
para resistir a essas forças inimigas
c – Satanás e os seus
demônios podem dominar a vida de algumas pessoas, mas devemos ter pena dessas
pessoas e não temê-las
- a igreja precisa de
pessoas capacitadas para lidar com essa situação (psicólogos, pastores,
médicos, etc.)
- mas o maior perigo está
nas pessoas que de sã consciência rejeitam a autoridade de Deus sobre elas e
levam outras para o mau caminho
- idolatria e adoração a si
mesmo são o centro de nossa rebelião contra Deus e não
possessão demoníaca
d – Como cristãos deveríamos
focar no amor, reconciliação, paz e justiça
- se a nossa ênfase for
demais na guerra, tendemos a ver o nosso próximo como nosso inimigo ou competidor
- quando nos sentimos
melhores que as pessoas do mundo o diabo bate palmas
e – O evento supremo de
batalha espiritual aconteceu na cruz
- Jesus poderia ter chamado
hostes de anjos para o ajudar, mas a vitória foi alcançada de uma forma
diferente do que as pessoas pensavam
f – Devemos ter cuidado com
dois extremos: negar a realidade de Satanás e a batalha espiritual na qual
estamos engajados, e a fascinação por essa batalha a ponto de temermos a Satanás
e seus demônios
- precisamos nos ocupar mais
com Deus do que com Satanás – a vitória já foi alcançada
- agora somos mensageiros
dessa boa nova
- a
volta a uma maior ênfase na batalha espiritual é boa – no entanto, precisamos
tomar cuidado para que a nossa visão de mundo pagã não tome o lugar de uma
visão mais bíblica. Pois nesse caso ficamos mais perto de introduzir o
paganismo no cristianismo do que ter uma visão melhor dessa área
- quando a nossa ênfase está
na batalha tendemos a ver batalhas como algo positivo e esquecemos que a
batalha já foi ganha por Cristo – isso não quer dizer que não existam batalhas
no nosso dia-a-dia. Mas o veridito final já foi traçado – é só uma questão de
tempo até que tudo esteja terminado
- temos que lembrar que a
batalha original foi travada entre Deus e Satanás, mas no nível celestial essa
guerra já foi vencida decisivamente por Deus (Col 2:15; 1 Jo 3:8). Na terra a
batalha continua, mas a questão não é determinar quem vai vencer a batalha, mas
se o povo de Deus vai se apropriar da vitória vencida por eles na cruz e na
ressurreição (Warner 2000, 902)
- a batalha sobre a terra
iniciou no Éden e vai continuar até os eventos preditos em Ap 20. Satanás
lidera as forças anti-cristãs. Mesmo que ele adquiriu
alguma margem de controle depois do Éden, a soberania sobre a criação continua
com Deus. Podemos obter vitória sobre o inimigo com base na fé e obediência
quando nos submetemos a Deus (Tg 4:7) (Warner 2000, 902-3)
III – Algumas considerações
bíblicas sobre o diabo
A – Satanás no AT
- Satanás é uma figura muito
pequena no AT. Ele é mencionado diretamente apenas em 3 passagens (Jó 1-2; Zac
3:1-2; 1 Cro 21:1). Não sabemos exatamente como os escritores bíblicos viam a
Satanás, já que os escritos não nos dão muita clareza sobre isso, e o conceito
de Satanás não estava muito desenvolvido no AT. Além disso, não exerceu
influência sobre a fé de Israel ao ponto que chegaria no Judaísmo mais tardio e
no Cristianismo primitivo. Mas os fundamentos para as crenças posteriores foram
colocados no AT e a revelação que temos lá, mesmo sendo limitada e obscura é de
grande importância para entender a Satanás (Page 1995, 11)
- a forma verbal de satan
aparece somente 6 vezes no AT e o substantivo 26 vezes (Hamilton in ABD 5:986).
Ele não aparece simplesmente como inimigo, mas freqüentemente também como
aquele que acusa verbalmente (Sl 38:20; 71:13; 109:4, 20, 29; Zac 3:1). Em
diversas situações ele aparece como adversário ou acusador no sentido legal
fazendo acusações verbais (Sl 38:20; 71:13; 109:4, 20, 29), enquanto em outras,
como aquele que está sem oposição (Num 22:22, 32; 1 Sam 29:4; 2 Sam 19:23; 1 Rs
5:18; 11:14, 23, 25). Mas em Jó e talvez Zac 3:1-2 ele aparece como acusador
celestial, mas é improvável que se refira a um ser demoníaco em particular
(talvez 1 Cro 21:1 seja uma exceção) (Baloian in NIDOTEE 3:1231)
Passagens individuais
1. Gênesis 3
- essa passagem é histórica
mesmo que apresenta árvores misteriosas, serpente falando. Essa narrativa é
única entre os escritos do Oriente Antigo. Nela a serpente ocupa uma posição
secundária, já que os atores principais são as decisões tomadas por Adão e Eva.
A serpente é literalmente um animal já que é comparada com outros animais do
jardim. Por outro lado, vemos que estamos lidando com um animal diferenciado
que pode falar. Eva não parece se surpreender que o animal fala. Mas o que é
mais importante é que o animal revela conhecimento sobrenatural: ela sabe da
proibição sobre comer o fruto da árvore e dá a entender que sabe mais sobre
essa árvore do que Deus revelou aos seres humanos. Assim ele contradiz o que
Deus falou, mostrando que é inimigo de Deus e inimigo da humanidade. No
Judaísmo temos uma referência em Sabedoria de Salomão (séc. II-1 AC) onde se
faz alusão que a serpente seria uma encarnação de Satanás. Isso estaria de
acordo com algumas outras referencias do NT que falam que Satanás é homicida
desde o início e o pai da mentira (Jo 8:44). Em Ap 12:9 e 20:2, a “antiga
serpente” é identificada com Satanás. Além disso, no Judaísmo pós-bíblico e diversos
pais da igreja viam a serpente da mesma forma (Page 1995, 12-14)
- por outro lado, diversos
estudiosos descartam essa visão que Satanás agiu através da serpente porque
Satanás não é mencionado nessa narrativa. A serpente é comparada com outros
animais (3:1; 3:14). Além disso, a doutrina sobre Satanás somente se espalha no
período mais tardio do Judaísmo, o que implica que o autor não tinha em mente
que a serpente era usada por Satanás (Page 1995, 15-16)
- creio que devemos ver uma
continuidade entre essas visões e não um contraste exagerado. Não devemos ler
uma doutrina elaborada do Judaísmo tardio e do NT para dentro do relato de
Gênesis 3, mas saber que para o autor a tentação da serpente indicava algo mais
do que uma tentação vinda de um animal (Page 1995, 16). Assim, não sabemos o
que o autor tinha em mente com relação à serpente e sua eventual ligação com
Satanás quando narra essa história. Mas algumas coisas nos chamam a atenção: a
serpente se opõe a Deus e aos propósitos bondosos de Deus para com a
humanidade; a esperteza da serpente e criatividade como meio de tentação; a
hostilidade que existe entre a serpente e a humanidade por causa da maldição
que caiu sobre ela; a noção que a serpente é a cabeça de uma comunidade de
pessoas com a mesma mentalidade que são uma ameaça constante para a humanidade.
Mas cabe lembrar que a serpente como está nesse relato não ameaça a soberania
de Deus sobre a criação. Ele não é colocado de igual para igual com Deus. Adão
e Eva são responsabilizados pelos seus pecados (Page 1995, 23)
2. Jó 1-2
- a palavra satan vem do AT
onde designa adversário ou oponente. Em muitas situações do AT se trata de um
adversário humano. Em algumas outras situações tem a conotação de um acusador,
ou advogado da promotoria em situações legais. Somente em 3 passagens (Jó 1-2;
Zac 3:1-2; 1 Cro 21:1) ele se refere a um ser celestial de onde se originou a
concepção judia e cristã de Satanás (Page 1995, 23-24)
- o termo satan aparece em
Jó 1:6-9, 12; 2;1-4, 6-7. Em todas elas aparece como
sendo “o Satanás”, descrevendo a sua função e não um nome propriamente dito.
Somente mais tarde ele vai aparecer como arquiinimigo de Deus. Parece que em
Jó, o autor considera que Satanás é um indivíduo que os seus leitores conhecem
já que não tenta explicar quem seja. Os estudiosos não chegam a uma conclusão
segura sobre a concepção de Satanás que temos em Jó. Devemos ter cuidado para
não ler concepções do NT para dentro do livro de Jó (Page 1995, 24-25)
- olhando mais de perto os
episódios onde Satanás aparece vemos que ele se apresenta juntamente com outros
seres celestiais diante de Yahweh, num conselho divino. São seres subordinados
a Deus que cumprem as suas ordens. Satanás acompanha os anjos (filhos de Deus)
quando estes se apresentam diante de Yahweh. Não sabemos qual a sua função, mas
está junto com estes seres, o que sugere que ele é um deles, sujeito a Yahweh
Em ambas as situações Yahweh pergunta onde Satanás esteve e este admite que
estava perambulando e andando pela terra (Jó 1:6). Isso possivelmente se refere
a exercício de algumas funções dadas por Deus. Parece que ele está descobrindo
os erros dos humanos. Não sabemos se ele faz isso com uma intenção ruim (Page
1995, 25-26)
- é interessante que é
Yahweh que chama a atenção de Satanás sobre Jó e não o contrário. Isso mostra
que Deus está no controle. Aparentemente Satanás não descobriu nem um problema
no comportamento de Jó, mas questiona a sua motivação – motivada pelo interesse
pessoal. Há tensão entre Deus e Satanás, mas ainda não transparece necessariamente
que são inimigos. Satanás desafia a Deus dizendo que se os benefícios forem
tirados de Jó ele vai abandonar a Deus. Assim vemos que Satanás reconhece que o
destino de Jó está nas mãos de Deus e que Satanás não tem poder de fazer
qualquer coisa à parte da vontade de Deus. Deus permite que Satanás teste a Jó,
mas limita a sua atuação, o que pode indicar que ele pode se perder em sua
tarefa se os limites não forem claramente delineados. Isso mostra a
subordinação de Satanás a Yahweh. Satanás ataca com rapidez deixando a
impressão de que ele é inimigo de Deus. Mas Jó não sabe dessa batalha entre
Deus e Satanás (Page 1995, 25-28)
- no 2º. encontro
Yahweh vez toma a iniciativa de conversar com Jó. É interessante que Satanás
não toma a iniciativa de dizer a Deus que Jó permaneceu fiel. Parece até que
ele reluta em admitir que estava errado. Assim propõe um 2º. teste:
ele vai amaldiçoar a Deus se sua saúde for tirada. Aqui temos a figura de um
agente sinistro, e não um que fielmente executa as ordens de Deus. Outra vez
Deus dá a permissão para Satanás, mas com limitações, enfatizando que ele
somente pode agir com a permissão de Deus. No 1º. relato
inferimos que foi a ação de Satanás causando catástrofes sobre Jó. No 2º. episódio isso é claramente dito: “Saiu, pois, Satanás da presença do Senhor e afligiu Jó com feridas
terríveis, da sola dos pés ao alto da cabeça” (2:7). Essa é a última
referência a Satanás no livro de Jó (Page 1995, 28-29)
- vemos que Satanás traz
acusações contra Jó, o aflige tentando quebrar a sua relação com Deus. Satanás
está debaixo da autoridade de Deus, sendo assim servo dele, mas também é o seu
adversário. Não sabemos como o autor via Satanás. Pode ser que o via como anjo caído, mas isso não aparece claramente. No
entanto, a base para o desenvolvimento posterior dessa doutrina se encontra
aqui. No livro de Jó, Satanás é uma figura de menos importância, já que somente
aparece no início de depois some da narrativa. Ele não aparece nas longas
conversas entre Jó e seus amigos sobre a origem dos problemas que Jó estava
enfrentando. Nem Deus se refere a ele no epilogo do livro. Há pelo menos 3
características que reaparecem no NT que vemos aqui: Satanás perambulando na
terra (1 Pe 5:8); a descrição de Satanás como acusador dos cristãos (Ap 12:10);
o desejo de Satanás de peneirar a Pedro (Lc 22:31) como alguém que quer testar
a lealdade de Jó para com Deus (Page 1995, 29-30)
- interessante é notar que
Deus faz alusão à dimensão cósmica atrás do sofrimento de Jó, mas este nunca
fica sabendo disso. Mesmo que as dificuldades que Jó enfrenta estão ligadas
diretamente com forças do mal, Jó precisa lidar somente com Deus sobre estas
questões, e não com as forças do mal. Isso mostra que devemos nos aproximar de
Deus para tratar dos problemas que enfrentamos e não os poderes cósmicos que
podem estar por trás deles. Deus vai lidar com essas forças (Hartley in NIDOTEE
4:791). Não sabemos os planos de Deus por trás de dificuldades que enfrentamos.
Podemos e devemos nos aproximar de Deus nestas situações buscando a sua
vontade, ao invés de determinar o que Deus deve fazer
3. Zacarias 3:1-2
“1 Depois disso ele me mostrou o sumo sacerdote Josué diante do anjo do
SENHOR, e Satanás, à sua direita, para acusá-lo. 2 O anjo do SENHOR disse a
Satanás: ‘O SENHOR o repreenda, Satanás! O SENHOR que escolheu Jerusalém o
repreenda! Este homem não parece um tição tirado do fogo?’ ”
4. 1 Cro 21:1
“Satanás levantou-se contra Israel e levou Davi a fazer um recenseamento
do povo”
- nessa passagem Satanás
aparece como um nome (comparado com um substantivo em Jó 1:6; 2:2; Zac 3:1-2).
A mudança de 2 Sam 24:1 para essa passagem atribui o mal a Satanás (um membro
do conselho celestial) ao invés de atribui-lo a Deus.
Alguns interpretam essa mudança com base no fato de que na época em que
Crônicas foi escrito, Satanás já era visto como um inimigo
pessoal, cujo propósito era frustrar as ações de Deus. Outros vêem que
Satanás, também aqui não é visto como uma força totalmente independente que se
opõe e Deus. Ele opera debaixo do controle divino para realizar os propósitos
de Deus (Wakely in NIDOTEE 3:169). A literatura mais tardia, tal como Crônicas
introduz o conceito de uma causa secundária em sua explicação do mal (Hamilton
in ABD 5:987)
B – Satanás no Judaísmo do
2º. templo
- o desenvolvimento da
doutrina de um líder das forças do mal não se encontra no AT, mas se
desenvolveu nos livros apócrifos e pseudepígrafos. No entanto, há uma alusão a
um caráter demoníaco em Gen 3; 6:1-4; Is 14:12; Os 4:12; 5:4; Zac 13:2. Pode
ser que a influência da mitologia pagã teve papel no desenvolvimento dessa
doutrina. Mas em grande parte essa doutrina fica suprimida quando temos um
monoteísmo que atribui tudo à soberania de Deus: “5 Eu sou o Senhor, e não há nenhum outro; além de mim não há Deus. .... Eu sou o Senhor, e não há nenhum outro. 7 Eu formo a
luz e crio as trevas, promovo a paz e causo a desgraça; eu, o Senhor, faço
todas essas coisas” (Is 45:5-7). Um satanás não é visto como sendo a origem
ou causa do mal no AT (Baloian in NIDOTEE 3:1231)
- temos muito mais
referências sobre Satanás o a esfera demoníaca nos escritos apócrifos e
pseudepígrafos do que no AT. Agora o mundo não é mais o palco onde somente Deus
atua, mas o palco onde as forças do bem e do mal se confrontam. Não sabemos em
que nível foi influenciado por mitologias de outras nações (Hamilton in ABD
5:988). Mesmo que haja elementos parecidos, também existem diferenças com a
mitologia, principalmente o fato que Satanás é subordinado a Deus (Jó 1-2); que
a sua acusação contra os cristãos no tribunal divino é exclusivo no AT; o livro
de Jó pode ter sido escrito antes do cativeiro babilônio, ao menos a tradição
oral circulava bem antes disso. Assim vemos que pode ter havido influência
babilônica, eventualmente do zoroastrismo, mas certamente não a originou
(Oropeza 2000, 98)
- no Judaísmo tardio temos
um ser demoníaco personalizado. Sabedoria 2:4 identifica a serpente no jardim
com Satanás, interpretação essa seguida por Ap 12;1;
20:2. Esse desenvolvimento não se encontra no AT, mas também não o contraria,
nem a necessidades dos humanos de escolher entre o bem e o mal (Baloian in
NIDOTEE 3:1231-32). A literatura apocalíptica do período do AT vê cada vez mais
um mundo dualista com forças de bem e do mal. As forças do mal reinam nesse
era, mas na era vindoura Deus vai reinar. Mas mesmo dentro de toda essa
perspectiva Deus permanece no controle de tudo. Assim devemos falar mais sobre
um dualismo aparente do que um dualismo real. A literatura apocalíptica nunca
abandona a justiça e a soberania de Deus (Dumbrell in NIDOTEE 4:397)
C – Satanás no NT
- o NT se refere a Satanás
por nome 35 vezes e chama Satanás de diabo 32 vezes. Apesar de um
desenvolvimento considerável da teologia sobre Satanás no NT fica claro que ele
é um ser limitado
a. A intercessão de Jesus
interrompe os desígnios de Satanás com Pedro (Lc 22:32)
b. Ele é um ser caído (Lc
10:18)
c. Ele está julgado (Jo 16:11)
d. Seu poder sobre a vida de
uma pessoa pode ser quebrado (At 26:18)
e. Deus pode usar Satanás para
castigar um crente apóstata (1 Co 5;5; 1 Tim 1:20)
f.
Suas tentações, mesmo que potentes, podem ser vencidas e seus
artifícios expostos (Mt 4:1-11)
g. Ele pode ser resistido da
mesma forma que Jesus o resistiu (Ef 4:27; Tg 4:7; 1 Pe 5:8-9)
h. O NT nunca se refere a ele
como sendo simplesmente principe/governante (ho archon) mas
como príncipe dos demônios (Mt 9:34) ou príncipe do mundo (Jo 12:31)
i.
De acordo com a vontade de Deus ele é amarrado (Ap 20:2), solto (Ap
20:7) e incinerado (Ap 20:10) (Hamilton in ABD 5:988-89)
B – Origem de Satanás e dos
demônios
- “A obra criativa de Deus
não está limitada ao universo físico, observável, mas estende-se à criação de
um mundo espiritual (Sl 148:2-5; Cl 1:16)” (Milne 1987, 80). Estes seres são
chamados de anjos, demônios, querubins, serafins, etc.
- aparentemente são seres
criados que se revoltaram contra Deus
- não sabemos a origem da
queda dos anjos maus. Ao que tudo indica não foram criados maus já que tudo o
que Deus fez era bom. 2 Pe 2:4 e Jd 6 nos informam que os anjos pecaram. Logo
parecem ser seres criados. Parece que puderem decidir, pois caíram dos seus
postos (2 Pe 2:4; Jd 6). Não sabemos se eles têm poder em si mesmos ou se
somente agem em nome de alguém que tenha poder
- não sabemos se existem
dois tipos de anjos maus (em prisão e soltos) ou se todos estão presos (com uma
liberdade limitada). A sua queda deve ter sido entre a criação e a queda do
homem (Erickson 1996, 447-48)
- Jud 6 – “E aos anjos . . .
ele os tem guardado em trevas, presos com correntes eternas para o juízo do
grande Dia”
- 2 Pe 2:4 – “Deus não poupou os anjos que pecaram,
lançou-os no inferno (tártaro), colocando-os em abismo tenebrosos a fim de
serem reservados para o juízo”. Tártaro aqui não significa o inferno/lago
de fogo que virá mais tarde. Provavelmente se refere a uma limitação de sua
esfera de influência que Deus lhes impôs como resultado de sua queda (Moo 1996,
103)
- esses anjos mencionados
são os que pecaram e estão esperando o julgamento final. Na verdade parte do
julgamento já veio e o seu futuro está selado
- será que existem duas
categorias de demônios, aqueles que estão presos e os que estão soltos sobre a
terra? Pode ser que essas correntes eternas que os prendem seria uma referência
à sua derrota com a obra de Cristo. A influência de todos os anjos caídos está
limitada debaixo da soberania de Deus
- assim como não sabemos a
origem dos demônios também não sabemos a origem de Satanás. Essa palavra vem do
hebraico e quer dizer adversário. Comumente se fala da queda de Satanás como
descrita em Is 14:12-15 e Ez 28:12-15. Alguns pais da igreja fizeram uma
conexão entre esse texto e Lc 10:18 e Ap 12:8-9 para fazerem esta afirmação.
Ambos são ofícios fúnebres lamentando a morte de um rei pagão. Ambos descrevem
o rei se orgulhando acima do que era correto e por isso sofreu as conseqüências.
Ambas as passagens estão cheias de sarcasmo onde a morte do tirano é bem-vinda
(Page 1995, 37-38)
1 – Is 14:12-15 “12 Como você caiu dos céus, ó estrela da
manhã, filho da alvorada! Como foi atirado à terra,
você, que derrubava as nações! 13 Você, que dizia no seu coração: “Subirei aos
céus; erguerei o meu trono acima das estrelas de Deus; eu me assentarei no
monte da assembléia, no ponto mais elevado do monte santo. 14 Subirei mais alto
que as mais altas nuvens; serei como o Altíssimo”. 15
Mas às profundezas do Sheol você será levado, irá ao fundo do abismo!”
- o texto acima aparece em
um texto direcionado como escárnio contra o rei da Babilônia: “3 No dia em que o Senhor lhe der descanso do
sofrimento, da perturbação e da cruel escravidão que sobre você foi imposta, 4
você zombará assim do rei da Babilônia: Como chegou ao fim o opressor! Sua
arrogância acabou-se!” (Is 14:3-4). Não sabemos se o escárnio foi
endereçado diretamente a um rei especifico da Babilônia ou aos monarcas da
Babilônia como um todo. Mas o que fica claro é que temos uma celebração da
queda de um poder humano que se opõe aos humanos e os oprime. O texto inicia
dizendo: “Como você caiu dos céus, ó
estrela da manhã, filho da alvorada!”. Depois temos o desejo do monarca de
se tornar como Deus e sua queda e humilhação. Mesmo que a linguagem usada para
o rei é metafórica, não sabemos ao que ele está sendo comparado (Page 1995,
38). Se o autor quisesse que soubéssemos a que rei se refere teria no dito. A
descrição é o padrão para os governantes autoritários e arbitrários dos
impérios antigos. A questão não é de mostrar como Deus lidou com ele, mas de
perceber os princípios do governo divino na história. Os reis humanos têm
poder, mas precisam responder por ele diante de Deus (Motyer 1999, 118). Oswalt
acha que não existe nenhuma história mitológica que possa ser o protótipo desse
evento. Existem muitas histórias, mas todas se referem a deuses desafiando um
outro deus e nenhuma delas a um rei humano como temos aqui (Oswalt 1986, 321).
Mas essa descrição é de um rei humano como já afirmaram os grandes reformadores
(Oswalt 1986, 320
- a alusão a Satanás como
sendo a estrela da manhã já pode ser encontrada em Tertuliano (160-220 AD), ou
até antes dele. Mesmo que os reformadores discordassem dessa interpretação, ela
tem muitos adeptos (Chafer, Unger, Green). É deste texto que surge a palavra
Lúcifer para Satanás, como a tradução do termo estrela da manhã para o latim na
Vulgata. Mesmo que essa interpretação tem suporte em diversos ambientes, ela
não é provável. Possivelmente o texto fala do final da tirania do rei da
Babilônia e uma alusão à queda de Satanás não é uma alusão muito correta.
Chafer parece até que viu isso e a interpretou como sendo uma descrição do
julgamento final de Satanás. Além disso, uma alusão a Satanás
não faz muito sentido dentro do contexto de Isaías. Toda a revelação
sobre Satanás é muito limitada no AT e aparece num período mais tardio. É muito
difícil imaginar que os leitores de Isaías iriam entender qualquer alusão a
Satanás na época em que escreveu. É possível que Isaías tenha usado algum
resquício de um mito sobre o surgimento de Vênus (a estrela da manhã), que está
no céu bem cedo de manhã, mas some rapidamente quando o sol começa a brilhar.
Mesmo que isso seja uma possibilidade, isso não quer dizer que Isaías está
concordando com essa mitologia (Page 1995, 38-39). Motyer acha que esse texto
faz alusão ao mito cananeu de Hela/Ishtar que tentou
um golpe de estado contra as hostes celestiais mas não foi bem sucedido. Temos
uma alusão aqui a esta mitologia sem atribuir realidade aos personagens (Motyer
1999, 120)
2 – Ez 28:12-19 “12 “Filho do homem,
erga um lamento a respeito do rei de Tiro e diga-lhe: Assim diz o Soberano, o
SENHOR: “Você era o modelo da perfeição, cheio de sabedoria e de perfeita
beleza. 13 Você estava no Éden, no jardim de Deus; todas as pedras preciosas o
enfeitavam: sárdio, topázio e diamante, berilo, ônix e jaspe, safira,
carbúnculo e esmeralda. Seus engastes e guarnições eram feitos de ouro; tudo
foi preparado no dia em que você foi criado. 14 Você foi ungido como um
querubim guardião, pois para isso eu o designei. Você estava no monte santo de
Deus e caminhava entre as pedras fulgurantes. 15 Você era inculpável em seus
caminhos desde o dia em que foi criado até que se achou maldade em você. 16 Por
meio do seu amplo comércio, você encheu-se de violência e pecou. Por isso eu o
lancei, humilhado, para longe do monte de Deus, e o expulsei, ó querubim
guardião, do meio das pedras fulgurantes. 17 Seu coração tornou-se orgulhoso
por causa da sua beleza, e você corrompeu a sua sabedoria por causa do seu
esplendor. Por isso eu o atirei à terra; fiz de você um espetáculo para os
reis. 18 Por meio dos seus muitos pecados e do seu comércio desonesto você profanou
os seus santuários. Por isso fiz sair de você um fogo, que o consumiu, e reduzi
você a cinzas no chão, à vista de todos os que estavam observando. 19 Todas as
nações que o conheciam espantaram-se ao vê-lo; chegou o seu terrível fim, você
não mais existirá”.”
- da mesma forma como Is 14,
esse texto é um lamento de desprezo sobre um monarca pagão orgulhoso que caiu.
Esse texto aparece na conclusão de uma série de profecias contra Tiro (Ez
26:1-28:19), numa seção do livro que está relatando o julgamento sobre as
nações (Ez 25-32). O texto acima é precedido no início do cap.28 por um oráculo
severo contra o rei. A situação histórica é a conquista de Tiro por
Nabucodonosor entre 587-574 AC. Nessa época o rei de Tiro era Ithobaal II. Não
sabemos se o texto se refere diretamente a ele ou a ele como representante de
Tiro (Page 1995, 39-40)
- o texto acima retrata o
rei de Tiro como um habitante do Éden, como alguém caracterizado por uma beleza
excepcional e pureza, mas expulso do jardim por causa do seu pecado. Alguns têm
visto aqui a queda de Satanás. Essa visão adotada por alguns pais da igreja tem
sido defendida pelas mesmas pessoas que defendem Is 14 como alusão a Satanás.
Esse texto é um dos mais difíceis do livro de Ezequiel, já que existem
variantes textuais e lingüisticas e incertezas em diversos pontos. Não sabemos
se o rei (melek) de Tiro no v.12 é o
mesmo que o governador (nagid) de
Tiro no v.2; não sabemos se o rei de Tiro deve ser identificado com o “querubim
guardião” cuja presença no jardim é mencionada no v.14. Aqueles que vêem uma
alusão a Satanás nesse texto enxergam o uso da palavra “rei” ao invés de
“governador” no v.12 como alusão que 28:12-19 se referem ao poder sobrenatural
atrás do governador humano. Freqüentemente o rei é identificado como o
“querubim guardião” no v.14, assim fazendo alusão à queda de um anjo (Page
1995, 40)
- mas não temos certeza que
a alusão a “rei” e “governador” apontam para direções diferentes. É mais fácil
entender ambos como sinônimos. Existe muita similaridade entre 28:1-10 e
28:11-19. Logo é mais fácil vê-los como sinônimos sem violar o contexto. Além
disso, em outros textos de Ezequiel “rei” é usado para governadores humanos (Ez
17:12; 29:2-3). Sobre a relação entre o rei e o querubim em 28:14 o texto
hebraico que temos dá suporte a uma equivalência. Mas a
maioria dos estudiosos modernos favorecem uma revocalização do texto que
nos traria uma tradução: “Você foi ungido
com um [ao invés de como um] querubim guardião, pois para isso eu
o designei”. É essa a tradução que se encontra na LXX e muitos a adotam
(Page 1995, 41)
- o rei é condenado pelo comercio desonesto e a
profanação de santuários (28:18). É difícil ver nisso uma alusão a Satanás.
Além disso, temos um problema histórico que já mencionamos na alusão a Satanás
nessa data tão antiga. É improvável que alguém visse nesse texto uma alusão a
Satanás naquela época (Page 1995, 41)
- mas se esse texto não é
uma alusão a Satanás, como deve ser visto? Possivelmente está comparando o rei
de Tiro ao primeiro habitante do Éden. Ele pode ter se enxergado como uma
personificação do primeiro homem em sua arrogância. Há diferenças entre os
relatos o que poderia implicar que Ezequiel uniu elementos de Gênesis e da
mitologia. Assim como Adão o rei enfrenta o julgamento de Deus por se rebelar
contra o Criador (Page 1995, 41-42)
- durante o período do 2º. templo desenvolveu-se a idéia que esse texto era baseado na
queda angelical associada com a queda da humanidade. Desde o tempo de Orígenes
muitos cristãos conservadores equacionaram o rei de Tiro a Lúcifer (Satanás)
(Chafer, Unger, Pentecost, Carlson, Green, Lockyer). Mas aqueles que olham esse
texto de modo histórico rejeitam essa interpretação. O AT não dá muita
importância aos demônios e a Satanás (Block 1998, 118-19)
- a partir da Reforma, a
interpretação dessas passagens como atribuição a Satanás caiu consideravelmente
(Oswalt 1986, 320; Page 1995, 38-39; contra Grudem 1999, 336). Satanás poderia
ser alguém parecido com o rei de Tiro, mas temos que ter cuidado em fazer essa
ligação pois não temos certeza
C – Como a Bíblia descreve o
nosso adversário
- Satanás é descrito como o
príncipe dos demônios. Ele tem muitos nomes: adversário (1 Pe 5:8); tentador
(Mt 4:3); Belzebu (Mt 12:24); maligno (Mt 13:19); enganador (Ap 12:9); pai da
mentira (Jo 8:44); assassino (Jo 8:44); etc. Ele se disfarça de anjo de luz (2
Co 11:14) para levar as pessoas a segui-lo. Seu poder, no entanto, está
limitado.
- Jo 12:31; 14:30; 16:11 –
príncipe deste mundo
- Mt 4:8, 9; Luc 4:6, 7 – na
tentação de Jesus o diabo dá a entender que é o senhor sobre todos os reinos do
mundo e que tenha recebido essa autoridade. Luc 4:6 - “dar-te-ei toda esta autoridade e a glória deste reino, porque ela me
foi entregue e a dou a quem eu quiser”.
- 2 Co 4:4 – o deus deste século.
- Ef 2:2; 6:12 – príncipe da
potestade do ar, dominadores desse mundo tenebrosos, principados e potestades
- alguns autores crêem que o
diabo tem o direito legal sobre esse mundo. Alguns argumentam que por causa do
pecado de Adão e Eva os humanos estão legalmente ligados com o diabo e Deus
precisa acertar as contas com o diabo para resgatar essas vidas. Outro
argumento é que Jesus não argumenta com o diabo de que os reinos não seriam
posse dele.
- por outro lado Jo 8:44
fala que o diabo é o pai da mentira. Assim sendo o que ele pode ter oferecido
para Jesus era uma mistura de verdade e mentira (Bock 1994, 376). De fato o
diabo tem certa influência sobre a terra levando as pessoas a se rebelarem
contra Deus, mas o fato de que ele possui toda autoridade sobre a terra vai
contra a soberania de Deus (Page 1995, 98). Mt 28:18 fala que toda a autoridade
foi dada a Jesus. Então a autoridade não pode pertencer a dois opostos.
- outro ponto é que a Bíblia
nunca menciona que Deus e o diabo estão numa batalha de igual pra igual. O
diabo está derrotado e ainda tenta lutar contra Deus e o seu povo. Mas o
destino dele está selado.
- uma das questões
complicadas é lidar com quem é o dono da terra. Será que quando o homem pecou ele selou um pacto com o diabo? Será que o diabo tem
direito legal sobre a vida das pessoas? Sl 24:1 – a terra e tudo o que nela há
pertence ao Senhor. Apesar de que o homem pecou e abandonou a Deus, a terra
continuou pertencendo a Deus. Nem o homem, nem o diabo
consegue impedir os planos de Deus. Mas será que as pessoas se venderam
para o diabo através do pecado e Deus precisa pagar essa dívida? Deus estava
devendo essa dívida para o diabo ou para as suas próprias leis?
- o NT fala que Cristo deu a
sua vida como resgate pelos pecadores (Mc 10:45; 1 Tm 2:6). A palavra resgate sugere 3 idéias:
i. Libertação. O resgate vai
trazer a libertação de uma pessoa que está em cativeiro. Quando alguém é
seqüestrado se exige um resgate e este leva a pessoa a ser liberta.
ii. Pagamento. O resgate é uma
soma em dinheiro que é paga para conseguir a libertação de um indivíduo.
iii.
Alguém a quem o resgate é pago. Normalmente o pagamento é feito para o
seqüestrador ou um intermediário (McGrath 2000, 163)
Logicamente estas 3 idéias parecem implícitas quando
falamos da morte de Jesus como resgate pelos pecadores. Mas será que estão
todas presentes nas Escrituras? Não há dúvida que fomos libertados do cativeiro
pela morte e ressurreição de Jesus. Fomos libertos da escravidão ao pecado e do
medo da morte (Rom 8:21; Hb 2:15). O NT também deixa
claro que a morte de Jesus era o preço a ser pago para a nossa libertação (1 Co
6:20; 7:23). A nossa libertação foi custosa. Nesses 2 aspectos ela é muito
similar a nossa maneira de enxergar a redenção. Mas as Escrituras não falam que
esse preço foi pago para alguém (como o diabo) pela nossa libertação. Por
séculos as pessoas forçaram essa analogia até um ponto extremo não ensinado
pelas Escrituras (ver McGrath 2000, 395-401). Será
que essa analogia é legítima? Como podemos nos certificar que isso é correto? A
Bíblia não nos apresenta uma única analogia sobre a salvação, mas muitas. Cada
uma delas ilustra alguns elementos da salvação. Essas analogias precisam
interagir uma com a outra. Nenhuma pode ser vista como completa por si só. Mas
quando as juntamos podemos entender melhor a Deus e a salvação. Um exemplo de
como isso funciona seria olhar as analogias de rei, pai e pastor. Todas elas contém a idéia de autoridade, enfatizando que
esse aspecto é fundamental para nosso entendimento sobre Deus. Mas reis muitas
vezes agem de forma arbitrária e sem levar em conta o interesse de seus
súditos. A analogia de Deus como rei pode levar a pensar em Deus como um
tirano. Mas quando lemos que ele tem compaixão com os seus filhos (Sl 103:13-18) e a dedicação de um pastor divino para com o
bem-estar do seu rebanho (Jo 10:11) vemos que esta
não é a intenção da Bíblia. O que ela quer dizer é autoridade exercida de
maneira mansa e sábia. Assim vemos que através da analogia podemos ver a Deus
como sendo acima de nosso mundo bem como em e através do mundo. Deus não é um
objeto ou uma pessoa presa no tempo e no espaço, mas as pessoas e objetos podem
nos ajudar a entender melhor a Deus (McGrath 2000,
164-65)
-
Col 2:14 “... tendo cancelado o escrito de dívida, que era contra nós e que
constava de ordenanças, o qual nos era prejudicial, removeu-o inteiramente
encravando-o na cruz”. Apesar de que alguns vêem aqui a nossa dívida com o
diabo o mais provável é que a dívida é com Deus mesmo (O’Brien 1982, 124-25).
Que direito legal o diabo poderia ter de acordo com as leis de Deus já que faz as coisas somente por interesse próprio? Ele mente, oferece
coisas que não pode cumprir, mata, etc. O diabo nunca é apresentado na Bíblia
como sendo a pessoa a quem Deus teve que pagar a dívida pelo nosso pecado.
- 2 Co 4:4 nos fala que o
diabo é o deus desse século. A idéia aqui é que pessoas fazem do diabo o seu
deus (Page 1995, 184). Os judeus criam que o diabo reinava sobre a terra, mas
estava sujeito à orientação de Deus (Martin 1991, 78). Em Jo 12:30-31 Jesus diz
que o príncipe desse mundo vai ser julgado. Isso acontece quando Jesus é
crucificado.
- mesmo durante o tempo de
Jesus, os seus exorcismos não mostram um confronto real, já que os demônios não
conseguem armar resistência contra ele.
C –
Principados e Potestades
- no passado as palavras
usadas por Paulo para descrever os poderes do mal foram vistas única e
exclusivamente como forças sobrenaturais. Com o iluminismo + demitologização a
tendência caminhou para o outro lado e as forças, poderes, etc., foram vistas
única e exclusivamente como reinados humanos e a força demoníaca atrás das
instituições humanas que promovem o mal
- Bultmann com a sua linha
da demitologização exerceu grande influência sobre a teologia no mundo todo. Para
ele a crença em milagres e demônios estava condicionada à cultura da época, e,
portanto, o homem moderno não precisava mais dessa muleta. A idéia é que a
crença em demônios teria a sua origem na mitologia da Pérsia. Na Pérsia a
mitologia apresenta um dualismo entre Deus e o diabo. O diabo e seus anjos são
uma força independente que se opõe a Deus. Esse conceito não está de acordo com
a Bíblia já que o diabo não opera totalmente independente com relação a Deus.
Ele foi criado por Deus e está debaixo de sua autoridade, mesmo que com o
pecado a sua constituição original foi distorcida (Erickson 1996, 446)
- uma
outra linha forte no presente está ligado com a despersonalização dos demônios.
O mal não pode ser ignorado, ele é real e está presente no mundo todo. No
entanto, como não se crê na origem do mal como vindo de uma pessoa, atribui-se
o mal a estruturas e sistemas sociais demoníacos (Erickson 1996, 446). Wink
entende que quando Paulo se refere a principados, potestades, dominadores,
etc., ele está se referindo a sistemas e estruturas que perpetuam o mal na
sociedade. Na verdade essas palavras são usadas para pessoas sobre a terra que estão imbuídas de poder, como também para forças
demoníacas. Baseado nesse fato, Wink argumenta que os dois significados estão
presentes sempre quando lemos estas palavras (ex. Jo 12:31 – archon = Satanás; Jo 12:42 – archon = autoridades judaicas) (Arnold
1992b, 47-51). Arnold se opõe à idéia de Wink dizendo que o fato de que a
palavra tem mais de um significado não significa que necessariamente esta
palavra tem 2 ou mais significados ao mesmo tempo. O contexto vai nos mostrar
qual o significado da palavra.
- havia a crença em Satanás,
demônios, etc., na época de Paulo. As pessoas entendiam que estes eram seres
reais que influenciavam a vida sobre a terra. Wink continua dizendo que Paulo
teria demitologizado toda a questão dos principados, sabendo que esses poderes
não se referem a demônios, mas às estruturas sociais inclinadas para o mal.
Wink procura achar o meio termo entre a teologia da libertação (que vê os
demônios somente nas estruturas sociais) e a teologia tradicional (que tem
visto os demônios como seres sobrenaturais). Esse meio termo seria crer que os
principados e potestades não são seres angélicos, mas são espíritos internos,
ou forças internas que dão vida, legitimam, e vão regular as manifestações
físicas no mundo. Esses ‘espíritos’ na verdade são a espiritualidade das
instituições, sistemas e estruturas humanas (Arnold 1992a, 199).
- Wink reconhece que as
pessoas criam em demônios como seres vivos, mas que os iluminados como Paulo
sabiam que isso era a crença deles e partiu para tirar esse mito da cabeça
deles. Arnold não concorda com ele, já que as pessoas tinham conceitos claros
sobre os demônios e não faria sentido se Paulo escreve para eles usando o
vocabulário deles, mas trabalhasse com outra visão de mundo (demônios são
mitológicos) (Arnold 1992b, 49-51). Não podemos negar que as estruturas sociais
são de fato demoníacas. As pessoas que as elaboraram foram influenciadas pelos
demônios que se opõem a tudo quanto é justo e bom para o ser humano. Creio, no
entanto, que a influência vem via as pessoas que se deixam levar por sua
natureza dominada pelo pecado e se abrem para a influência de demônios quando
elaboram essas estruturas. É claro que se o diabo consegue uma influência
significativa sobre pessoas influentes desse mundo ele pode criar sistemas
corruptos que vão levar o terror e a destruição a todo o mundo através dessas
pessoas (Arnold 1992a, 202). As estruturas são demoníacas porque são
controladas por pessoas que são ruins em si mesmas. No entanto, as estruturas
não são demoníacas por si só. Como uma luva não tem vida em si mesma, as
estruturas não podem criar o mal se não existem pessoas para colocar essas
estruturas em prática (Arnold 1992a, 204)
- Wink argumenta que a
demitologização dos demônios acontece quando Paulo enfatiza conceitos abstratos
como o pecado, a lei, carne e sangue ao invés de demônios em algumas de suas
cartas. Mas Paulo fala de seres reais que causavam o terror sobre as pessoas e
danos às pessoas (Arnold 1992a, 199). Ver os demônios como seres vivos pessoais
está muito mais próximo da visão de mundo do apóstolo Paulo e da Bíblia.
- Arnold argumenta que esse
vocabulário vem mais do Judaísmo, mas também com certa influência grega onde se
referem a poderes sobrenaturais. Esses termos também eram usados para designar
reinados humanos sobre as nações já que se cria que as estruturas no céu eram
similares às estruturas políticas na terra (Arnold 1992a, 90)
- no mundo da época as
pessoas pensavam que existiam bons e maus espíritos. Era útil saber o nome dos
bons espíritos para proteger contra os espíritos maus (Arnold 1992a, 92-93).
Paulo argumenta que existe somente uma cabeça dos maus espíritos, Satanás que comanda as suas forças. Todos os espíritos invocados nos
rituais mágicos eram maus e demoníacos (Arnold 1992a, 93). O inimigo tem grande
poder sobre o mundo de hoje, mas esse poder não é absoluto, mas também não deve
ser menosprezado como insignificante
- pessoalmente creio que
Arnold está certo no que refere aos principados e potestades. Essas palavras se
referem a poderes sobrenaturais. No entanto, não podemos negar que existe o mal
sistêmico, estruturas demoníacas as quais também lutam contra os planos de
Deus. Estruturas erradas podem promover o mal sobre a terra já que todos os que
atuam precisam trabalhar de acordo com essas estruturas. Além
disso as estruturas podem se tornar uma tradição ou lei que dificilmente
muda, já que a pessoas se acostumam a esse modelo e o sacralizam. Dessa forma
podemos dizer que as instituições adquirem praticamente uma vida própria onde as estruturas ditam a espiritualidade da igreja
- mas os demônios também têm
influência sobre os indivíduos que fazem parte do corpo de Cristo
- para Paulo a maior
oposição das forças demoníacas se refere a impedir a proclamação do evangelho.
Isso é feito através das forças da carne e das estruturas demoníacas (Arnold
1992a, 201)
- o diabo influencia as
pessoas sobre a terra e é claro que vai ter um interesse especial nas pessoas
que estão em posições de poder, pois influenciam muito mais pessoas. Essas
pessoas criam as estruturas que podem ser de acordo ou contra a vontade de
Deus. Satanás precisa somente explorar os desejos de nossa natureza depravada
para fazer valer os seus intuitos perversos (Arnold 1992a, 203)
- o nosso pecado traz
conseqüências sociais. O pecado que cometemos quase sempre afeta as pessoas ao
nosso redor. Esse pecado leva a implementação de leis e estruturas que por sua
vez são contrárias à vontade de Deus. Sem dúvida há influência demoníaca nessas
estruturas. Mas, como uma luva sem a mão é inofensiva, as estruturas são
inofensivas se não são executadas. As pessoas têm uma natureza pecaminosa e
assim levam a vontade da carne para o seu próprio benefício e não para o que é
correto.
D – Quais são as atividades
de Satanás e dos demônios?
- a Bíblia faz questão de
colocar que “forças externas pessoais (anjos, demônios, espíritos) podem
influenciar e realmente influenciam o comportamento dos seres humanos” (Tienou
2000, 137)
- Satanás originou o pecado
sobre a terra. Ele mesmo tentou aos seres humanos para “frustrar” os planos de
Deus. Ele tentou a Jesus para acabar com o plano da salvação (Mt 4:1-11) e
continua mentindo (Jo 8:44), enganando (Ap 12:9), matando (Jo 8:44) e todo o
tipo de falsidade para afastar as pessoas de Deus (Grudem 1999, 337)
- no AT temos poucas
referências a demônios e a Satanás. Ele aparece como o adversário, mas não como
o adversário celestial na proporção como no NT
- no NT Jesus vem expulsando
demônios e invadindo o reino de Satanás. Ele amarrou a Satanás e está saqueando
a sua casa. Jesus amarrou Satanás de uma forma quando o venceu na tentação? ou através do próprio exorcismo (Grudem 1999, 340, Twelftree
DJG 166). Nos sinóticos a derrota de Satanás está atrelada aos exorcismos
enquanto que em João está ligada com a cruz (Jo 14:30; 16:11) (Twelftree 1992,
171)
- a autoridade sobre os
poderes do mal é concedida por Jesus aos 12 (Mt 10:8) e depois aos 70 (Lc
10:17-20) e depois passa para a igreja primitiva (At 8:7; 16:18; Tg 4:7; 1 Pe
5:8-9) (fonte????)
- os demônios podem causar
doenças (Mc 9:17, 25) e atrapalhar o desenvolvimento da vida espiritual da
pessoa (Ef 6:12). Mas nem todas as doenças são causadas por atividade
demoníaca. Jesus diferencia entre doença e atividade demoníaca (Mc 3:10-12)
- não temos relato claro de
que os demônios consigam ler os nossos pensamentos (Grudem 1999, 338) ou que
somente a oração em línguas está fora do seu alcance. 1 Co 14:2 (falar em
línguas a Deus que ninguém entende) é visto por alguns como prova de que os
demônios não têm acesso a essa oração. O texto não está falando de demônios,
mas de pessoas. Logo não confirma nem desconfirma – simplesmente não fala sobre
o assunto
- apesar do poder dos
demônios, todo o poder que eles têm é concedido por Deus e é limitado. Eles
somente podem ir até onde Deus permite (Jó 1:12; 2:6). Não sabemos a extensão
do seu poder, mas sabemos que Deus é maior e somente dá a eles o que de uma ou
de outra forma vai servir para construir o seu Reino
- Satanás e seus demônios já
estão derrotados, mas a batalha final ainda virá. Aí serão lançados no lago de
fogo. Em nossa teologia pós-moderna estamos dando demasiada ênfase no diabo como
se ele estivesse lutando de igual para igual com Deus. Isso não é verdade, pois
ele já está derrotado e não tem mais chances. A batalha está perdida e só vai
levar um pouco de tempo até que todo o poder tenha sido tirado dele e ele será
condenado para o inferno
O ensino de Jesus sobre
Satanás e os demônios
- temos poucas referencias
nos sinóticos sobre Satanás ou o diabo. Não temos nenhum discurso mais longo
acerca desse assunto. Temos 13 referências sobre eles, 10 descontando os
paralelos (Guelich 1991, 37):
3 para o diabo
Mt 13:38-39 –
“38 O campo é o mundo, e a boa semente
são os filhos do Reino. O joio são os filhos do Maligno, 39 e o inimigo que o
semeia é o Diabo. A colheita é o fim desta era, e os encarregados da
colheita são anjos”
Mt 25:41 – “Então ele dirá aos que estiverem à sua
esquerda: ‘Malditos, apartem-se de mim para o fogo eterno, preparado para o Diabo
e os seus anjos”
Lc 8:12 – “As que caíram à beira do caminho são os que
ouvem, e então vem o Diabo e tira a palavra do seu coração, para que não
creiam e não sejam salvos”
10 para Satanás
Mt 4:10 – “Jesus lhe disse: “Retire-se,
Satanás! Pois está escrito: ‘Adore o Senhor, o seu Deus, e só a ele
preste culto’ ”
Mt 12:26 – “Se Satanás expulsa Satanás,
está dividido contra si mesmo. Como, então, subsistirá seu reino?”
Mc 3:23 (par
Mt 12:26) – “Então Jesus os chamou e lhes
falou por parábolas: “Como pode Satanás
expulsar Satanás?”
Mc 3:26 – “Então Jesus os chamou e lhes falou por
parábolas: “Como pode Satanás expulsar Satanás?”
Mc 4:15 (par
8:12) – “Algumas pessoas são como a
semente à beira do caminho, onde a palavra é semeada. Logo que a ouvem, Satanás
vem e retira a palavra nelas semeada”
Mc 8:33 (par
Mt 16:23) – “Jesus, porém, voltou-se,
olhou para os seus discípulos e repreendeu Pedro, dizendo: “Para
trás de mim, Satanás! Você não pensa nas coisas de Deus, mas nas dos
homens”
Lc 10:18 – “Ele respondeu: “Eu
vi Satanás caindo do céu como relâmpago”
Lc 13:16 – “Então, esta mulher, uma filha de Abraão a
quem Satanás mantinha presa por dezoito longos anos, não deveria no dia
de sábado ser libertada daquilo que a prendia?”
Lc 22:31 – “Simão, Simão, Satanás pediu vocês
para peneirá-los como trigo”
- por 2 vezes Jesus retrata
Satanás ou o diabo como o adversário do agricultor – uma vez ele planta joio
entre o trigo (Mt 13:39) e uma vez ele tira a semente antes que germine (Mc
4:15; Lc 8:12) (Guelich 1991, 37)
- em 2 ocasiões Jesus
repreende diretamente a Satanás por interferir em sua missão messiânica – na
tentação: “Retire-se, Satanás! Pois está
escrito: ‘Adore o Senhor, o seu Deus, e só a ele preste culto’ ” (Mt 4:10) e em
Cesaréia [quando Pedro insiste que Jesus não deve morrer]: “Jesus virou-se e disse a Pedro: ‘Para trás
de mim, Satanás! Você é uma pedra de tropeço para mim, e não pensa nas coisas
de Deus, mas nas dos homens’ ” (Mt 16:23; Mc 8:33) (Guelich 1991, 37) e
adverte Pedro sobre a ameaça futura de Satanás para a fé dos discípulos: “Simão, Simão, Satanás pediu vocês para
peneirá-los como trigo” (Lc 22:31). A figura de Satanás como tentador obviamente
fica patente colocando a tentação de Jesus no início dos evangelhos (Mt 4:1-11;
Lc 4:1-13; Mc 1:13) (Guelich 1991, 37)
- somente uma vez Jesus
atribui uma condição física a Satanás: “Então,
esta mulher, uma filha de Abraão a quem Satanás mantinha presa por dezoito
longos anos, não deveria no dia de sábado ser libertada daquilo que a prendia?”
(Lc 13:16). Esse episódio descreve a ação de Jesus como cura (therapeuein –
13:14) seguindo o padrão de cura ao invés de exorcismo, mesmo que em algumas
situações, problemas físicos refletem uma possessão demoníaca: “Depois disso, levaram-lhe um endemoninhado
que era cego e mudo, e Jesus o curou, de modo que ele pôde falar e ver” (Mt
12:22; Lc 11:14) (Guelich 1991, 37)
- 4 passagens falam da queda
de Satanás ou do diabo (Mt 25:41; Mt 12:26 (par Mc 3:23); Mc 3:26; Lc 10:18)
(Guelich 1991, 37)
- resumindo, no sinóticos, Satanás é descrito de acordo com o significado
do seu nome, Adversário. Ele é hostil aos propósitos de Deus. Mas nenhuma das
passagens o descreve com imagens militares. Em Mt 13:39 ele é descrito como
inimigo (echthros). Nessa parábola apresenta a inimizade como pessoal e não no
sentido militar (cf Mt 13:25, 28) (Guelich 1991, 37)
- sem contar com a tentação
de Jesus, a única passagem mais longa que fala sobre Satanás nos sinóticos é Mt
12:22-30 (par Lc 11:14-23 cf, Mc 3:22-30). Esta passagem está no contexto dos
exorcismos de Jesus quando Jesus responde à acusação de estar expulsando
demônios no poder de Belzebu, o príncipe dos demônios:
1. Jesus responde mostrando a
lógica problemática dos seus oponentes. Jesus mostra que quando um reino luta
consigo mesmo irá se auto-destruir. Assim Satanás não
pode estar lutando contra Satanás (Mt 12:25-26; par Lc 11:17-18l Mc 3:23-25)
2. Em Mt 12:27 (par Lc 11:19) Jesus
expõe a incoerência de seus acusadores perguntando através de quem seus filhos
exorcizam os demônios, já que segundo eles, Jesus os expulsa por Belzebu
3. Em Mt 12:28 e Lc 11:20 Jesus
contradiz a sua conclusão dizendo que opera com o poder de Deus. Em Mt 12:28
lemos o Espírito de Deus e em Lc 11:20 o dedo de Deus. Ambas as expressões se
encontram no AT onde se referem à atividade de Deus. Jesus está afirmando que
os seus exorcismos são o trabalho de Deus (Guelich 1991, 38)
- além disso, Jesus deixa
claro que os seus exorcismos estão ligados com o Reino de Deus, ligando-os com
a promessa do reinado soberano de Deus. O reinado soberano de Deus vence
Satanás. Esse tema de vencer a Satanás é o pano de fundo da analogia de amarrar
o dono para roubar a casa de um homem forte (Mc 3:27; Mt 12:29; Lc 11:21-22). O
trabalho somente pode ser feito quando o homem forte é amarrado e desarmado
(Guelich 1991, 38)
- podemos tirar diversas
conclusões desse trecho da Bíblia:
1. Fica claro que Satanás e os
demônios estão relacionados entre si. Isso pode ser visto na analogia da auto-destruição quando um luta contra o outro (Guelich 1991,
38)
2. A acusação [sobre Jesus de
trabalhar de acordo com o] “príncipe dos demônios” implica que Belzebu ou
Satanás tem uma posição de honra e poder entre os demônios. Além disso, essa
posição de poder é presumida na analogia do homem forte/armado cuja casa
somente pode ser roubada se ele for amarrado (Guelich 1991, 38-39)
3. O fato que esse trecho é
montado sobre os exorcismos de Jesus mostra que saquear/roubar a casa se refere
aos exorcismos de Jesus ao invés de amarrar ou desarmar diretamente a Satanás.
A implicação é que Satanás precisa ser amarrado e desarmado antes que a casa
possa ser saqueada. Esse texto não nos diz quando Satanás foi amarrado ou desarmado,
somente diz que ocorreu. Podemos presumir que ocorreu quando da vinda do Reino
de Deus, inaugurado através de Jesus, o Messias ungido pelo Espírito (Guelich
1991, 39)
4. O ministério de exorcismo de
Jesus mostra que o poder de Satanás foi quebrado através da vinda do reinado
soberano de Deus, o Reino de Deus, na história. Esses exorcismos são os sinais
da presença do Reino de Deus (Guelich 1991, 39)
- por outro lado, Mt 25:41 “Então ele dirá aos que estiverem à sua
esquerda: ‘Malditos, apartem-se de mim para o fogo eterno, preparado para o
Diabo e os seus anjos’ ”
mostra que Satanás foi amarrado ou desarmado, mas ainda não foi destruído. A
alusão a um julgamento severo é similar a Ap 20:10 onde Satanás e seus anjos
serão destruídos no final dos tempos. Assim sendo, de forma análoga sobre a
pregação de Jesus sobre a presença e o futuro do Reino, Satanás já foi amarrado ou desarmado e
assim é incapaz de impedir o trabalho redentivo de saquear a sua casa. Mas
Satanás ainda não foi destruído. Ele
está vivo e bem e continua seu papel natural (mesmo que restrito) de adversário
como visto na tentação de Jesus e em outros dos escritos que tratam dele
(Guelich 1991, 39)
- em João a perspectiva muda
difere pouco:
1. João não apresenta
exorcismos e a única referência à demonização é a
acusação feita contra Jesus de estar trabalhando com Belzebu (Jo 7:20; 8:48-49,
52; 10:20-21)
2. Em João, Jesus não se depara
diretamente com Satanás, exceto quando Satanás entra em Judas que sai para
trair Jesus (Jo 13:27; cf. 6:70)
3. Pouco se diz sobre Satanás.
Em 14:30 Jesus diz a seus discípulos que “o
príncipe deste mundo está vindo”, possivelmente uma referência a Satanás
que vem tentando destruir Jesus. Mas em Jo 16: 11 indica que ele não tem poder
sobre Jesus porque ele foi condenado como foi visto na glorificação do Filho em
sua morte, ressurreição e ascensão: “Quando
ele vier, convencerá o mundo do pecado, da justiça e do juízo. 9 Do pecado,
porque os homens não crêem em mim; 10 da justiça, porque vou para o Pai, e
vocês não me verão mais; 11 e do juízo, porque o príncipe deste mundo já
está condenado” (Jo 16:8-11) (Guelich 1991, 39)
Continuar com Guelich 1991,
39-51
E – Nossa relação com os
demônios
- anos atrás o diabo e os
demônios praticamente não eram mencionados. Nos últimos anos o pêndulo tem
virado e creditamos demais ao diabo
- biblicamente no tratamento
com os crentes há pouco espaço para a atividade demoníaca. A ênfase está muito
mais ligada com levar uma vida correta. Não se expulsa o espírito de divisão,
mas os cristãos são exortados a viverem em união (Grudem 1999, 342)
- não se deve procurar
identificar o espírito territorial que supostamente governa uma cidade. A
questão é pregar o evangelho e expulsar demônios quando estes se manifestam
(Grudem 1999, 342). É possível que haja hierarquia satânica que controla locais, mas a Bíblia nunca se preocupa em falar
muito a respeito e nem nos exorta a lutarmos contra esses domínios
- a responsabilidade pelas
decisões que tomamos cabe a nós. Não devemos culpar os demônios e o diabo por
nossos fracassos (Grudem 1999, 343). Mas isso não nega que existam pessoas e
doutrinas que vêm do inimigo e que precisam ser confrontadas com o evangelho.
Há casos claros de possessão onde os demônios precisam ser expulsos. Pessoas
podem ser dominadas pelo inimigo. Suas obras vão mostrar quem realmente é o seu
pai. Em 1 João temos muitas menções de pessoas que vivem na prática do pecado
como procedentes do diabo (Grudem 1999, 343). Se damos
lugar ao pecado em nossas vidas, podemos dar lugar à influência do diabo em
nossas vidas (Ef 4:26-27)
- devemos tomar cuidado em
manter o equilíbrio bíblico sobre os seres do mundo espiritual. Escritos
teológicos modernos tendem a ignorar esses seres tentando explicá-los como
problemas psicológicos, intuição, problemas mentais. Nos últimos anos o pêndulo
tem se movido para o outro lado onde damos demasiada importância para os
demônios, tomando idéias do espiritismo e assumindo que são a realidade
- existe muita influência
demoníaca direta e indireta através de instituições que são governadas por
pessoas não cristãs que promovem indiretamente o reino de Satanás sobre a
terra. Devemos ser sal e luz e orientar as instituições cristãs usando outras
regras, o que nem sempre acontece na prática
- para Paulo a maior oposição
das forças demoníacas se refere a impedir a proclamação do evangelho. Isso é
feito através das forças da carne e das estruturas demoníacas (Arnold 1992a,
201)
- o diabo influencia as
pessoas sobre a terra e é claro que vai ter um interesse especial nas pessoas
que estão em posições de poder pois influenciam muito
mais pessoas. Essas pessoas criam as estruturas que podem ser de acordo ou
contra a vontade de Deus. Satanás precisa somente explorar os desejos de nossa
natureza depravada para fazer valer os seus intuitos perversos (Arnold 1992a,
203)
- o nosso pecado traz
conseqüências sociais. O pecado que cometemos quase sempre afeta as pessoas ao
nosso redor. Esse pecado leva a implementação de leis e estruturas que por sua
vez são contrárias à vontade de Deus. Sem dúvida há influência demoníaca nessas
estruturas.
- como uma luva sem a mão é
inofensiva, as estruturas são inofensivas se não são executadas. As pessoas têm
uma natureza pecaminosa e assim levam a vontade da carne para o seu próprio
benefício e não para o que é correto.
IV – Assuntos controvertidos
A – Teologia da Experiência
- muitas das ênfases que
temos visto no último século ocorreram porque a igreja esqueceu de se renovar.
O movimento Pentecostal nasceu numa sociedade que super-valorizou
a razão. Sentimentos e o sobrenatural eram ignorados. A teologia pentecostal
nos alertou sobre uma série de fatores dos quais a igreja evangélica tinha se
esquecido. Como reação a tendência do pêndulo é exagerar na outra direção para
supostamente equilibrar e aí novamente nos afastamos dos ensinamentos bíblicos
- a questão de batalha
espiritual tem ressurgido com muita força nos últimos anos por diversos motivos
(Rommen 1995, 5-6)
1 – mudança da cosmovisão
ocidental muito mais aberta para o transcendente. Ascendência da
espiritualidade em oposição ao racionalismo extremo
2 – estatísticas fracas de
missionários no campo
3 – falta de poder tendo já
experimentado tudo o que foi ensinado
- muitos experimentos foram
realizados tentando reverter a situação que não estava à
contento – doutrinas foram baseadas no resultado dessas experiências. O
pragmatismo é uma das linhas mais fortes influenciando essa área – o que
funciona deve estar certo. A base para as doutrinas tem se tornado a
fenomenologia (o fenômeno observado ou relatado por alguém) e não a ontologia
(a Bíblia interpretada por princípios coerentes dentro da igreja). Na prática a experiência das pessoas (fenômenos) acabam se tornando tão
ou até mais importante do que os ensinos da Bíblia
- na prática tem-se
dificuldade muito grande em distinguir a atuação de Deus, do espírito humano e
do inimigo. A voz interior pode vir de todas as fontes. Dentro da visão de
mundo atual tomada pela emoção e a abertura brasileira para o sobrenatural,
tendemos a ver qualquer manifestação sobrenatural como vinda de Deus. Mas isso
é perigoso
- como a Bíblia é silenciosa
em algumas áreas os defensores dessas teologias estão buscando outras fontes de
revelação dominadas pelo pragmatismo. Em pouco tempo a Bíblia não é mais suficiente.
A interpretação da Bíblia é forçada para defender suas idéias.
- Priest et al. argumentam
que as novas linhas teológicas de batalha espiritual têm invadido o ocidente com uma força impressionante, sempre baseadas nas
experiências trazidas do campo missionário. Essas experiências formam as
lentes pelas quais a Bíblia é lida (Priest et al. 1995, 11) Essas pessoas não
estão cientes de que aceitando essas experiências como autênticas incluem uma
série de crenças que fazem parte da visão de mundo da pessoa que teve a
experiência (Priest et al. 1995, 11). Essas experiências, então são vistas como
revelação, e, logo, se tornam a base para novas
doutrinas. Deus pode se revelar através de profecias, etc., aos cristãos de
hoje. Mas todas as profecias precisam ser avaliadas com base na Bíblia antes de
ter alguma valor. Se essas “novas revelações” se tornarem a
base para novas doutrinas, estamos indo além da Bíblia, acrescentando algo à
revelação de Deus na Bíblia. Existe um perigo muito grande até de se especular
sobre alguns desses itens, já que essas idéias são desenvolvidas por outras
pessoas e logo temos uma doutrina (ex. Wagner fez uma suposição que de uma
forma geral havia cerca de 10% dos membros da igreja com o dom de evangelismo.
Essa suposição é citada seguidamente como um estudo nas igrejas que comprova o
fato).
- não há dúvida que
precisamos de experiências com Deus. Precisamos ter um encontro com Deus, etc.
Mas a nossa percepção das experiências que temos precisa de uma interpretação.
Se essa interpretação não vier da Bíblia, posso ensinar algo que seja valioso,
mas que pode desviar as pessoas de Deus e de seu Reino. Um leve desvio hoje
pode fazer grande diferença no futuro
- ligado com isso temos que se usarmos o nome do demônio temos mais poder sobre o mesmo.
Alguns estudiosos acham que essa era a tentativa do demônio em Mc 5 que quer
saber o nome de Jesus para ter controle sobre Jesus (contra Guelich).
- Jesus nunca
chama um demônio pelo nome nem implica que raiva, ódio, orgulho, etc., são obras
demoníacas (Guelich 1991, 41).
Sincretismo
cristão e o animismo
- se de um
lado o Iluminismo tirou Deus e as forças demoníacas de cena, hoje a ênfase pode
estar indo para o outro lado, para usar a Bíblia como amuleto para proteger dos
maus espíritos, usar certas expressões para lidar com demônios, ou enfatizar
que sabendo o nome do demônio se obtém um poder maior sobre ele. A conversão de
pessoas vindas do animismo também contribuiu para esse sincretismo já que os
cristãos que os instruem não os ajudam a entender a cosmovisão cristã
principalmente no tocante a questões de poder (Warner 2000, 903)
- o animismo
crê e pratica que o mundo está cheio de espíritos que podem nos fazer mal a não
ser que tomemos cuidado para os apaziguar. Deve-se tomar cuidado com os
espíritos perigosos e mantê-los satisfeitos. Os
animistas crêem na mágica e na habilidade de no mínimo certas pessoas de
repassar poder seja por maldições, bênçãos, etc. (Kraft 2002, 1092). Kraft
argumenta que os ocidentais que não conhecem o animismo, têm
dificuldades em reconhecer a validade do poder e das táticas utilizadas por
animistas e que nos ensina a usar técnicas parecidas baseados em princípios
similares. Ele vai adiante dizendo que muito do que Deus faz e concorda parece
na superfície de forma muito similar ao que os animistas fazem. Para ele a
diferença não consiste na presença ou ausência de poder, mas na fonte do poder:
ao invés de Satanás, o poder vem de Deus (Kraft 2002, 1092). Creio que essa
posição de Kraft é imensamente perigosa porque ela incentiva as pessoas a
manterem a mesma cosmovisão tentando utilizar a Deus para o seu benefício –
nada pior do que achar que está se cultuando a Deus, mas na verdade cultua-se
ao nosso grande inimigo
- muito dessa
confusão procede da tática preferida de Satanás que é a confusão/engano/ilusão.
Isso não significa que tudo o que os demônios nos dizem é mentira. O engano
ganha força quando se esconde no meio da verdade. O que necessitamos acima de
tudo é discernimento quando lidamos com espíritos enganadores que estão
constantemente tentando confundir as nossas crenças (Ap 12:9; 1 Tm 4:1) (Warner
2000, 903)
- como
humanos temos a tendência para a insegurança. Isso nos deixa abertos para
aquelas coisas que podem nos trazer segurança e nas quais podemos confiar.
Satanás tem investido forte nessa área para nos prometer o que nos traz
segurança. Quanto maior o engano, mais convencidos ficamos da mentira. Há
muitos exemplos de pessoas que estiveram dispostas a morrer por aquilo que
criam (Warner 1990, 104). Se o diabo consegue nos convencer que já não corremos
perigo em uma certa área de tentação e que não podemos estar enganados sobre
isso, nos tornamos presas fáceis para o inimigo (Warner 1990, 105). A tentação
pode vir tanto do diabo como da nossa carne ou do mundo. Não devemos, nem
precisamos necessariamente diferenciar entre elas, a não ser tomar cuidado para
não atribuir tudo a uma fonte, principalmente tudo ao diabo para fugir da
responsabilidade pessoal de lutar contra o pecado
- a questão
principal da engano sempre gira sobre a verdade.
Satanás gosta de nos enganar geralmente nas questões da fonte de poder e
conhecimento. Deus nos proveu de todo poder e conhecimento que precisamos para
viver como “mais do que vencedores” em Cristo, mas desde o Éden, Satanás tem
nos tentado a não confiar em Deus para prover o poder que precisamos e a
duvidar da nossa habilidade de conhecer a Deus e confiar em sua palavra.
Satanás usa o seu poder para nos levar a temê-lo. Para os cristãos, temer a
Satanás, significa que precisam duvidar do poder e da provisão de Deus para a
vitória sobre Satanás. Assim ele atinge 2 objetivos: leva os cristãos a duvidar
de Deus e consegue um certo controle sobre eles por meio do medo (Warner 2000,
903)
- mas Satanás
também tenta seduzir as pessoas a buscar poder dele ao invés de Deus. Ele se
apresenta como anjo de luz e torna esse poder algo desejável. Isso nos leva a
uma longa lista de práticas ocultas como ler a sorte, magia, feitiçaria, etc.
Satanás tem poder suficiente para produzir resultados surpreendentes – sinais e
maravilhas que procedem da mentira (2 Ts 2:9). Algumas pessoas somente
perguntam: será que funciona? ao invés de: será que
vem de Deus; será que é verdade”. Diversas pessoas dão espaço para o inimigo em
suas vidas porque caíram no uso enganoso do poder de Satanás (Warner 2000, 903)
- todos precisamos de poder para vencer as lutas que temos no
dia-a-dia. Deus nos dá o poder que precisamos. Ma quando perdemos o
relacionamento com Deus e o seu poder, nos tornamos abertos para o poder que
vem de outras fontes. Aí o poder real de Satanás pode ser muito atrativo
através da mágica, etc. (Warner 1990, 110). Creio que o perigo aumenta quando a
nossa cosmovisão é dominada pelo animismo e simplesmente substituímos os deuses
e colocamos a Cristo no lugar. Podemos facilmente ser
enganados pensando que se trata da ação de Deus quando na verdade se
trata de forças que se opõem a Deus, como vemos em Mt 7:21-24
- no final
nas contas, batalha espiritual é uma batalha pela mente. Satanás sabe que as
pessoas sempre viveram o que realmente crêem, mesmo que não vivam aquilo que
professam crer. Já que a nossa crença sobre Deus é a base para todas as outras
crenças, Satanás tentará quase sempre iniciar tentando perverter a nossa crença
sobre o caráter de Deus. Aconteceu no Éden quando Satanás disse ser mentira que
as pessoas morreriam se comessem do fruto proibido, logo não se poderia confiar
em Deus. Ele também deu a entender que não se poderia crer no amor de Deus que
restringiu o seu acesso àquela fruta bonita e desejável do jardim. Uma vez que
as pessoas iniciaram a duvidar da integridade de Deus, eles se colocaram
debaixo do controle de Satanás (Warner 2000, 903)
- ao que tudo
indica o maior desejo de Satanás é ser como Deus : “5 O Diabo o levou a um lugar alto e
mostrou-lhe num relance todos os reinos do mundo. 6 E lhe disse: ‘Eu te darei
toda a autoridade sobre eles e todo o seu esplendor, porque me foram dados e
posso dá-los a quem eu quiser. 7 Então, se me adorares, tudo será teu’ ”
(Lc 4:5-7); “3 Não deixem que ninguém os
engane de modo algum. Antes daquele dia virá a apostasia e, então, será
revelado o homem do pecado, o filho da perdição. 4 Este se opõe e se exalta
acima de tudo o que se chama Deus ou é objeto de adoração, chegando até a assentar-se
no santuário de Deus, proclamando que ele mesmo é Deus” (2 Ts 2:3-4). Isso
pode ser visto também no AT no conflito entre Deus e os deuses. Quem está por
trás dos deuses é Satanás. Isso também ainda ocorre nos dias de hoje. A batalha
continua. Infelizmente muitos missionários [e pastores] têm deixado de ajudar
as pessoas a mudarem a sua cosmovisão, de uma visão animista onde os espíritos
são manipulados para uma visão cristã onde Deus é soberano. Além de não
podermos manipular a Deus, não há nada que possamos fazer para nos promover
diante de Deus. Somos totalmente dependentes da sua graça para lidar com o
nosso pecado e se relacionar com ele diariamente. O nosso conceito de pecado é
determinado pelo nosso conceito de Deus (Warner 2000, 903-4)
- para obter
vitória na batalha espiritual sempre precisamos começar com uma visão correta
de Deus e do que significa ser filho de Deus. Se me torno filho de Deus pela
graça, mas depois acho que preciso merecer ser filhos de Deus, me coloco numa
contradição insuperável. É através da fé que somos aceitos diante de Deus e não
por nosso mérito. Saber quem eu sou em Cristo nos provê com a única posição
viável para vencer o inimigo. A batalha toma dimensões bem diferentes quando
vista do ponto de vista do trono de Deus e daquele governado pelas
circunstâncias de nossa vida sobre a terra (Warner 2000, 904)
- na obra
missionária tem havido diversos encontros de poder, onde o missionário tem
confrontado os poderes das trevas na pessoa do xamã ou pajé da tribo.
Normalmente as pessoas dentro das tribos são animistas onde a questão básica é
o poder. Nestes casos as pessoas querem provas de seguir o deus mais forte e
não somente argumentos. Os resultados desses encontros são variados, mas em
diversas situações grupos de pessoas têm se colocado ao lado de Cristo nestas
situações. Cabe lembrar, no entanto, que esses encontros de poder não garantem
a estabilidade e perseverança espiritual dessas pessoas. Mesmo nas Escrituras
vemos que pessoas experimentam o poder de Deus, mas freqüentemente voltam para
os seus deuses, mesmo que tenham sido derrotados, como aconteceu no confronto
entre Moisés e faraó, Elias e os profetas de Baal. O elemento chave é o que
ocorre depois desse confronto de poder e eventual “conversão”. Se as pessoas não
forem ajudadas a crescer no seu relacionamento com Deus, sua fé tende a morrer
(Kraft 2000, 775). Num certo sentido precisamos comunicar com as pessoas na sua
cosmovisão, no caso o confronto de poder. Por outro lado, isso pode nos
complicar muito a vida já que o cristianismo pode ser
derrotado quando ele permanece no confronto de poder que olha somente para
resultados imediatos visíveis e não para a verdade que muitas vezes pode estar
oculta e que resulta em transformação de vida que não seja tão imediata, mas
que vai aparecer a médio e longo prazo. Não estou certo que devemos provocar
esses encontros de poder. Acho que quando Deus resolve usá-los
ele sabe do que as pessoas precisam. Em nossa visão limitada tentamos
prever os resultados de diversos desses encontros, mas Deus conhece o coração
das pessoas e sabe do que elas precisam. Se achamos
que o encontro de poder vai resolver o problema, e Deus acha diferente e não se
mostra como nós achamos que iria se mostrar e criamos a expectativa na vida das
pessoas, o resultado pode ser muito pior do que pensamos. Não conseguimos
forçar Deus a agir de acordo com os nossos planos
Concepção de
Peretti de Batalha Espiritual
- para muitas
pessoas os livros de ficção de Peretti se tornaram a Bíblia da batalha
espiritual para muitas igrejas. Mesmo que é ficção sem a pretensão de se tornar
um modelo de batalha espiritual, o livro se tornou o paradigma de interpretação
de como os cristãos percebem a realidade espiritual (Guelich 1991, 52)
1. A cosmovisão de Peretti
- a cosmovisão
de Peretti está em contraste com a cosmovisão de Jesus e Paulo. Ele apresenta
um mundo dualista, com um mundo visível habitado por humanos e um mundo
invisível, no ar, que pode penetrar o mundo visível. A história não é vista em
termo do Reino de Deus, nem do ponto de vista da “era presente” ou da “era
futura”.
a. Sua cosmologia é dualista,
tanto do ponto de vista moral como cósmica. De um lado temos uma distinção
clara entre o bem e o mal. As pessoas e os eventos são vistos dentro dessa
perspectiva. Quase nada do que acontece é amoral. Tudo e todos participam dessa
luta entre o bem e o mal. Por outro lado, esse dualismo se estende para além da
esfera das experiências humanas para as forças cósmicas, de natureza
espiritual. Os bons agentes, “as hostes celestiais” (cf. 1 Rs 22:19) pertencem
ao Espírito e executam a sua vontade. Os agentes maus, “as hostes demoníacas”
pertencem a Lúcifer e executam a sua vontade (Guelich 1991, 53)
b. Sua cosmologia é paradóxica.
De um lado o bem e o mal que ocorre na esfera humana procede dos poderes
espirituais. Os personagens humanos e eventos, bons e maus, são todos
coreografados por estes agentes. Quando não são inconscientemente controlados
por poderes espirituais, a única liberdade individual é o aparente
livre-arbítrio para se voltar para os poderes sobrenaturais que no final das
contas, fazem as coisas acontecerem. Por outro lado, tanto as forças boas
quanto más são condicionadas até um certo ponto pelas seus
correspondentes humanos para convocar a sua ajuda através da oração das pessoas
boas, o “remanescente”, ou através de uma submissão aberta, voluntária das
pessoas más para com as hostes demoníacas. De uma forma geral, os agentes
espirituais operam atraves dos seus correspondentes humanos, mas às vezes
afetam diretamente as máquinas, como motores dos carros. Eles aparecem em
visões e sessões e até se encarnam às vezes, na forma de seres humanos para
realizar os seus objetivos (Guelich 1991, 53)
c. Nessa cosmologia, a vida,
tanto espiritual quanto humana é vista como uma guerra entre os agentes do
Espírito e os agentes de Lúcifer. Mas nada ouvimos sobre o início e sobre o
resultado final dessa guerra. A história termina com as hostes celestiais se
locomovendo em direção à outro pais onde outra batalha
está sendo preparada. Mesmo o resultado dessa batalha critica para esta cidade
pequena [onde se desenvolve a trama] entre 2 dos representantes mais poderosos
das hostes celestiais e das hostes demoníacas permanece em dúvida até o final
com as forças do mal sendo capazes não somente de ferir os humanos, mas também
de destruir as forças do bem (Guelich 1991, 53)
2. A descrição do reino dos
demônios
- sem contar
que a angelologia de Peretti vai bastante além daquilo que temos na Bíblia, sua
descrição dos demônios é considerada por muitos como baseada na Bíblia. Ele
descreve a esfera dos demônios como hierárquica, territorial, “demonizada”
(termo que hoje tende a substituir possessão) e a fonte do mal humano (Guelich
1991, 54)
a. Ele diferencia entre os
diferentes demônios usando status e poder. Lúcifer, obviamente Satanás,
representa o general. Abaixo dele está uma das poucas
majestade que são íntimas de Lúcifer, o “Homem Forte”, “um malévolo
tirano global responsável por séculos de resistência aos planos do Deus vivo e
pelo estabelecimento do reino de Lúcifer sobre a terra”. O Homem Forte é
pessoalmente responsável por esta operação. Seu poder irradia de seu status bem
como de seu tamanho e poder. Depois dele vem os “principados, príncipes de suas
próprias nações, povos tribos”, que tem “tamanho incrível e tremenda aparência,
eram todos seus pares em tamanho e ferocidade”. Um deles é Baal-Rafar, o
príncipe da Babilônia, que é o comandante militar das forças demoníacas para
esta batalha. Abaixo dele em poder e autoridade estão Lucius, Príncipe de
Ashton, que é ciumento e ao mesmo tempo admira Rafar. Depois deles vêm uma
série de demônios que variam em poder e tamanho recebendo ordens daqueles acima
deles (Guelich 1991, 54; Peretti 1991, 147)
b. Como o seu
nome e status mostra eles são vistos como tendo responsabilidades
territoriais. Enquanto o Homem Forte é global, os demônios em nível de
principados estão sobre nações, povos e tribos. O nome Baal-Rafar, príncipe da
Babilônia indica seu papel histórico tendo ressurgido depois de estar sobre a
Babilônia antiga. Lucius, o príncipe de Ashton é o demônio que está sobre a
cidade local. O mesmo ocorre com as hostes celestiais que estão colocadas sobre
territórios
c. Diversos dos personagens do
relato se tornam demonizados por um ou mais demônios. O representante de uma
multinacional toma o controle da situação quando o Homem Forte entra nele. Um
jovem rebelde tem 3 demônios: feitiçaria, adivinhação e rebelião. Outro tem 5:
ler a sorte; confusão/ódio, bruxaria, estupro, agressão. Os demônios infernizam
a vida inclusive dos crentes. Um pastor jovem, o “guerreiro” chave acaba sendo
iludido pelas artimanhas dos demônios, O carro da esposa do pastor é afetado e
os demônios atacam e tentam atacar outros crentes e personagens inocentes da
história. Os demônios parecem ser responsáveis por todo mal. O diabo é
responsável por todo o mal que ocorre. Todo o mal tem o seu correspondente
demoníaco. Os nomes dos demônios deixam isso muito claro. O nome dos demônios
como duvida, complacência, desespero, lascívia, engano, febre, doença, ciúmes,
assassinato, etc. Podemos inferir logicamente que toda vez que mostramos algum
desses comportamentos ou atitudes que os demônios estão operando tanto na vida
de crentes como de não-crentes (Guelich 1991, 54-55)
3. Peretti e batalha espiritual
- nos livros
de Peretti a batalha ocorre entre Lúcifer e o Espírito e é realizada pelas
hostes do céu contra as hostes demoníacas em conjunto com as pessoas de uma
pequena cidade. Assim a imagem de batalha domina toda a história. Os guerreiros
são os cristãos e as hostes do céu, enquanto os inimigos ou adversários são os
não-crentes presos à filosofia e aos rituais de New Age e as hostes demoníacas.
Também há as pessoas à margem da historia pelas quais ocorre uma batalha entre
as hostes celestiais e demoníacas pelas vidas e almas dessas pessoas. Mas essa
batalha é espiritual. Mesmo que a batalha ocorra numa pequena cidade onde
humanos maus tentam controlar a cidade através de conspiração, etc., com ajuda
das forcas espirituais do mal. A verdadeira batalha acaba envolvendo Tal, o
capitão da guarda de Deus contra Baal-Rafar o príncipe da Babilônia, um replay
de uma batalha anterior ocorrida quando da queda da Babilônia muitos séculos
atrás (Guelich 1991, 55)
- os humanos
estão envolvidos nessa batalha em que podem influenciar o resultado da batalha
através de sua participação. De um lado os guerreiros cristãos determinam ate
certo ponto a força e o sucesso das hostes celestiais.
Por outro lado, os não-crentes da cidade juntamente com o
cabeça inescrupuloso da corporação multinacional executam os planos nas
hostes demoníacas entregando-se a estas forças do mal de forma inocente e
deliberada. Ao mesmo tempo tanto crentes como não-crentes podem ser
influenciados ate certo ponto pelas forças espirituais de ambos os lados
(Guelich 1991, 55)
- os crentes
batalham com 2 armas: oração e exorcismo. Através da oração eles invocam e
fortalecem as hostes celestiais para lutar contra as hostes demoníacas. O
resultado da batalha depende da oração dos crentes. Assim como na batalha os
soldados pedem por cobertura aérea, aqui lemos repetidamente sobre a
necessidade e cobertura de oração, que muitas vezes é deficiente, para que as
hostes celestiais possam iniciar a batalha. Sem a necessária cobertura
espiritual as hostes celestiais não têm chance contra as hostes demoníacas.
Logo a preparação para a batalha implica em convocar os cristãos de todo o
mundo para orar para que as hostes celestiais possam vencer a batalha (Guelich
1991, 55-56)
- a
verdadeira batalha ocorre no exorcismo. Algumas pessoas são libertas dos
demônios enquanto que os cristãos liderados pelo pastor e alguns outros lutam
contra aqueles que querem tomar controle da cidade. Mas a batalha também ocorre
nos ares entre as hostes celestiais e as demoníacas, com a vitória do céu.
a. o exorcismo sempre representa
uma luta. Os espíritos maus reconhecem seu adversário e resistem com força
considerável. Eles sempre brigam e às vezes vencem
b. os exorcismos seguem um padrão
ritualístico. Saber o nome e o número dos demônios traz poder para o exorcista.
Somente quando citam o nome de Rafar conseguem mudar o curso da batalha que
estava sendo perdida, Quando se invoca o nome de Jesus freqüentemente os
demônios sucumbem (Guelich 1991, 56)
- precisamos
também fazer algumas considerações sobre a batalha
a. mesmo que a batalha ocorre numa
pequena cidade, ela realmente trata da entrada de uma nova ordem mundial
b. desde o início até o final do
livro temos batalhas cujo resultado é totalmente dependente de haver cobertura
espiritual suficiente. Essa cobertura espiritual era suprida pelos guerreiros
espirituais que dava poder para os guerreiros celestiais, sem a qual eles
estavam vulneráveis às hostes demoníacas. Nada se menciona sobre a obra de
Cristo vindo para anunciar o Reino ou sua obra na cruz e sua ressurreição
c. o nome de Cristo é invocado
nos exorcismos como um artificio de poder para repreender o demônio. Mas essa
repreensão passa a ser uma fórmula. Expressar “em nome de Jesus” parece dar
poder sobre o demônio ao invés de refletir a pessoa e obra de Cristo no qual se
baseia a utilização do nome
d. não há menção de que Cristo já
venceu o inimigo, nem se menciona que haverá uma vitória futura sobre o
inimigo. A batalha termina quando o General e Tal lideram as hostes celestiais
para outro país para outra batalha
e. o símbolo da teologia desse
relato é: “Essa é a essência do evangelho, lutar contra Satanás, fazer a luz do
evangelho brilhar na escuridão ...” (Guelich 1991, 57; Peretti 1991, 75)
4. Comparando Jesus, Paulo e Peretti
- em se
tratando de um romance de ficção temos que ter cuidado em criticar aspectos
teológicos. Por outro lado para muitos ela influenciou muito
a cosmovisão das pessoas, a ponto de diversas pessoas o tratarem como a Bíblia
da batalha espiritual. Cabe levantar alguns pontos relevantes sobre o conceito
de Peretti sobre batalha espiritual (Guelich 1991, 57)
a. Cosmovisão
i.
Sua visão é controlada por um dualismo moral e cósmico o que tem algo
de similar com a literatura judaica apocalíptica e o gnosticismo, mas pouco a
ver com Jesus e Paulo. Tanto Jesus e Peretti têm em comum que Satanás e as
forças do mal estão ativas nas experiências humanas, tanto em cristãos como
não-cristãos. Peretti leva muito a sério a dimensão
demoníaca. Enquanto Jesus e Paulo levam a dimensão demoníaca bem a sério eles
vêem nela somente uma parte do seu ensino, mas o evangelho não era estruturado
sobre essa dimensão. As referências a esta dimensão aparecem nos escritos mas não a dominam. Para Peretti essa dimensão controla todo
o seu livro. Tudo é batalha espiritual (Guelich 1991, 58)
ii. Tanto Jesus como Paulo
raramente falam sobre Satanás ou demônios como sendo a fonte do pecado na vida
das pessoas. Quando Jesus citou uma lista de pecados ele falou que elas vinham
de dento do coração humano. O coração humano está cheio de intenções más, como
“os maus pensamentos, as imoralidades
sexuais, os roubos, os homicídios, os adultérios, 22 as cobiças, as maldades, o
engano, a devassidão, a inveja, a calúnia, a arrogância e a insensatez. 23
Todos esses males vêm de dentro e tornam o homem ‘impuro’ ” (Mc 7:21-23). Paulo menciona
diversas vezes o pecado como poder em si mesmo e a carne como a dimensão da
pessoa que se opõe contra Deus. Ele cita as obras da carne: “19 Ora, as obras da carne são manifestas:
imoralidade sexual, impureza e libertinagem; 20 idolatria e feitiçaria; ódio,
discórdia, ciúmes, ira, egoísmo, dissensões, facções 21 e inveja; embriaguez,
orgias e coisas semelhantes” (Gal 5:19-21). Aqui a carne e não o aspecto
demoníaco se opõe ao Espírito. Em contraste, Peretti identifica os pecados com
os demônios. Isso corresponde a uma visão dualista do bem e do mal, onde o bem
está ligado com Deus enquanto o mal está ligado com Satanás, uma visão
simplista que distorce o ensino bíblico sobre a natureza do mal (Guelich 1991,
58-59)
b. Abuso das metáforas
i.
Batalha espiritual é somente uma das metáforas bíblicas para vida cristã. Na verdade é uma das metáforas
bíblicas raras que não aparece em todos os evangelhos e somente uma das cartas
de Paulo fala de Satanás e das forças malignas. Mas Peretti identifica a vida
cristã como a principal metáfora da vida cristã. A utilização dessa metáfora é
tão intensiva e exclusiva que o símbolo está correndo perigo de se tornar
realidade (Guelich 1991, 59)
ii. Vendo a vida cristã pelas
lentes da batalha espiritual fora do contexto bíblico, corremos o risco de
distorcer a obra de Cristo debaixo dos pés de quem foram colocadas
todas as coisas (Ef 1:22) e o papel do cristão no encontro com Satanás e
as forças do mal (Ef 6:10-17) (Guelich 1991, 59). Peretti pode atribuir ao
cristão o que pertence à obra de Cristo. Lutar contra Satanás era a obra de
Cristo. Ele veio anunciando o reinado soberano de Deus o que envolvia a
pregação das boas novas e o amarrar de Satanás para saquear a sua casa através
das curas e exorcismos. A mensagem de Paulo está centrada na cruz de Cristo e
sua ressurreição o que inclui a submisso dos poderes e autoridades, mas não
lutar contra Satanás (Guelich 1991, 59). Por outro lado a
utilização da batalha espiritual de Peretti pode distorcer o papel do cristão
de permanecer em pés (firme) na armadura que Deus nos dá quando estamos sendo
atacados (Ef 6:10-17). Satanás e seus demônios têm poder, estão ativos e são
perigosos no mundo até a sua consumação quando serão totalmente destruídos. Mas
os exorcismos e a armadura do cristão são baseados na obra que Deus realizou em
Cristo. Quando Jesus e seus discípulos exorcizavam os demônios estavam
saqueando a casa do homem forte e não amarrando-o.
Assim os discípulos não estavam envolvidos em uma batalha para vender Satanás e
suas forças. Além disso, quando o escritor de Efésios os orienta a ficarem firmes (de pé) diante das forças do mal (8:10-13) ele
faz isso depois de afirmar que Deus já colocou Cristo acima de todos os poderes
e autoridades e todas as coisas debaixo dos seus pés (Ef 1:21-22) (Guelich
1991, 59-60)
iii. Peretti distorce o papel da
oração na batalha espiritual. A oração se torna uma arma de guerra, quando isso
não faz parte de nossa armadura contra o inimigo. Para Peretti a oração tem um
papel importante no resultado da batalha. As hostes celestiais dependem da
oração e estão limitadas a elas. O que era uma suplica e oração intercessora
por si mesmos (os santos e Paulo) agora se tornou parte integrante da batalha
(Ef 6:18-19). Essa militarização da oração é no melhor das hipóteses dúbia.
Esses versículos vêm depois da metáfora da batalha (6:10-17). A convocação para
a oração não possui a imagem militar que os v.10-17 possuem. Além
disso o papel do guerreiro é defensivo e não ofensivo. O crente veste
toda a armadura para poder resistir a Satanás e seus poderes. Assim a oração é
que Deus os proteja contra o inimigo (Guelich 1991, 60)
c. Exorcismos
i.
a descrição dos exorcismos de Peretti distorce a
figura que temos nas Escrituras do mesmo fenômeno. O exorcismo sempre é uma
batalha. O resultado sempre está aberto e em uma ocasião os demônios acabam
resistindo ao exorcista e levando ele à desgraça. Essa não é a descrição que
temos na Bíblia, mas de fontes extra-bíblicas. Em uma
ocasião vemos que os discípulos não puderam expulsar o demônio (Mc 9:17-18; Mt
17:14-18; Lc 9:37-42), mas a situação é diferente. Não existe evidência de
batalha nesse texto. Jesus repreende os discípulos por sua falta de fé (Mc
9:19; Mt 17:20; Lc 9:41). Quando afirma que esses demônios somente saem pela
oração (Mc 9:29), Jesus não quer dizer que a oração é o meio pelo qual ocorre o
exorcismo (não temos nenhuma indicação de oração para qualquer outra situação
de exorcismo no NT), mas que a oração indica a o relacionamento correto com
Deus que é a fonte do poder sobre o demônio (cf. Mt 17:20) (Guelich 1991,
60-61). Os discípulos tinham recebido o poder para expulsar demônios (Mc 6:7).
Eles estavam tentados a pensar que essa capacidade agora estava em seu controle
para usar quando queriam, podendo confiar em si mesmos para esta tarefa. Isso
demonstrava a falta de fé, já que estavam confiando em si mesmos e não em Deus.
O poder de Deus precisa ser invocado em toda situação, pois
somente Deus tem poder sobre os demônios (Lane 1974, 335-36; France 2002, 370;
Hooker 1999, 225)). O termo jejum foi acrescentado mais tarde e não faz
parte dos originais. Ele possivelmente surgiu da tentativa da igreja de
valorizar o ascetismo (contra France, que acha que talvez um escriba as tirou
porque queria desencorajar uma ênfase exagerada sobre o jejum, ou porque achava
que o jejum aqui seria incompatível com as palavras de Jesus em 2:19 [France
2002, 361]). Nesse texto parece fora do lugar, porque a ênfase está sobre a
dependência de Deus e não em algo que podemos fazer para ter vitória sobre o
demônio (Hooker 1999, 225). At 19:13-17 prova isso descrevendo a luta quando
exorcistas judeus, os filhos de Ceva, o sumo-sacerdote procuram exorcizar em
nome de Jesus, sem sucesso. Isso tudo pode decorrer da falha de Peretti de
reconhecer que nos exorcismos do NT, ao contrário dos exorcismos pagãos, os
demônios já foram confrontados com a atividade redentora de Cristo. A batalha
já foi ganha nos exemplos bíblicos. Os demônios logo reconhecem que não têm chance.
Eles sempre se apresentam de forma suplicante sem resistência (Guelich 1991, 61)
ii. A ênfase de Peretti nos
números não aparece nas Escrituras. Maria Madalena é descrita como sendo
liberta de 7 demônios (Lc 8:22). Em outra ocasião Jesus diz que um demônio
somente saiu com o retorno de 7 outros. Mesmo Mc 5:1-20 onde temos a legião de
demônios, o número é irrelevante exceto que impede que o demônio se
identifique. Além disso, não temos indicação nas Escrituras que os demônios
saiam em seqüência. Mas Peretti menciona que cada demônio deve ser exorcizado
pelo seu nome (Guelich 1991, 61)
iii. Peretti enfatiza o nome dos
demônios. O exorcismo ocorre quando identificamos o nome dos demônios. A
batalha final entre Tal e Rafar se baseia na identificação do nome de Rafar e
sua repreensão nominal. A implicação é que a utilização do nome do demônio
concede ao exorcista poder sobre o mesmo, uma visão
que encontra paralelos nos escritos judaicos e pagãos, mas não nas Escrituras.
Com uma exceção o NT não se referem a nomes de demônios
nos exorcismos que ocorrem. Mesmo em Mc 5:9 quando Jesus pede o nome do
demônio, o exorcismo ocorre sem qualquer referência ao nome, mesmo assumindo
que Legião fosse o nome dos demônios, o que é altamente questionável (Guelich
1991, 61)
iv. Os exorcismos freqüentemente
contêm expressões que parecem fórmulas mágicas do que seguindo os precedentes
bíblicos. Para Peretti repreender o demônio “em nome de Jesus” funciona como
uma fórmula mágica. Para nós repreender significa uma censura severa. O grego epitiman também contém o mesmo
significado, mas também tem a conotação de poder num contexto de exorcismo. No
contexto do NT essa palavra pode ter como pano de fundo o termo hebraico gaar, com a conotação de subjugar. É a
palavra que proferida por Deus ou seu enviado leva os demônios à submissão. O
mesmo ocorre com o termo “amarrar”. Ele é usado por Jesus para demonstrar o que
já aconteceu com o diabo com a vinda de Jesus, o que permite agora que sua casa
seja saqueada. Além disso, o nome de Jesus não é mágico como vemos em At 19:13.
Nas Escrituras, fazer algo “em nome de” significa fazer algo condizente com a
pessoa e sua obra. O poder e a autoridade de exorcizar não reside no nome, mas
na pessoa e obra que conota (Guelich 1991, 62)
d. As hostes demoníacas
i.
A Bíblia basicamente não nos apresenta descrições visuais de Satanás e
seus demônios. Mas Peretti os descreve a vivo e a cores. Ele os descreve como
criaturas escuras com asas de morcego, com um odor horrível de enxofre e
assoviando. Sendo ficção ele pode descrever os demônios como quer, mas pode
deturpar a sua aparição como anjo de luz na experiência dos cristãos (Guelich
1991, 62)
ii. Peretti segue uma visão já
bem antiga de Satanás e suas hostes como muito bem organizados, seguindo o
modelo de um exército numa hierarquia de poder e autoridade. Assim ele fala dos
demônios em termos de tamanho, poder e autoridade. Essa diferença é vista na
maneira como os humanos experimentam essas forças demoníacas. Alguns ataques
são menores e sem uma ameaça tão grande quanto os ataques de demônios maiores.
Mas essa descrição não tem base nas Escrituras. Essa descrição é mais próxima
da literatura judaica e pagã do que do NT. Nas Escrituras somente Satanás é
descrito como o príncipe dos demônios, etc., somente ele está no ranking (Guelich
1991, 62-63)
iii. Peretti coloca os demônios
dentro de hierarquias de acordo com o seu poder e também aceita a noção de
espíritos territoriais. Tanto demônios, quanto anjos são colocados sobre
territórios geográficos. A base para esta visão se encontra em Deut 32 e Dan
10, mas não temos nenhuma indicação no NT sobre a existência destes. Jesus
nunca atribui a resistência ao evangelho como resultado da atuação de forças
demoníacas, ou até que expulsou um demônio territorial. O fato que os demônios
de Mc 5:1-20 não quiseram deixar a área ainda não significa que eram
territoriais. Seu pedido está ligado com a destruição dos porcos que tem um
significado particular nessa área fora dos limites da Galiléia. Quando os
demônios são destruídos a população rejeita a Jesus ao invés de colocar a sua
fé em Jesus. Paulo reconhece que o diabo pode cegar os olhos dos incrédulos,
mas ele não luta contra Satanás nesse sentido, pois é um fato. Paulo nunca fala
sobre espíritos territoriais mesmo ministrando em cidades como Corinto, Atenas,
Éfeso e Roma (Guelich 1991, 63)
- resumindo,
o perigo na abordagem de Peretti é transformar o “príncipe da paz” em
“comandante de batalha”, um papel que se encaixa nas expectativas judaicas para
o Messias muito mais do que na Cristologia do NT. Isso leva a diversas
distorções: sobre a pessoa e obra de Cristo; sobre o papel dos cristãos de
proclamar o evangelho com suas implicações pessoais e sociais; sobre Satanás e
suas hostes; sobre a natureza do mal. Isso pode trazer problemas para o evangelho
quando sua intenção é ajudar. Pode trazer traumas para pessoas que quer ajudar.
Temos que ter muito cuidado com experiências que aparentemente não “batem” com
as Escrituras. No mínimo deve nos levar a estudar o assunto com muita cautela,
porque os resultados ainda não provam que a coisa é de Deus. Jesus nos alertou
que pessoas podem expulsar demônios sem nunca tê-lo conhecido (Mt 7:22-23).
Precisamos ir além dos sinais e maravilhas para seguir a Jesus com uma sólida
base bíblica (Guelich 1991, 63-64)
B – Espíritos
Territoriais
- muita ênfase tem sido
colocada sobre espíritos territoriais nos últimos anos. O estímulo para tal não
nasceu da Bíblia mas de informações vindas de outras
fontes. A partir dessas informações, às vezes recebidas de ex-bruxos passou-se
a ler a Bíblia para ver se esse conceito estaria presente nas Escrituras para
defender práticas adotadas por diversos líderes no mundo todo
- Peter Wagner, um dos
principais defensores dessa idéia fala de hipóteses ao invés de conclusões.
Wagner afirma que Friday Thomas Ajah um crente da Nigéria, que anos atrás era
um dos líderes do ocultismo recebendo o nome de Santo Tomé, o Divino,
supostamente por Satanás. Ele menciona que Satanás havia dado a ele o controle
de 12 espíritos, cada um dos quais controlava 600 demônios, o que daria um
total de 7.212 demônios. Ele afirma que estava em contato com todos esses
espíritos e controlava todas as cidades e tinha um centro de culto em cada um
deles. Se isso for verdade, haveria muito mais demônios no mundo (Wagner 1990,
76). Adiante Wagner menciona Rita Cabezas da Costa Rica, que afirma que existem
6 governadores sobre cada nação. Sobre Costa Rica seriam Shiebo, Quiebo,
Ameneo, Mephistopheles, Nostradamus e Azazel. Sobre os EUA seriam Ralphes,
Anoritho, Manchester, Apolion, Deviltook e um sem nome. Segundo ela cada um
deles tem certas áreas do mal. Por exemplo, a lista de Anoritho inclui abuso,
adultério, embriagues, fornicação, glutonaria, ganância, homossexualismo,
lesbianismo, lascívia, prostituição, sedução, sexo e vícios. Com base nisso,
Wagner afirma que nada disso são conclusões finais, apenas pesquisa em
processo. Wagner tenta verificar a validade de suas conclusões olhando a
descrição desses nomes na Bíblia e em outras referências como dicionários (Wagner
1990, 84-85)
- a idéia principal é que o
diabo teria designado espíritos para controlarem determinadas áreas
geo-políticas (geográficas) no mundo. Baseados principalmente em Dan 10 e 12
advogam que existem espíritos que controlam nações, estados, cidades, ruas e
até casas (Lopes 2001, 38-39)
- esses espíritos atuariam
através da nova era, espiritismo, cristais, etc. para “cegar as pessoas que
habitam nas áreas sobe sue controle e levá-las à perdição, impedindo que sejam
alcançados com a verdade do Evangelho. Assim, quanto mais mergulhada em trevas
espirituais for a região, mais densa é a concentração de demônios ali” (Lopes
2001, 40)
- um outro argumento diz
respeito à janela 10/40 onde estão os povos ou nações menos atingidos com o
evangelho. Isso seria em virtude de demônios territoriais que cegam as pessoas.
Creio que os demônios cegam mesmo as pessoas, mas não precisamos admitir que
sejam necessariamente geográficos (Lopes 2001, 40-41)
- outra perspectiva é a
demonização de estruturas sociais (Lopes 2001, 41). Creio que existe o mal nas
estruturas. As pessoas que dominam o mundo são influenciadas por Satanás e seu
demônios. Mas outra vez não precisam ser necessariamente espíritos territoriais
- esses espíritos atacam as
igrejas promovendo a divisão e o pecado na vida das igrejas, semeiam confusão e
procuram frustrar os planos de evangelização. Logo, a igreja não vai avançar se
não conseguir derrotar esses espíritos que colocaram essa barreira no seu
caminho. A igreja precisa vencer esse demônio que controla essa região para
depois poder ganhar as pessoas para Cristo. Isso não é tarefa para cada
cristão. As pessoas precisam de treinamento especial para poder vencer essas
batalhas que é recebido nos seminários específicos de batalha espiritual (Lopes
2001, 41-42). Para isso algumas estratégias são bem comuns:
1 –
Estratégias
para vencer o inimigo no mundo atual
a. Mapeamento Espiritual.
Consiste em localizar os demônios que controlam as áreas a serem evangelizadas.
Tenta-se descobrir o nome dos demônios e as razões pelas quais estão ali.
Faz-se um estudo histórico, social e geográfico da região
para entender o que se passou nesse local. Assim se chega ao perfil dessa
cidade. Mas para descobrir que entidade domina a região, muitas vezes se
recorre a revelação direta de Deus para isso. Ora-se
sobre cada área da cidade. Quando sentirem uma opressão muito
forte marcam esse local como a fortaleza de Satanás. A igreja é chamada
para colocar guerreiros de oração para declarar a queda do trono de Satanás.
Quando isso ocorre a cidade está livre para ser
evangelizada sem impedimentos – a cidade inteira poderá ser ganha para Cristo
(Lopes 2001, 43-44). Em algumas situações se organiza viagens
para países da janela 10/40 e se vista locais estratégicos para descobrir os
demônios que controlam a região e andar por estes locais orando para que Jesus
reine no local. Não se evangeliza nem se pratica atos de compaixão, apenas
oração nesse sentido (Moreau internet). Recentemente Wagner tem ensinado sobre
a necessidade de identificar a “rainha do céu” que se apresenta com diversos
nomes em diversas localidades (Artemis em Éfeso, Cali em Calcuta, Virgem de
Guadalupe no México). Segundo Wagner essa rainha tem mantido mais pessoas fora
do céu do que qualquer outra influência maligna. Wagner organizou nos últimos
anos diversos eventos para amarrar a rainha Artemis de Éfeso, culminando com
uma celebração de louvor por 4 horas no anfiteatro de Éfeso para amarrar
Artemis, o que iria libertar milhões de pessoas do seu domínio na janela 10/40
(Moreau internet)
b. Oração de Guerra. A oração
de guerra consiste em declarar pela fé que em nome de Jesus aquela fortaleza do
inimigo está derrubada e que o poder do maligno está anulado. Os crentes
determinam a vitória de Jesus nesse local e declaram que a cidade pertence a
Cristo. Esta noção está por trás da “Marcha para Jesus”. Nesse processo se
amarram os demônios que prendem a cidade bem como os demônios da imoralidade,
drogas, etc. É necessário dizer o nome do demônio para poder amarrá-lo. A
oração não somente amarra esses demônios como também movimenta as hostes
celestiais para a resistência (Peretti) (Lopes 2001, 44-45)
- basicamente a idéia por
trás dessa estratégia é usar a oração como uma bomba inteligente que identifica
os poderes malignos que impedem a expansão do evangelho e com isso ter
resultados mais eficazes na evangelização mundial (Moreau internet)
2 –
Análise
das Estratégias
- vamos analisar um pouco
mais a fundo essas propostas de mapeamento espiritual e oração de guerra:
- Neuza argumenta que suas
idéias sobre este assunto vieram de Ed Silvoso, da Argentina.
a. A fonte das informações
- A fonte das informações
sobre estes assuntos é sempre complicada: “Quando escrevo que constatamos
através de pesquisas; que verificamos; ou que discernimos o nome ou influencia
de certo demônio, significa que obtivemos tais informações em sessões de
libertação, pelo testemunho de pais e mães-de-santo que se converteram” (Itioka
1998, 51) O difícil é confiar nessas
fontes. As informações podem até estar corretas mas
nunca vamos saber pois estão sujeitos ao pai da mentira. Crer nessas fontes não
traz benefício nenhum pois nunca podemos ter certeza
de sua veracidade.
b. Tendência de controlar a
Deus com nossas ações
-
“Embora incorpore instituições, companhias, corporações, sociedades, a cidade,
é como uma pessoa. Ela nasce, cresce, desenvolve-se, e pode tornar-se um lugar
onde o espírito de Deus tem liberdade de agir ou, ao contrário, um lugar onde
Ele fica entristecido e decide se afastar. Isto depende do como seus moradores
e suas instituições tenham se comportado” (Itioka 1998, 12). Se por um lado é verdade que a história de
uma cidade influencia o comportamento de seus moradores, por outro lado parece
que nós controlamos a Deus aqui. Como Jesus foi a Jerusalém que matava todos os
profetas se o comportamento da cidade faz Deus se afastar? Isso basicamente
fecha as portas para a conversão das pessoas na cidade?
-
“De forma semelhante, João Wesley, disse que Deus nada faz, a não ser responder
orações. E assim, se nós, homens, não intercedermos, as profecias poderão
demorar a se cumprir, os principados ainda ficarão soltos, os pecadores não ser
converterão, a cidade continuará nas mãos do inimigo, o mundo não poderá ver a
manifestação da glória de Deus” (Itioka 1998, 72). “Quando entramos num nível de intercessão
mais profundo, Deus nos leva a trabalhar, a gerar no Espírito aquilo que ainda
não existe, para que tome forma na realidade. Assim, uma cidade inteira, poderá
ser conquistada através da intercessão” (Itioka 1998, 81). Eu acabo limitando a Deus pela quantidade da minha oração. A doutrina
da soberania de Deus fica esquecida e nós criamos ou deixamos de criar as
coisas, inclusive conquistar as cidades para Jesus. Isso é muito próximo da
teologia da prosperidade. Parece que vivemos no maniqueísmo onde Deus e o diabo
são forças de igual para igual e nós podemos ajudar Deus a vencer as batalhas
-
baseado em Mt 18:18 – o que ligardes na terra será ligado no céu, Neuza diz;
“Então você pode guerrear na intercessão, dizendo: ‘Senhor, eu proíbo que
retaliações venham sobre a Igreja, sobre o povo de Deus. Eu proíbo esta
tempestade sobre a cidade e libero a paz de Deus, a fome pela presença de Deus
e a busca de Deus sobre a cidade em nome de Jesus’”(Itioka
1998, 85). O problema com esse texto é
que ele é colocado dentro do contexto da disciplina na igreja e não está ligado
com ordenar Deus a fazer isso ou aquilo. A nítida impressão que nos dá é que
Deus estaria perdido sem a nossa participação, que ele não consegue se virar sem
a nossa intervenção no mundo. Esse texto fala das chaves do reino que seriam o
perdão dos pecados. Aqueles que colocam a sua fé em Deus e no evangelho terão o
perdão dos pecados e aqueles que rejeitam serão condenados a não ser que se
arrependam (Bromiley in Arnold 1997, 168-69). Além disso, esquece da soberania
de Deus sobre o universo. Deus não existe em função do ser humano. As
tempestades e retaliações sobre a igreja podem ser o meio que Deus escolheu
para purificar ou até abençoar a igreja
-
“O seguidor de Jesus Cristo tem um poder extraordinário em sua boca. Quando ele
abre a boca para ordenar, de acordo com a vontade de Deus e, em nome de Jesus
Cristo, as coisas acontecem. A espada do espírito é a nossa arma
ofensiva, e ela está na nossa boca. Vamos orar e conquistar. Vamos dizer
aos principados que Jesus é o Senhor e que eles têm de desistir das regiões e
cidades em que estejam atuando, e que têm de soltar as milhares de criaturas
que estão sob sua opressão” (Itioka 1998, 113)
- mas, centenas de vezes os
demônios têm sido amarrados, mas as estatísticas não mostram uma diminuição nos
crimes, corrupção, imoralidade nas cidades supostamente libertadas (Hunt 1993,
7). Mesmo que outros mencionam o sucesso dessa estratégia, é quase impossível
determinar uma causalidade direta
c. Libertação de cidades
- embora seja necessário libertar as pessoas do
domínio dos demônios também é preciso libertar as cidades com a sua maneira de
ser (Itioka 1998, 13-14). Não temos
nenhuma ordem nem exemplo na Bíblia que nos mostre que isso deve ser feito. Nem
sabemos se podemos libertar cidades, nem sabemos que elas estão presas a
demônios, etc.
-
“Se a Igreja de Jesus Cristo quer levar a sério o trabalho de Missões e
evangelização, é necessário planejar e desenvolver uma estratégia de guerra
espiritual para conquistar localidades, cidades, regiões e países, em nome de
Jesus Cristo”(Itioka 1998, 15)
-
Itioka comenta que as cidades desde Caim receberam nomes que mostram a sua
característica ou personalidade (Itioka 1998, 17). Para mostrar ela cita o
exemplo de Caim que foi para a terra de Node = exílio (heb). Ela ainda cita 3
outros exemplos: Tiro (Is 23:7) – cidade de folia/orgia; Ninive (Na 3:4) –
mestra das feitiçarias; Babilônia (Ap 17:5) – mãe das meretrizes. “Acreditamos que os nomes das cidades
exercem uma função profética sobre as mesmas, influenciando suas
características ou personalidades” (Itioka 1998, 17). A pergunta é se a característica vem antes do nome ou depois? Nos
textos citados os nomes das cidades não tem nada a ver com a
significado dado pela autora (fonte???) mas a cidade é descrita como
local onde essas coisas acontecem. Deus criou cada cidade com um potencial que
pode ser desenvolvido para o bem ou mal. Muitas vezes o nome é dado depois pois se torna a caricatura da cidade por causa do seu
comportamento
- Descrição de São Paulo. “São Paulo leva o nome
desse grande apóstolo e também tem o seu apostolado para abençoar toda a Nação
e todo o continente americano. E certamente, de São Paulo, sairá o maior
movimento missionário do Brasil que abençoará toda a Terra, nesta virada de
milênio, apressando a vinda do Senhor Jesus Cristo” (Itioka 1998, 23). Interessante que aqui o fato de ser “santo”
= “são” e estar ligado com conceitos católicos parece não gerar influência sobre
a cidade. O que poderíamos dizer então de São José do Pinhais?
Será que estará para sempre dominada pelas idéias desse São José? O que é
perigoso também é de ver que nós controlamos a volta de Jesus. Na verdade, o
Espírito Santo convence as pessoas do pecado, e sem ele podemos enviar quantos
missionários queremos e nada vai acontecer.
d. Função da Igreja na Cidade
“A igreja de Jesus Cristo não foi chamada
apenas para salvar pessoas, mas para trazer mudanças nas estruturas, na
natureza caída, no sistema pecaminoso que governa e comanda milhares de vidas,
escravizando-as para destruí-las” (Itioka 1998, 19)
- o
mal na cidade não é somente individual, mas “o pecado de uma comunidade é
reforçado também pelas condições, circunstâncias, e estruturas da própria
cidade” (Itioka 1998, 31)
-
“Entendemos que há um principado poderoso atuando negativamente sobre o Brasil.
Chegamos a essa conclusão observando, entre outras coisas, nossa atmosfera,
nossa irresponsabilidade, nossa malandragem, bem como, nossa proverbial mania
de ‘levarmos vantagem’ em tudo. Porém, onde é mais perceptível a atuação do mal, no País, é por meio da corrupção que se
perpetua no ambiente político e da administração de nossas instituições. Isso
nos leva a identificar um poder satânico poderoso, entre nós, que é quase
invencível por meios normais, o Principado
da Corrupção” (Itioka 1998, 49). Certas
características culturais podem ser tanto usadas para o bem quanto para o mal.
A cultura está com a marca da queda do homem e por isso não é totalmente
neutra. Mas a malandragem do brasileiro é também um dos motivos que leva o
brasileiro a ter aquele jeitinho que tem sido positivo em diversos aspectos na
obra missionária. É aquela mania de achar uma saída diferente que ninguém ainda
tinha pensado. Interessante é ver aqui que ela coloca que Deus está no controle
da cidade, mas que contradiz outros palavras suas
sobre orar, decretar a libertação da cidade, etc.
e. Direito legal sobre os seres
humanos
- Neuza seguidamente
menciona que a “terra que pertence ao Senhor, foi entregue a Satanás quando o
primeiro casal pecou contra Deus. Desde então o nosso inimigo Satanás tem tido
direito - não somente sobre o homem, que dá brecha mas
também sobre a Terra que se contaminou com o pecado do homem – para construir a
sua fortaleza” (Itioka 1998, 52). “É interessante lembrar que, quando Jesus
Cristo acalmou a tempestade Ele usou o mesmo verbo que usava para repreender e
expulsar demônios. Jesus sabia que por trás de tais tempestades há uma força
que comanda o vento e a chuva ...” (Itioka 1998, 64,
ver também 85). O fato de que Jesus
repreende os ventos usando a mesma palavra não significa necessariamente que se
trata de influência demônica. Qualquer força hostil pode ser repreendida por
Jesus seja, demônio, doença, ou forças da natureza (Bock 1994, 762). Pode
também ser que por causa do pensamento protológico da época, as pessoas não
conseguiam diferenciar entre causas primárias e secundárias, o que levaria as
pessoas a atribuir tudo aos seres do mundo intermediário. Não fica claro nesse
texto que Jesus se dirige ao vento como agente pessoal (Fitzmyer 1979, 545,
730). O que é muito mais coerente é de vermos Jesus como implantando o reino de
Deus sobre a terra e resgatando tudo que o pecado manchou. Um dia tudo estará
debaixo dos seus pés. Tanto o vento, a tempestade, as doenças, todo o mal,
entrou na terra como resultado do pecado. Jesus agora vai restaurar ordem nessa
terra. O diabo tem uma certa autonomia sobre a terra mas
dentro dos limites estabelecidos por Deus (amarrado com uma corda bem comprida
– Cullmann). Assim como Jesus veio e estabeleceu o seu reino sobre a terra, mas
este ainda não está presente na sua totalidade, da mesma forma o diabo já foi
derrotado, mas continua atuando fortemente. Ele não pode impedir Jesus de
implantar o seu reino, mas tenta e faz tudo o que pode. A última batalha é
descrita no Apocalipse, mas o vencedor já está determinado (Guelich 1991, 39).
f. Mapeamento Espiritual
Neuza
sugere que precisamos pesquisar para saber quem é o homem forte que está
governando a cidade
i. Analise a personalidade da
cidade – pelas atividades e o comportamento dos seus habitantes.
ii. Isole-se num lugar em jejum
e oração e enfrente o principado que controla a cidade – a identificação do
principado ocorre através da revelação.
iii. Pesquise a história da
fundação da cidade – quem foi homenageado – se houve matança/extermínio de índios – relacionamento forte com o poder das trevas.
iv. A história da cidade pode
dar alguma luz importante para discernir o principado reinante –disputas
políticas, assassinatos em massa, corrupção, etc.
v. Procure saber quem é o
padroeiro da cidade, que entidade comanda a Igreja Católica local.
vi. Procure saber quais o pontos religiosos mais importantes da cidade.
vii. Verifique os pontos onde
acontecem desastres estranhos e mortes inexplicáveis.
viii. Identifique os portais da
cidade – locais/coisas que influenciam – canais de TV, prefeitura, etc.
ix. Identifique os pecados mais
freqüentes da cidade.
Se o mapeamento é feito para descobrir a
história da cidade e conhecê-la melhor, com certeza será de proveito. No
entanto, se queremos descobrir o homem forte da cidade
teremos problemas, já que a Bíblia nunca ensina que devemos fazê-lo, e
não saberemos se achamos o príncipe ou não. Jesus, nem Paulo, nem outro
apóstolo achava essa questão relevante o bastante para nos informar a respeito.
Nessa questão de mapeamento como descrito por Itioka, temos algo muito
perigoso. Estamos preparando uma nova doutrina da Bíblia com base em nova
revelação que não temos na Bíblia. Se existem espíritos territoriais, ou não,
podemos discutir, mas é ponto pacífico que a Bíblia nunca nos ensina a
identificar esses espíritos, nem a lutar contra eles.
- o mapeamento pode ajudar a determinar a situação das pessoas em uma
certa localidade o que nos ajuda a orar de modo mais específico bem como
ensinar e discipular melhor os novos convertidos (Moreau internet)
g. Pedir perdão pelos pecados da cidade – perdão
por identificação
-
“Desta forma destruímos e cancelamos o direito legal que estes pecados deram ao
inimigo, ao longo do anos, para construir fortalezas
sobre a cidade, sobre a nação, libertando-as dos principados e potestades que
impediam o crescimento do Reino de Deus” (Itioka 1998, 115). “Numa situação de
conquista, para enfraquecer e quebrar o poder os principados e potestades sobre
a cidade, é fundamental haver confissão dos pecados da
cidade perante Deus” (Itioka 1998, 116).
- basicamente a idéia de pedir
perdão por identificação tem alguns passos: 1) identificar o pecado
nacional; 2) confessar o pecado de
maneira corporativa e pedir perdão a Deus;
3) aplicar o sangue de Jesus; 4)
andar em obediência a restituir o dano (esse passo pode
incluir a mudança de leis ou fazer pagamentos para efetuar a restituição pelos
danos causados. Em alguns casos se organizam caminhadas para orar e
pedir perdão pelos danos causados, como grupos que percorreram o caminho das
Cruzadas para pedir perdão (Moreau internet)
- apesar de termos diversos exemplos no AT de pessoas pedindo perdão pelos pecados do
povo, não temos nenhum mandamento nos instruindo dessa forma, nem
prometendo os resultados acima divulgados. Em geral trata-se
mais de uma constatação de que a aliança com Deus foi quebrada e que o
perdão de Deus é necessário para o povo. Alguns que defendem essa prática acham
que podemos pedir que a maldição pelos pecados do povo podem
ser tiradas via o arrependimento em prol de outros (Arnold 1997, 179-80). Nem
Paulo, nem Daniel se identificam com os pecados dos povos pagãos dos quais não
participaram (Éfeso e Babilônia) para ver se o coração dos pagãos fica mais
acessível para Deus. Se pedimos perdão pelos
traficantes da cidade, isso ainda não vai mudar a vida deles, já que estes
estão sendo controlados por poderes demoníacos. No caso de Neemias e Daniel que
pedem pelos pecados de Israel, eles se tornam os representantes do povo e pedem
pelos pecados do povo de Deus. Eles procuram levar o povo a reconhecer o seu
pecado e que o castigo é merecido. Hoje, a confissão por identificação pode
levar pessoas a serem curadas da amargura. Essa confissão tende a tornar claro
dentro de nós onde estamos cegos para atitudes que magoam outras pessoas
(Arnold 1997, 177-185). Se pedimos perdão pelos
pecados ligados com a escravidão, não podemos remeter os pecados da época, mas
isso pode abrir a mente do povo de Deus para a prática do racismo que continua
existindo entre os cristãos. Assim pontes podem ser feitas com as pessoas que
sofrem por causa da discriminação. Por outro lado, o que mais preocupa nessa
abordagem é que se enxerga o mundo espiritual como leis que podemos conhecer e
depois usar para nosso benefício. A questão da relação entre Deus e os humanos
e muito mais um relacionamento do que leis frias
- o perdão por identificação pode ajudar as pessoas a lidar com o
pecado corporativo. Mas isso não capacita os cristãos a remir o pecado da
população incrédula da cidade, tirar o julgamento de Deus sobre elas ou
resultar no enfraquecimento dos espíritos territoriais sobre a população
incrédula (Moreau internet)
3 – Base bíblica para espíritos
territoriais segundo Wagner (ele a chama de hipótese)
- Paulo afirma que “a nossa luta não é contra seres humanos, mas
contra os poderes e autoridades, contra os dominadores deste mundo de trevas,
contra as forças espirituais do mal nas regiões celestiais” (Ef 6:12).
Segundo Wagner vemos aqui que a batalha é real e algo de nível. Jesus quando
explicava sobre a vinda do Reino de Deus se referiu a amarrar o homem forte (Mt
12:29). Para Wagner se trata de amarrar os espíritos maus já que a palavra de
Jesus conduz a isso: “28 Mas se é pelo
Espírito de Deus que eu expulso demônios, então chegou a vocês o Reino de Deus.
29 “Ou, como alguém pode entrar na casa do homem forte
e levar dali seus bens, sem antes amarrá-lo? Só então poderá roubar a casa dele” (Mt 12:28-29). Jesus demonstra esse processo ao se referir
ao controle do homem forte sobre a casa. Logo seria razoável que esse princípio
se aplicasse a uma nação, cidade, ou então um grupo étnico. A casa é o local
controlado por Satanás ou seus demônios e esse território somente pode ser
conquistado se o homem forte for amarrado. Uma vez que os espíritos
territoriais estão amarrados o rei de Deus pode fluir para dentro desse
território e saquear os bens da casa do homem forte (Wagner 1990, 78)
- adiante
Wagner se baseia em Deut 32, que será visto abaixo para mostrar que há
governadores celestiais, que seriam principados e poderes, as forças
espirituais do mal de Ef 6:12). Depois vai para Dan 10 onde são citados os
príncipes da Pérsia e o príncipe da Grécia e que um anjo não conseguiu vence-lo
até que Miguel veio em sua ajuda. Adiante afirma que espíritos territoriais são
óbvios da dominação geográfica da Terra Prometida conquistada por Josué. Os
israelitas são repreendidos por servirem aos outros deuses. Algumas das
divindades adoradas são citadas na Bíblia: “29
No entanto, cada grupo fez seus próprios deuses nas diversas cidades em que
moravam e os puseram nos altares idólatras que o povo de Samaria havia feito.
30 Os da Babilônia fizeram Sucote-Benote, os de Cuta fizeram Nergal e os de
Hamate fizeram Asima; 31 os aveus fizeram Nibaz e Tartaque; os sefarvitas
queimavam seus filhos em sacrifício a Adrameleque e Anameleque, deuses de
Sefarvaim” (2 Rs 17:29-31). Jeremias se refere à queda da Babilônia com
frases tais como “Bel foi humilhado,
Marduque está apavorado [quebrado em pedaços]” (Jer 50:2). Uma situação
específica citada por Wagner é o encontro de Paulo com Elimas em Chipre. O
relacionamento próximo de Elimas com as autoridades sugere uma dominação
espiritual da região. Mesmo que o principado não é identificado por nome,
quando ocorre o confronto de poder e o poder de Elimas (chamado de filho do
diabo) é quebrado, o procônsul crê. A tentativa satânica de cegar a sua mente
falhou (At 13:6-12) (Wagner 1990, 79-80)
- depois disso Wagner vai
citar diversos casos contemporâneos no mundo todo para provar
a sua idéia. Os exemplos são citados a ele por pessoas que ele considera
dignas de confiança, e segundo ele precisam ser avaliados, mas por incrível que
pareça são usados por ele para atestar a sua hipótese.
Alguns desses exemplos não podem ser confirmados, já que Wagner é conhecido por
aumentar as suas histórias
- Wagner também nos adverte
contra alguns perigos desse movimento
a. Simplesmente um jogo de palavras.
Usar palavras para amarrar Satanás como se fossem uma fórmula
mágica. Isso pode levar a uma falsa impressão de vitória
b. Subestimar o inimigo.
Diferente do ministério de libertação pessoal, mexer com espíritos territoriais
é trabalho de outro nível. Se você entrar nessa sem estar preparado Satanás
pode lançar conseqüências fortes sobre você. Ele cita o caso de uma pessoa que
morreu por causa disso
c. Expectativa do poder sem
oração. A essência da oração é um relacionamento pessoal com o Pai. A oração
precisa acompanhar toda tentava de invocar o poder divino, pois somente assim
podemos saber o que o Pai está fazendo em determinada situação. Se a
metodologia de quebrar o poder dos espíritos territoriais é nossa e não bíblica, isso
tudo é palhaçada. Somente na intimidade com Deus podemos ganhar a percepção
espiritual de sua vontade para determinada situação
d. Sobrestimar o poder.
Demonstrações de poder por si só nunca salvaram as pessoas. Jesus mesmo
advertiu os 70 que se alegrassem porque os nomes deles estavam escritos no céu
e não porque os espíritos estavam sujeitos a eles (Lc 10:20) (Wagner 1990, 87)
- um dos elementos que mais
nos chama a atenção é o elemento metodológico de Wagner. Van Engen falando
sobre o crescimento da igreja, diz que a nossa avaliação teológica precisa
iniciar “de cima” a partir da revelação de Deus em Cristo e somente depois ser
aplicado para as teorias de crescimento de igreja. Se fizermos o contrário
vamos presumir que as hipóteses envolvidas nessas teorias estão corretas mesmo
antes de avaliá-las (Van Engen 1981, 26). Esse é exatamente o problema da
metodologia de Wagner com relação ao crescimento de igreja e consequentemente
também para a batalha espiritual. Wagner argumenta que o problema dos seus
críticos está na metodologia que utilizam. Segundo ele para muitos a utilização
das ciências sociais como uma disciplina cognata os atrapalha porque produz uma
metodologia fenomenológica que parece muito subjetiva para diversos teólogos
tradicionais. Segundo ele precisamos olhar para o que “é” ao invés daquilo que
“deveria ser”. O que as pessoas experimentam em suas vidas nem sempre é
precedida de uma racionalização teológica cuidadosa. Para ele muitas vezes a
seqüência é exatamente oposta. Assim muitos rejeitam o que “acontece” simplesmente
porque não se encaixa naquilo que “deveria ser” do seu entendimento das
Escrituras. Muitos dos teólogos diriam que aceitam a validade sociológica do
argumento, mas não a validade teológica. Mas estes teólogos não percebem o quanto estão influenciados por outros valores culturais
contemporâneos (Wagner, Arn, and Towns 1986, 32-34). Creio que é exatamente
este o problema de Wagner, quando se confunde o fenômeno com a Bíblia. O que
“acontece” é interpretado como obra de Deus e se torna a Bíblia para eles, com
autoridade igual ou até superior à Bíblia a ponto de buscarem justificação
teológica para explicar o que “aconteceu”. Nesse processo criticam a
interpretação tradicional da Bíblia, criticando os teólogos de fazê-lo com seus
óculos cultural, mas não percebem que eles estão muito mais influenciados pelo seu óculos que olha para um fenômeno que não pode ser
repetido e que é experimentado com o filtro pessoal e depois expresso em
palavras passando mais uma vez pelo filtro pessoal, sem que haja controles externos,
como podemos exercer sobre as Escrituras. A conseqüência para a igreja é o
pragmatismo. Mesmo que Wagner admite que esse método é usado como ponto de
partida, uma vez dentro dessa maneira de pensar, é praticamente impossível sair
dela, já que é uma questão de cosmovisão
- vamos fazer uma análise
dos espíritos territoriais na Bíblia e depois caminhar para analisar um pouco
mais a fundo o mapeamento espiritual e a oração de guerra
4 – Espíritos Territoriais
na Bíblia
- no AT havia um paradoxo
que não era resolvido facilmente: Como reconciliar o particularismo da eleição
de Israel com o conceito de que todas as nações do mundo precisam prestar
contas para o Deus de Israel. Uma tentativa de conciliar essas duas idéias se
encontra nas descrições de Javé estando no topo da assembléia das divindades
chamadas “filhos de Deus”: “Atribuam ao
Senhor, ó seres celestiais (filhos de Deus), atribuam ao Senhor glória e força”
(Sl 29:1); “6 Pois, quem nos céus poderá
comparar-se ao Senhor? Quem dentre os seres celestiais (deuses/poderosos)
assemelha-se ao Senhor? 7 Na assembléia dos santos Deus é temível, mais do que
todos os que o rodeiam” (Sl 89:6-7) (Stuckenbruck 2000, 29)
- a Bíblia apresenta algumas
passagens que poderiam indicar que existe alguma coisa como espíritos
territoriais
a. Deut 32:8 – “Quando o Altíssimo deu às nações a sua
herança, quando dividiu toda a humanidade, estabeleceu
fronteiras para os povos de acordo com o número dos filhos de Israel”. A LXX traz filhos/anjos de Deus. A
idéia aqui é que o número de nações está ligada com o número
desses filhos/anjos de Deus (Craigie 1976, 379, Arnold 1997, 151) e que
nações específicas estão associadas a determinados anjos (Arnold 2000, 940).
Mas o povo de Israel está debaixo da jurisdição de Javé (Stuckenbruck 2000,
29). O que freqüentemente é esquecido nesta passagem é que a soberania de Deus
está colocada sobre todos os povos e nações (Arnold 1997, 150). Somente Yahweh
determina as fronteiras das nações [e não os outros deuses]: “Quando o Altíssimo deu às nações a sua
herança, quando dividiu toda a humanidade, estabeleceu fronteiras para os povos ...” (Deut 32:8); “Vocês, israelitas, não são para mim melhores do que os etíopes”,
declara o SENHOR. “Eu tirei Israel do Egito, os filisteus de Caftor e os
arameus de Quir” (Am 9:7). Mesmo que as outras nações viam que sua terra
era dada pelos seus respectivos deuses, Yahweh, na verdade, é o único que
designa as terras para os povos
b. Sl 82:1-8
– esse texto, bem como Jó 1 e Zac 3:1-2 falam de uma reunião que Deus tem com os
deuses (anjos, ou filhos dos deuses): “1
É Deus quem preside à assembléia divina; no meio dos deuses, ele é o juiz. 2
Pausa][“Até quando vocês vão
absolver os culpados e favorecer os ímpios? [Pausa]3 "Garantam justiça
para os fracos e para os órfãos; mantenham os direitos dos necessitados e dos
oprimidos. 4 Livrem os fracos e os pobres; libertem-nos das mãos dos ímpios. 5 "Eles nada sabem, nada entendem. Vagueiam pelas
trevas; todos os fundamentos da terra estão abalados. 6 "Eu disse: Vocês
são deuses, todos vocês são filhos do Altíssimo. 7 Mas vocês morrerão como
simples homens; cairão como qualquer outro governante.” 8
Levanta-te, ó Deus, julga a terra, pois todas as nações te pertencem”. Aqui Deus está chamando a
atenção da assembléia divina por não fazerem justiça às nações, no que se
refere a proteção dos pobres e desamparados. Como não cumpriram a justiça como
deveriam, são condenados à morte (Page 1995, 54). Existe muita discussão sobre
quem seriam os componentes dessa assembléia divina: homens sobrenaturais, seres
humanos – juízes, povo de Israel. A referência provável é que esses são anjos
caídos que exercem influência sobre as nações da terra (Page 1995, 56-59;
Stuckenbruck 2000, 29). Em Sl 82, esses anjos são chamados a prestar contas
pela influência negativa que exerceram sobre as pessoas da terra e por isso são
julgados, até condenados à morte. Algumas passagens do AT dão a entender que
Deus governa o mundo com a ajuda de um conselho de seres espirituais (Sl 29:1;
82; 89:5-9; 1 Rs 22:19-23). Mas a dependência completa desses “filhos de Deus”
a Deus nunca é questionada (Hartley 1988, 71; Stuckenbruck 2000, 29). Esses
seres espirituais como “responsáveis” pelas nações se responsabilizavam pelo
tipo de líderes que colocavam para governar essas nações. Mas esses “anjos” não
operavam diretamente, e sim através dos líderes das nações (da mesma forma como
Deus normalmente opera através das pessoas). Esses líderes eram de certa forma
a extensão da presença divina sobre a terra em questões terrenas. Os julgamento
dos “anjos” é ao mesmo tempo o julgamento dos líderes sobre a terra (Tate 1990,
341). Evidentemente alguns desses anjos não direcionaram a adoração das pessoas
ao Deus verdadeiro e buscaram a veneração a si mesmos e se apresentaram de
maneira falsa como deuses (Arnold 2000, 940).
c. Is 24:21-22 – “Naquele dia o Senhor castigará os poderes em
cima nos céus e os reis embaixo na terra. 22 Eles serão arrebanhados como
prisioneiros numa masmorra, trancados numa prisão e castigados depois de muitos
dias”. Dá a entender desses versos que os anjos caídos têm influência forte
sobre os reinos na terra e que serão julgados (Arnold 2000, 940). A discussão
se esse texto trata dos reis das nações, ou eventualmente sobre anjos
padroeiros das nações é grande. Da perspectiva de Israel estes eram anjos
caídos (Page 1995, 61). Esse texto juntamente com Sl 82 está falando sobre o
julgamento divino sobre os anjos desobedientes e que terão o mesmo destino dos
homens desobedientes. Esse texto acrescenta que eles serão encarcerados num
estado intermediário esperando o julgamento. Essa é a única passagem do AT que
menciona essa situação. No NT 2 Pe 2:4 e Jd 6 dão a mesma idéia. Pode ser que a
referência aos espíritos em prisão de 1 Pe 3:19 se refira à mesma situação
(Page 1995, 61-62)
d. Sal 96:5 “Todos os deuses das nações não passam de
ídolos, mas o Senhor fez os céus”; Sl 106:37-38 “37 Sacrificaram seus filhos e suas filhas aos demônios. 38 Derramaram
sangue inocente, o sangue de seus filhos e filhas sacrificados aos ídolos de Canaã;
e a terra foi profanada pelo sangue deles”; Deut 32:16-17 “16 Eles o deixaram com ciúmes por causa dos
deuses estrangeiros, e o provocaram com os seus ídolos abomináveis. 17
Sacrificaram a demônios que não são Deus, a deuses que não conheceram, a deuses
que surgiram recentemente, a deuses que os seus antepassados não adoraram”.
Esses poderes mascarados de deuses, na verdade são espíritos demoníacos. Deut
32 que já falou sobre anjos da guarda sobre determinadas nações menciona que
Israel provocou o ciúme em Deus adotando deuses estrangeiros: Israel estava
sacrificando a demônios. Eles deixaram o Deus verdadeiro para se devotar a
anjos caídos, mesmo que não sabiam disso. Esses deuses enganavam as pessoas
posando como se fossem os governadores onipotentes do céu e da terra (Arnold
2000, 940; 1997, 152). Esses deuses/demônios iam a
ponto de pedir sacrifícios humanos de seus devotos. Alguns chamam essas
divindades locais de espíritos territoriais (Arnold 2000, 940). A idéia era de
que o deus do povo que vencia as batalhas esse era o deus mais forte e,
portanto governava aquele local (1 Rs 20:23, 28 – Deus das montanhas ou
planícies). Mas nem todos os deuses pagãos tinham uma conotação territorial
(Arnold 1997, 153)
- aqui cabe fazer uma
pequena análise sobre a questão dos ídolos e demônios. Toda batalha de Israel
na conquista da Terra Prometida era vencida ou perdida no campo espiritual.
Quando Israel obedecia a Deus, Deus lhe dava vitória independente da situação
militar (Warner 2000, 903). A batalha não era entre Deus e os deuses como
Warner sugere, porque Deus é soberano e tinha decidido dar esta terra a Israel.
A batalha é pela fidelidade dos israelitas. Deus usa diversas ferramentas para
trazer Israel a adorá-lo unicamente, mesmo que isso implique em utilizar as
nações, que Israel resolveu não expulsar, para que Israel se lembre do seu
Deus. Mas como Warner no lembra (2000, 903), no AT os ídolos são tratados com
desprezo já que não tem poder algum:
Sl 115:4-8 - “4 Os ídolos deles, de prata e ouro, são
feitos por mãos humanas. 5 Têm boca, mas não podem falar, olhos, mas não podem
ver; 6 têm ouvidos, mas não podem ouvir, nariz, mas não podem sentir cheiro; 7
têm mãos, mas nada podem apalpar, pés, mas não podem andar; e não emitem som
algum com a garganta. 8 Tornem-se como eles aqueles que os fazem e todos os que
neles confiam” (Sl 115:4-8);
Is 40:18-20 - “18 Com quem vocês compararão Deus? Como
poderão representá-lo? 19 Com uma imagem que o artesão funde, e que o ourives
cobre de ouro e para a qual modela correntes de prata? 20 Ou com o ídolo do
pobre, que pode apenas escolher um bom pedaço de madeira e procurar um
marceneiro para fazer uma imagem que não caia?” (Is 40:18-20);
Is 44:9-20 - “9 Todos os que fazem imagens nada são, e as
coisas que estimam são sem valor. As suas testemunhas nada vêem e nada sabem,
para que sejam envergonhados. 10 Quem é que modela um deus e funde uma imagem,
que de nada lhe serve? 11 Todos os seus companheiros serão envergonhados; pois
os artesãos não passam de homens. Que todos eles se ajuntem e declarem sua
posição; eles serão lançados ao pavor e à vergonha. 12 O ferreiro apanha uma
ferramenta e trabalha com ela nas brasas; modela um ídolo com martelos, forja-o
com a força do braço. Ele sente fome e perde a força; passa sede e desfalece.
13 O carpinteiro mede a madeira com uma linha e faz um esboço com um traçador;
ele o modela toscamente com formões e o marca com compassos. Ele o faz na forma
de homem, de um homem em toda a sua beleza, para que habite num santuário. 14
Ele derruba cedros, talvez apanhe um cipreste, ou ainda um carvalho. Ele o
deixou crescer entre as árvores da floresta, ou plantou um pinheiro, e a chuva
o fez crescer. 15 É combustível usado para queimar; um pouco disso ele apanha e
se aquece, acende um fogo e assa um pão. Mas também modela um deus e o adora;
faz uma imagem e se encurva diante dela. 16 Metade da madeira ele queima no
fogo; sobre ela ele prepara sua refeição, assa a carne e come sua porção. Ele
também se aquece e diz: “Ah! Estou aquecido; estou
vendo o fogo”. 17 Do restante ele faz um deus, seu
ídolo; inclina-se diante dele e o adora. Ora a ele e diz: “Salva-me; tu és o
meu deus”. 18 Eles nada sabem, nada entendem; seus olhos estão tapados, não
conseguem ver, e suas mentes estão fechadas, não conseguem entender. 19 Ninguém
pára para pensar, ninguém tem o conhecimento ou o entendimento para dizer:
“Metade dela usei como combustível; até mesmo assei pão sobre suas brasas,
assei carne e comi. Faria eu algo repugnante com o que sobrou? Iria eu
ajoelhar-me diante de um pedaço de madeira?” 20 Ele se
alimenta de cinzas, um coração iludido o desvia; ele é incapaz de salvar a si
mesmo ou de dizer: “Esta coisa na minha mão direita não é uma mentira?””
(Is 44: 9-20);
Jer 10:3-16 - “3 Os costumes religiosos das nações são
inúteis: corta-se uma árvore da floresta, um artesão a modela com seu formão; 4
enfeitam-na com prata e ouro, prendendo tudo com martelo e pregos para que não
balance. 5 Como um espantalho numa plantação de pepinos, os ídolos são
incapazes de falar, e têm que ser transportados porque não conseguem andar. Não
tenham medo deles, pois não podem fazer nem mal nem bem”. 6 Não há
absolutamente ninguém comparável a ti, ó Senhor; tu és grande, e grande é o
poder do teu nome. 7 Quem não te temerá, ó rei das nações?
Esse temor te é devido. Entre todos os sábios das nações e entre todos os seus
reinos não há absolutamente ninguém comparável a ti. 8 São todos insensatos e
tolos; querem ser ensinados por ídolos inúteis. Os deuses deles não passam de
madeira. 9 Prata batida é trazida de Társis, e ouro,
de Ufaz. A obra do artesão e do ourives é vestida de azul e de vermelho; tudo
não passa de obra de hábeis artesãos. 10 Mas o Senhor é o Deus verdadeiro; ele
é o Deus vivo; o rei eterno. Quando ele se ira, a terra treme; as nações não
podem suportar o seu furor. 11 “Digam-lhes isto: Estes deuses, que não fizeram
nem os céus nem a terra, desaparecerão da terra e de debaixo dos céus”. 12 Mas
foi Deus quem fez a terra com o seu poder, firmou o mundo com a sua sabedoria e
estendeu os céus com o seu entendimento. 13 Ao som do seu trovão, as águas no
céu rugem, e formam-se nuvens desde os confins da terra. Ele faz os relâmpagos
para a chuva e dos seus depósitos faz sair o vento. 14 Esses homens todos são
estúpidos e ignorantes; cada ourives é envergonhado pela imagem que esculpiu.
Suas imagens esculpidas são uma fraude, elas não têm fôlego de vida. 15 São
inúteis, são objetos de zombaria. Quando vier o julgamento delas, perecerão. 16
Aquele que é a porção de Jacó nem se compara a essas imagens, pois ele é quem
forma todas as coisas, e Israel é a tribo de sua propriedade, Senhor dos
Exércitos é o seu nome” (Jer 10:3-16)
Por outro lado o espírito
que está por trás do ídolo é tratado como real
Deut 32:16-17 - “16
Eles o deixaram com ciúmes por causa dos deuses estrangeiros, e o provocaram
com os seus ídolos abomináveis. 17 Sacrificaram a demônios que não são Deus, a
deuses que não conheceram, a deuses que surgiram recentemente, a deuses que os
seus antepassados não adoraram”
Sl 106:37-38 - “37
Sacrificaram seus filhos e suas filhas aos demônios. 38 Derramaram sangue
inocente, o sangue de seus filhos e filhas sacrificados aos ídolos de Canaã; e
a terra foi profanada pelo sangue deles”;
1 Co 10:18-20 - “18
Considerem o povo de Israel: os que comem dos sacrifícios não participam do
altar? 19 Portanto, que estou querendo dizer? Será que o sacrifício oferecido a
um ídolo é alguma coisa? Ou o ídolo é alguma coisa? 20 Não! Quero dizer que o
que os pagãos sacrificam é oferecido aos demônios e não a Deus, e não quero que
vocês tenham comunhão com os demônios”
- Israel se afastava de Deus
e adorava os deuses das nações vizinhas que eram considerados deuses locais, e as vezes ligados a pecados específicos (Arnold 1997, 153).
- diversos textos rabínicos
atestavam que Israel fora escolhido especialmente por Deus e por isso o seu
relacionamento era diretamente com Yahweh enquanto as outras nações optaram por
anjos/padroeiros espirituais. De acordo com Filo, Deut 32 se refere a anjos
colocados por Deus sobre as nações. O livro de Eclesiástico 17:11-18 enfatiza
que Israel é a porção de Deus enquanto os outros seres celestiais governam
sobre os povos gentios. Mas mesmo aqui a soberania de Deus é enfatizada
(Stuckenbruck 2000, 29-30)
- se essas pressuposições de
fato são verdadeiras não sabemos. Poderia ser uma forma de Deus se comunicar de
forma que os seres humanos entendessem. Mas não podemos descartar uma
possibilidade real de que existam espíritos e anjos que estejam colocados sobre
certos povos.
- na literatura rabínica judia
antiga estava presente o conceito de anjos da guarda ou advogados das
nações dos gentios. Isso era muito similar ao conceito das divindades nacionais
do Antigo Oriente Médio. Ambos parecem ter uma base comum (Stuckenbruck 2000, 30)
- mas esses textos somente falam dessas divindades
sem especificar se são boas ou ruins. Mas em Sl 82:7 as divindades são
responsabilizadas por não fazer justiça. Mas a literatura pseudepígrafa também
começa a apresentar um dualismo forte na cosmologia. A eleição de Israel é
contrastada com a designação de espírito ou anjos sobre as nações que as levam
para o mal caminho. A pressuposição é que essas
divindades nem sempre estão debaixo do controle de Deus enquanto que os anjos
que obedecem a Deus agem em favor do povo de Israel. Em outro escrito as nações correspondem a 70 “pastores” angelicais que em
suas respectivas áreas recebem a tarefa de cumprir o castigo divino contra os
infiéis de Israel. Mas esses pastores se tornam desobedientes por sua própria
conta e excedem os limites estabelecidos por Deus na sua função. Outro conceito
é que os conflitos político-religiosos são o reflexo de conflitos nas regiões
celestiais. Esse conceito também pode ser visto em Dan 11-12 onde há príncipes
de um lado lutando contra príncipes do outro lado. Em algumas situações os
conflitos entre nações ou pessoas (ex. Esaú e Jacó) são vistos como lutas entre
anjos. Os anjos bons são vistos como garantia da presença de Deus agindo no
mundo em prol do seu povo (Stuckenbruck 2000, 30-31)
e. o texto central para a
existência de espíritos territoriais é Dan 10:12-14, 20-21 “12 Então,
me disse: Não temas, Daniel, porque, desde o primeiro dia em que aplicaste o
coração a compreender e a humilhar-te perante o teu Deus, foram ouvidas as tuas
palavras; e, por causa das tuas palavras, é que eu vim. 13 Mas o príncipe do
reino da Pérsia me resistiu por vinte e um dias; porém Miguel, um dos primeiros
príncipes, veio para ajudar-me, e eu obtive vitória sobre os reis da Pérsia. 14
Agora, vim para fazer-te entender o que há de suceder ao teu povo nos últimos
dias; porque a visão se refere a dias ainda distantes” . . . “20 E ele disse:
Sabes por que eu vim a ti? Eu tornarei a pelejar contra o príncipe dos persas;
e, saindo eu, eis que virá o príncipe da Grécia. 21 Mas eu te declararei o que
está expresso na escritura da verdade; e ninguém há que esteja ao meu lado
contra aqueles, a não ser Miguel, vosso príncipe”.
- em 11:5 Daniel ainda se refere ao rei do sul que
será derrotado por outro príncipe. Os proponentes da ‘batalha espiritual’
explicam que para que o anjo pudesse chegar a Daniel precisava primeiro vencer
o príncipe da Pérsia. Para eles essa seria a única interpretação viável [a interpretação que são espíritos territoriais, já que Miguel
também é descrito como príncipe nesse texto (Arnold 2000, 941)]. Seja como for,
o que fica evidente é que os principies de Pérsia e Grécia são hostis aos
propósitos de Deus, e portanto, anjos rebeldes. Esses
príncipes se opõem aos propósitos de Deus para com Israel e esse
conflito com as forças celestiais pró-Israel afetam o relacionamento
entre as nações com as quais estão aliados. A situação de conflito nas regiões
celestes se reflete sobre os conflitos sobre a terra. Presume-se que o
antagonismo do príncipe de Pérsia nas regiões celestes se manifesta na oposição
enfrentada por Israel quando tenta reconstruir as muralhas e o templo em
Jerusalém (Esd 4). Mais tarde, Israel se acharia sob o controle da Grécia,
outro poder externo, sobre o qual o príncipe da Grécia faz alusão. Logo, as 3
semanas de jejum coincidem com a luta do anjo anônimo com o príncipe da Pérsia.
Parece que a oração de Daniel tem uma parte de influência no destino das
nações. A reconstrução de Jerusalém e do templo não estão tendo sucesso. A
oração de Daniel e a intervenção de Miguel garantem que os propósitos de Deus
para com Israel não serão frustrados. A resposta à oração de Daniel é
postergada por causa dos conflitos nas esferas celestiais. Mesmo assim os
adversários de Israel nas regiões celestiais não têm a última palavra. O que
fica evidente nesse texto é a existência de seres invisíveis que atuam sobre a
nossa realidade. Mas o poder desses poderes é limitado (Page 1995, 63-64)
- uma outra interpretação pode ser feita. Se olharmos para as circunstâncias históricas vemos que Daniel
estava jejuando e orando provavelmente porque a construção do templo em
Jerusalém havia sido interrompida. Seria muito possível que Daniel aqui
estivesse orando pelos príncipes da Pérsia que tinham a autoridade política
sobre Israel e que podiam ajudá-los na oposição que os judeus enfrentavam dos
samaritanos nessa situação. Isso seria uma outra interpretação possível (Priest
et al. 1995, 70-73). Mesmo que sejam seres sobrenaturais [como a maioria dos
estudiosos acha], isso ainda é muito diferente do que os proponentes dos
espíritos territoriais querem fazer entender (Priest et al. 1995, 73). Arnold
argumenta que talvez “espíritos do império” seria uma descrição melhor (Arnold
1997, 153). A conotação de geografia está baseada no pensamento pagão da época.
Ali são mencionados o príncipe da Pérsia e o da Grécia.
Não vemos, no entanto, nenhuma tentativa de Daniel para lutar contra esses
príncipes, nem que tenha algum poder para amarrá-los, etc. Essa nem era a
intenção de Daniel
- a Bíblia mostra claramente
que os deuses não controlam certas áreas como os pagãos achavam. Deus se
mostrava superior a esses deuses e os derrotava. Deus não tinha menos controle
sobre essas áreas do que outras (Priest et al. 1995, 74-75), mesmo que os
pagãos, e mesmo Israel paganizado cria nisso
- trata-se claramente de uma
questão de cosmovisão. A cosmovisão ocidental essa presença dos espíritos ou
anjos enquanto que a cosmovisão dos povos pagãos da época tratava a presença
desses seres como algo corriqueiro. Muitas pessoas lêem a Bíblia como se esta
descrição de fato fosse uma descrição da realidade, sem verificar se a Bíblia
aceita ou condena tal cosmovisão. Algumas pessoas como Neuza Itioka argumenta
que perdemos a riqueza da visão animista
- o NT é silencioso quanto a
essa questão de espíritos territoriais. Nenhuma menção clara é feita a eles. 1
Co 2:6, 8 nos fala dos dominadores desse mundo que incitaram a morte de Jesus.
A discussão sobre esse texto é grande e uns argumentam que seriam demônios que
influenciaram os líderes a matarem Jesus (Arnold 1997, 156; Blomberg 1995, 63;
contra Fee 1987, 103-4 que diz que não há base para crer isso). Seja lá como
for, a igreja primitiva via a ação do Deus soberano atrás destas ações: “26 Os reis da terra se levantam, e os
governantes se reúnem contra o Senhor e contra o seu Ungido’. 27 De fato,
Herodes e Pôncio Pilatos reuniram-se com os gentios e com o povo de Israel
nesta cidade, para conspirar contra o teu santo servo Jesus, a quem ungiste. 28
Fizeram o que o teu poder e a tua vontade haviam decidido de antemão que
acontecesse” (At 4:26-28). Isso deixa claro que, independente da atuação
dos demônios sobre a liderança, ou de espíritos territoriais, estes estão
debaixo da soberania de Deus
- 1 Co 10:20 – “Quero dizer que o que os pagãos sacrificam é
oferecido aos demônios e não a Deus ...”. Esse
texto acaba enfatizando a noção já vista no AT que atrás dos deuses adorados
pelas nações estavam demônios
- Ap 12:7-9 - “7 Houve então uma guerra nos céus. Miguel e
seus anjos lutaram contra o dragão, e o dragão e os seus anjos revidaram. 8 Mas
estes não foram suficientemente fortes, e assim perderam o seu lugar nos céus.
9 O grande dragão foi lançado fora. Ele é a antiga serpente chamada Diabo ou
Satanás, que engana o mundo todo. Ele e os seus anjos foram lançados à terra”. Aqui lemos sobre a luta no céu. Satanás e seus
anjos são derrotados por Miguel e seus anjos e lançados sobre a terra. Na terra
eles vão criar problemas para os cristãos fiéis, na forma de bestas que
representam Roma (Ap 12:13-13:18). O autor que está trabalhando com uma
dimensão céu (anjos) e terra (anjos maus e os inimigos dos crentes, ambos sobre
a terra) para enfatizar que Satanás está derrotado (Stuckenbruck 2000, 31). Mas
nada é mencionado sobre territórios
- as cartas do Apocalipse
(2:1-3:22) são endereçadas a anjos. Seriam estes os anjos (da guarda) que foram
colocados sobre as igrejas nas cidades? Segundo Twelftree temos diversas
opções: (1) líderes humanos das igrejas
(cf. Mal 2:7, mas não temos evidencia do episcopado no Apocalipse); (2) mensageiros humanos (mas estes
dificilmente são simbolizados como estrelas, Ap 1:20); (3) poderia ser o espírito coletivo da
igreja, ou a personificação da igreja (uma interpretação consistente com os
textos, mas não com o simbolismo de Ap 1:20) (Mounce); (4) anjos da guarda das igrejas (cf. At
12:15) (uma interpretação consistente com a simbologia bíblica mas não com o fato de que somente a pessoa pode ser
propriamente responsabilizada pela igreja (Arnold 1997, 157; Stuckenbruck 2000,
31). Isso mostra o quão difícil é trabalhar com o significado dos simbolos
(Twelftree 2000, 801)
- Ap 16:12-16 - “12 O sexto anjo derramou a sua taça sobre o
grande rio Eufrates, e secaram-se as suas águas para que fosse preparado o
caminho para os reis que vêm do Oriente. 13 Então vi saírem da boca do dragão,
da boca da besta e da boca do falso profeta três espíritos imundos semelhantes
a rãs. 14 São espíritos de demônios que realizam sinais miraculosos; eles vão aos
reis de todo o mundo, a fim de reuni-los para a batalha do grande dia do Deus
todo-poderoso. 15 “Eis que venho como ladrão! Feliz
aquele que permanece vigilante e conserva consigo as suas vestes, para que não
ande nu e não seja vista a sua vergonha.” 16 Então os
três espíritos os reuniram no lugar que, em hebraico, é chamado Armagedom”.
Os poderes demoníacos que reúnem os reis além do Eufrates podem se referir a
anjos de quem se espera que incitem as nações para a guerra no fim dos tempos
(Stuckenbruck 2000, 31)
5 – Considerações sobre
“espíritos territoriais”
Aspectos positivos da ênfase
sobre espíritos territoriais (Moreau internet)
a. eles levam Satanás a sério. Eles
focalizam sobre a oração mais do que o planejamento e estratégias. Isso é um
corretivo para tantas missões que esquecem o lado da oração
b. eles reconhecem que as divisões
enfraquecem o testemunho cristão e consequentemente dificultam o cumprimento da
missão. Assim eles buscam cooperação ao invés de competição
c. eles focalizam sobre a salvação
dos perdidos. Amarrar os demônios é um dos passos para que as pessoas cheguem a
Cristo
d. eles reconhecem a dimensão
maligna na cultura. Todas as culturas têm elementos que cegam as pessoas para a
realidade espiritual
e. eles reconhecem que existem
áreas onde a igreja precisa se arrepender
f.
eles reconhecem que essa é uma estratégia nova e ainda
não provada. Eles procuram seguir onde Deus está os guiando
ao invés do sensacionalismo )
Aspectos questionáveis
a. Pode ser que de fato há
espíritos territoriais (há base suficiente para crer que isso ocorre), mas a
Bíblia nunca se preocupou em dar uma explicação sobre a sua hierarquia nem
sobre um ministério contra eles
b. Independente de nossa
posição quanto a espíritos territoriais, a principal objeção é que essa
estratégia não tem base bíblica, nem histórica, a não ser que forcemos a barra
(Moreau internet). Não temos referências dos pais da igreja sobre a existência
de espíritos territoriais (Arnold 1997, 157). Nenhum personagem bíblico
expulsou demônios de cidades (Arnold 1997, 165). Podemos e devemos orar para
que Deus reine na cidade, mas não temos instrução para expulsar demônios de cidades
c. A ênfase sobre discernir e
dar nome aos demônios antes que tenhamos poder sobre eles está muito perto de
uma forma cristã de animismo. Tentar descobrir os nomes é especulativo e
escorregadio. A busca pelo nome do espírito territorial está muito próxima da
magica. Algumas religiões praticam rituais similares, o que pode ser muito
danoso para o evangelismo, já que é interpretado como não apresentando nada de
novo ou diferente para eles (Moreau internet). Paulo não menciona ou dá
importância aos nomes dos demônios – já que todos estão sujeitos a Cristo do
mesmo jeito isso não tem significado (Arnold 1992a, 98). Paulo não menciona a
atividade específica de alguns demônios e como estes podem ser evitadas. Paulo
menciona que Cristo é a única autoridade pela qual os demônios podem ser
vencidos, mas nenhum outro conhecimento com o qual estariam em vantagem em
relação aos demônios (Arnold 1992a, 99)
d. Encarar a oração como bombas
inteligentes trabalha demais com o conceito de violência redentiva presente nas
culturas humanas. A oração não é um veiculo de violência, mas um maio para
comunhão, crescimento e fortificação. Acabamos nos tornando aquilo contra o
qual estamos lutando. A nossa função é de intercessão diante de Deus e não a
interação com os principados caídos. Não somos chamados a destruir as
fortalezas demoníacas, mas para derrubar as fortalezas, os argumentos e
pretensões que são contra o conhecimento de Deus (2 Co 10:4-5). Somos chamados
a refletir a gloria de Cristo através de nossa obediência às suas ordens
(Moreau internet)
e. Buscar informações sobre a
esfera espiritual para vencê-los não é visto como necessário, nem importante na
Bíblia. A maior parte das advertências contra o oculto na Bíblia focaliza sobre
explorar de maneira ilegítima a esfera espiritual por conhecimento ou poder
(Moreau internet). Paulo não dá importância a
hierarquia dos demônios – essa hierarquia existia em escritos judaicos, mas
Paulo dá ênfase que as igrejas estejam cientes dos poderes e saibam como
responder a eles (Arnold 1992a, 98-99)
f.
Focalizar sobre essa estratégia para evangelizar efetivamente desmerece
as Escrituras. Se essa estratégia é tão importante, porque não a encontramos na
Bíblia? Acabamos forçando a Bíblia para dizer o que nós queremos ao invés de
ver o que ela mesmo diz (Moreau internet). Paulo não
menciona territórios governados por demônios. Apesar de que pode haver uma
relação entre Daniel pelas palavras que usa, ele nunca nos fala para
identificarmos ou prender-mos os espíritos que supostamente estariam governando
uma certa região. Paulo reconhece que existem poderes sobrenaturais que
procuram de todas as formas impedir a missão da igreja, mas estes podem ser
vencidos na dependência do poder de Deus (1992, 99)
g. Acabamos separando os
demônios das pessoas, o que acaba tirando a ênfase sobre a nossa participação
na rebelião contra Deus. Assim acabamos esquecendo que freqüentemente o inimigo
somos nós mesmos. O inimigo acaba sendo externo nos ajudando a evitar a
responsabilidade pelo nosso pecado. Se o inimigo está tanto dentro como fora,
focalizar somente num aspecto não vai resolver o problema. Como podemos ter
certeza que o maior problema está nas regiões celestes ou nos líderes
corruptos? Antes de tentarmos tirar o poder dos espíritos territoriais
precisamos ver se o maior problema não está na maldade dos corações humanos
(Moreau internet)
h. Temos uma ênfase demasiada
sobre os resultados de amarrar um espírito quando isso não tem base bíblica.
Como amarrar um espírito que as pessoas continuam chamando de volta? No máximo
ele sai e busca mais alguns companheiros e volta para a sua casa (Moreau
internet; Arnold 1997, 166)
i.
O que precisamos evitar a todo custo é de ver que se existem esses
espíritos territoriais, que Deus teria menos controle sobre estas regiões, pois
esses espíritos controlariam totalmente essas regiões (Priest et al. 1995, 75).
Isso não pode ser encaixado com nenhum ensinamento sobre esses anjos sobre
cidades da Bíblia.
j.
Se existem espíritos territoriais estes nunca são colocados como rivais
de Deus de igual para igual. Eles nunca são colocados como uma ameaça as planos e a soberania de Deus.
- parece que existe
suficiente base para se crer (ou não crer) que existem de fato espíritos que
foram colocados sobre certas nações, ou territórios no AT. O NT não apresenta
nenhuma evidência clara para tal. Seria tão normal que não foi mencionado? Ou
poderia ser que a vitória de Cristo foi tão esmagadora que isso não importa?
(Talvez existam outras explicações melhores). Se esses espíritos existem ou
não, pouco importa, pois essa esfera é de preocupação exclusiva de Deus. Não
temos nenhum texto nos instruindo a fazer algo com esses eventuais espíritos.
Não devemos nos ocupar com coisas que acabam nos desviando de fazer aquilo que
a Bíblia nos ensina a fazer. Deixa que Deus cuida
dessa dimensão nas regiões celestiais.
- a Bíblia nunca apresenta
qualquer indicação que esses poderes chegam a apresentar uma ameaça para os
planos de Deus. Deus é soberano e está acima de todos eles. O Pai busca a
devoção completa de seu povo. Ele quer que os crentes o busquem diretamente
para obter sabedoria, força e ajuda (Arnold 2000, 941)
- um dos maiores problemas
na abordagem dos espíritos territoriais é o pragmatismo – já que funciona deve
estar certo. Diversos livros têm apresentado resultados mirabolantes a partir
da ênfase de amarrar o espírito que guarda a cidade. Uma visão reducionista vê
que esse é “o” resultado de amarrar o espírito. Sendo mais realistas, muitas
outras coisas estão em jogo – a união da liderança religiosa em oração, outros
fatores econômicos e sociais, além da intervenção de Deus que não podemos
explicar em termos racionais.
- algumas histórias contadas
podem não representar a realidade de forma tão exata como gostaríamos. O caso
do evangelismo entre Brasil e Uruguai ocorreu em 1947 onde o
evangelista tinha mais sucesso em distribuir folhetos do lado brasileiro
que do uruguaio. Essa história contada por Wagner em 1988 dá a impressão de que
é algo muito recente. O missionário que contou essa história nem se lembrava da
cidade onde ocorreu e enfatizou que se tratava de uma viagem missionária de 4
meses na região (Priest et al. 1995, 40)
- não é bom dar atenção demasiada
para os demônios. Moreau diz que Paulo dava a eles uma inatenção seletiva
apropriada. Assim evitada um interesse demasiado neles e focalizava sobre o
controle soberano de Deus através do qual poderia avaliar as atividades
demoníacas. Precisamos enfatizar mais o discipulado do que a batalha espiritual
(Moreau internet). Como Wink nos diz: não nos libertamos dos Poderes
vencendo-os com um ataque frontal. Ao invés disso morremos para o seu controle.
Aqui a cruz é o modelo. Somo libertados não revidando sobre aquilo que nos
escraviza, pois revidar ainda demonstra que estamos usando as mesmas armas do
inimigo – mas morrendo para a sua jurisdição e comando (in Moreau internet).
Devemos morrer para nós mesmos, e também para as estruturas sociais. Precisamos
nos submeter a Deus e a seus propósitos. Dentro das estruturas não vencemos
trocando as estruturas, mas levando o evangelho para as pessoas que habitam
essas estruturas para que se submetam às iniciativas divinas de redenção
(Moreau internet)
- precisamos lutar para
integrar o aspecto espiritual, pessoal, cultural e social
e parar de culpar os espíritos e reconhecer o aspecto humano na escolha de
rebelar contra a ordem estabelecida por Deus (Moreau internet)
- certamente podemos pedir a
Deus que tire um governante que impede a proclamação do evangelho para que as
portas se abram para esta dimensão (Moreau internet)
C – Possessão de Cristãos?
- em praticamente todas as
culturas no mundo ocorre o fenômeno da possessão. Esta normalmente se manifesta
com transe, tremores, transpiração, gemidos, gritos, falar uma língua ou
tonalidade de voz diferente e linguagem incoerente, assumir uma nova
identidade, força extraordinária, conhecimento inexplicável e profecia. Muitas
vezes, mas não sempre, os possessos não se lembra do
que ocorreu quando estavam possessos (Moreau 2000b, 771)
- a explicação para este
fenômeno pode ocorrer de forma física, psicológica, social e espiritual. Cada
uma das áreas tenta explicar o que ocorre, mas elas são se excluem mutuamente.
a. Explicações fisiológicas.
Estas incluem febre, desequilíbrio químico, epilepsia, asma, hipnose,
alucinações provenientes de drogas, traumas físicos severos resultando em
estado de choque e sonambulismo. Quando a possessão é resultado somente de um
estado fisiológico, esta é aliviada tão logo o problema físico é tratado
(Moreau 2000b, 771)
b. Explicação psicológica e
social. Estas incluem o cumprimento de um desejo para se conseguir a atenção
das pessoas, stress social, histeria provocada por turbas de pessoas enfurecidas,
e uma possessão estimulada (como um meio de atingir um
determinado objetivo (Moreau 2000b, 771)
c. Explicação antropológica.
Como exemplo temos o povo Taita do Quênia. Quando as mulheres deste povo estão
estressadas por causa da negligencia dos maridos, eles podem pedir por uma
dança cerimonial da comunidade. Durante essa dança alguns se tornam possessos e
os espíritos repreendem severamente os maridos através das bocas das mulheres.
Os maridos, com medo da retribuição do mundo dos espíritos pela sua desobediência,
obedecem às instruções dos espíritos. Os Taita vêem isso como uma possessão de
fato, enquanto que os antropólogos como um fenômeno cultural designado para
aliviar o stress social (Moreau 2000b, 771)
d. Explicações espirituais de
um ponto de vista não-cristão variam de uma perspectiva de estado os místicos
(viagem de um xamã) até a mediunidade benéfica. Essas perspectivas não vêem a
possessão de forma necessariamente negativa. Pode ser um sinal que os
ancestrais ou espíritos escolheram uma pessoa como canal através do qual podem
se comunicar com a comunidade. Da perspectiva cristã, no entanto, toda
possessão genuína (ou demonização) é vista como controle demoníaco da pessoa
que precisa ser tratado exercendo a autoridade de Cristo. Alguns fenômenos pentecostais
têm aparentam na sua superfície uma similaridade com a possessão (ex. o tombo
santo), mas nestes casos a explicação é que o Espírito Santo está operando
(Moreau 2000b, 771-72)
- a tendência é que as
pessoas expliquem os fenômenos baseados em sua cosmovisão. O missionário
ocidental tenderá para explicar o fenômeno em termos físicos ou psicológicos,
enquanto o animista como possessão dos espíritos. Ambos precisam estar cientes
que sua explicação possivelmente é parcial. Dentro do ministério as pessoas
devem buscar permanecer fiel às Escrituras e dar explicações culturalmente
aceitáveis (Moreau 2000b, 772). Essa tarefa não é nada fácil, pois pode haver
um conflito sério entre as duas ou um reducionismo de ambas as partes que
impede que se busque a verdade sobre o assunto
- a questão sobre a
possessão de cristãos é bem complexa. Os problemas ligados com o termo
possessão são explicados por Grudem (1999, 344-46).
Mas não há dúvida que os cristãos podem ser influenciados por demônios. A
questão chave é se os cristãos são influenciados de fora ou de dentro. Existe
uma passagem (Ef 4:28) que sugere dar espaço para o diabo dentro de nossas
vidas. Essa questão também mexe com a diferença entre calvinismo e
arminianismo. Se alguém foi cristão e de repente vive como pagão, ele poderia
ter perdido a salvação e ser habitado por demônios? Para alguns isso é uma
possibilidade, para outros não
- alguém que tem o Espírito
Santo nunca poderá ser controlado totalmente por demônios. Mas se consideramos
que alguém que conheceu a verdade pode dar ouvidos e se entregar ao pecado e
abandonar a fé, temos que admitir que provavelmente possa também se entregar ao
diabo. Mas será que ainda é cristão quando é dominado pelo diabo? Evidentemente
que não
1 – A discussão sobre o significado
da palavra daimonizomai
- as pessoas que defendem
que cristãos podem ficar dominados por demônios afirmam que o uso de possessão
na Bíblia não está de acordo com o original. Eles advogam que deveríamos
utilizar a palavra demonizado ao
invés de possesso. A expressão daimonizomai
ocorre cerca de 13 vezes no NT (Mat 4:24; 8:16; 8:28; 8:33; 9:32; 12:22; 15:22;
Mc 1:32; 5:15; 5:16; 5:18; Lc 8:36; Jo 10:21). Uma expressão paralela é echein daimonion (ter demônio), que
ocorre 4 vezes (Lc 4:33; 7:33; 8:27; Jo 7:20); e ainda echein pneuma (ter um espírito [maligno ou
imundo], 5 vezes (Mc 9:17; Lc 4:33; At 8:7; 16:16; 19:13) (Lopes 2001, 86)
- o argumento contra a
palavra possessão é que ela é
absoluta: ou alguém está dominado, ou parte de sua vida está dominada ou não
está. Ela não permite graduações de controle sobre a vida da pessoa. Desta
forma o termo preferido seria demonizado
ou endemoninhado que permitiria
segundo eles um controle parcial sobre a vida de uma área da pessoa sem estar
possesso pelo demônio como um HD de um computador que poderia ter um vírus em
alguns arquivos sem estar totalmente contaminado. Dessa forma alguns até diriam
que um incrédulo não poderia ficar possesso, apenas demonizado. Nesse sentido
explicam alguns pecados (como relacionamento imoral ilícito) como demônios
desse pecado que estão no coração da pessoa (Lopes 2001, 86-87)
- alguns dos problemas se
relacionam com as definições usadas para o termo possessão. Segundo Murphy,
possessão seria a recepção voluntária de um espírito controlador por um médium
espírita. O espírito monta, ou temporariamente controla o médium para um certo
propósito e tempo. Durante o tempo em que a pessoa está em transe,
provavelmente o espírito controla totalmente a pessoa. Quando o espírito a
deixa, o médium volta a ter controle sobre si mesmo (Murphy 1990, 56). O autor
continua dizendo que não temos pessoas nesta situação na Bíblia. Possessão
implica em posse total. Satanás e seus demônios não possuem coisa alguma no
universo, a não ser a propria maldade. Eles são usurpadores já que tudo
pertence a Deus (Murphy 1990, 56-57). Além disso, possessão implica em que a
pessoa não se torna responsável por seus atos, já que literalmente o diabo
forçou a pessoa a cometer as ações. No entanto, diante de Deus somos
responsáveis por nossas ações (Murphy 1990, 57)
- segundo essa perspectiva
temos diversos níveis de demonização. Assim sendo, demonização ocorre quando
Satanás, através dos seus espíritos maus, exerce controle parcial direto sobre
uma ou mais áreas de um ser humano (Murphy 1990, 57). Segundo Murphy esse
controle pode ocorrer de fora ou de dentro da pessoa (Murphy 1990, 57)
2 – Relatos mais extensos
sobre Jesus encontrando pessoas “demonizadas”
- a Bíblia apresenta 4 relatos de exorcismos de
Jesus onde temos uma quantidade razoável de detalhes. Em Atos temos um relato
longo da menina em Filipos e uma tentativa de exorcismo pelos filhos de Ceva
(Page 1995, 139)
a. Mc 1:21-28; Luc 4:33-37 –
Jesus está pregando na sinagoga e ali aparece uma pessoa com um espírito imundo
(a;nqrwpoj evn pneu,mati avkaqa,rtw|) (Mat
1:23); um homem que tinha o espírito de um demônio imundo (e;cwn pneu/ma daimoni,ou avkaqa,rtou)(o grego não fala aqui em
possessão). O que fica claro, no entanto, é que esse espírito tem muita
influência, pois logo reconhece quem Jesus é, além de agitá-lo fortemente
(arremessá-lo ao chão em Lucas) quando este sai dele e falando em alta voz. O
que também fica claro desse texto é que o espírito imundo estava dentro da
pessoa. Aqui não está falando nada sobre o estado moral da pessoa. Não sabemos
se era um seguidor fiel de Deus. Aparentemente essa pessoa não tinha um
comportamento anormal que chamasse à atenção das pessoas presentes, ou então, o
espírito imundo somente se manifestava quando confrontado por um inimigo
espiritual (Twelftree 1992, 165). A influência aqui é a ponto de que ele
arremessou a pessoa no chão, claramente indicando que ao menos uma parte da
pessoa estava dominada pelo demônio, pelo menos durante esse encontro com Jesus
b. Mc 5:1-20; Mat 8:28-34; Lc
8:26-39 – Jesus encontra com o geraseno. Mateus fala nessa circunstância sobre
dois endemoninhados (8:28, 33 – daimonizomenos);
Marcos fala de um homem com um espírito imundo (evn pneu,mati avkaqa,rtw|) (5:2) e endemoninhado (5:15, 16, 18 - daimonizomenos); e Lucas que ele tinha
demônios (e;cwn daimo,nia) (8:27), espírito imundo (tw/| pneu,mati tw/| avkaqa,rtw) (8:29) e endemoninhado
(8:36 – daimonizomenos). Essa pessoa
vivia entre os túmulos e era acorrentada na tentativa de poder dominá-lo. Aqui
fica evidente que o espírito imundo (demônio) tem um grau muito elevado de
controle sobre a vida da pessoa. Aparentemente toda a sua personalidade é
mudada depois da libertação. Aparentemente as expressões ter demônios ou
espíritos imundos e endemoninhado tem significados
parecidos ou até idênticos
c. Mc 7:24-30; Mat 15:21-28 –
Marcos diz que a menina tinha um espírito imundo (pneu/ma avka,qarton) (7:25); Mateus apresenta
que a mulher estava severamente demonizada (h` quga,thr
mou kakw/j daimoni,zetai) (15:22). Não sabemos exatamente a situação em que vivia esse menina. A sua mãe vai ao encontro de Jesus pedindo que
a cure. Poderia ser que ela não tirou a menina de casa, pois a menina poderia
ser um perigo para o povo em geral, ou estava doente demais para deixar a casa
(Twelftree 1992, 165)
d. Mc 9:14-29; Mat 17:14-21; Lc
9:37-43 – Marcos fala sobre uma criança com um espírito mudo (e;conta
pneu/ma a;lalon)
(9:17); Mateus fala sobre um epiléptico (17:15); Lucas menciona um espírito que
o domina (se apodera dele) (ivdou. pneu/ma lamba,nei
auvto,n)
(9:39). Aparentemente essa criança vivia com seus pais e podia ser controlada,
pois acompanhou o seu pais para se encontrar com os
discípulos de Jesus (Twelftree 1992, 165). Aqui esse espírito parece ter um
controle bastante grande sobre a criança (ao menos na ocasião onde encontra
Jesus) pois diz que o espírito o dominava e jogava ao
chão, ele espuma pela boca e range os dentes. Além disso
o jogava na água e no fogo para destruí-lo. Quando é expulso o espírito maligno
reage fortemente no rapaz e grita saindo da criança
e. At 16:16 – uma menina tem um
espírito de píton (e;cousan pneu/ma pu,qwna) (todos os que profetizavam habitados por
esse espírito era chamados de pitons [Larkin 1995, 237]). Fica evidente para
Lucas que essa mulher era possessa [habitada] por um espírito mau (Stott 1994,
297). Mas pelo que o texto indica, o espírito não causava danos à pessoa, mas
simplesmente dava a ela um poder especial de predizer o futuro (Page 1995,
175). Certamente as palavras que eram expressas por esta mulher eram
involuntárias (Bruce 1988, 312), o que mostra que um espírito ao menos
parcialmente a controlava
3 – Relatos mais breves de
pessoas “demonizadas”
- Mat 4:24-25 – Jesus cura
todo o tipo de doença entre eles as pessoas que estavam endemoninhadas (daimonizomai)
- Mat 9:32-34 – Jesus
expulsa um demônio que causava a mudez na pessoa. Outra vez o termo usado aqui
é endemoninhado (daimonizomai)
- Mat 12:22 – Jesus expulsa
um demônio que causava a mudez e a cegueira. O termo aqui também é
endemoninhado (daimonizomai)
- Lc 7:33 – Jesus por comer
e beber é acusado de ter demônios (echei
daimonion)
- Jo 10:20-21 – Jesus é
acusado de ter demônios (echei daimonion)
e outros reagem dizendo que alguém que é endemoninhado (daimonizomai) não pode curar a cegueira
- At 5:16 – ali menciona que os apóstolos curam os
doentes e aqueles que eram atormentados por espíritos imundos (ovcloume,nouj
u`po. pneuma,twn avkaqa,rtwn)
- At 8:5-8 – fala do
ministério de Filipe em Samaria. Ele curava os doentes e as pessoas que tinham
espíritos (echei pneumata akathartos)
imundos eram libertas. Os espíritos saíam das pessoas gritando em alta voz
4 –
Avaliação
- o que fica claro é que a
palavra possessão seria uma interpretação da palavra daimonizomai. Ao que tudo indica o espírito imundo que está dentro
da pessoa (atua de dentro, pois Jesus o expulsa e depois diz que ele saiu) tem
um certo controle sobre a vida da pessoa. Não podemos dizer se o controle é
total, mas é bem possível, em muitos dos casos narrados pela Bíblia, ao menos
quando são confrontados com o poder de Jesus. Todos esses espíritos estão
sujeitos a Jesus ou aos apóstolos (que agem em nome de Jesus) e não resistem às
suas ordens.
- também precisamos nos
certificar aqui de que nenhum dos que eram habitados pelos demônios poderiam
ser considerados cristãos no sentido do NT.
- creio que a discussão se a
pessoa era ou não possessa/dominada, não faz muito sentido já que a questão de
uma pessoa não-cristã sendo possessa por demônios é de mais fácil consenso. A
não ser que consideremos que as pessoas de quem Jesus expulsou os demônios eram
salvas porque eram do povo de Israel que estava sob a aliança de Deus. Mas
mesmo assim ficaria muito difícil determinar se estas faziam parte do
remanescente fiel (que era o verdadeiro povo de Deus). Além disso, temos tão
poucas informações deles que seria mera especulação tratá-los dessa forma.
- o problema em substituir a
palavra “possessão” por “demonizado” tem suas vantagens e desvantagens. A
vantagem é que o termo seria basicamente uma transliteração do grego. O
problema no entanto, é que não sabemos o que o termo
significa exatamente e com isso aplicamos essa palavra para situações muito
mais amplas do que aparece na Bíblia. Parece que o termo possessão não é tão estranho,
já que olhando os casos temos que reconhecer que havia no mínimo um controle
parcial da vida das pessoas (Page 1995, 138).
- o que fica claro na
análise dos evangelho e de Atos é que estamos lidando
quase que exclusivamente com possessão e exorcismo [ou então um estado
demonizado agudo – dependendo de nossa predileção pela tradução da palavra
grega]. Ocorre o conflito de poderes, mas nunca de igual para igual. Os
evangelhos e Atos mostram uma condição onde um ou mais demônios habitam uma
pessoa de tal forma que a personalidade da pessoa é suprimida e a outra
personalidade fala e age através dela. Possivelmente uma pessoa que exibia esse
comportamento era designada como possessa. O NT não nos apresenta como essa
possessão ocorreu, mas parece que era algo reconhecido com certa facilidade.
Essas pessoas manifestavam uma série de sintomas. Normalmente a pessoa sofria
de uma doença física ou mental. Ao mesmo tempo, no entanto o texto distingue
entre possessão das doenças e mostra que a possessão era tratada de modo
diferenciado (Page 1995, 177-78)
- normalmente os
endemoninhados se aproximam de Jesus, ou são trazidos a ele. Freqüentemente
eles gritam quando são confrontados com Jesus ou os apóstolos e mostram
preocupação com o que Jesus vai fazer com eles. Eles reconhecem a Jesus e os
apóstolos mostrando um certo conhecimento sobrenatural e admitindo sua sujeição a eles. Normalmente o exorcismo ocorre com uma
voz de comando, onde se fala diretamente que os demônios devam deixar a pessoa.
Às vezes os demônios são silenciados antes de serem expulsos. Digno de nota é
simplicidade com que Jesus lida com o exorcismo em contraste com os rituais
usados por outros exorcistas do seu tempo. Mesmo que nas curas, Jesus e os
apóstolos, às vezes, impõem as mãos e ungem com óleo, isso não ocorre no
exorcismo. Basicamente não se fala com os demônios (Page 1995, 178)
- Jesus e os apóstolos
tratam de forma bem diferente os endemoninhados e os demônios. Os demônios são
tratados como ligados a Satanás e caracterizados como impuros ou maus. São
inimigos de Jesus e sujeitos ao seu julgamento. Mas os endemoninhados são
sofredores que são tratados com compaixão. Não existe indicação que os
endemoninhados era considerados responsáveis pela situação em que se
encontravam. A freqüente relação entre doença e possessão pode indicar
justamente que as pessoas não tinham culpa por isso. Nesse sentido é muito
difícil ver ligação entre desobediência e possessão. Nenhum dos endemoninhados
é acusado de pecado e nunca criticado por ter permitido a possessão (os
sociólogos diferenciam entre possessão voluntária e involuntária – na Bíblia
todos os casos são de possessão involuntária). Aliado a isso
temos 2 casos onde crianças são vitimas dos demônios, o que é mais uma
prova de que não eram culpados por isso. Por causa da sua situação, nenhum
endemoninhado é liberto por causa de sua fé – às vezes pela fé dos outros (Page
1995, 178-79)
- nem Jesus, nem os
apóstolos buscaram os endemoninhados. Aqueles que era
trazidos a eles eram libertos. A igreja pode perder o foco de sua
missão, sem ela se concentrar demais nas obras do inimigo (Page 1995, 181)
- pessoalmente tenho
dificuldades com repreender espírito de medo, rebeldia, etc. A maior parte
desses se caracteriza por obras da carne. Não adianta repreender a carne, mas
precisamos disciplinar a nossa carne para que obedeça a Cristo. Nesse sentido é
mais difícil lidar com alguém possuído por si mesmo do que possuído pelo diabo
Argumentos a favor de que um
cristão poderia ser habitado por demônios
1 – O poder do pecado pode
habitar em um cristão e ter uma influência bastante forte a ponto de que Paulo
menciona que ele pode reinar (Rom 6:12-13). Se isso pode acontecer porque
deveríamos supor que uma outra força maligna não pudesse também reinar na vida
das pessoas? Mesmo após a conversão a tendência para o pecado continua
residindo na vida dos cristãos até a glória. Essa tendência dentro de nós é o
motivo de muitas de nossas batalhas e está residindo dentro de nós ao lado do
Espírito de Deus (Arnold 1997, 82). O poder do pecado em nossas vidas não acaba
com a nossa conversão. O pecado quer reinar em nossa vida. O pecado procura nos
influenciar por 3 fontes: a nossa tendência para o mal (carne), o meio
(cultura) no qual vivemos (mundo) e os demônios (diabo). Dessa forma a Bíblia
estaria nos alertando para que não deixássemos que nenhuma dessas influências
nos dominasse. Todas elas querem nos dominar. Na vida do cristão nenhuma dessas
forças tem domínio absoluto, mas vão se apropriar de todo o espaço que
receberem de nós mesmos (Arnold 1997, 91)
2 – Arnold argumenta que
Paulo usa linguagem de espaço para falar sobre o diabo achando lugar na vida do
cristão. “E não deis lugar ao diabo” (Ef 4:27) (Arnold 1997, 82). A palavra
usada aqui (topos) é usada muitas
vezes no NT para falar de um local físico (Lc 2;7;
14:9; 4:37; Jo 14:2-3), mas em outros locais também se refere a oportunidade
(Rom 12:19; Heb 12:17). A opinião de Arnold é de que a linguagem do espaço aqui
seria mais apropriada já que estamos falando de autoridade e controle nessa
carta (Arnold 1997, 88-89). Outros comentaristas já vêem aqui uma alusão a
oportunidades para o diabo. O diabo estaria andando em derredor das pessoas
iradas pronto para se aproveitar da situação (cf. 1 Tim 3:7; 2 Tim 2:26; 1 Pe
5:8). A raiva seria como uma arma pronta para cooperar com o diabo (Lincoln
1990, 303; O’Brien 1999, 341; Page 1995, 188-89; Lopes 2001, 92). Mas seja como
for, a ênfase aqui não está no exorcismo, mas na atitude correta que as pessoas
devem ter para não dar espaço para o diabo. Se ligamos
essa passagem ainda com outros textos paralelos temos que a ênfase está mais na
obediência a Deus e com isso na vida diferente provocada por uma ética nova do
que no exorcismo
3 – A imagem do templo no AT
pode ser usada para ilustrar o que acontece na vida do cristão. O templo de
Deus era habitado volta e meia por outros deuses. Muitas vezes o próprio povo
de Deus trazia os deuses para dentro do templo. De acordo com Deut 32:17 esses
ídolos representam demônios (Arnold 1997, 82)
- Merrill Unger acha que se
permitimos que o pecado acha espaço em nossa vida os
demônios vão tomar conta (in Arnold 1997, 82). Arnold argumenta com base em Mat
12:29 (Jesus amarrou o diabo para roubar as suas posses) que as pessoas são
posse do diabo (Arnold 1992a, 79; 1997, 81). Mas Jesus aqui está fazendo uma
comparação e “posses” poderia ser meramente uma ilustração parabólica para os
objetos da casa. Carson diz que posse nada tem a ver com possessão demoníaca, a
não ser de forma metafórica (Carson 1995, 290). Mas esse ponto é bastante
discutido (veja Page 1995, 106)
4 – Em At
10:38 diz
“como
Deus ungiu a Jesus de Nazaré com o Espírito Santo e com poder, o qual andou por
toda parte, fazendo o bem e curando a todos os oprimidos do diabo, porque Deus
era com ele”. O argumento utilizado é que Jesus expulsou demônios de judeus que
faziam parte da velha aliança, como a filha de Abraão que era cativa de Satanás
(Luc 13:16). A questão chave é que ser da família de Abraão é aplicado para
basicamente todos os judeus. Mesmo entre o povo judeu havia o remanescente
fiel. É muito difícil dizer quem realmente participava desse remanescente fiel,
assim como na igreja hoje temos muitas pessoas que participam e nem todas são
fiéis a Deus (Lopes 2001, 90-92)
5 – 2 Co 10:4 “Porque
as armas da nossa milícia não são carnais, e sim poderosas em Deus, para
destruir fortalezas, anulando nós sofismas”. Para alguns interpretes temos aqui fortalezas demoníacas, mas o texto
mostra que essas fortalezas são raciocínios feitos pelos incrédulos contra o
Cristianismo. Paulo não está lutando contra essas fortalezas amarrando,
decretando, etc., mas pregando o evangelho a elas (Lopes 2001, 92). Trata-se de
linguagem militar para lutar contra esses raciocínios que acabam dominando o
pensamento e as ações das pessoas (Belleville 1996, 254-55)
6 – Arnold argumenta
que quando a pessoa está sem Cristo o cerne de sua vida é corrupto e é
direcionado para o mal. A imagem de Deus dentro dessa pessoa está manchada. A
pessoa tem impulsos pecaminosos que agem junto com os demônios levando a pessoa
a pecar. Quando a pessoa se converte, o cerne da pessoa muda. Ocorre uma
transformação sobrenatural nela que agora se direciona para Deus. O Espírito
Santo vem habitar dentro da vida da pessoa. A imagem de Deus dentro da pessoa
está em processo de renovação. Algumas pessoas querem fazer distinção aqui
entre o espírito humano que estava morto e agora foi vivificado. Mas
biblicamente não podemos fazer essa distinção clara entre o espírito e a alma.
Mesmo que ocorra essa transformação, ainda continuamos vivendo em um corpo que
morre. A inclinação para o pecado continua. A carne vai nos incomodar até
chegarmos na glória. Os demônios procuram exercer a sua influência sobre cada
um de nós da mesma forma como acontece com a nossa tendência pecaminosa, mas
eles não têm acesso ao cerne de nossa vida que é habitado pelo Espírito Santo
(Arnold 1997, 85). Abaixo estaria a figura da pessoa sem Cristo
A pessoa regenerada
tem outro aspecto
7 – Arnold vai adiante
expondo a ilustração de uma casa onde permitimos que o Espírito Santo tenha
acesso a alguns quartos e o impedimos em outros (Arnold 1997, 87)
Argumentos contra a idéia de
que um cristão pode ser habitado por demônios
1 – A substituição do
conceito de possessão pelo termo demonizado não vai ajudar. Nos casos em
que aparece na Bíblia a pessoa demonizada claramente tem ao menos parte de sua
vida controlada por Satanás – o que significa possessão.
2 – “Os demônios denominados
pela ‘batalha espiritual’ como sendo demônios da lascívia, do ódio, da ira, da
vingança, da embriagues, da inveja, e assim por diante, não aparecem no NT.
Essas coisas são, na verdade, as obras da carne mencionadas por Paulo em Gal
5:19-21. A solução para esses pecados não é expulsar demônios que supostamente
os produzem, mas arrependimento confissão, e santificação” (Lopes 2001, 89)
3 – Não temos comprovação
bíblica nem exemplos claros que devemos expulsar demônios de pessoas
renascidas. Nem Jesus, nem os apóstolos expulsaram demônios de pessoas
convertidas. A Bíblia também não diz porque as pessoas estavam habitadas por
demônios. Logo toda a especulação é um bocado perigosa
(Lopes 2001, 90). Jesus e Paulo enfrentaram situações reais onde encontraram
muitas pessoas em situações complicadas. Paulo em Éfeso estava na cidade onde a adoração a Diana era muito forte. Os cristãos queimaram
muitos livros de ocultismo, mas não temos nenhuma menção de algo especial feito
pela libertação deles após a conversão. A idéia da habitação de demônios na
vida dos cristãos não procede da Bíblia, mas da experiência de pessoas que
lidam com exorcismo. Muitas vezes essas histórias não são usadas para ilustrar
verdades, mas para construir as verdades (Priest et al. 1995, 36). Isso pode e
acaba levando à formulação de novas doutrinas – o que é muito perigoso
- não há dúvidas que os
demônios, o mundo, e a carne querem exercer o controle sobre a vida das
pessoas, inclusive dos cristãos. A carne está dentro de nós e quer que
atendamos os seus desejos. Muitos dos desejos da carne são provocados pela
influência do mundo. Quando aceitamos a influência do mundo sem critérios,
acabamos despertando diversos desejos da carne. Da mesma forma temos que
reconhecer que os demônios atuam através da carne e da influência do mundo
sobre nós. É muito difícil saber se ocorre espaço dentro de nossas vidas para a
habitação de demônios, ou se isso acontece de fora
- a tentativa de Arnold para
explicar a diferença entre o cerne da vida dos cristãos onde os demônios não
têm acesso, é uma tentativa de explicar esse problema. Mas esse modelo não é
mencionado claramente na Bíblia e nem necessariamente é contrário a ele. Então
precisamos olhar essa situação com cuidado.
- Arnold argumenta que
precisamos fugir do conceito bipolar na vida dos cristãos: o tem um demônio, ou
não tem. Para ele deveríamos ver essa questão como um contínuo onde podemos,
mesmo como cristãos, entregar cada vez mais o controle de nossas vidas à
influência demoníaca de modo que poderíamos ser habitados por demônios. Todos
sofremos tentações, mas nem todos abrem espaço, ou até convidam os demônios
para fazerem parte de suas vidas (Arnold 1997, 101)
____________________________________________________________________________________
tentação regularmente ser devorado (1Pe 5:8) ter um demônio
sucumbir às tomado cativo (2Tm 2:25-26)
tentações tomado como despojo (Col 2:8)
demoníacas
- o que fica claro da
perspectiva de Arnold (calvinista) é que uma vez salvo a pessoa não perde mais
a sua salvação (Arnold 1997, 81 e nota 14 [pág. 205]). Se
cremos que alguém pode perder a sua salvação, a questão pode ser
explicada mais facilmente. Até que ponto uma pessoa pode dar ouvidos e sucumbir
a tentação regular do inimigo e ser influenciado cada
vez mais a ponto de ser tomado cativo e habitado por um demônio mesmo sendo
cristão? Se Jesus não manda mais em sua vida, e a pessoa se recusa a entregar o
comando de sua vida a Cristo, isso ainda a classifica como cristã? Nesse
sentido, apesar de que concordamos que existe uma escala crescente de domínio
demoníaco na vida das pessoas, vai haver um momento onde o
inimigo vai fazer morada na vida da pessoa. É um processo que pode
eventualmente culminar nisso, como acontece com o Espírito Santo na salvação da
pessoa. A pessoa pode estar chegando cada vez mais perto de um encontro com
Cristo, mas a regeneração ocorre em um momento pelo Espírito Santo que vem
habitar na vida da pessoa, assim também precisaria acontecer com uma eventual
habitação de um demônio na vida de um cristão. Resta a dúvida se esta pessoa
ainda poderia ser considerada um cristão a estas alturas?
- se fizermos a distinção
entre ter Jesus como Salvador e Jesus como Senhor, outra vez
a coisa se explica mais facilmente. Mas como creio que essa distinção é
artificial, fica difícil a nível teórico admitir que a pessoa possa servir a 2
senhores. Por outro lado, em nossa caminhada com Deus vemos que mesmo sendo
cristãos devotos, nem sempre Cristo reina em nossas vidas. Mesmo Paulo admite
que acaba fazendo aquilo que sabe que não deve e não quer (Rom 7). Será que
isso seria indicação que um cristão pode ser habitado por demônios?
- uma das
coisas centrais para lidar com essa situação está ligado com definições.
Se concordamos com Murphy que Satanás e os seus
demônios não possuem nada já que são usurpadores, ninguém pode ser possesso por
Satanás, se isso implicar em controle total. Nesse caso, nem cristãos, nem
não-cristãos podem ser possessos. Por outro lado, os cristãos que têm o
Espírito Santo com eles estão numa situação diferente daqueles que não têm o
Espírito. Como diz Bubeck: nenhum cristão pode ser possesso por um espírito mau
da mesma forma que um não-crente ... Um cristão pode
ser afligido ou mesmo controlado em certas áreas de seu ser, mas ele nunca pode
ser totalmente controlado como ocorrer com um não-crente (Bubeck 1975, 87-88).
Creio que a diferença entre cristãos e não-cristãos é essencial nesse assunto.
Quando utilizamos o termo demonizado, tendemos a esquecer essa diferença, o que
é muito prejudicial
Maldição Hereditária
- o livro de Deuteronômio
tem alguns capítulos que falam sobre benção e maldição. Os capítulos que falam
sobre este assunto (27-28) colocam a ênfase sobre as maldições ao invés das
bênçãos, no espaço dado para o tratamento do assunto. As maldições funcionam
como uma advertência solene para aqueles que renovaram a sua aliança com o
Senhor – não é uma brincadeira entrar num relacionamento com o Senhor. Esses
capítulos são escritos dentro do contexto da comunidade como um todo. A obediência
ao Senhor da aliança trará bênçãos, uma vida longa e a posse da Terra
Prometida, enquanto que a desobediência será desastrosa..
Assim quando Israel renova a sua aliança com o Senhor, o futuro glorioso com
Deus é contrastado com um futuro desesperador sem Deus. Enfatizando as
maldições, Moisés enfatizou a responsabilidade do povo sobre o compromisso que
estavam tomando (Craigie 1976, 43-44)
- como Deus está no controle
tanto das nações quanto da natureza, ele tem todo o controle sobre todos os
fatores que podem afetar o bem-estar das pessoas, seja saúde, fertilidade da
terra, ou qualquer outra parte da ordem criada. Se o povo fosse obediente Deus
tinha o poder de conceder bênçãos a eles, controlar as outras nações e dar paz
a Israel. Poderia dar a eles uma vida longa, saúde e colheitas boas. Mas se
Israel fosse desobediente. Não havia esfera que pudesse escapar ao controle de
Deus: o poder do seu exército, a riqueza da terra, etc., de nada adiantaria
quando o relacionamento com Deus estivesse quebrado (Craigie 1976, 44)
- olhando a história vemos
que de início as bênçãos foram concedidas a Israel, mas depois estes abandonam
a Deus. Como conseqüência vamos ladeira a baixo nas
maldições de Deus sobre o povo chegando ao exílio. Nesse sentido parece até que
o textos de Deuteronômio funciona mais como uma
profecia do que como advertência. Mas esse relato não foi escrito para
julgarmos as pessoas do Israel antigo. Foi escrito porque mostra o paradigma da
natureza humana. Mesmo recebendo todos os privilégios, um relacionamento íntimo
com Deus, o ser humana escolhe o seu próprio caminho,
esquecendo do seu chamado e traz sobre si mesmo a maldição de Deus. A maldição
não parece ser uma vingança agradável que Deus impõe sobre eles, mas o resultado inevitável da vida que é vivida apesar de Deus,
rejeitando um relacionamento com Deus cuja essência é o amor (Craigie 1976, 44)
- a lei do AT não consistia
de leis arbitrárias, mas cujo cumprimento beneficiaria o povo: “O SENHOR nos ordenou que obedecêssemos a
todos estes decretos e que temêssemos o SENHOR, o nosso Deus, para que sempre
fôssemos bem-sucedidos e que fôssemos preservados em vida, como hoje se pode
ver” (Deut 6:24; veja também 4:40; 5:33; 30:15-20). Deus sabe melhor o que
contribui para o nosso bem-estar. As leis não são negativas, no sentido de
restringir, mas para prover as condições nas quais a vida pode ser mais
benéfica e verdadeiramente humana. A obediência traz bênçãos, não como
recompensa, mas como resultado natural. A nossa saúde física não é um bônus
pelo bom comportamento, mas o resultado natural dela. A lei defendia em
especial as pessoas marginalizadas. A lei não foi dada para agradar a Deus, mas
para agradar as pessoas. É claro que Deus se alegra quando a sua lei é
cumprida, mas quem mais lucra com isso somos nós. A obediência à lei de Deus
não era a crosta seca de um legalismo rígido como podemos imaginar, mas a rota
mais certa para a satisfação pessoal, liberdade genuína, harmonia social e
prosperidade. A lei foi uma dádiva da graça, uma bênção, um tesouro, um dos
muitos privilégios que Deus tinha dado para Israel, para o seu próprio bem e
depois para a bênção de toda a humanidade (Wright 1992, 205-7)
- o conceito de bênção e
maldição do AT depende bastante do contexto onde ocorrem. Deus abençoa as pessoas
que estão em harmonia com ele. Quando uma pessoa abençoa a outra, isso está
fortemente ligado com o relacionamento entre elas. Em contraste, a maldição
reflete uma quebra de relacionamentos. Deus resolveu abençoar a Israel por
causa de sua graça e não porque mereciam. Para continuar a sendo abençoado
através desse relacionamento profundo com Deus Israel deveria obedecer às
regras do acordo que fizeram com Deus (Deut 7:11-15; 11:8-15; 28:1-14). Por
outro lado, a desobediência levaria o acordo a ser quebrado e as bênçãos seriam
trocadas por maldições (Deut 28:15-68) (McKeown 2003, 84-85)
Argumentos contra
- a Bíblia fala que todos nascemos no pecado. Isso
significa que todos herdamos de alguma forma a natureza pecaminosa de nossos
antepassados. Alguns acham que pessoas que foram dedicadas aos demônios antes
de nascerem, ou onde os pais tiveram forte influência demoníaca, têm por este
motivo um controle demoníaco hereditário sobre eles. Essa é uma crença que
existe no mundo animista. A Bíblia silencia sobre isso. As únicas passagens
bíblicas que falam sobre esse assunto são:
Ex 20:4-6 - “Não farás para ti imagem de escultura, nem
semelhança alguma do que há em cima nos céus, nem embaixo na terra, nem nas
águas debaixo da terra. 5 Não as adorarás, nem lhes darás culto; porque eu sou
o SENHOR, teu Deus, Deus zeloso, que visito
a iniqüidade dos pais nos filhos até à terceira e
quarta geração daqueles que me aborrecem
6 e faço misericórdia até mil gerações daqueles que me amam e guardam os
meus mandamentos”
Ex 34:6-7 - “E, passando o SENHOR por diante dele,
clamou: SENHOR, SENHOR Deus compassivo, clemente e longânimo e grande em
misericórdia e fidelidade; 7 que guarda
a misericórdia em mil gerações, que perdoa a iniqüidade, a transgressão e o
pecado, ainda que não inocenta o culpado, e visita a iniqüidade dos pais nos filhos e nos filhos dos filhos, até à terceira e quarta geração!”
Baseado nessa doutrina se
ensina que os filhos pagam pelo envolvimento dos pais com atividades ocultas. A
evidência se mostra em que muitos dos filhos andam pelos mesmos caminhos de
seus pais. Mas a Bíblia coloca claramente que os pais devem ensinar par aos
filhos o caminho a seguir. Fica muito fácil ver que os pais ensinam os filhos
pelo seu exemplo. É a influência e não um processo de transmissão de demônios.
Tanto Jeremias quanto Ezequiel falam de um provérbio que era dito na sua época:
“Os pais comeram uvas verdes, e os dentes dos filhos é que se embotaram” (Jer
31:29; Ez 18:2). Mas ambos os autores repudiam esse provérbio dizendo: “Que tendes vós, vós que, acerca da terra de
Israel, proferis este provérbio, dizendo: Os pais comeram uvas verdes, e os
dentes dos filhos é que se embotaram? 3 Tão certo como
eu vivo, diz o SENHOR Deus, jamais direis este provérbio em Israel. 4 Eis que todas
as almas são minhas; como a alma do pai, também
a alma do filho é minha; a alma que pecar, essa morrerá” (Ez 18:2-4). A
idéia que fica clara aqui é que o pai pode dar mau
exemplo, mas somente se o filho seguir os passos errados de seu pai, pagará pelos
seus próprios pecados (Priest et al. 1995, 67-68)
- a retribuição divina sobre os filhos dos que
aborrecem a Deus ocorre porque o pecado
exige castigo. Mas Deus muda de atitude com o pecador quando este se arrepende.
Lev 26 fala do que acontece quando o povo obedece e quando desobedece. As
conseqüências pela desobediência são devastadoras, mas ainda não significa que
Deus os abandona por causa disso:
Lv 26: 38-45 - “38
Vocês perecerão entre as nações, e a terra dos seus inimigos os devorará. 39 Os
que sobreviverem apodrecerão na terra do inimigo por causa dos seus pecados, e
também por causa dos pecados dos seus antepassados. 40 “Mas,
se confessarem os seus pecados e os pecados dos seus antepassados, sua
infidelidade e oposição a mim, 41 que me levaram a opor-me a eles e a enviá-los
para a terra dos seus inimigos; se o seu coração obstinado se humilhar, e eles
aceitarem o castigo do seu pecado, 42 eu me lembrarei da minha aliança com
Jacó, da minha aliança com Isaque, e da minha aliança com Abraão, e também me
lembrarei da terra, 43 que por eles será abandonada e desfrutará os seus
sábados enquanto permanecer desolada. Receberão o castigo pelos seus pecados
porque desprezaram as minhas ordenanças e rejeitaram os meus decretos. 44
Apesar disso, quando estiverem na terra do inimigo, não os desprezarei, nem os
rejeitarei, para destruí-los totalmente, quebrando a minha aliança com eles,
pois eu sou o Senhor, o Deus deles. 45 Mas por amor deles eu me lembrarei da
aliança com os seus antepassados que tirei da terra do Egito à vista das
nações, para ser o Deus deles. Eu sou o SENHOR.”.
Aqui fica claro que Deus não os abandona, mas se
lembra da aliança feita a eles. Outro texto que nos ajuda a ver como Deus age
com o povo que peca é Num 14:13-34:
Num 14:13-34
- “13 Moisés disse ao SENHOR:
Então os egípcios ouvirão que pelo teu poder fizeste este povo sair dentre
eles, 14 e falarão disso aos habitantes desta terra. Eles ouviram que tu, ó
SENHOR, estás com este povo e que te vêem face a face, SENHOR, e que a tua nuvem
paira sobre eles, e que vais adiante deles numa coluna de nuvem de dia e numa
coluna de fogo de noite. 15 Se exterminares este povo, as nações que ouvirem
falar do que fizeste dirão: 16 ‘O SENHOR não conseguiu levar esse povo à terra
que lhes prometeu em juramento; por isso os matou no deserto’. 17 Mas agora,
que a força do Senhor se manifeste, segundo prometeste: 18 ‘O SENHOR é muito
paciente e grande em fidelidade, e perdoa a iniqüidade e a rebelião, se bem que
não deixa o pecado sem punição, e castiga os filhos pela iniqüidade dos pais
até a terceira e quarta geração’. 19 Segundo a tua
grande fidelidade, perdoa a iniqüidade deste povo, como a este povo tens
perdoado desde que saíram do Egito até agora. 20 O SENHOR respondeu: Eu o
perdoei, conforme você pediu. 21 No entanto, juro pela glória do SENHOR que
enche toda a terra, 22 que nenhum dos que viram a minha glória e os sinais
miraculosos que realizei no Egito e no deserto, e me puseram à prova e me
desobedeceram dez vezes 23 nenhum deles chegará a ver a terra que prometi com
juramento aos seus antepassados. Ninguém que me tratou com desprezo a verá. 24
Mas, como o meu servo Calebe tem outro espírito e me segue com integridade, eu
o farei entrar na terra que foi observar, e seus descendentes a herdarão. 25
Visto que os amalequitas e os cananeus habitam nos vales, amanhã dêem
meia-volta e partam em direção ao deserto pelo caminho que vai para o mar
Vermelho. 26 Disse mais o SENHOR a Moisés e a Arão: 27 Até quando esta
comunidade ímpia se queixará contra mim? Tenho ouvido as queixas desses
israelitas murmuradores. 28 Diga-lhes: Juro pelo meu nome, declara o SENHOR,
que farei a vocês tudo o que pediram: 29 Cairão neste deserto os cadáveres de todos vocês, de vinte anos para cima, que foram contados no
recenseamento e que se queixaram contra mim. 30 Nenhum de vocês entrará na terra que, com mão levantada, jurei dar-lhes
para sua habitação, exceto Calebe, filho de Jefoné, e Josué, filho de Num. 31
Mas, quanto aos seus filhos, sobre os quais vocês disseram que seriam tomados
como despojo de guerra, eu os farei entrar para desfrutarem a terra que vocês
rejeitaram. 32 Os cadáveres de vocês, porém, cairão neste deserto. 33 Seus
filhos serão pastores aqui durante quarenta anos, sofrendo pela infidelidade de
vocês, até que o último cadáver de vocês seja destruído no deserto. 34 Durante
quarenta anos vocês sofrerão a conseqüência dos seus pecados e experimentarão a
minha rejeição; cada ano corresponderá a cada um dos quarenta dias em que vocês
observaram a terra”.
Aqui o pecado do povo tem conseqüências, mas é Deus
quem está castigando e não algo que o inimigo faz por trás de maneira astuta
- além
disso Cristo nos resgatou da maldição da lei: “13 Quando vocês estavam mortos em pecados e na incircuncisão da sua
carne, Deus os vivificou com Cristo. Ele nos perdoou todas as transgressões, 14
e cancelou a escrita de dívida, que consistia em ordenanças, e que nos era
contrária. Ele a removeu, pregando-a na cruz, 15 e, tendo despojado os poderes
e as autoridades, fez deles um espetáculo público, triunfando sobre eles na
cruz” (Col 2:13-15); “Cristo nos
redimiu da maldição da Lei quando se tornou maldição em nosso lugar, pois está
escrito: ‘Maldito todo aquele que for pendurado num madeiro’ ” (Gal 3:13).
O grande perigo quando falamos da necessidade de quebra de maldições está em
que acabamos afirmando que a obra de Cristo não é completa. Além da conversão a
pessoa precisa de mais algo para poder servir a Deus e ser totalmente liberta.
Isso seria acrescentar algo à salvação e isso é extremamente perigoso. Paulo
usa a linguagem da redenção para mostrar que erramos escravos do pecado mas fomos comprados por alto preço. Agora o velho chefe não
tem nenhum direito a reivindicar sobre nós (1 Co 6:20; 1 Co 7:23; 1 Pe 1:18)
(Lopes 2001, 63)
- um
estudo um pouco mais aprofundado de Ex 20 e Ez 18 nos ajuda a entender
melhor o que está por trás desses textos freqüentemente usados para defender a
maldição hereditária
-
Judá está no cativeiro. Eles tinham sido exilados porque deixaram de lado o que
Deus tinha lhes dito. Eles abandonaram os caminhos do Senhor e correram atrás
de outros deuses até que finalmente a paciência de Deus se esgotara. Agora
estão “pagando” pelos seus pecados. Isso levou diversas pessoas para acharem
que Deus estava sendo injusto levando eles para a Babilônia. Afinal de contas
os seus pais haviam pecado e agora eles estão pagando pelos pecados de seus
pais
-
existe um provérbio que circula entre eles que deixa essa verdade muito clara:
“Os pais comem uvas verdes, e os dentes
dos filhos se embotam” (Ez 18:2). Esse provérbio também circulava em
Israel, mas nesse caso se refere mais às pessoas para quem Ezequiel está
escrevendo (exilados) (Block 1997, 558)
- o
conceito de que os filhos pagam pelos pecados dos pais era muito comum nessa
época no Antigo Oriente Médio. Mas ela também estava presente fortemente em
Israel. Já nos 10 mandamentos temos a expressão:
Ex
20:4-6 - “4 “Não
farás para ti nenhum ídolo, nenhuma imagem de qualquer coisa no céu, na terra,
ou nas águas debaixo da terra. 5 Não te prostrarás diante deles nem lhes
prestarás culto, porque eu, o SENHOR, o teu Deus, sou Deus zeloso, que castigo os filhos pelos pecados de seus
pais até a terceira e quarta geração daqueles que me desprezam, 6 mas trato com bondade até mil gerações aos que me amam e obedecem aos meus
mandamentos”
Ex
34:5-7 - “5 Então o SENHOR desceu na
nuvem, permaneceu ali com ele e proclamou o seu nome: o SENHOR. 6 E passou
diante de Moisés, proclamando: “SENHOR, SENHOR, Deus
compassivo e misericordioso, paciente, cheio de amor e de fidelidade, 7 que mantém o seu amor a milhares e perdoa a
maldade, a rebelião e o pecado. Contudo, não
deixa de punir o culpado; castiga os filhos e os netos pelo pecado de seus
pais, até a terceira e a quarta gerações”
Num
14:18 - “18 ‘O SENHOR é muito paciente e
grande em fidelidade, e perdoa a iniqüidade e a rebelião, se bem que não deixa o pecado sem punição, e
castiga os filhos pela iniqüidade dos pais até a terceira e quarta geração’ ”
Deut
5:8-10 - “8 Não farás para ti nenhum
ídolo, nenhuma imagem de qualquer coisa no céu, na terra ou nas águas debaixo
da terra. 9 Não te prostrarás diante deles nem lhes prestarás culto, porque eu,
o SENHOR, o teu Deus, sou Deus zeloso,
que castigo os filhos pelo pecado de seus pais até a terceira e quarta geração daqueles
que me desprezam, 10 mas trato com bondade até mil gerações os que me
amam e obedecem aos meus mandamentos”
Deut
7:9-10 - “9 Saibam, portanto, que o
SENHOR, o seu Deus, é Deus; ele é o Deus fiel, que mantém a aliança e a bondade por mil
gerações daqueles que
o amam e obedecem aos seus mandamentos. 10 Mas àqueles que o desprezam, retribuirá com destruição; ele não
demora em retribuir àqueles que o desprezam” Fica muito patente que
as pessoas interpretavam a atuação de Deus com base nesse princípio. Até a ida
para a Babilônia é vista neste prisma: “3
Isso aconteceu a Judá conforme a ordem do SENHOR, a fim de removê-los da sua presença, por causa de todos os pecados
que Manassés cometeu, 4 inclusive o derramamento de sangue inocente. Pois
ele havia enchido Jerusalém de sangue inocente, e o SENHOR não o quis perdoar”
(2 Rs 24:3-4) (Block 1997, 559)
-
mas esta teologia estava criando problemas para os exilados. Eles achavam que
Deus estava sendo injusto castigando os filhos (eles próprios) pelos pecados de
seus pais. Parece que Deus não está interessado em culpa e inocência de um
indivíduo, mas simplesmente interessado em equilibrar o pecado e a retribuição.
Mas isso vai exatamente contra o que Deus queria. Deus havia avisado os pais
que cuidassem de sua conduta pois ela trazia
conseqüências para os seus filhos. Há diversas maneiras de ver este castigo de
Deus: poderia ser que Deus castiga as pessoas das gerações sucessivas mesmo
depois que a pessoa culpada já morreu; ou então poderia ser que no máximo 4
gerações viviam juntas como família estendida e estes carregam as conseqüências
pelos atos dos pais (Block 1997, 559). No Oriente Médio cada pessoa pertence a
um clã ou família estendida onde a integração e interdependência são valores
importantes, e o grupo é visto como uma unidade. Um comportamento individual
não é visto como isolado do grupo. Quando alguém na família peca a família toda
divide a responsabilidade (Walton et al. 1997, 95)
-
esse conceito de que os filhos pagam pelos pecados dos pais era secular, mas
estava firmemente arraigado nas pessoas da época:
Lam
5:7 - “Nossos pais pecaram e já não
existem, e nós recebemos o castigo pelos seus pecados”
Jer
31:29-30 - “29 Naqueles dias não se dirá
mais: ‘Os pais comeram uvas verdes, e os dentes dos filhos se embotaram’. 30 Ao
contrário, cada um morrerá por causa do seu próprio pecado. Os dentes de todo
aquele que comer uvas verdes se embotarão”
Isso
levava as pessoas a um fatalismo: é assim que as coisas são e ninguém pode
fazer nada para mudar a situação (Block 1997, 559-60)
-
em Ez 16:44 Ezequiel tinha mencionado o relacionamento de causa-efeito entre
gerações. Ele cita o provérbio: “Tal mãe, tal filha”. Ele não faz isso para
culpar a geração anterior, mas para mostrar que os traços de personalidade são
passados de uma geração para a outra. Em sua conduta Jerusalém mostra que tem
pais pagãos. A situação é que Ezequiel está lidando com pessoas que estão vendo
um fatalismo que não pode ser mudado. São regras cósmicas de causa e efeito que
deixam os exilados sem esperança e sem Deus. Durante anos eles colocaram a sua
esperança em Deus para agora perceber que existem leis imutáveis das quais não
podem fugir: uma geração paga pelos pecados da geração anterior (Block 1997, 560-61)
-
mas Ezequiel vai responder a esta situação. Ele logo coloca a sua tese e depois
vai explicá-la: “3 Juro pela minha vida,
palavra do Soberano, o SENHOR, que vocês não citarão mais esse provérbio em
Israel. 4 Pois todos me pertencem. Tanto o pai como o filho
me pertencem. Aquele que pecar é
que morrerá” (Ez 18:3-4). Ezequiel está mudando a teologia das pessoas
dizendo que não podemos entender a experiência das pessoas sem reconhecer que a
vida pertence a Deus: “todos me pertencem”. Ele é o criador de todos e sustenta
a vida de todos – logo todos pertencem a ele. Aqui ele rejeita o fatalismo e
anuncia que o mundo é teocêntrico. Eles não são vitimas de leis cósmicas
imutáveis, mas o seu destino está nas mãos de Deus (Block 1997, 561-62)
- além disso Ezequiel mostra que para entender a experiência
humana precisamos entender o relacionamento entre culpa e castigo: “Aquele que pecar é que morrerá”.
Jeremias já havia tocado no assunto dizendo que no futuro as pessoas seriam
fiéis à nova aliança de Deus e seriam perdoadas. A culpa coletiva daria lugar à
responsabilidade individual pela culpa. Jeremias deixou a questão aberta para
os seus dias, mas falou do futuro. Ezequiel por sua vez diz que esse provérbio
não representa uma teologia correta. Ezequiel dá por certo que as pessoas
conhecem Deut 24:16: “Os pais não serão
mortos em lugar dos filhos, nem os filhos em lugar dos pais; cada um morrerá
pelo seu próprio pecado”. Parece que este versículo contradiz o que temos
nos 10 mandamentos. Mas Ex 20:5 está lidando com a administração divina da
justiça, enquanto que Deut 24:16 é colocada para controlar os abusos em
julgamentos humanos. As pessoas não devem castigar os filhos
pelos pecados dos pais [vide também Brown in NIDOTEE 4:891) [pode ser
que temos aqui a diferença entre a culpa coletiva – todos vivendo debaixo de
mesmo teto e assim se tornam co-responsáveis pelo pecado; e culpa individual
(veja Martens in DOTP 772). O castigo pressupõe que os filhos são castigados
pela sua solidariedade com e participação no erro de conduta dos pais (cf. Jos
7) (Williams in NIDOTEE 3:660); ou ainda que a pessoa que abandona Deus deixa
de instruir as gerações posteriores sobre a aliança com Deus e desta forma não
conhece o essencial para a sua vida e seu bem-estar (Craigie 1976, 154), muito
pelo contrário aprende coisas que vão fazer mal (especialmente a idolatria que
é mencionada no contexto direto) (Wright in NIDOTEE 1:221). Além
disso o castigo em Deut 5:9-10 (e outras passagens) é para aqueles que
desprezam/odeiam a Deus, i.é., aqueles que continuam a viver em rebelião contra
Deus (Ashley 1993, 259)]. O que Ezequiel está fazendo é transferir o princípio
que governa as relações humanas para ser o princípio geral sobre este assunto.
Nenhuma geração é simplesmente a extensão moral da outra. As pessoas morrem
pelos seus pecados e não pelos pecados dos outros (Block 1997, 563). Parece
indicar que aqui estávamos falando de uma nova época onde a responsabilidade
corporativa (coletiva) é substituída pela individual. O pecado seria castigado
imediatamente. Isso deveria ser considerado uma bênção (Brown in NIDOTEE 4:891;
Williams in NIDOTEE 3:660). Fica patente que essa teologia no exílio está em
contraste com a teologia pré-exílica, mesmo que já vemos ela
presente em Gen 18:25 (Southwell in NIDOTEE 3:888). Mesmo em Jeremias essa
ambigüidade continua. Por um lado Jeremias coloca que a geração de Manassés
pecara e isso ocasionara o cativeiro, mas por outro ele não considera o povo
que vai ao exílio totalmente inocente. Não sabemos exatamente se Jeremias
aceitava a responsabilidade coletiva em certas circunstâncias. Possivelmente
ele antecipava a visão dos rabinos que a culpa dos pais é transferida para os
filhos que continuam nos caminhos deles (Hostetter in NIDOTEE 3:679). Cada
geração precisaria escolher por si mesma como iria viver e como iria se
relacionar com Deus. Havia diversos exemplos de pessoas que mesmo vivendo em
uma sociedade corrupta se decidiram a viver como Deus queria (Abraão, Moises,
Josué, Elias e outros profetas). Logo o princípio da responsabilidade coletiva
não é novo em Jeremias e Ezequiel. A sociedade precisava entender que existia a
responsabilidade coletiva e individual (Thompson 1980, 579)
-
depois disso Ezequiel vai mostrar 3 casos de justiça divina. Ele não está satisfeito
simplesmente em afirmar o contrário do que o povo está pensando. Ele quer
demonstrar isso com exemplos. Pode até ser que ele esteja se baseando no
princípio que para julgar uma situação deveria haver entre 2-3 testemunhas. Ele
está falando de 3 gerações para mostrar que uma geração pode quebrar com as
práticas erradas de outra. Veja a comparação abaixo (Block 1997, 565-66)
18:5-9
(avô) |
18:10-13
(pai) |
18:14-17
(filho) |
Não
come nos montes – sacrifícios aos deuses |
Come
nos montes |
Não
come nos montes |
Não
olha para os ídolos – buscando sua ajuda |
|
Não
olha para os ídolos |
Não
contamina a mulher do próximo – adultério |
Contamina
a mulher do próximo |
Não
contamina a mulher do próximo |
Não
se deita com a mulher na menstruação |
|
|
Não
explora/oprime ninguém – se aproveitar do outro |
Oprime
os pobres e necessitados |
Não
oprime ninguém |
Devolve
o que tomou como empréstimo (penhor) |
Comete
roubos |
Não
exige garantia pelo empréstimo |
Não
comete roubos |
Não
devolve o penhor que recebeu como garantia pelo empréstimo |
Não
comete roubos |
Dá
comida aos famintos |
Volta-se
para os ídolos |
Dá
comida aos famintos |
Fornece
roupas para os despidos |
Comete
práticas detestáveis |
Fornece
roupas para os despidos |
Não
empresta dinheiro com juros (para não explorar os pobres) |
Empresta
dinheiro com juros |
Mantém
a mão longe dos pobres |
Não
exige lucro do dinheiro emprestado |
Exige
lucro do dinheiro emprestado |
Não
exige juros nem lucros do dinheiro emprestado |
Retém
a mão para não cometer injustiça = é honesto e justo nos negócios |
|
|
Promove
justiça entre a comunidade |
|
|
Age/vive
segundo as leis de Deus |
|
Obedece
às leis de Deus |
Obedece
às leis de Deus |
|
Age/vive
segundo as leis de Deus |
Vive
de maneira justa/íntegra |
|
|
-
os pobres são cuidados porque todas as pessoas são vistas como sendo a imagem de
Deus
- o
pai tem um filho violento, um criminoso que comete qualquer dos crimes abaixo,
mesmo que o pai não os tenha cometido. Ezequiel quer mostrar que mesmo o pai
sendo bom pode ter um filho mau. A geração anterior
não determina o destino da presente geração. Enquanto o pai vive aqui o filho
não deve viver. Deve ser morto e ser responsável por sua própria morte – ou
seja, não existe transferencia de culpa ou justiça do pai para o filho (Block
1997, 575-76)
-
depois ele apresenta o neto que teve um avô bom mas um
pai perverso. Ele refletiu sobre os erros de seu pai e deliberadamente andou na direção contrária.
Basicamente ele é a antítese de seu pai e cópia de seu avô. Ele não vai pagar
pelos pecados de seu pai. A sua conduta de justiça determina o seu destino
(Block 578-79)
-
Ezequiel quer deixar bem claro que cada pessoa é responsável pelos seus atos e
será recompensada ou castigada por eles e não pelos pecados de outra geração.
Ele ainda acrescenta a possibilidade de perdão para quem está vivendo no pecado.
Se alguém se arrepende ele pode ser perdoado. Três ações são requeridas:
arrependimento que envolve uma mudança de direção, afastando-se do pecado, e
comprometendo-se de fazer a vontade de Deus – o que vai se expressar em atos
concretos. Nesse caso o pecado é perdoado e ele viverá porque o que conta é o
que ele vive hoje (Block 1997, 582)
-
Deus não tem prazer na morte das pessoas, nem mesmo dos perversos. O povo
precisa de uma nova visão de Deus – um Deus que quer dar vida e abençoar e não
amaldiçoar e matar. Mesmo que Israel estivera em pecado durante gerações, o
futuro está aberto diante deles com esperança. Aqueles que se arrependem vão
encontrar a vida. Mas o contrário também acontece. Se uma pessoa justa abandona
os caminhos de Deus e se perverte e ele vai pagar pela sua apostasia. Ele não
vai viver. A sua vida atual apaga os bons caminhos que andou
no passado. Com isso Ezequiel está mostrando que a pessoa não pode confiar que
o seu destino é firmado pela geração anterior. Cada pessoa determina o seu
próprio destino. Ele também mostra que não podemos pensar que se no passado
fizemos o bem agora podemos pecar que ainda na média estamos bem. O destino da
pessoa é determinado pelo presente quando ocorre o julgamento (Block 1997, 583)
1. Ezequiel deixa claro que
ninguém pode culpar o outro pelo seu pecado. É verdade que os pais são
responsáveis pelo bem-estar dos filhos. Mas os filhos não podem se esconder
atrás da teologia que culpa os pais pelo seu próprio destino. A sentença de
morte ou de vida não é imutável. Cada um vive ou morre por causa de seus atos –
cada um é responsável pelo seu próprio destino (Block 1997, 589)
2. Não podemos basear o nosso
futuro eterno em decisões do passado. A decisão que tomamos hoje é que
determina o nosso futuro. Posso ter vivido como Deus quer no passado, mas se
abandono hoje, sou julgado pelo meu estado atual. Deus nos incentiva:
arrependa-se e viva, o que pode mudar o destino da pessoa (Block 1997, 589-90)
3. Ezequiel coloca que Deus age
segundo alguns padrões: a pessoa que peca morre por causa do seu pecado; vida
correta se expressa em ações corretas e não simplesmente em afirmações
corretas; o passado da pessoa não precisa determinar o seu futuro; Deus quer
vida ao invés de morte (Block 1997, 590)
4. Deus quer que as pessoas se
arrependam para encontrar vida. Deus não tem prazer no castigo pelo pecado
(Block 1997, 590)
1.
O mundo
- principalmente em João
trata-se do “sistema de valores alienados de Deus, que orienta o pensamento dos
homens em oposição a Ele” (Shedd 1991, 12-13). Nesse sistema de valores está
incluído o poder político, as riquezas deste mundo, enfim, o secularismo. Ser o
centro sem a presença de Deus. “A influência sutil do mundo ao redor, através
dos meios de entretenimento e informação, exclui a voz do Senhor. Quem pensa
que esta influência negativo não atinge os membros da igreja é como a avestruz
que esconde a cabeça na areia” (Shedd 1991, 17). O mundo acaba nos moldando e
nossos valores são mais adaptados à sociedade do que à Bíblia.
- para vencer o mundo é
preciso tomar cuidado para não achar que a voz do povo é a voz de Deus. Na cruz
Jesus disse um não definito para todas as tentações do mundo. Da mesma forma
precisa acontecer conosco. Não podemos nos conformar com a maneira de pensar do
mundo. O reino de deus precisa estar em primeiro lugar em nossa vida. Aí não
haverá espaço para outras coisas. Essa vitória contra o mundo é muito mais
fácil quando estamos em uma comunidade de pessoas com o mesmo propósito.
2.
A carne
- é o desvio da natureza
humana agindo como instrumento do pecado (Shedd 1991, 69). É um sistema que
governa os seres humanos. Ela ultrapassa os limites da individualidade e cria
sistemas que se opõe a Deus. Esse sistema acaba se tornando o deus da pessoa
exigindo que faça o que ela (a carne) quer. É o sentimento de individualismo
que faz as coisas sem precisar de Deus.
- para vencer a carne
precisamos reconhecer que a carne é fraca. Carnalidade e criancice são
similares (1 Co 3:1-3). Precisamos reconhecer a nossa dependência de Deus
(Shedd 1991, 72). Isso nos leva a vigiar e ser humildes
sabendo que se baixarmos a guarda estaremos na mira do inimigo. Nessa
dependência de Deus a nossa consciência desempenha papel importante. Andar do
Espírito, deixar que ele controle a nossa vida é vital nessa luta. Devemos
destruir as fontes de sustento da carne (Gal 5:13). Matar a carne, fugir das
paixões e perseguir a justiça.
3.
O diabo
- ele tem diversos nomes na
Bíblia: adversário, acusador, tentador, etc. Este tenta cegar os olhos das
pessoas para que não vejam a Deus. Faz milagres para enganar as pessoas, torce
as escrituras, mente e mata.
- para vencer o diabo
precisamos evitar de dar brechas para ele através de
nosso comportamento que não é bíblico. Tratamos tanto de expulsar demônios e
tão pouco de trabalhar o nosso caráter. Atras de ira não
perdoada damos lugar ao diabo em nossa vida (Ef 4:26ss). A nossa identidade e união com Cristo nos dá a vitória sobre
o inimigo. Ele está derrotado e a batalha final é somente questão de tempo.
Precisamos também vestir a armadura de Deus.
- convém ressaltar que nem
sempre sabemos claramente a fonte da nossa tentação. Mas precisamos evitar de expulsarmos demônios quando é nossa tarefa de
mortificar a carne. Expulsar o demônio não vai resolver o problema. A recíproca
é verdadeira.
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Quatro episódios e muitas inquietações
– Ricardo Gondim Rodrigues
Primeiro episódio.
A pastora Miriam Silva prometera algumas surpresas para o próximo culto. Na
data marcada uma pequena multidão superlotou o seu auditório em São Paulo.
Disputavam lugares até nos corredores. O ar pastoso do calor não inibia a
euforia que passava de pessoa para pessoa. Ondas de uma eletricidade emocional
causavam arrepios em todos. Cantaram-se alguns hinos; todos convocando os
crentes para uma batalha. De repente, as portas que ladeiam a plataforma do
templo se abriram e a pastora Miriam entrou. Vinha acompanhada por alguns dos
seus oficiais. Apareceu trajando um uniforme militar com camuflagem e
carregando uma baioneta pendurada no cinto. Marchou até o centro, sempre rodeada
de seus oficiais. Todos igualmente fantasiados. A voltagem subia a cada hino
que se cantava. De repente abriu-se mais uma porta e seis homens surgiram
carregando um caixão de defuntos nos ombros. Os gazofilácios
serviram de apoio para repousarem a urna funerária diante do povo. Agora o
frenesi emocional misturava-se à perplexidade. Tudo se mostrava inusitado
demais. A pastora Miriam sacou a baioneta e com ela em punho começou a pregar o
seu sermão. Culpava a cultura romana pelos percalços da nação brasileira.
Afirmou que somos pobres, vivemos no meio da violência e estacionamos em nosso
desenvolvimento devido ao “espírito de Roma”. “Esse espírito”, continuou com a
voz afetada, “nos ensinou a guardar o domingo e batizar crianças. Temos que
matar e esfaquear esse espírito, ele não provém de Deus”. Depois de mais de
meia hora condenando o “espírito de Roma”, convocou a todos no auditório a
verificarem se suas próprias vidas também não estariam contaminadas com o tal
espírito. Abriram o caixão e as pessoas trouxeram um papel escrito, indicando
de que maneira estavam maculados por Roma. Quando se aproximavam do caixão,
enxergavam-se num espelho estrategicamente colocado no lugar onde repousaria a
cabeça do morto. Depois que todos depositaram seus pedaços de papel naquele
móvel sinistro, repuseram a sua tampa e esperaram o próximo movimento da
pastora. Ela desceu com a baioneta em posição de ataque e logo começou a
esfaquear o caixão com força. Lancetava com tanto furor que lascas de madeira
voavam pelo espaço. Ao terminar com a sua coreografia, deixou claro para o seu
auditório que aquilo não fora apenas uma encenação. Eles haviam presenciado um
“ato profético”. Prometeu que depois daquele evento, Deus reverteria a sorte do Brasil.
Segundo Episódio.
Minha secretária anunciou que o Alexandre Souza já chegara. Pedi então que ele
entrasse em meu escritório, pois queria um aconselhamento pastoral.
Aproximou-se cabisbaixo e me encarou apenas de soslaio, embora apertasse minha
mão com firmeza. Notei logo sua timidez. Calculei sua idade por volta dos 28
anos. Os cabelos bem aparados e penteados para a esquerda chamavam a atenção
pela negritude. Pedi que Alexandre se sentasse. Iniciei nosso diálogo
procurando deixá-lo mais à vontade. Ofereci um copo d’água, que aceitou sem esboçar
nenhuma emoção. Achei-o muito quieto. Pensei na dificuldade daquele
aconselhamento. Imaginei que gastaria a maior parte do tempo perguntando e
ouvindo meras respostas monossilábicas. Ledo engano.
Logo que bebeu o primeiro gole, Alexandre me encarou e perdeu toda timidez. –
Pastor, começou sem gaguejar, faço parte da igreja ‘X’ aqui em Fortaleza. Há
dois anos estou endemoninhado. – Vim aqui porque preciso de libertação,
emendou. Mostrei-me surpreso: - Endemoninhado? Você está em pleno controle de suas
faculdades mentais, emocionalmente equilibrado e com
um semblante tranqüilo. O que lhe leva a crer que está endemoninhado?
Sua resposta me deixou ainda mais perplexo. – Todas as sextas-feiras eu vou ao
culto de quebra de maldições em minha igreja e faz dois anos que eu caio tomado
por demônios em todos os cultos. Pela voz não parecia indignado, apenas
cansado. – O bispo põe a mão sobre minha cabeça e eu fico agoniado, tenho
vontade de tirar a mão dele de cima de mim. É nesse exato momento que acontece...
– O quê? Interrompi. – Fico nervoso, com uma aflição muito grande. Quero tirar
a mão do bispo de cima de mim. Acabo caindo no chão. Lá me dizem que essa
aflição é demoníaca.
Questionei-lhe porque o bispo não conseguia libertá-lo totalmente, já que sua
possessão se manifestava semanalmente há dois anos. Explicaram-lhe que esse
tipo de demônio é muito esperto. Quando o expulsavam da mente, corria para o
espírito. Do espírito se escondia na vontade e da vontade pulava para a alma.
Desta forma, continuava cativo mesmo já batizado e mesmo havendo terminado o
seu curso sobre plenitude do Espírito Santo. Mostrei-lhe que não era possesso,
apenas um inocente útil. Um joguete nas mãos dos líderes que precisavam de
pessoas sugestionáveis para valorizar os cultos de libertação da sexta-feira.
Terceiro Episódio.
Roberto Pires pastoreia uma igreja no Rio de Janeiro. Certo dia, resolveu agir, indignado com a violência da cidade.
Precisava fazer alguma coisa para reverter a
incompetência crônica da polícia. Não cogitou ações políticas, nem imaginou um
programa na igreja que melhorasse a educação cívica de seus membros. Sequer lhe
passou pela cabeça participar de manifestações ou passeatas exigindo melhor
segurança pública. Os óculos teológicos e ideológicos com que enxerga a sua
realidade não lhe permitem essas cogitações. Assim, orava em um culto quando
lhe veio uma idéia que considerou a mais genial de sua vida - tão genial que
ele a relatou por anos.
Correu para o seu escritório, abriu a Lista Telefônica e nervosamente procurou
pelos “agás”; queria “helicópteros”. Desejava saber quanto custaria alugar um
desses beija-flores mecânicos. Anotou os valores e levou sua idéia para o culto
daquela noite. “Irmãos e irmãs, Deus me deu uma visão. Preciso que vocês me
ajudem a cumpri-la. Deus mandou que eu alugasse um helicóptero, colocasse um
tonel de óleo dentro e ungisse a cidade do Rio de Janeiro”. O auditório
irrompeu em palmas, uma oferta foi levantada e o pastor Roberto Pires naquela
semana embarcou no mais bizarro sobrevôo que o Rio de Janeiro já teve. Latas de
óleo eram derramadas para ungirem a Cidade Maravilhosa. Respingos melados
caíram sobre a avenida Rio Branco, na praia de Copacabana e sobre alguns dos
morros mais violentos da cidade. Fora o inconveniente oleoso, nada aconteceu;
meses depois a violência carioca recrudesceu.
Quarto Episódio
O pastor Carlos Feijó voltou para Curitiba depois de uma semana em um
seminário de batalha espiritual. A equipe que ministrou o curso ensinou-lhe a
“decretar sua cidade para Deus”. Ali aprendeu como identificar os limites do
seu município e declarar que ele pertence a Jesus Cristo. Aprendeu mais: Se a
igreja não souber reivindicar o que pertence ao Senhor, o diabo continuará com
direitos legais sobre vidas, espalhando miséria. O pastor Carlos passou uma semana indignado consigo mesmo e com os outros pastores.
Por anos não se aperceberam dessa imensa negligência. Foi para casa e orou. Com
lágrimas rolando pelo rosto, se propôs a jejuar. No terceiro dia do jejum
veio-lhe o que também considerou uma brilhante revelação divina. Há muitos anos
aprendera que tanto os leões como os lobos urinam para demarcar o seu
território e impedir a invasão de outros machos. Ele precisava fazer o mesmo,
como legítimo representante de Jesus – o Leão da Tribo de Judá.
Naquela semana, convocou seus parceiros de ministério
para saírem pela madrugada urinando em pontos estratégicos da cidade. Gastaram
algumas horas na empreitada. O comboio de carros percorreu vários quilômetros
com muitas paradas. Beberam litros e litros d’água; precisavam de muita urina
para uma cidade tão grande.
Esses
quatro episódios descritos são verdadeiros. Todos patéticos! Realmente
aconteceram nas cidades mencionadas. Apenas os nomes e alguns detalhes são
fictícios. Ilustram bem o que invade as igrejas evangélicas no Brasil. Entendo
que as pessoas têm o direito constitucional de crerem, praticarem ou pregarem o
que quiserem. Entretanto, não deveriam fazer em nome da fé protestante e
evangélica. Muito sangue já foi derramado, muitas
vidas sacrificadas e muitos missionários afadigados para que testemunhássemos
tanta superficialidade.
Além disso, produzem um estrago imensurável em vidas. Muita gente já perdeu a
fé. Qualquer pessoa com um mínimo de senso crítico, depois que passa a euforia
e o fanatismo, se sentirá envergonhada de um dia haver participado de ambientes
onde imperam tantas tolices. Acabam trilhando o caminho do cinismo ou da
revolta. Ambos muito trágicos.
Torna-se necessário que aconteçam denúncias internas para que o evangelho não
se desfigure em um “outro evangelho”. Se nos calarmos, mancharemos nosso legado
de fé e nos tornaremos culpados por omissão. Quando a igreja deixa de salgar e
passa a ser motivo de chacota, para nada mais serve senão para ser pisada pelos
homens. Há muito joio dentro das igrejas evangélicas e ele não se parece em
nada com o trigo. Pelo contrário, dá-nos vontade de rir e de chorar ao mesmo
tempo. Protestemos, antes que só dê vontade de chorar.
http://www.ricardogondim.com.br/Artigos/artigos.info.asp?tp=61&sg=0&form_search=&pg=4&id=374.
Acesso em 30/03/2005
Resumo
I. Ênfases questionáveis sobre
Batalha Espiritual em nossas igrejas
- em meio a essa confusão de
idéias têm surgido muitas idéias que são questionáveis. Gondim alerta para
algumas doutrinas que se infiltraram que são duvidosas, principalmente ligadas
com a teologia da prosperidade
A – A Confissão Positiva tem
trazido uma série de ênfases negativas para a igreja no Brasil (Gondim 1995,
106)
1. Outorgar poderes autônomos a
palavras, frases e “decretações” (“em nome de Jesus”, “tá amarrado”, etc.)
2. Crer na independência e
auto-suficiência dos espíritos malignos
3. Acreditar na possibilidade
de anular os poderes satânicos com gestos, frases ensinadas e orações prontas
(Gondim 1995, 106) (ex. Salmo 91)
- isso tem gerado práticas
simplistas na igreja
1. Exorcizando príncipes
territoriais corrigimos distorções sociais (Gondim 1995, 106)
2. Amarrando demônios culpados
por pecados específicos da carne aumentamos a santidade (Gondim 1995, 106)
- com isso a
responsabilidade de disciplinar e mortificar a carne para se ter santidade tem
sido substituída pelo exorcismo (Gondim 1995, 106)
- disciplina pessoal,
responsabilidade pelos meus atos pecaminosos, etc., passaram a ser resolvidas com exorcismo e não com trabalho duro (Gondim
1995, 106)
B – Hermenêutica errada
(Gondim 1995, 107)
- exegese pobre dos textos bíblicos
- os princípios de
hermenêutica são totalmente ignorados
- usam-se muitos textos do
AT e interpreta-se de forma alegórica. As batalhas de Israel contra os seus
inimigos são transformadas em batalhas de Deus contra as potestades celestiais.
Isso normalmente vai além ainda até o ponto de ver todos os problemas da vida
sendo problemas de ordem espiritual
C – Extremismo / paranóia
(Gondim 1995, 107)
- por um lado a vitória já foi alcançada por Cristo – agora não devemos
mais nos preocupar com o diabo. Por outro lado temos aqueles que estão sempre
anulando a obra do diabo para não dar brechas para ele em qualquer
área/situação da vida
- esse extremismo pode levar
a ver o diabo atrás de todas as coisas desde todos os logotipos, quadros, etc.
Desta forma damos vazão a nossa imaginação e vemos demônios envolvidos em
qualquer situação estranha de nosso dia-a-dia
- o perigo existe em se dar
“demais” e “demenos” atenção ao inimigo – o problema dos extremos
- Jesus e a igreja primitiva
viviam num mundo dominado por crendices, misticismo, anjos protetores e
maldições, mas nem por isso estavam obcecados com isso. A ênfase nas cartas de
Paulo não está no exorcismo, mas em viver uma vida baseada em princípios
bíblicos sabendo que os poderes das trevas foram derrotados
E – Visão maniqueísta do
mundo – tudo é controlado por forças espirituais (tudo o que é bom vem de Deus,
o ruim do diabo)
- tudo o que acontece é
atribuído a Deus ou ao diabo de acordo com a minha percepção se é bom ou ruim
para mim. O que é bom/ruim para mim é normalmente determinado de acordo com o
imediatismo e com o nosso conceito de bom e ruim baseado na cosmovisão
Indo-européia
a – A coexistência eterna do
bem e do mal
- nesse cosmovisão o bem e o
mal são duas entidades independentes que coexistem desde a eternidade (Hiebert
1994, 204). O bem e o mal procedem de duas fontes sobrenaturais diferentes e
opostas entre si (Hiebert 1994, 204). Tudo o que acontece aqui sobre a terra é
resultado de forças espirituais em conflito nas regiões celestes. Anjos e
demônios lutam de igual para igual para alcançar a vitória. Os seres humanos
aqui são meramente fantoches nas mãos dessas forças espirituais (Hiebert 1994,
204). A luta então é para que um vença o outro e tome controle da situação
(controle do mundo) (Hiebert 1994, 205)
b – Ordem e controle são o
bem supremo
- quando temos duas forças
lutando pelo poder existe o perigo de termos o caos. Somente quando a ordem é
estabelecida podemos falar em construir uma sociedade justa. Dentro desse
contexto, paz amor, justiça e relacionamentos harmoniosos são valores
secundários (Hiebert 1994, 205-6)
c – A batalha no cosmos
- a questão chave aqui é a
batalha entre o bem e o mal. A palavra
chave é poder. O mais poderoso vence. Sucesso é o valor máximo. Se o “bem” vencer,
justiça, paz e amor irão reinar. Se o “mal” ganhar, este reinará. Logo
“vencer”, dentro dessa perspectiva, é tudo (Hiebert 1994, 206)
- de acordo com essa
cosmovisão, justiça se baseia em oportunidades iguais. Para que haja justiça, a
batalha precisa acontecer entre dois partidos de poder similar. Em outras
palavras, o resultado precisa ser incerto. Ambos precisam ter acesso aos mesmos
meios para poder vencer.
d – A vitória como o alvo
- a batalha está no centro
da história. Quando a batalha termina, a história acaba. As palavras finais
são: e eles venceram, ou eles casaram e viveram felizes para sempre. Mas não há
valor em contar o que aconteceu nesse “felizes para sempre”. O emocionante está
na batalha e por isso sempre retornamos a ela (Hiebert 1994, 207)
- a fascinação pela batalha
pode ser vista facilmente hoje nos esportes. Depois do jogo vamos para casa
esperando o próximo jogo onde o resultado pode ser diferente. Mesmo nos cartuns
temos essa visão básica (Hiebert 1994, 207)
Resumindo
a – Há uma batalha sendo
travada pelo coração e almas dos seres humanos
- o foco não está na batalha
entre Deus e Satanás – essa já foi vencida
- o foco está na prontidão
de Deus de buscar de volta aquelas pessoas que estão enganadas debaixo de jugo
de Satanás. Ele as escraviza por meio de mentiras, intimidação, tentação, etc.
Ele não aparenta ser o demônio, mas um anjo de luz
b – Satanás não tem poder
sobre o povo de Deus além do que Deus permite para testar a fé dos cristãos
- mas Deus dá a força que as
pessoas precisam para resistir a essas investidas de Satanás
- as pessoas precisam lutar
para resistir a essas forças inimigas
c – Satanás e os seus
demônios podem dominar a vida de algumas pessoas, mas devemos ter pena dessas
pessoas e não temê-las
- a igreja precisa de
pessoas capacitadas para lidar com essa situação (psicólogos, pastores,
médicos, etc.)
- mas o maior perigo está
nas pessoas que de sã consciência rejeitam a autoridade de Deus sobre elas e
levam outras para o mau caminho
- idolatria e adoração a si
mesmo são o centro de nossa rebelião contra Deus e não
possessão demoníaca
d – Como cristãos deveríamos
focar no amor, reconciliação, paz e justiça
- se a nossa ênfase for
demais na guerra, tendemos a ver o nosso próximo como nosso inimigo ou competidor
- quando nos sentimos
melhores que as pessoas do mundo o diabo bate palmas
e – O evento supremo de
batalha espiritual aconteceu na cruz
- Jesus poderia ter chamado
hostes de anjos para o ajudar, mas a vitória foi alcançada de uma forma
diferente do que as pessoas pensavam
f – Devemos ter cuidado com
dois extremos: negar a realidade de Satanás e a batalha espiritual na qual
estamos engajados, e a fascinação por essa batalha a ponto de temermos a
Satanás e seus demônios
- precisamos nos ocupar mais
com Deus do que com Satanás – a vitória já foi alcançada
- agora somos mensageiros
dessa boa nova
- quando a nossa ênfase está
na batalha tendemos a ver batalhas como algo positivo e esquecemos que a
batalha já foi ganha por Cristo – isso não quer dizer que não existam batalhas
no nosso dia-a-dia. Mas o veridito final já foi traçado – é só uma questão de
tempo até que tudo esteja terminado
- temos que lembrar que a
batalha original foi travada entre Deus e Satanás, mas no nível celestial essa
guerra já foi vencida decisivamente por Deus (Col 2:15; 1 Jo 3:8). Na terra a
batalha continua, mas a questão não é determinar quem vai vencer a batalha, mas
se o povo de Deus vai se apropriar da vitória vencida por eles na cruz e na
ressurreição (Warner 2000, 902)
A – Origem de Satanás e dos
demônios
- aparentemente são seres
criados que se revoltaram contra Deus
- não sabemos a origem da
queda dos anjos maus. Ao que tudo indica não foram criados maus já que tudo o
que Deus fez era bom. 2 Pe 2:4 e Jd 6 nos informam que os anjos pecaram. Logo
parecem ser seres criados. Parece que puderem decidir, pois caíram dos seus
postos (2 Pe 2:4; Jd 6). Não sabemos se eles têm poder em si mesmos ou se
somente agem em nome de alguém que tenha poder
- não sabemos se existem
dois tipos de anjos maus (em prisão e soltos) ou se todos estão presos (com uma
liberdade limitada). A sua queda deve ter sido entre a criação e a queda do
homem (Erickson 1996, 447-48)
- Jud 6 – “E aos anjos . . .
ele os tem guardado em trevas, presos com correntes eternas para o juízo do
grande Dia”
- 2 Pe 2:4 – “Deus não poupou os anjos que pecaram,
lançou-os no inferno (tártaro), colocando-os em abismo tenebrosos a fim de
serem reservados para o juízo”. Tártaro aqui não significa o inferno/lago
de fogo que virá mais tarde. Provavelmente se refere a uma limitação de sua
esfera de influência que Deus lhes impôs como resultado de sua queda (Moo 1996,
103)
- esses anjos mencionados
são os que pecaram e estão esperando o julgamento final. Na verdade parte do
julgamento já veio e o seu futuro está selado
- será que existem duas
categorias de demônios, aqueles que estão presos e os que estão soltos sobre a
terra? Pode ser que essas correntes eternas que os prendem seria uma referência
à sua derrota com a obra de Cristo. A influência de todos os anjos caídos está
limitada debaixo da soberania de Deus
- assim como não sabemos a
origem dos demônios também não sabemos a origem de Satanás. Essa palavra vem do
hebraico e quer dizer adversário. Comumente se fala da queda de Satanás como
descrita em Is 14:12-15 e Ez 28:12-15. Alguns pais da igreja fizeram uma
conexão entre esse texto e Lc 10:18 e Ap 12:8-9 para fazerem esta afirmação.
Ambos são ofícios funebres lamentando a morte de um
rei pagão. Ambos descrevem o rei se orgulhando acima do que era correto e por
isso sofreu as consequencias. Ambas as passagens
estão cheias de sarcasmo onde a morte do tirano é bemvinda
1 – Is 14:12-15 “12 Como você caiu dos céus, ó estrela da
manhã, filho da alvorada! Como foi atirado à terra,
você, que derrubava as nações! 13 Você, que dizia no seu coração: “Subirei aos
céus; erguerei o meu trono acima das estrelas de Deus; eu me assentarei no
monte da assembléia, no ponto mais elevado do monte santoc.14
Subirei mais alto que as mais altas nuvens; serei como o Altíssimo”. 15 Mas às
profundezas do Sheol você será levado, irá ao fundo do abismo!”
- o texto acima aparece em
um texto direcionado como escárnio contra o rei da Babilônia: “3 No dia em que o Senhor lhe der descanso do
sofrimento, da perturbação e da cruel escravidão que sobre você foi imposta, 4
você zombará assim do rei da Babilônia: Como chegou ao fim o opressor! Sua
arrogância acabou-se!” (Is 14:3-4). Não sabemos se o escárnio foi
endereçado diretamente a um rei especifico da Babilônia ou aos monarcas da
Babilônia como um todo. Mas o que fica claro é que temos uma celebração da
queda de um poder humano que se opõe aos humanos e os oprime. O texto inicia
dizendo: “Como você caiu dos céus, ó
estrela da manhã, filho da alvorada!”. Depois temos o desejo do monarca de
se tornar como Deus e sua queda e humilhação. Mesmo que a linguagem usada para
o rei é metafórica, não sabemos ao que ele está sendo comparado (Page 1995,
38). Se o autor quisesse que soubéssemos a que rei se refere teria no dito. A
descrição é o padrão para os governantes autoritários e arbitrários dos
impérios antigos. A questão não é de mostrar como Deus lidou com ele, mas de
perceber os princípios do governo divino na história. Os reis humanos têm
poder, mas precisam responder por ele diante de Deus (Motyer 1999, 118). Oswalt
acha que não existe nenhuma história mitológica que possa ser o protótipo desse
evento. Existem muitas histórias, mas todas se referem a deuses desafiando um
outro deus e nenhuma delas a um rei humano como temos aqui (Oswalt 1986, 321).
Mas essa descrição é de um rei humano como já afirmaram os grandes reformadores
(Oswalt 1986, 320
- a alusão a Satanás como
sendo a estrela da manhã já pode ser encontrada em Tertuliano (160-220 AD), ou
até antes dele. Mesmo que os reformadores discordassem dessa interpretação, ela
tem muitos adeptos (Chafer, Unger, Green). É deste texto que surge a palavra
Lúcifer para Satanás, como a tradução do termo estrela da manhã para o latim na
Vulgata. Mesmo que essa interpretação tem suporte em diversos ambientes, ela
não é provável. Possivelmente o texto fala do final da tirania do rei da
Babilônia e uma alusão à queda de Satanás não é uma alusão muito correta.
Chafer parece até que viu isso e a interpretou como sendo uma descrição do
julgamento final de Satanás. Além disso, uma alusão a Satanás
não faz muito sentido dentro do contexto de Isaías. Toda a revelação
sobre Satanás é muito limitada no AT e aparece num período mais tardio. É muito
difícil imaginar que os leitores de Isaías iriam entender qualquer alusão a
Satanás na época em que escreveu. É possível que Isaías tenha usado algum
resquício de um mito sobre o surgimento de Vênus (a estrela da manhã), que está
no céu bem cedo de manhã, mas some rapidamente quando o sol começa a brilhar.
Mesmo que isso seja uma possibilidade, isso não quer dizer que Isaías está
concordando com essa mitologia (Page 1995, 38-39). Motyer acha que esse texto
faz alusão ao mito cananeu de Hela/Ishtar que tentou
um golpe de estado contra as hostes celestiais mas não foi bem sucedido. Temos
uma alusão aqui a esta mitologia sem atribuir realidade aos personagens (Motyer
1999, 120)
2 – Ez 28:12-19 “12 “Filho do homem,
erga um lamento a respeito do rei de Tiro e diga-lhe: Assim diz o Soberano, o
SENHOR: “Você era o modelo da perfeição, cheio de sabedoria e de perfeita
beleza. 13 Você estava no Éden, no jardim de Deus; todas as pedras preciosas o
enfeitavam: sárdio, topázio e diamante, berilo, ônix e jaspe, safira,
carbúnculo e esmeralda. Seus engastes e guarnições eram feitos de ouro; tudo
foi preparado no dia em que você foi criado. 14 Você foi ungido como um
querubim guardião, pois para isso eu o designei. Você estava no monte santo de
Deus e caminhava entre as pedras fulgurantes. 15 Você era inculpável em seus
caminhos desde o dia em que foi criado até que se achou maldade em você. 16 Por
meio do seu amplo comércio,você encheu-se de violência e pecou. Por isso eu o
lancei, humilhado, para longe do monte de Deus, e o expulsei, ó querubim
guardião, do meio das pedras fulgurantes. 17 Seu coração tornou-se orgulhoso
por causa da sua beleza, e você corrompeu a sua sabedoria por causa do seu
esplendor. Por isso eu o atirei à terra; fiz de você um espetáculo para os
reis. 18 Por meio dos seus muitos pecados e do seu comércio desonesto você
profanou os seus santuários. Por isso fiz sair de você um fogo, que o consumiu,
e reduzi você a cinzas no chão, à vista de todos os que estavam observando. 19
Todas as nações que o conheciam espantaram-se ao vê-lo; chegou o seu terrível
fim, você não mais existirá”.”
- da mesma forma como Is 14,
esse texto é um lamento de desprezo sobre um monarca pagão orgulhoso que caiu.
Esse texto aparece na conclusão de uma série de profecias contra Tiro (Ez
26:1-28:19), numa seção do livro que está relatando o julgamento sobre as
nações (Ez 25-32). O texto acima é precedido no início do cap.28 por um oráculo
severo contra o rei. A situação histórica é a conquista de Tiro por
Nabucodonosor entre 587-574 AC. Nessa época o rei de Tiro era Ithobaal II. Não
sabemos se o texto se refere diretamente a ele ou a ele como representante de
Tiro (Page 1995, 39-40)
- o texto acima retrata o
rei de Tiro como um habitante do Éden, como alguém caracterizado por uma belez excepcional e pureza, mas expulso do jardim por causa
do seu pecado. Alguns têm visto aqui a queda de Satanás. Essa visão adotada por
alguns pais da igreja tem sido defendida pelas mesmas pessoas que defendem Is
14 como alusão a Satanás. Esse texto é um dos mais difíceis do livro de
Ezequiel, já que existem variantes textuais e lingüisticas e incertezas em
diversos pontos. Não sabemos se o rei (melek) de Tiro no v.12 é o mesmo que o
governador (nagid) de Tiro no v.2; não sabemos se o rei de Tiro deve ser
identificado com o “querubim guardião” cuja presença no jardim é mencionada no
v.14. Aqueles que vêem uma alusão a Satanás nesse texto enxergam o uso da
palavra “rei” ao invés de “governador” no v.12 como alusão que 28:12-19 se
referem ao poder sobrenatural atrás do governador humano. Freqüentemente o rei
é identificado como o “querubim guardião” no v.14, assim fazendo alusão à queda
de um anjo (Page 1995, 40)
- mas não temos certeza que
a alusão a “rei” e “governador” apontam para direções diferentes. É mais fácil
entender ambos como sinônimos. Existe muita similaridade entre 28:1-10 e
28:11-19. Logo é mais fácil vê-los como sinônimos sem violar o contexto. Além
disso, em outros textos de Ezequiel “rei” é usado para governadores humanos (Ez
17:12; 29:2-3). Sobre a relação entre o rei e o querubim em 28:14 o texto
hebraico que temos dá suporte a uma equivalência. Mas a
maioria dos estudiosos modernos favorecem uma revocalizacao
do texto que nos traria uma tradução: “Você
foi ungido com um [ao invés de como um] querubim guardião, pois
para isso eu o designei”. É essa a tradução que se encontra na LXX e muitos
a adotam (Page 1995, 41)
- o rei é condenado pelo comercio desonesto e a
profanação de santuários (28:18). É difícil ver nisso uma alusão a Satanás.
Além disso, temos um problema histórico que já mencionamos na alusão a Satanás
nessa data tão antiga. É improvável que alguém visse nesse texto uma alusão a
Satanás naquela época (Page 1995, 41)
- mas se esse texto não é
uma alusão a Satanás, como deve ser visto? Possivelmente está comparando o rei
de Tiro ao primeiro habitante do Éden. Ele pode ter se enxergado como uma
personificação do primeiro homem em sua arrogância. Há diferenças entre os
relatos o que poderia implicar que Ezequiel uniu elementos de Gênesis e da
mitologia. Assim como Adão o rei enfrenta o julgamento de Deus por se rebelar
contra o Criador (Page 1995, 41-42)
Mas essa descrição é de um
rei humano como já afirmaram os grandes reformadores (Oswalt 1986, 320; Page
1995, 38-39; contra Grudem 1999, 336). Satanás poderia ser alguém parecido com
o rei de Tiro, mas temos que ter cuidado em fazer essa ligação pois não temos certeza
- no AT temos 26 referências
a Satanás. Dessas apenas 4 fazem menção de um satanás celestial (Num 22:22,32; Jó 1-2; Zac 3:1-2; 1 Cro 21:1) (Hamilton ABD,
5:986). No NT ele ganha muito mais essa dimensão
B – Como a Bíblia descreve o
nosso adversário
- Satanás é descrito como o
príncipe dos demônios. Ele tem muitos nomes: adversário (1 Pe 5:8); tentador
(Mt 4:3); Belzebu (Mt 12:24); maligno (Mt 13:19); enganador (Ap 12:9); pai da
mentira (Jo 8:44); assassino (Jo 8:44); etc. Ele se disfarça de anjo de luz (2
Co 11:14) para levar as pessoas a segui-lo. Seu poder, no entanto, está
limitado.
- Jo 12:31; 14:30; 16:11 –
príncipe deste mundo
- Mt 4:8, 9; Luc 4:6, 7 – na
tentação de Jesus o diabo dá a entender que é o senhor sobre todos os reinos do
mundo e que tenha recebido essa autoridade. Luc 4:6 - “dar-te-ei toda esta autoridade e a glória deste reino, porque ela me
foi entregue e a dou a quem eu quiser”.
- 2 Co 4:4 – o deus deste
século.
- Ef 2:2; 6:12 – príncipe da
potestade do ar, dominadores desse mundo tenebrosos, principados e potestades
- alguns autores crêem que o
diabo tem o direito legal sobre esse mundo. Alguns argumentam que por causa do
pecado de Adão e Eva os humanos estão legalmente ligados com o diabo e Deus
precisa acertar as contas com o diabo para resgatar essas vidas. Outro
argumento é que Jesus não argumenta com o diabo de que os reinos não seriam
posse dele.
- por outro lado Jo 8:44
fala que o diabo é o pai da mentira. Assim sendo o que ele pode ter oferecido
para Jesus era uma mistura de verdade e mentira (Bock 1994, 376). De fato o
diabo tem certa influência sobre a terra levando as pessoas a se rebelarem
contra Deus, mas o fato de que ele possui toda autoridade sobre a terra vai
contra a soberania de Deus (Page 1995, 98). Mt 28:18 fala que toda a autoridade
foi dada a Jesus. Então a autoridade não pode pertencer a dois opostos.
- a Bíblia nunca menciona
que Deus e o diabo estão numa batalha de igual pra igual. O diabo está
derrotado e ainda tenta lutar contra Deus e o seu povo. Mas o destino dele está
selado.
- uma das questões
complicadas é lidar com quem é o dono da terra. Será que quando o homem pecou ele selou um pacto com o diabo? Será que o diabo tem
direito legal sobre a vida das pessoas? Sl 24:1 – a terra e tudo o que nela há
pertence ao Senhor. Apesar que o homem pecou e
abandonou a Deus, a terra continuou pertencendo a Deus. Nem o
homem, nem o diabo consegue impedir os planos de Deus. Mas será que as
pessoas se venderam para o diabo através do pecado e Deus precisa pagar essa
dívida? Deus estava devendo essa dívida para o diabo ou para as suas próprias
leis? Col 2:14 “... tendo cancelado o
escrito de dívida, que era contra nós e que constava de ordenanças, o qual nos
era prejudicial, removeu-o inteiramente encravando-o na cruz”. Apesar de
que alguns vêem aqui a nossa dívida com o diabo o mais provável é que a dívida
é com Deus mesmo (O’Brien 1982, 124-25). Que direito legal o diabo poderia ter
de acordo com as leis de Deus já que faz as coisas somente
por interesse próprio? Ele mente, oferece coisas que não pode cumprir,
mata, etc. O diabo nunca é apresentado na Bíblia como sendo a pessoa a quem
Deus teve que pagar a dívida pelo nosso pecado.
- 2 Co 4:4 nos fala que o
diabo é o deus desse século. A idéia aqui é que pessoas fazem do diabo o seu
deus (Page 1995, 184). Os judeus criam que o diabo reinava sobre a terra, mas
estava sujeito à orientação de Deus (Martin 1991, 78). Em Jo 12:30-31 Jesus diz
que o príncipe desse mundo vai ser julgado. Isso acontece quando Jesus é
crucificado.
- mesmo durante o tempo de
Jesus, os seus exorcismos não mostram um confronto real, já que os demônios não
conseguem armar resistência contra ele.
C –
Principados e Potestades
- no passado as palavras
usadas por Paulo para descrever os poderes do mal foram vistas única e
exclusivamente como forças sobrenaturais. Com o iluminismo + demitologização a
tendência caminhou para o outro lado e as forças, poderes, etc., foram vistas
única e exclusivamente como reinados humanos e a força demoníaca atrás das
instituições humanas que promovem o mal
- Bultmann com a sua linha
da demitologização exerceu grande influência sobre a teologia no mundo todo.
Para ele a crença em milagres e demônios estava condicionada à cultura da
época, e, portanto, o homem moderno não precisava mais dessa muleta. A idéia é
que a crença em demônios teria a sua origem na mitologia da Pérsia.
- uma
outra linha forte no presente está ligado com a despersonalização dos demônios.
O mal não pode ser ignorado, ele é real e está presente no mundo todo. No
entanto, como não se crê na origem do mal como vindo de uma pessoa, atribui-se
o mal a estruturas e sistemas sociais demoníacos (Erickson 1996, 446).
- pessoalmente creio que
Arnold está certo no que refere aos principados e potestades. Essas palavras se
referem a poderes sobrenaturais. No entanto, não podemos negar que existe o mal
sistêmico, estruturas demoníacas as quais também lutam contra os planos de Deus.
Estruturas erradas podem promover o mal sobre a terra já que todos os que atuam
precisam trabalhar de acordo com essas estruturas. Além disso
as estruturas podem se tornar uma tradição ou lei que dificilmente muda, já que
a pessoas se acostumam a esse modelo e o sacralizam. Dessa forma podemos dizer
que as instituições adquirem praticamente uma vida própria onde as estruturas ditam a espiritualidade da igreja
- mas os demônios também têm
influência sobre os indivíduos que fazem parte do corpo de Cristo
- para Paulo a maior
oposição das forças demoníacas se refere a impedir a proclamação do evangelho.
Isso é feito através das forças da carne e das estruturas demoníacas (Arnold
1992a, 201)
- o diabo influencia as
pessoas sobre a terra e é claro que vai ter um interesse especial nas pessoas
que estão em posições de poder, pois influenciam muito mais pessoas. Essas
pessoas criam as estruturas que podem ser de acordo ou contra a vontade de
Deus. Satanás precisa somente explorar os desejos de nossa natureza depravada
para fazer valer os seus intuitos perversos (Arnold 1992a, 203)
- o nosso pecado traz
conseqüências sociais. O pecado que cometemos quase sempre afeta as pessoas ao
nosso redor. Esse pecado leva a implementação de leis e estruturas que por sua
vez são contrárias à vontade de Deus. Sem dúvida há influência demoníaca nessas
estruturas. Mas, como uma luva sem a mão é inofensiva, as estruturas são
inofensivas se não são executadas. As pessoas têm uma natureza pecaminosa e
assim levam a vontade da carne para o seu próprio benefício e não para o que é
correto.
D – Quais são as atividades
de Satanás e dos demônios?
- a Bíblia faz questão de
colocar que “forças externas pessoais (anjos, demônios, espíritos) podem
influenciar e realmente influenciam o comportamento dos seres humanos” (Tienou
2000, 137)
- Satanás originou o pecado
sobre a terra. Ele mesmo tentou aos seres humanos para “frustrar” os planos de
Deus. Ele tentou a Jesus para acabar com o plano da salvação (Mt 4:1-11) e
continua mentindo (Jo 8:44), enganando (Ap 12:9), matando (Jo 8:44) e todo o
tipo de falsidade para afastar as pessoas de Deus (Grudem 1999, 337)
- no AT temos poucas
referências a demônios e a Satanás. Ele aparece como o adversário, mas não como
o adversário celestial na proporção como no NT
- no NT Jesus vem expulsando
demônios e invadindo o reino de Satanás. Ele amarrou a Satanás e está saqueando
a sua casa. Jesus amarrou Satanás de uma forma quando o venceu na tentação? ou através do próprio exorcismo (Grudem 1999, 340, Twelftree
DJG 166). Nos sinóticos a derrota de Satanás está atrelada aos exorcismos
enquanto que em João está ligada com a cruz (Jo 14:30; 16:11) (Twelftree 1992,
171)
- a autoridade sobre os
poderes do mal é concedida por Jesus aos 12 (Mt 10:8) e depois aos 70 (Lc
10:17-20) e depois passa para a igreja primitiva (At 8:7; 16:18; Tg 4:7; 1 Pe
5:8-9)
- os demônios podem causar
doenças (Mc 9:17, 25) e atrapalhar o desenvolvimento da vida espiritual da
pessoa (Ef 6:12). Mas nem todas as doenças são causadas por atividade
demoníaca. Jesus diferencia entre doença e atividade demoníaca (Mc 3:10-12)
- não temos relato claro de
que os demônios consigam ler os nossos pensamentos (Grudem 1999, 338) ou que
somente a oração em línguas está fora do seu alcance. 1 Co 14:2 (falar em
línguas a Deus que ninguém entende) é visto por alguns como prova de que os
demônios não têm acesso a essa oração. O texto não está falando de demônios,
mas de pessoas. Logo não confirma nem desconfirma – simplesmente não fala sobre
o assunto
- apesar do poder dos
demônios, todo o poder que eles têm é concedido por Deus e é limitado. Eles
somente podem ir até onde Deus permite (Jó 1:12; 2:6). Não sabemos a extensão
do seu poder, mas sabemos que Deus é maior e somente dá a eles o que de uma ou
de outra forma vai servir para construir o seu Reino
- Satanás e seus demônios já
estão derrotados, mas a batalha final ainda virá. Aí serão lançados no lago de
fogo. Em nossa teologia pós-moderna estamos dando demasiada ênfase no diabo
como se ele estivesse lutando de igual para igual com Deus. Isso não é verdade,
pois ele já está derrotado e não tem mais chances. A batalha está perdida e só
vai levar um pouco de tempo até que todo o poder tenha sido tirado dele e ele
será condenado para o inferno
IV – Assuntos controvertidos
A – Teologia da Experiência
- muitos experimentos foram
realizados tentando reverter a situação que não estava à
contento – doutrinas foram baseadas no resultado dessas experiências. O
pragmatismo é uma das linhas mais fortes influenciando essa área – o que
funciona deve estar certo. A base para as doutrinas tem se tornado a
fenomenologia (o fenômeno observado ou relatado por alguém) e não a ontologia
(a Bíblia interpretada por princípios coerentes dentro da igreja). Na prática a experiência das pessoas (fenômenos) acabam se tornando tão
ou até mais importante do que os ensinos da Bíblia
- na prática tem-se
dificuldade muito grande em distinguir a atuação de Deus, do espírito humano e
do inimigo. A voz interior pode vir de todas as fontes. Dentro da visão de
mundo atual tomada pela emoção e a abertura brasileira para o sobrenatural,
tendemos a ver qualquer manifestação sobrenatural como vinda de Deus. Mas isso
é perigoso
- como a Bíblia é silenciosa
em algumas áreas os defensores dessas teologias estão buscando outras fontes de
revelação dominadas pelo pragmatismo. Em pouco tempo a Bíblia não é mais
suficiente. A interpretação da Bíblia é forçada para defender suas idéias.
- Priest et al. argumentam
que as novas linhas teológicas de batalha espiritual têm invadido o ocidente com uma força impressionante, sempre baseadas nas
experiências trazidas do campo missionário. Essas experiências formam as
lentes pelas quais a Bíblia é lida (Priest et al. 1995, 11) Essas pessoas não
estão cientes de que aceitando essas experiências como autênticas incluem uma
série de crenças que fazem parte da visão de mundo da pessoa que teve a
experiência (Priest et al. 1995, 11). Essas experiências, então são vistas como
revelação, e, logo, se tornam a base para novas
doutrinas. Deus pode se revelar através de profecias, etc., aos cristãos de
hoje. Mas todas as profecias precisam ser avaliadas com base na Bíblia antes de
ter alguma valor. Se essas “novas revelações” se tornarem a
base para novas doutrinas, estamos indo além da Bíblia, acrescentando algo à
revelação de Deus na Bíblia. Existe um perigo muito grande até de se especular
sobre alguns desses itens, já que essas idéias são desenvolvidas por outras
pessoas e logo temos uma doutrina (ex. Wagner fez uma suposição que de uma
forma geral havia cerca de 10% dos membros da igreja com o dom de evangelismo.
Essa suposição é citada seguidamente como um estudo nas igrejas que comprova o
fato).
- não há dúvida que
precisamos de experiências com Deus. Precisamos ter um encontro com Deus, etc.
- ligado com isso temos que se usarmos o nome do demônio temos mais poder sobre o mesmo.
Alguns estudiosos acham que essa era a tentativa do demônio em Mc 5 que quer
saber o nome de Jesus para ter controle sobre Jesus (contra Guelich).
- Jesus nunca
chama um demônio pelo nome nem implica que raiva, ódio, orgulho, etc., são
obras demoníacas (Guelich 1991, 41).
Sincretismo
cristão e o animismo
- se de um
lado o Iluminismo tirou Deus e as forças demoníacas de cena, hoje a ênfase pode
estar indo para o outro lado, para usar a Bíblia como amuleto para proteger dos
maus espíritos, usar certas expressões para lidar com demônios, ou enfatizar
que sabendo o nome do demônio se obtém um poder maior sobre ele. A conversão de
pessoas vindas do animismo também contribuiu para esse sincretismo já que os
cristãos que os instruem não os ajudam a entender a cosmovisão cristã
principalmente no tocante a questões de poder (Warner 2000, 903)
- muito dessa
confusão procede da tática preferida de Satanás que é a confusão/engano/ilusão.
Isso não significa que tudo o que os demônios nos dizem é mentira. O engano
ganha força quando se esconde no meio da verdade. O que necessitamos acima de
tudo é discernimento quando lidamos com espíritos enganadores que estão constantemente
tentando confundir as nossas crenças (Ap 12:9; 1 Tm 4:1) (Warner 2000, 903)
- a questão
principal da engano sempre gira sobre a verdade.
Satanás gosta de nos enganar geralmente nas questões da fonte de poder e
conhecimento. Deus nos proveu de todo poder e conhecimento que precisamos para
viver como “mais do que vencedores” em Cristo, mas desde o Éden, Satanás tem
nos tentado a não confiar e Deus para prover o poder que precisamos e a duvidar
da nossa habilidade de conhecer a Deus e confiar em sua palavra. Satanás usa o
seu poder para nos levar a temê-lo. Para os cristãos, temer a Satanás,
significa que precisam duvidar do poder e da provisão de Deus para a vitória
sobre Satanás. Assim ele atinge 2 objetivos: leva os cristãos a duvidar de Deus
e consegue um certo controle sobre eles por meio do medo (Warner 2000, 903)
- mas Satanás
também tenta seduzir as pessoas a buscar poder dele ao invés de Deus. Ele se
apresenta como anjo de luz e torna esse poder algo desejável. Isso nos leva a
uma longa lista de práticas ocultas como ler a sorte, magia, feitiçaria, etc.
Satanás tem poder suficiente para produzir resultados surpreendentes – sinais e
maravilhas que procedem da mentira (2 Ts 2:9). Algumas pessoas somente
perguntam: será que funciona? ao invés de: será que
vem de Deus; será que é verdade”. Diversas pessoas dão espaço para o inimigo em
suas vidas porque caíram no uso enganoso do poder de Satanás (Warner 2000, 903)
- no final
nas contas, batalha espiritual é uma batalha pela mente. Satanás sabe que as
pessoas sempre viveram o que realmente crêem, mesmo que não vivam aquilo que
professam crer. Já que a nossa crença sobre Deus é a base para todas as outras
crenças, Satanás tentará quase sempre iniciar tentando perverter a nossa crença
sobre o caráter de Deus. Aconteceu no Éden quando Satanás disse ser mentira que
as pessoas morreriam se comessem do fruto proibido, logo não se poderia confiar
em Deus. Ele também deu a entender que não se poderia crer no amor de Deus que
restringiu o seu acesso àquela fruta bonita e desejável do jardim. Uma vez que
as pessoas iniciaram a duvidar da integridade de Deus, eles se colocaram
debaixo do controle de Satanás (Warner 2000, 903)
- ao que tudo
indica o maior desejo de Satanás é ser como Deus : “5 O Diabo o levou a um lugar alto e
mostrou-lhe num relance todos os reinos do mundo. 6 E lhe disse: ‘Eu te darei
toda a autoridade sobre eles e todo o seu esplendor, porque me foram dados e
posso dá-los a quem eu quiser. 7 Então, se me adorares, tudo será teu’ ”
(Lc 4:5-7); “3 Não deixem que ninguém os
engane de modo algum. Antes daquele dia virá a apostasia e, então, será
revelado o homem do pecado, o filho da perdição. 4 Este se opõe e se exalta
acima de tudo o que se chama Deus ou é objeto de adoração, chegando até a
assentar-se no santuário de Deus, proclamando que ele mesmo é Deus” (2 Ts
2:3-4). Isso pode ser visto também no AT no conflito entre Deus e os deuses.
Quem está por trás dos deuses é Satanás. Isso também ainda ocorre nos dias de
hoje. A batalha continua. Infelizmente muitos missionários [e pastores] têm
deixado de ajudar as pessoas a mudarem a sua cosmovisão, de uma visão animista
onde os espíritos são manipulados para uma visão cristã onde Deus é soberano.
Além de não podermos manipular a Deus, não há nada que possamos fazer para nos
promover diante de Deus. Somos totalmente dependentes da sua graça para lidar
com o nosso pecado e se relacionar com ele diariamente. O nosso conceito de
pecado é determinado pelo nosso conceito de Deus (Warner 2000, 903-4)
- para obter
vitória na batalha espiritual sempre precisamos começar com uma visão correta
de Deus e do que significa ser filho de Deus. Se me torno filho de Deus pela
graça, mas depois acho que preciso merecer ser filhos de Deus, me coloco numa
contradição insuperável. É através da fé que somos aceitos diante de Deus e não
por nosso mérito. Saber quem eu sou em Cristo nos provê com a única posição
viável para vencer o inimigo. A batalha toma dimensões bem diferentes quando
vista do ponto de vista do trono de Deus e daquele governado pelas
circunstâncias de nossa vida sobre a terra (Warner 2000, 904)
- na obra
missionária tem havido diversos encontros de poder, onde o missionário tem
confrontado os poderes das trevas na pessoa do xamã ou pajé da tribo.
Normalmente as pessoas dentro das tribos são animistas onde a questão básica é
o poder. Nestes casos as pessoas querem provas de seguir o deus mais forte e
não somente argumentos. Os resultados desses encontros são variados, mas em
diversas situações grupos de pessoas têm se colocado ao lado de Cristo nestas
situações. Cabe lembrar, no entanto, que esses encontros de poder não garantem
a estabilidade e perseverança espiritual dessas pessoas. Mesmo nas Escrituras
vemos que pessoas experimentam o poder de Deus, mas freqüentemente voltam para
os seus deuses, mesmo que tenham sido derrotados, como aconteceu no confronto
entre Moisés e faraó, Elias e os profetas de Baal. O elemento chave é o que
ocorre depois desse confronto de poder e eventual “conversão”. Se as pessoas
não forem ajudadas a crescer no seu relacionamento com Deus, sua fé tende a
morrer (Kraft 2000, 775). Num certo sentido precisamos comunicar com as pessoas
na sua cosmovisão, no caso o confronto de poder. Por outro lado, isso pode nos
complicar muito a vida já que o cristianismo pode ser
derrotado quando ele permanece no confronto de poder que olha somente para
resultados imediatos visíveis e não para a verdade que muitas vezes pode estar
oculta e que resulta em transformação de vida que não seja tão imediata, mas que
vai aparecer a médio e longo prazo. Não estou certo que devemos provocar esses
encontros de poder. Acho que quando Deus resolve usá-los ele
sabe do que as pessoas precisam. Em nossa visão limitada tentamos prever os
resultados de diversos desses encontros, mas Deus conhece o coração das pessoas
e sabe do que elas precisam. Se achamos que o encontro
de poder vai resolver o problema, e Deus acha diferente e não se mostra como
nós achamos que iria se mostrar e criamos a expectativa na vida das pessoas, o
resultado pode ser muito pior do que pensamos. Não conseguimos forçar Deus a
agir de acordo com os nossos planos
B – Espíritos
Territoriais
- muita ênfase ultimamente
tem sido colocada sobre espíritos territoriais nos últimos anos. O estímulo
para tal não nasceu da Bíblia mas de informações
vindas de outras fontes. A partir dessas informações, às vezes recebidas de
ex-bruxos passou-se a ler a Bíblia para ver se esse conceito estaria presente
nas Escrituras para defender práticas adotadas por diversos líderes no mundo todo
- a idéia principal é que o
diabo teria designado espíritos para controlarem determinadas áreas
geo-políticas (geográficas) no mundo. Baseados principalmente em Dan 10 e 12
advogam que existem espíritos que controlam nações, estados, cidades, ruas e
até casas (Lopes 2001, 38-39)
- um outro argumento diz
respeito à janela 10/40 onde estão os povos ou nações menos atingidos com o
evangelho. Isso seria em virtude de demônios territoriais que cegam as pessoas.
Creio que os demônios cegam mesmo as pessoas, mas não precisamos admitir que
sejam necessariamente geográficos (Lopes 2001, 40-41)
- outra perspectiva é a
demonização de estruturas sociais (Lopes 2001, 41). Creio que existe o mal nas
estruturas. As pessoas que dominam o mundo são influenciadas por Satanás e seu
demônios. Mas outra vez não precisam ser necessariamente espíritos territoriais
- esses espíritos atacam as
igrejas promovendo a divisão e o pecado na vida das igrejas, semeiam confusão e
procuram frustrar os planos de evangelização. Logo, a igreja não vai avançar se
não conseguir derrotar esses espíritos que colocaram essa barreira no seu
caminho. A igreja precisa vencer esse demônio que controla essa região para
depois poder ganhar as pessoas para Cristo. Isso não é tarefa para cada cristão.
As pessoas precisam de treinamento especial para poder vencer essas batalhas
que é recebido nos seminários específicos de batalha espiritual (Lopes 2001,
41-42). Para isso algumas estratégias são bem comuns:
(1) Mapeamento Espiritual.
Consiste em localizar os demônios que controlam as áreas a serem evangelizadas.
Tenta-se descobrir o nome dos demônios e as razoes pelas quais estão ali.
Faz-se um estudo histórico, social e geográfico da região
para entender o que se passou nesse local. Assim se chega ao perfil dessa
cidade. Mas para descobrir que entidade domina a região, muitas vezes se
recorre a revelação direta de Deus para isso. Ora-se
sobre cada área da cidade. Quando sentirem uma opressão muito
forte marcam esse local como a fortaleza de Satanás. A igreja é chamada
para colocar guerreiros de oração para declarar a queda do trono de Satanás.
Quando isso ocorre a cidade está livre para ser evangelizada sem impedimentos –
a cidade inteira poderá ser ganha para Cristo (Lopes 2001, 43-44)
(2) Oração de Guerra. A
oração de guerra consiste em declarar pela fé que em nome de Jesus aquela
fortaleza do inimigo está derrubada e que o poder do maligno está anulado. Os
crentes determinam a vitória de Jesus nesse local e declaram que a cidade
pertence a Cristo. Esta noção está por trás da “Marcha para Jesus”. Nesse
processo se amarram os demônios que prendem a cidade bem como os demônios da
imoralidade, drogas, etc. É necessário dizer o nome do demônio para poder
amarrá-lo. A oração não somente amarra esses demônios como também movimenta as
hostes celestiais para a resistência (Peretti) (Lopes 2001, 44-45)
- vamos fazer uma análise
dos espíritos territoriais na Bíblia e depois caminhar para analisar um pouco
mais a fundo o mapeamento espiritual e a oração de guerra
1. Espírito
Territoriais na Bíblia
- no AT havia um paradoxo
que não era resolvido facilmente: Como reconciliar o particularismo da eleição
de Israel com o conceito de que todas as nações do mundo precisam prestar
contas para o Deus de Israel. Uma tentativa de conciliar essas duas idéias se
encontra nas descrições de Javé estando no topo da assembléia das divindades
chamadas “filhos de Deus”: “Atribuam ao
Senhor, ó seres celestiais (filhos de Deus), atribuam ao Senhor glória e força”
(Sl 29:1); “6 Pois, quem nos céus poderá
comparar-se ao Senhor? Quem dentre os seres celestiais (deuses/poderosos)
assemelha-se ao Senhor? 7 Na assembléia dos santos Deus é temível, mais do que
todos os que o rodeiam” (Sl 89:6-7) (Stuckenbruck 2000, 29)
- a Bíblia apresenta algumas
passagens que poderiam indicar que existe alguma coisa como espíritos
territoriais
- Deut 32:8 – “Quando o Altíssimo deu às nações a sua
herança, quando dividiu toda a humanidade, estabeleceu
fronteiras para os povos de acordo com o número dos filhos de Israel”. A LXX traz filhos/anjos de Deus. A
idéia aqui é que o número de nações está ligada com o número
desses filhos/anjos de Deus (Craigie 1976, 379, Arnold 1997, 151) e que
nações específicas estão associadas a determinados anjos (Arnold 2000, 940).
Mas o povo de Israel está debaixo da jurisdição de Javé (Stuckenbruck 2000,
29). O que freqüentemente é esquecido nesta passagem é que a soberania de Deus
está colocada sobre todos os povos e nações (Arnold 1997, 150). Somente Yahweh
determina as fronteiras das nações [e não os outros deuses]: “Quando o Altíssimo deu às nações a sua
herança, quando dividiu toda a humanidade, estabeleceu fronteiras para os povos ...” (Deut 32:8); “Vocês, israelitas, não são para mim melhores do que os etíopes”,
declara o SENHOR. “Eu tirei Israel do Egito, os filisteus de Caftor e os
arameus de Quir” (Am 9:7). Mesmo que as outras nações viam que sua terra
era dada pelos seus respectivos deuses, Yahweh, na verdade, é o único que
designa as terras para os povos
- Sl
82:1-8 – esse texto, bem como Jó 1 e Zac 3:1-2 falam de uma reunião que Deus
tem com os deuses (anjos, ou filhos dos deuses): “1 É Deus quem preside à assembléia divina; no meio dos deuses, ele é o
juiz. 2 Pausa][“Até quando vocês vão
absolver os culpados e favorecer os ímpios? [Pausa]3 "Garantam justiça
para os fracos e para os órfãos; mantenham os direitos dos necessitados e dos
oprimidos. 4 Livrem os fracos e os pobres; libertem-nos das mãos dos ímpios. 5 "Eles nada sabem, nada entendem. Vagueiam pelas
trevas; todos os fundamentos da terra estão abalados. 6 "Eu disse: Vocês
são deuses, todos vocês são filhos do Altíssimo. 7 Mas vocês morrerão como
simples homens; cairão como qualquer outro governante.” 8
Levanta-te, ó Deus, julga a terra, pois todas as nações te pertencem”. Aqui Deus está chamando a
atenção da assembléia divina por não fazerem justiça às nações. Existe muita
discussão sobre quem seriam os componentes dessa assembléia divina: homens
sobrenaturais, seres humanos – juízes, povo de Israel. A referência provável é
que esses são anjos caídos que exercem influência sobre as nações da terra
(Page 1995, 56-59; Stuckenbruck 2000, 29). Em Sl 82, esses anjos são chamados a
dar contas pela influência negativa que exerceram sobre as pessoas da terra e
por isso são julgados, até condenados à morte. Algumas passagens do AT dão a
entender que Deus governa o mundo com a ajuda de um conselho de seres
espirituais (Sl 29:1; 82; 89:5-9; 1 Rs 22:19-23). Mas a dependência completa
desses “filhos de Deus” a Deus nunca é questionada (Hartley 1988, 71;
Stuckenbruck 2000, 29). Esses seres espirituais como “responsáveis” pelas
nações se responsabilizavam pelo tipo de líderes que colocavam para governar
essas nações. Mas esses “anjos” não operavam diretamente, e sim através dos líderes
das nações (da mesma forma como Deus normalmente opera através das pessoas).
Esses líderes eram de certa forma a extensão da presença divina sobre a terra
em questões terrenas. Os julgamento dos “anjos” é ao mesmo tempo o julgamento
dos líderes sobre a terra (Tate 1990, 341). Evidentemente alguns desses anjos
não direcionaram a adoração das pessoas ao Deus verdadeiro e buscaram a
veneração a si mesmos e se apresentaram de maneira falsa como deuses (Arnold
2000, 940).
- Is 24:21 – “Naquele dia o Senhor castigará os poderes em
cima nos céus e os reis embaixo na terra”. Dá a entender desses versos que
os anjos caídos têm influência forte sobre os reinos na terra e que serão
julgados (Arnold 2000, 940)
- Sal 96:5 “Todos os deuses das nações não passam de ídolos,
mas o Senhor fez os céus”; Sl 106:37-38 “37 Sacrificaram seus filhos e suas filhas aos demônios. 38 Derramaram
sangue inocente, o sangue de seus filhos e filhas sacrificados aos ídolos de
Canaã; e a terra foi profanada pelo sangue deles”; Deut 32:16-17 “16 Eles o deixaram com ciúmes por causa dos
deuses estrangeiros, e o provocaram com os seus ídolos abomináveis. 17
Sacrificaram a demônios que não são Deus, a deuses que não conheceram, a deuses
que surgiram recentemente, a deuses que os seus antepassados não adoraram”.
Esses poderes mascarados de deuses, na verdade são espíritos demoníacos. Deut
32 que já falou sobre anjos da guarda sobre determinadas nações menciona que
Israel provocou o ciúme em Deus adotando deuses estrangeiros: Israel estava
sacrificando a demônios. Eles deixaram o Deus verdadeiro para se devotar a
anjos caídos, mesmo que não sabiam disso. Esses deuses enganavam as pessoas
posando como se fossem os governadores onipotentes do céu e da terra (Arnold
2000, 940; 1997, 152). Esses deuses/demônios iam ao ponto de pedir sacrifícios humanos de seus devotos.
Alguns chamam essas divindades locais de espíritos territoriais (Arnold 2000,
940). A idéia era de que o deus do povo que vencia as batalhas esse era o deus
mais forte e, portanto governava aquele local (1 Rs 20:23, 28 – Deus das
montanhas ou planícies). Mas nem todos os deuses pagãos tinham uma conotação
territorial (Arnold 1997, 153)
- aqui cabe fazer uma
pequena análise sobre a questão dos ídolos e demônios. Toda batalha de Israel
na conquista da Terra Prometida era vencida ou perdida no campo espiritual.
Quando Israel obedecia a Deus, Deus lhe dava vitória independente da situação
militar (Warner 2000, 903). A batalha não era dentre Deus e os deuses como
Warner sugere, porque Deus é soberano e tinha decidido dar esta terra a Israel.
A batalha é pela fidelidade dos israelitas. Deus usa diversas ferramentas para
trazer Israel a adorá-lo unicamente, mesmo que isso implique em utilizar as
nações, que Israel resolveu não expulsar, para que Israel se lembre do seu
Deus. Mas como Warner no lembra (2000, 903), no AT os ídolos são tratados com
desprezo já que não tem poder algum:
Sl 115:4-8 - “4 Os ídolos deles, de prata e ouro, são
feitos por mãos humanas. 5 Têm boca, mas não podem falar, olhos, mas não podem
ver; 6 têm ouvidos, mas não podem ouvir, nariz, mas não podem sentir cheiro; 7
têm mãos, mas nada podem apalpar, pés, mas não podem andar; e não emitem som
algum com a garganta. 8 Tornem-se como eles aqueles que os fazem e todos os que
neles confiam” (Sl 115:4-8);
Is 40:18-20 - “18 Com quem vocês compararão Deus? Como
poderão representá-lo? 19 Com uma imagem que o artesão funde, e que o ourives
cobre de ouro e para a qual modela correntes de prata? 20 Ou com o ídolo do
pobre, que pode apenas escolher um bom pedaço de madeira e procurar um
marceneiro para fazer uma imagem que não caia?” (Is 40:18-20);
Is 44:9-20 - “9 Todos os que fazem imagens nada são, e as
coisas que estimam são sem valor. As suas testemunhas nada vêem e nada sabem,
para que sejam envergonhados. 10 Quem é que modela um deus e funde uma imagem,
que de nada lhe serve? 11 Todos os seus companheiros serão envergonhados; pois
os artesãos não passam de homens. Que todos eles se ajuntem e declarem sua
posição; eles serão lançados ao pavor e à vergonha. 12 O ferreiro apanha uma
ferramenta e trabalha com ela nas brasas; modela um ídolo com martelos, forja-o
com a força do braço. Ele sente fome e perde a força; passa sede e desfalece.
13 O carpinteiro mede a madeira com uma linha e faz um esboço com um traçador;
ele o modela toscamente com formões e o marca com compassos. Ele o faz na forma
de homem, de um homem em toda a sua beleza, para que habite num santuário. 14
Ele derruba cedros, talvez apanhe um cipreste, ou ainda um carvalho. Ele o
deixou crescer entre as árvores da floresta, ou plantou um pinheiro, e a chuva
o fez crescer. 15 É combustível usado para queimar; um pouco disso ele apanha e
se aquece, acende um fogo e assa um pão. Mas também modela um deus e o adora;
faz uma imagem e se encurva diante dela. 16 Metade da madeira ele queima no
fogo; sobre ela ele prepara sua refeição, assa a carne e come sua porção. Ele
também se aquece e diz: “Ah! Estou aquecido; estou
vendo o fogo”. 17 Do restante ele faz um deus, seu
ídolo; inclina-se diante dele e o adora. Ora a ele e diz: “Salva-me; tu és o
meu deus”. 18 Eles nada sabem, nada entendem; seus olhos estão tapados, não
conseguem ver, e suas mentes estão fechadas, não conseguem entender. 19 Ninguém
pára para pensar, ninguém tem o conhecimento ou o entendimento para dizer:
“Metade dela usei como combustível; até mesmo assei pão sobre suas brasas,
assei carne e comi. Faria eu algo repugnante com o que sobrou? Iria eu
ajoelhar-me diante de um pedaço de madeira?” 20 Ele se
alimenta de cinzas, um coração iludido o desvia; ele é incapaz de salvar a si
mesmo ou de dizer: “Esta coisa na minha mão direita não é uma mentira?””
(Is 44: 9-20);
Jer 10:3-16 - “3 Os costumes religiosos das nações são
inúteis: corta-se uma árvore da floresta, um artesão a modela com seu formão; 4
enfeitam-na com prata e ouro, prendendo tudo com martelo e pregos para que não
balance. 5 Como um espantalho numa plantação de pepinos, os ídolos são
incapazes de falar, e têm que ser transportados porque não conseguem andar. Não
tenham medo deles, pois não podem fazer nem mal nem bem”. 6 Não há
absolutamente ninguém comparável a ti, ó Senhor; tu és grande, e grande é o
poder do teu nome. 7 Quem não te temerá, ó rei das
nações? Esse temor te é devido. Entre todos os sábios das nações e entre todos
os seus reinos não há absolutamente ninguém comparável a ti. 8 São todos
insensatos e tolos; querem ser ensinados por ídolos inúteis. Os deuses deles
não passam de madeira. 9 Prata batida é trazida de
Társis, e ouro, de Ufaz. A obra do artesão e do ourives é vestida de azul e de
vermelho; tudo não passa de obra de hábeis artesãos. 10 Mas o Senhor é o Deus
verdadeiro; ele é o Deus vivo; o rei eterno. Quando ele se ira, a terra treme;
as nações não podem suportar o seu furor. 11 “Digam-lhes isto: Estes deuses,
que não fizeram nem os céus nem a terra, desaparecerão da terra e de debaixo
dos céus”. 12 Mas foi Deus quem fez a terra com o seu poder, firmou o mundo com
a sua sabedoria e estendeu os céus com o seu entendimento. 13 Ao som do seu trovão,
as águas no céu rugem, e formam-se nuvens desde os confins da terra. Ele faz os
relâmpagos para a chuva e dos seus depósitos faz sair o vento. 14 Esses homens
todos são estúpidos e ignorantes; cada ourives é envergonhado pela imagem que
esculpiu. Suas imagens esculpidas são uma fraude, elas não têm fôlego de vida.
15 São inúteis, são objetos de zombaria. Quando vier o julgamento delas,
perecerão. 16 Aquele que é a porção de Jacó nem se compara a essas imagens,
pois ele é quem forma todas as coisas, e Israel é a tribo de sua propriedade,
Senhor dos Exércitos é o seu nome” (Jer 10:3-16)
Por outro lado o espírito
que está por trás do ídolo é tratado como real
Deut 32:16-17 - “16
Eles o deixaram com ciúmes por causa dos deuses estrangeiros, e o provocaram
com os seus ídolos abomináveis. 17 Sacrificaram a demônios que não são Deus, a
deuses que não conheceram, a deuses que surgiram recentemente, a deuses que os
seus antepassados não adoraram”
Sl 106:37-38 - “37
Sacrificaram seus filhos e suas filhas aos demônios. 38 Derramaram sangue
inocente, o sangue de seus filhos e filhas sacrificados aos ídolos de Canaã; e
a terra foi profanada pelo sangue deles”;
1 Co 10:18-20 - “18
Considerem o povo de Israel: os que comem dos sacrifícios não participam do
altar? 19 Portanto, que estou querendo dizer? Será que o sacrifício oferecido a
um ídolo é alguma coisa? Ou o ídolo é alguma coisa? 20 Não! Quero dizer que o
que os pagãos sacrificam é oferecido aos demônios e não a Deus, e não quero que
vocês tenham comunhão com os demônios”
- Israel se afastava de Deus
e adorava os deuses das nações vizinhas que eram considerados deuses locais, e as vezes ligados a pecados específicos (Arnold 1997, 153).
- diversos textos rabínicos
atestavam que Israel fora escolhido especialmente por Deus e por isso o seu
relacionamento era diretamente com Yahweh enquanto as outras nações optaram por
anjos/padroeiros espirituais. De acordo com Filo, Deut 32 se refere a anjos
colocados por Deus sobre as nações. O livro de Eclesiástico 17:11-18 enfatiza
que Israel é a porção de Deus enquanto os outros seres celestiais governam
sobre os povos gentios. Mas mesmo aqui a soberania de Deus é enfatizada
(Stuckenbruck 2000, 29-30)
- se essas pressuposições de
fato são verdadeiras não sabemos. Poderia ser uma forma de Deus se comunicar de
forma que os seres humanos entendessem. Mas não podemos descartar uma
possibilidade real de que existam espíritos e anjos que estejam colocados sobre
certos povos.
- na literatura rabínica judia
antiga estava presente o conceito de anjos da guarda ou advogados das
nações dos gentios. Isso era muito similar ao conceito das divindades nacionais
do Antigo Oriente Médio. Ambos parecem ter uma base comum (Stuckenbruck 2000, 30)
- mas esses textos somente falam dessas divindades
sem especificar se são boas ou ruins. Mas em Sl 82:7 as divindades são
responsabilizadas por não fazer justiça. Mas a literatura pseudepígrafa também
começa a apresentar um dualismo forte na cosmologia. A eleição de Israel é
contrastada com a designação de espírito ou anjos sobre as nações que as levam
para o mal caminho. A pressuposição é que essas
divindades nem sempre estão debaixo do controle de Deus enquanto que os anjos
que obedecem a Deus agem em favor do povo de Israel. Em outro escrito as nações correspondem a 70 “pastores” angelicais que em
suas respectivas áreas recebem a tarefa de cumprir o castigo divino contra os
infiéis de Israel. Mas esses pastores se tornam desobedientes por sua própria
conta e excedem os limites estabelecidos por Deus na sua função. Outro conceito
é que os conflitos político-religiosos são o reflexo de conflitos nas regiões
celestiais. Esse conceito também pode ser visto em Dan 11-12 onde há príncipes
de um lado lutando contra príncipes do outro lado. Em algumas situações os
conflitos entre nações ou pessoas (ex. Esaú e Jacó) são vistos como lutas entre
anjos. Os anjos bons são vistos como garantia da presença de Deus agindo no
mundo em prol do seu povo (Stuckenbruck 2000, 30-31)
- o texto central para a existência de espíritos
territoriais é Dan 10:12-14, 20-21 “12 Então, me disse: Não temas, Daniel, porque, desde
o primeiro dia em que aplicaste o coração a compreender e a humilhar-te perante
o teu Deus, foram ouvidas as tuas palavras; e, por causa das tuas palavras, é
que eu vim. 13 Mas o príncipe do reino da Pérsia me resistiu por vinte e um
dias; porém Miguel, um dos primeiros príncipes, veio para ajudar-me, e eu
obtive vitória sobre os reis da Pérsia. 14 Agora, vim
para fazer-te entender o que há de suceder ao teu povo nos últimos dias; porque
a visão se refere a dias ainda distantes” . . .
“20 E ele disse: Sabes por que eu vim a ti? Eu
tornarei a pelejar contra o príncipe dos persas; e, saindo eu, eis que virá o
príncipe da Grécia. 21 Mas eu te declararei o que está expresso na escritura da
verdade; e ninguém há que esteja ao meu lado contra aqueles, a não ser Miguel,
vosso príncipe”. Em 11:5 Daniel ainda se refere ao rei do sul que será derrotado por
outro príncipe. Os proponentes da ‘batalha espiritual’ explicam que para que o
anjo pudesse chegar a Daniel precisava primeiro vencer o príncipe da Pérsia.
Para eles essa seria a única interpretação viável [a interpretação
que são espíritos territoriais, já que Miguel também é descrito como
príncipe nesse texto (Arnold 2000, 941)]. Mas se olharmos
para as circunstâncias históricas vemos que Daniel estava jejuando e
orando provavelmente porque a construção do templo em Jerusalém havia sido
interrompida. Seria muito possível que Daniel aqui estivesse orando pelos
príncipes da Pérsia que tinham a autoridade política sobre Israel e que podiam
ajudá-los na oposição que os judeus enfrentavam dos samaritanos nessa situação.
Isso seria uma outra interpretação possível (Priest et al. 1995, 70-73). Mesmo
que sejam seres sobrenaturais, isso ainda é muito diferente do que os
proponentes dos espíritos territoriais querem fazer entender (Priest et al.
1995, 73). Arnold argumenta que talvez “espíritos do império” seria uma
descrição melhor. A conotação de geografia está baseada no pensamento pagão da
época. Ali são mencionados o príncipe da Pérsia e o da Grécia.
Não vemos, no entanto, nenhuma tentativa de Daniel para lutar contra esses
príncipes, nem que tenha algum poder para amarrá-los, etc. Essa nem era a
intenção de Daniel.
- a Bíblia mostra claramente
que os deuses não controlam certas áreas como os pagãos achavam. Deus se
mostrava superior a esses deuses e os derrotava. Deus não tinha menos controle
sobre essas áreas do que outras (Priest et al. 1995, 74-75), mesmo que os
pagãos, e mesmo Israel paganizado cria nisso
- trata-se claramente de uma
questão de cosmovisão. A cosmovisão ocidental essa presença dos espíritos ou
anjos enquanto que a cosmovisão dos povos pagãos da época tratava essa presença
desses seres como algo corriqueiro. Muitas pessoas lêem a Bíblia como se esta
descrição de fato fosse uma descrição da realidade, sem verificar se a Bíblia
aceita ou condena tal cosmovisão. Algumas pessoas como Neuza Itioka argumenta
que perdemos a riqueza da visão animista
- o NT é silencioso quanto a
essa questão de espíritos territoriais. Nenhuma menção clara é feita a eles. 1
Co 2:6, 8 nos fala dos dominadores desse mundo que incitaram a morte de Jesus.
A discussão sobre esse texto é grande e uns argumentam que seriam demônios que
influenciaram os líderes a matarem Jesus (Arnold 1997, 156; Blomberg 1995, 63;
contra Fee 1987, 103-104 que diz que não há base para crer isso). Seja lá como
for, a igreja primitiva via a ação do Deus soberano atrás destas ações: “26 Os reis da terra se levantam, e os
governantes se reúnem contra o Senhor e contra o seu Ungido’. 27 De fato,
Herodes e Pôncio Pilatos reuniram-se com os gentios e com o povo de Israel
nesta cidade, para conspirar contra o teu santo servo Jesus, a quem ungiste. 28
Fizeram o que o teu poder e a tua vontade haviam decidido de antemão que
acontecesse” (At 4:26-28). Isso deixa claro que, independente da atuação
dos demônios sobre a liderança, ou de espíritos territoriais, estes estão
debaixo da soberania de Deus
- 1 Co 10:20 – “Quero dizer que o que os pagãos sacrificam é
oferecido aos demônios e não a Deus ...”. Esse
texto acaba enfatizando a noção já vista no AT que atrás dos deuses adorados
pelas nações estavam demônios
- Ap 12:7-9 - “7 Houve então uma guerra nos céus. Miguel e
seus anjos lutaram contra o dragão, e o dragão e os seus anjos revidaram. 8 Mas
estes não foram suficientemente fortes, e assim perderam o seu lugar nos céus.
9 O grande dragão foi lançado fora. Ele é a antiga serpente chamada Diabo ou
Satanás, que engana o mundo todo. Ele e os seus anjos foram lançados à terra”. Aqui lemos sobre a luta no céu. Satanás e seus
anjos são derrotados por Miguel e seus anjos e lançados sobre a terra. Na terra
eles vão criar problemas para os cristãos fiéis, na forma de bestas que
representam Roma (Ap 12:13-13:18). O autor que está trabalhando com uma
dimensão céu (anjos) e terra (anjos maus e os inimigos dos crentes, ambos sobre
a terra) para enfatizar que Satanás está derrotado (Stuckenbruck 2000, 31). Mas
nada é mencionado sobre territórios
- as cartas do Apocalipse
(2:1-3:22) são endereçadas a anjos. Seriam estes os anjos (da guarda) que foram
colocados sobre as igrejas nas cidades? As opiniões divergem: (1) diversos estudiosos crêem que seriam
anjos da guarda (Arnold 1997, 157; Stuckenbruck 2000, 31); (2) poderia ser o espírito coletivo da igreja
(Mounce);
- “12 O sexto anjo derramou a sua taça sobre o grande rio Eufrates, e
secaram-se as suas águas para que fosse preparado o caminho para os reis que
vêm do Oriente. 13 Então vi saírem da boca do dragão, da boca da besta e da
boca do falso profeta três espíritos imundos semelhantes a rãs. 14 São
espíritos de demônios que realizam sinais miraculosos; eles vão aos reis de
todo o mundo, a fim de reuni-los para a batalha do grande dia do Deus todo-poderoso.
15 “Eis que venho como ladrão! Feliz aquele que
permanece vigilante e conserva consigo as suas vestes, para que não ande nu e
não seja vista a sua vergonha.” 16 Então os três
espíritos os reuniram no lugar que, em hebraico, é chamado Armagedom” (Ap
16:12-16). Os poderes demoníacos que reúnem os reis além do Eufrates podem se
referir a anjos de quem se espera que incitem as nações para a guerra no fim
dos tempos (Stuckenbruck 2000, 31)
Considerações sobre
“espíritos territoriais”
1 – Não temos referências
dos pais da igreja sobre a existência de espíritos territoriais (Arnold 1997,
157)
2 – Nenhum personagem bíblico expulsou
demônios de cidades
3 – Podemos e devemos orar
para que Deus reine na cidade, mas não temos instrução para expulsar demônios
de cidades
4 – Pode
ser que
de fato há espíritos territoriais, mas a Bíblia nunca se preocupou em dar uma
explicação sobre a sua hierarquia nem sobre um ministério contra eles.
5 – Se existem espíritos
territoriais estes nunca são colocados como rivais de Deus de igual para igual.
Eles nunca são colocados como uma ameaça as planos e a
soberania de Deus.
6 – Não podemos mandar um
demônio embora de uma cidade, se este foi convidado a morar lá na vida das
pessoas que o adoram. No máximo ele sai e busca mais alguns companheiros e
volta para a sua casa.
7 – O que precisamos evitar a
todo custo é de ver que se existem esses espíritos territoriais, que Deus teria
menos controle sobre estas regiões, pois esses espíritos controlariam
totalmente essas regiões (Priest et al. 1995, 75). Isso não pode ser encaixado
com nenhum ensinamento sobre esses anjos sobre cidades da Bíblia.
- parece que existe
suficiente base para se crer (ou não crer) que existem de fato espíritos que
foram colocados sobre certas nações, ou territórios no AT. O NT não apresenta
nenhuma evidência clara para tal. Seria tão normal que não foi mencionado? Ou
poderia ser que a vitória de Cristo foi tão esmagadora que isso não importa?
(Talvez existam outras explicações melhores). Se esses espíritos existem ou
não, pouco importa, pois essa esfera é de preocupação exclusiva de Deus. Não
temos nenhum texto nos instruindo a fazer algo com esses eventuais espíritos.
Não devemos nos ocupar com coisas que acabam nos desviando de fazer aquilo que
a Bíblia nos ensina a fazer. Deixa que Deus cuida
dessa dimensão nas regiões celestiais.
- a Bíblia nunca apresenta
qualquer indicação que esses poderes chegam a apresentar uma ameaça para os
planos de Deus. Deus é soberano e está acima de todos eles. O Pai busca a devoção
completa de seu povo. Ele quer que os crentes o busquem diretamente para obter
sabedoria, força e ajuda (Arnold 2000, 941)
- um dos maiores problemas
na abordagem dos espíritos territoriais é o pragmatismo – já que funciona deve
estar certo. Diversos livros têm apresentado resultados mirabolantes a partir
da ênfase de amarrar o espírito que guarda a cidade. Uma visão reducionista vê
que esse é o resultado de amarrar o espírito. Sendo mais realistas, muitas
outras coisas estão em jogo – a união da liderança religiosa em oração, outros
fatores econômicos e sociais, além da intervenção de Deus que não podemos
explicar em termos racionais.
- tenho dificuldades com
repreender espírito de medo, rebeldia, etc. A maior parte desses se caracteriza
por obras da carne. Não adianta repreender a carne, mas precisamos disciplinar
a nossa carne para que obedeça a Cristo. Nesse sentido é mais difícil lidar com
alguém possuído por si mesmo do que possuído pelo diabo
- Arnold menciona algumas
coisas que Paulo não diz que nos ajudam a entender alguns pontos controvertidos
dentro dessa teologia (Arnold 1992a, 98-99)
1. Paulo não menciona a origem
da rebelião dos anjos caídos
2. Paulo não menciona ou dá
importância aos nomes dos demônios – já que todos estão sujeitos a Cristo do mesmo
jeito isso não tem significado.
3. Paulo não dá importância a hierarquia dos demônios – essa hierarquia existia em
escritos judaicos, mas Paulo dá ênfase que as igrejas estejam cientes dos
poderes e saibam como responder a eles.
4. Paulo não menciona a atividade
específica de alguns demônios e como estes podem ser evitadas. Paulo menciona
que Cristo é a única autoridade pela qual os demônios podem ser vencidos, mas
nenhum outro conhecimento com o qual estariam em vantagem em relação aos
demônios.
5. Paulo não menciona
territórios governados por demônios. Apesar de que pode haver uma relação entre
Daniel pelas palavras que usa, ele nunca nos fala para identificarmos ou
prender-mos os espíritos que supostamente estariam governando uma certa região.
Paulo reconhece que existem poderes sobrenaturais que procuram de todas as
formas impedir a missão da igreja, mas estes podem ser vencidos na dependência
do poder de Deus (1992, 99)
C – Possessão de Cristãos?
- em praticamente todas as
culturas no mundo ocorre o fenômeno da possessão. Esta normalmente se manifesta
com transe, tremores, transpiração, gemidos, gritos, falar uma língua ou
tonalidade de voz diferente e linguagem incoerente, assumir uma nova
identidade, força extraordinária, conhecimento inexplicável e profecia. Muitas
vezes, mas não sempre, os possessos não se lembra do
que ocorreu quando estavam possessos (Moreau 2000b, 771)
- a explicação para este
fenômeno pode ocorrer de forma física, psicológica, social e espiritual. Cada
uma das áreas tenta explicar o que ocorre, mas elas são se excluem mutuamente
- a questão sobre a
possessão de cristãos é bem complexa. Os problemas ligados com o termo
possessão são explicados por Grudem (1999, 344-46).
Mas não há dúvida que os cristãos podem ser influenciados por demônios. A
questão chave é se os cristãos são influenciados de fora ou de dentro. Existe
uma passagem (Ef 4:28) que sugere dar espaço para o diabo dentro de nossas
vidas. Essa questão também mexe com a diferença entre calvinismo e
arminianismo. Se alguém foi cristão e de repente vive como pagão, ele poderia
ter perdido a salvação e ser habitado por demônios? Para alguns isso é uma
possibilidade, para outros não
- alguém que tem o Espírito
Santo nunca poderá ser controlado totalmente por demônios. Mas se consideramos
que alguém que conheceu a verdade pode dar ouvidos e se entregar ao pecado e
abandonar a fé, temos que admitir que provavelmente possa também se entregar ao
diabo. Mas será que ainda é cristão quando é dominado pelo diabo? Evidentemente
que não
1 – A discussão sobre o
significado da palavra daimonizomai
- as pessoas que defendem
que cristãos podem ficar dominados por demônios afirmam que o uso de possessão
na Bíblia não está de acordo com o original. Eles advogam que deveríamos
utilizar a palavra demonizado ao
invés de possesso. A expressão daimonizomai
ocorre cerca de 13 vezes no NT (Mat 4:24; 8:16; 8:28; 8:33; 9:32; 12:22; 15:22;
Mc 1:32; 5:15; 5:16; 5:18; Lc 8:36; Jo 10:21). Uma expressão paralela é echein daimonion (ter demônio), que
ocorre 4 vezes (Lc 4:33; 7:33; 8:27; Jo 7:20); e ainda echein pneuma (ter um espírito [maligno ou
imundo], 5 vezes (Mc 9:17; Lc 4:33; At 8:7; 16:16; 19:13) (Lopes 2001, 86)
- o argumento contra a
palavra possessão é que ela é
absoluta: ou alguém está dominado, ou parte de sua vida está dominada ou não
está. Ela não permite graduações de controle sobre a vida da pessoa. Desta
forma o termo preferido seria demonizado
ou endemoninhado que permitiria
segundo eles um controle parcial sobre a vida de uma área da pessoa sem estar
possesso pelo demônio como um HD de um computador que poderia ter um vírus em
alguns arquivos sem estar totalmente contaminado. Dessa forma alguns até diriam
que um incrédulo não poderia ficar possesso, apenas demonizado. Nesse sentido
explicam alguns pecados (como relacionamento imoral ilícito) como demônios
desse pecado que estão no coração da pessoa (Lopes 2001, 86-87)
2 – Relatos mais extensos
sobre Jesus encontrando pessoas “demonizadas”
- Mc 1:21-28; Luc 4:33-37 – Jesus está pregando na
sinagoga e ali aparece uma pessoa com um espírito imundo (a;nqrwpoj evn
pneu,mati avkaqa,rtw|) (Mat 1:23); um homem que tinha o espírito de um
demônio imundo (e;cwn pneu/ma daimoni,ou avkaqa,rtou)(o grego não fala aqui em
possessão). O que fica claro, no entanto, é que esse espírito tem muita
influência, pois logo reconhece quem Jesus é, além de agitá-lo fortemente
(arremessá-lo ao chão em Lucas) quando este sai dele e falando em alta voz. O
que também fica claro desse texto é que o espírito imundo estava dentro da
pessoa. Aqui não está falando nada sobre o estado moral da pessoa. Não sabemos
se era um seguidor fiel de Deus. Aparentemente essa pessoa não tinha um
comportamento anormal que chamasse à atenção das pessoas presentes, ou então o
espírito imundo somente se manifestava quando confrontado por um inimigo
espiritual (Twelftree 1992, 165). A influência aqui é a ponto de que ele
arremessou a pessoa no chão, claramente indicando que ao menos uma parte da
pessoa estava dominada pelo demônio
- Mc 5:1-20; Mat 8:28-34; Lc 8:26-39 – Jesus
encontra com o geraseno. Mateus fala nessa circunstância sobre dois
endemoninhados (8:28, 33 – daimonizomenos);
Marcos fala de um homem com um espírito imundo (evn pneu,mati avkaqa,rtw|) (5:2) e endemoninhado (5:15, 16, 18 - daimonizomenos); e Lucas que ele tinha
demônios (e;cwn daimo,nia) (8:27), espírito imundo (tw/| pneu,mati tw/| avkaqa,rtw) (8:29) e endemoninhado
(8:36 – daimonizomenos). Essa pessoa
vivia entre os túmulos e era acorrentada na tentativa de poder dominá-lo. Aqui
fica evidente que o espírito imundo (demônio) tem um grau muito elevado de
controle sobre a vida da pessoa. Aparentemente toda a sua personalidade é
mudada depois da libertação. Aparentemente as expressões ter demônios ou
espíritos imundos e endemoninhado tem significados
parecidos ou até idênticos
- Mc 7:24-30; Mat 15:21-28 – Marcos diz que a menina
tinha um espírito imundo (pneu/ma avka,qarton) (7:25); Mateus apresenta
que a mulher estava severamente demonizada (h` quga,thr
mou kakw/j daimoni,zetai) (15:22). Não sabemos exatamente a situação em que vivia esse menina. A sua mãe vai ao encontro de Jesus pedindo que
a cure. Poderia ser que ela não tirou a menina de casa, pois a menina poderia
ser um perigo para o povo em geral, ou estava doente demais para deixar a casa
(Twelftree 1992, 165)
- Mc 9:14-29; Mat 17:14-21; Lc 9:37-43 – Marcos fala
sobre uma criança com um espírito mudo (e;conta
pneu/ma a;lalon)
(9:17); Mateus fala sobre um epiléptico (17:15); Lucas menciona um espírito que
o domina (se apodera dele) (ivdou. pneu/ma lamba,nei
auvto,n)
(9:39). Aparentemente essa criança vivia com seus pais e podia ser controlada,
pois acompanhou o seu pais para se encontrar com os
discípulos de Jesus (Twelftree 1992, 165). Aqui esse espírito parece ter um
controle bastante grande sobre a criança (ao menos na ocasião onde encontra
Jesus) pois diz que o espírito o dominava e jogava ao
chão, ele espuma pela boca e range os dentes. Além disso
o jogava na água e no fogo para destruí-lo. Quando é expulso o espírito maligno
reage fortemente no rapaz e grita saindo da criança
4 –
Avaliação
- o que fica claro é que a
palavra possessão seria uma interpretação da palavra daimonizomai. Ao que tudo indica o espírito imundo que está dentro
da pessoa (atua de dentro, pois Jesus o expulsa e depois diz que ele saiu) tem
um certo controle sobre a vida da pessoa. Não podemos dizer se o controle é
total, mas é bem possível, em muitos dos casos narrados pela Bíblia. Todos
esses espíritos estão sujeitos a Jesus ou aos apóstolos (que agem em nome de
Jesus) e não resistem às suas ordens. Também precisamos nos certificar aqui de
que nenhum dos que eram habitados pelos demônios poderiam ser considerados
cristãos no sentido do NT. Logo creio que a discussão se a pessoa era ou não
possessa/dominada, não faz muito sentido já que a questão de uma pessoa
não-cristã sendo possessa por demônios é de mais fácil consenso. A não ser que
consideremos que as pessoas de quem Jesus expulsou os demônios eram salvas
porque eram do povo de Israel que estava sob a aliança de Deus. Mas mesmo assim
ficaria muito difícil determinar se estas faziam parte do remanescente fiel
(que era o verdadeiro povo de Deus). Além disso, temos tão poucas informações
deles que seria mera especulação tratá-los dessa forma.
- o problema em substituir a
palavra “possessão” por “demonizado” tem suas vantagens e desvantagens. A
vantagem é que o termo seria basicamente uma transliteração do grego. O
problema no entanto, é que não sabemos o que o termo
significa exatamente e com isso aplicamos essa palavra para situações muito
mais amplas do que aparece na Bíblia. Parece que o termo possessão não é tão
estranho, já que olhando os casos temos que reconhecer que havia no mínimo um
controle parcial da vida das pessoas (Page 1995, 138).
Argumentos a favor de que um
cristão poderia ser habitado por demônios
1 – O poder do pecado pode
habitar em um cristão e ter uma influência bastante forte ao
ponto de que Paulo menciona que ele pode reinar (Rom 6:12-13). Se isso
pode acontecer porque deveríamos supor que uma outra força maligna não pudesse
também reinar na vida das pessoas? Mesmo após a conversão a tendência para o
pecado continua residindo na vida dos cristãos até a glória. Essa tendência
dentro de nós é o motivo de muitas de nossas batalhas e está residindo dentro
de nós ao lado do Espírito de Deus (Arnold 1997, 82). O poder do pecado em
nossas vidas não acaba com a nossa conversão. O pecado quer reinar em nossa
vida. O pecado procura nos influenciar por 3 fontes: a nossa tendência para o
mal (carne), o meio (cultura) no qual vivemos (mundo) e os demônios (diabo).
Dessa forma a Bíblia estaria nos alertando para que não deixássemos que nenhuma
dessas influências nos dominasse. Todas elas querem nos dominar. Na vida do
cristão nenhuma dessas forças tem domínio absoluto, mas vão se apropriar de
todo o espaço que receberem de nós mesmos (Arnold 1997, 91)
2 – Arnold argumenta que
Paulo usa linguagem de espaço para falar sobre o diabo achando lugar na vida do
cristão. “E não deis lugar ao diabo” (Ef 4:27) (Arnold 1997, 82). A palavra
usada aqui (topos) é usada muitas
vezes no NT para falar de um local físico (Lc 2;7;
14:9; 4:37; Jo 14:2-3), mas em outros locais também se refere a oportunidade
(Rom 12:19; Heb 12:17). A opinião de Arnold é de que a linguagem do espaço aqui
seria mais apropriada já que estamos falando de autoridade e controle nessa
carta (Arnold 1997, 88-89). Outros comentaristas já vêem aqui uma alusão a
oportunidades para o diabo. O diabo estaria andando em derredor das pessoas
iradas pronto para se aproveitar da situação (cf. 1 Tim 3:7; 2 Tim 2:26; 1 Pe
5:8). A raiva seria como uma arma pronta para cooperar com o diabo (Lincoln
1990, 303; O’Brien 1999, 341; Page 1995, 188-89; Lopes 2001, 92). Mas seja como
for, a ênfase aqui não está no exorcismo, mas na atitude correta que as pessoas
devem ter para não dar espaço para o diabo. Se ligamos
essa passagem ainda com outros textos paralelos temos que a ênfase está mais na
obediência a Deus e com isso na vida diferente provocada por uma ética nova do
que no exorcismo
3 – A imagem do templo no AT
pode ser usada para ilustrar o que acontece na vida do cristão. O templo de
Deus era habitado volta e meia por outros deuses. Muitas vezes o próprio povo
de Deus trazia os deuses para dentro do templo. De acordo com Deut 32:17 esses
ídolos representam demônios (Arnold 1997, 82)
- Merrill Unger acha que se
permitimos que o pecado acha espaço em nossa vida os
demônios vão tomar conta (in Arnold 1997, 82). Arnold argumenta com base em Mat
12:29 (Jesus amarrou o diabo para roubar as suas posses) que as pessoas são
posse do diabo (Arnold 1992a, 79; 1997, 81). Mas Jesus aqui está fazendo uma
comparação e “posses” poderia ser meramente uma ilustração parabólica para os
objetos da casa. Carson diz que posse nada tem a ver com possessão demoníaca, a
não ser de forma metafórica (Carson 1995, 290). Mas esse ponto é bastante
discutido (veja Page 1995, 106)
4 – Em At
10:38 diz
“como
Deus ungiu a Jesus de Nazaré com o Espírito Santo e com poder, o qual andou por
toda parte, fazendo o bem e curando a todos os oprimidos do diabo, porque Deus
era com ele”. O argumento utilizado é que Jesus expulsou demônios de judeus que
faziam parte da velha aliança, como a filha de Abraão que era cativa de Satanás
(Luc 13:16). A questão chave é que ser da família de Abraão é aplicado para
basicamente todos os judeus. Mesmo entre o povo judeu havia o remanescente
fiel. É muito difícil dizer quem realmente participava desse remanescente fiel,
assim como na igreja hoje temos muitas pessoas que participam e nem todas são
fiéis a Deus (Lopes 2001, 90-92)
5 – Em 2 Co 10:4 “Porque
as armas da nossa milícia não são carnais, e sim poderosas em Deus, para
destruir fortalezas, anulando nós sofismas”. Para alguns interpretes temos aqui fortalezas demoníacas, mas o texto
mostra que essas fortalezas são raciocínios feitos pelos incrédulos contra o
Cristianismo. Paulo não está lutando contra essas fortalezas amarrando,
decretando, etc., mas pregando o evangelho a elas (Lopes 2001, 92). Trata-se de
linguagem militar para lutar contra esses raciocínios que acabam dominando o
pensamento e as ações das pessoas (Belleville 1996, 254-55)
6 – Arnold argumenta
que quando a pessoa está sem Cristo o cerne de sua vida é corrupto e é
direcionado para o mal. A imagem de Deus dentro dessa pessoa está manchada. A
pessoa tem impulsos pecaminosos que agem junto com os demônios levando a pessoa
a pecar. Quando a pessoa se converte, o cerne da pessoa muda. Ocorre uma
transformação sobrenatural nela que agora se direciona para Deus. O Espírito
Santo vem habitar dentro da vida da pessoa. A imagem de Deus dentro da pessoa
está em processo de renovação. Algumas pessoas querem fazer distinção aqui
entre o espírito humano que estava morto e agora foi vivificado. Mas
biblicamente não podemos fazer essa distinção clara entre o espírito e a alma.
Mesmo que ocorra essa transformação, ainda continuamos vivendo em um corpo que
morre. A inclinação para o pecado continua. A carne vai nos incomodar até
chegarmos na glória. Os demônios procuram exercer a sua influência sobre cada
um de nós da mesma forma como acontece com a nossa tendência pecaminosa, mas
eles não têm acesso ao cerne de nossa vida que é habitado pelo Espírito Santo
(Arnold 1997, 85). Abaixo estaria a figura da pessoa sem Cristo
A pessoa regenerada
tem outro aspecto
7 – Arnold vai adiante
expondo a ilustração de uma casa onde permitimos que o Espírito Santo tenha
acesso a alguns quartos e o impedimos em outros (Arnold 1997, 87)
Argumentos contra a idéia de
que um cristão pode ser habitado por demônios
1 – A substituição do
conceito de possessão pelo termo demonizado não vai ajudar. Nos casos em
que aparece na Bíblia a pessoa demonizada claramente tem ao menos parte de sua
vida controlada por Satanás – o que significa possessão.
2 – “Os demônios denominados
pela ‘batalha espiritual’ como sendo demônios da lascívia, do ódio, da ira, da
vingança, da embriagues, da inveja, e assim por diante, não aparecem no NT.
Essas coisas são, na verdade, as obras da carne mencionadas por Paulo em Gal
5:19-21. A solução para esses pecados não é expulsar demônios que supostamente
os produzem, mas arrependimento confissão, e santificação” (Lopes 2001, 89)
3 – Não temos comprovação
bíblica nem exemplos claros que devemos expulsar demônios de pessoas
renascidas. Nem Jesus, nem os apóstolos expulsaram demônios de pessoas
convertidas. A Bíblia também não diz porque as pessoas estavam habitadas por
demônios. Logo toda a especulação é um bocado perigosa
(Lopes 2001, 90). Jesus e Paulo enfrentaram situações reais onde encontraram
muitas pessoas em situações complicadas. Paulo em Éfeso estava na cidade onde a adoração a Diana era muito forte. Os cristãos queimaram
muitos livros de ocultismo, mas não temos nenhuma menção de algo especial feito
pela libertação deles após a conversão. A idéia da habitação de demônios na
vida dos cristãos não procede da Bíblia, mas da experiência de pessoas que
lidam com exorcismo. Muitas vezes essas histórias não são usadas para ilustrar
verdades, mas para construir as verdades (Priest et al. 1995, 36). Isso pode e
acaba levando à formulação de novas doutrinas – o que é muito perigoso
- não há dúvidas que os
demônios, o mundo, e a carne querem exercer o controle sobre a vida das
pessoas, inclusive dos cristãos. A carne está dentro de nós e quer que
atendamos os seus desejos. Muitos dos desejos da carne são provocados pela
influência do mundo. Quando aceitamos a influência do mundo sem critérios,
acabamos despertando diversos desejos da carne. Da mesma forma temos que reconhecer
que os demônios atuam através da carne e da influência do mundo sobre nós. É
muito difícil saber se ocorre espaço dentro de nossas vidas para a habitação de
demônios, ou se isso acontece de fora
- a tentativa de Arnold para
explicar a diferença entre o cerne da vida dos cristãos onde os demônios não
têm acesso, é uma tentativa de explicar esse problema. Mas esse modelo não é
mencionado claramente na Bíblia e nem necessariamente é contrário a ele. Então
precisamos olhar essa situação com cuidado.
- Arnold argumenta que
precisamos fugir do conceito bipolar na vida dos cristãos: o tem um demônio, ou
não tem. Para ele deveríamos ver essa questão como um contínuo onde podemos,
mesmo como cristãos, entregar cada vez mais o controle de nossas vidas à
influência demoníaca de modo que poderíamos ser habitados por demônios. Todos
sofremos tentações, mas nem todos abrem espaço, ou até convidam os demônios
para fazerem parte de suas vidas (Arnold 1997, 101)
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tentação regularmente ser devorado (1Pe 5:8) ter um demônio
sucumbir às tomado cativo (2Tm 2:25-26)
tentações tomado como despojo (Col 2:8)
demoníacas
- o que fica claro da
perspectiva de Arnold (calvinista) é que uma vez salvo a pessoa não perde mais
a sua salvação (Arnold 1997, 81 e nota 14 [pág. 205]). Se
cremos que alguém pode perder a sua salvação, a questão pode ser
explicada mais facilmente. Até que ponto uma pessoa pode dar ouvidos e sucumbir
a tentação regular do inimigo e ser influenciado cada
vez mais a ponto de tomado cativo e habitado por um demônio mesmo sendo
cristão? Se Jesus não manda mais em sua vida, e a pessoa se recusa a entregar o
comando de sua vida a Cristo, isso ainda a classifica como cristã? Nesse
sentido, apesar de que concordamos que existe uma escala crescente de domínio
demoníaco na vida das pessoas, vai haver um momento onde o
inimigo vai fazer morada na vida da pessoa. É um processo que pode
eventualmente culminar nisso, mas como acontece com o Espírito Santo na
salvação da pessoa. A pessoa pode estar chegando cada vez mais perto de um
encontro com Cristo, mas a regeneração ocorre em um momento pelo Espírito Santo
que vem habitar na vida da pessoa, assim também precisaria acontecer com uma
eventual habitação de um demônio na vida de um cristão. Resta a dúvida se esta
pessoa ainda poderia ser considerada um cristão a estas alturas
= = =
É
um estudo de 70 páginas que estamos fazendo em nossa Faculdade Fidelis
idealizado pelo Dr. Harthur
(reitor).
Espero que seja benção em vossos ministérios.
Marcelo,Ellen e Débora Taborda
Siloé Ministério em Missões_ 23 Jun 2005