Bráulia Inês B.Ribeiro _ Jocum

. 19/07/02 - negra-índia chamada Brasil - Dona índia-Negra chamada Brasil
Saiu na Época de algumas semanas atrás mais uma notícia sobre a codificação genética dos Brasileiros. Várias outras revistas já estão publicando faz tempo sobre o assunto do projeto Genoma e suas constatações sobre as supostas "raças" biológicas da humanidade, traduzindo para nossa língua o que ciência tem descoberto. O que levou os cientistas a esta conclusão foi constatar que não há perfil genético possível para se definir uma raça. Somos todos frutos de uma grande mistura. Um fenótipo único, todos com a mesma cara, mesmo tipo físico não significou para o estudo dos genes um perfil genético único. Um branco de olhos azuis pode ter o mesmo perfil genético de um negro de pele azul. Um índio, filho de um grupo isolado no meio da selva que só se casa entre si há dezenas de anos, não tem tampouco um perfil único que o identificaria no meio de milhões de outros humanos de outras partes do planeta. Para resumir, a questão geral é que não existe "raça" no sentido biológico do termo. Se você ainda acredita nesta balela nazista, por favor se atualize. Raça é uma concepção cultural, diferentemente classificada em cada povo do mundo. O que os americanos classificam como "negro" ou "branco", não é o mesmo que os brasileiros classificariam, o que os brasileiros veêm como japonês não é o mesmo que o japonês vê como sendo parte de sua suposta "raça". A única raça biológica da terra, foi aquela criada por Deus: a raça humana. Bom já que agora falamos a mesma língua, vamos à Época e a codificação genética dos Brasileiros. Já havia sido dito outras vezes em outras reportagens as mesmas coisas. Somos todos índios e negros e brancos, mais índios e negros que brancos. Já tínhamos lido Gilberto Freire e Darci Ribeiro e já falamos em rodinhas de conversa sobre a nossa vó que foi pega a laço em algum pedaço de selva. Mas agora sabemos com certeza. Não nos resta mais dúvida. Mineiros então como eu, pode esquecer. Minas é o estado que o estudo genético revelou ser o mais equilibradamente dividido... Um terço de cada um, 1/3 índio, 1/3 escravo e 1/3 branco, assim é o mineiro, uai. Não vale a pena falar da minha trajetória de anos, de como me sentia mal quando uma amiga se apresentava afirmando sua origem italiana, como se ser Da Silva fosse um demérito ou uma espécie de vergonha, ou quando dava aulas de brasilidade num seminário bíblico e um rapaz obviamente negro não conseguia aceitar sua negritude e se dizia judeu, ou de quando num episódio mais recente me surpreendi ao ver uma outra brasileira, bem educada, missionária internacional, demonstrar que era profundamente envergonhada de sua herança negra que tentava esconder também debaixo de uma possível herança judaica [judaísmo é uma cultura e uma religião e não uma origem genética, ô.] e mais tarde durante um culto ser curada pela ação do Espírito e se tornar finalmente uma pessoa completa.... O que importa é que lendo o artigo e relendo esta verdade pela décima vez afinal meu sangue ferveu bem índio dentro de minhas veias. Pela primeira vez me senti índia. Sou índia! Assumir isto me deu uma sensação única de alegria e de liberdade. Sou dona da selvas e da natureza, filha dos rios e das estrelas. Sou negra também, e esta é uma realização mais dolorida para a cultura do preconceituoso estado de onde venho. Eu já havia abraçado esta identidade por teimosia e certeza de minha negritude brasileira, mas desta vez, por algum ato divino, a índia e a negra dentro de mim dançaram juntas seu samba, seu ritmo, suas cores. Sou negra e índia e estas duas identidades são 2/3 de mim. Ser branco além de estar fora de moda, não me diz quem sou. Como pudemos celebrar nosso aniversário de 500 anos tendo como emblemas as caravelas? Somos ainda aos nossos olhos ridículos recém-chegados depois de 500 duros anos na terra... Como podemos tentar cavar supostos ancestrais judeus, ou espanhóis ou portugueses, sempre com aquele dever de não pertencer aqui, e principalmente na busca de ser alguma coisa outra que não o que realmente somos? Caçadores de nós mesmos, [1] quem sabe o Milton Nascimento entendeu isto mais intensamente, garoto de pele negra criado por pais adotivos brancos. Somos ainda patéticas figuras olhando o Monte Pascoal de longe, portugueses negros, espanhóis índios, empoados de peruca, a fingir que são que não são, nem nunca foram. Tudo isto mesmo depois da miscigenação que tornou o Brasil a sopa de cores e rostos e paz, que todo o país gostaria de ser. Triste. Quanto a mim, que me desculpem os que se sentem portugueses os que se orgulham de seu sobrenome italianado, de seu cabelo aloirado, os que mesmo com pele escura ainda procuram suas raízes judaicas mais do que assumem sua herança negra, quanto a mim, sou negra e sou índia. Me encontrei. Não estou mais à caça de mim, nem procuro ser quem não sou. Em nada sou menor que os de além mar, em nada me envergonho de minha herança nativa e escrava. Minha mistura fina assumida e científicamente provada, me torna única e abençoada. Bráulia Ribeiro- braulia@jocum.com.br

28/12/01
-Retrospectiva - 2001: Do bonde do tigrão à fé dos calouros - Um ano de esperança para o Brasil
Começamos o ano latindo como cachorras no cio. O Bonde do Tigrão saiu dos morros cariocas e ganhou os bairros de classe média. Todo mundo tentava entender o “fenômeno social” dos bailes funk à luz de compreensões socio-filosofiquisadas, puro elitismo acadêmico, como se fosse difícil descobrir porque sexo explícito faz sucesso entre adolescentes. Enquanto isto as cadeiras rebolavam, as meninas da zona sul engravidavam sem saber de quem, como já acontecia há algum tempo às mocinhas da periferia.. Parecia que o pouco de vergonha que nos restara estava na lama e nosso destino como nação era mesmo ser uma espécie de Sodoma gigantesca ou uma Tailândia 2, país onde o sexo é mais o principal ítem comercial à venda no mercado interno e externo. O congresso e o senado também apresentavam espetáculos patéticos. Toninho Malvadeza e seu Zé Arruda tratavam os senadores como se fossem um bando de palhaços que estavam ali para servir seus interesses. Houve o episódio do painel e os inúmeros discursos mentirosos que os dois fizeram carregados de afirmações categóricas sobre sua honestidade e a veracidade de seus testemunhos. CPIs importantes se arrastam por meses e meses, apesar de todas as denúncias apresentadas pela mídia o cheiro de pizza estava no ar. Era o caos. O Brasil era uma república das bananas sendo saqueada e controlada por lobos-maus da cara feia. Mas o inesperado acontece. O cacique do senado renuncia, (renúncia inconstitucional é verdade, mas foi melhor que nada), e suas mentiras descaradas vêm à público. E... pasmem... até alguns terreiros da Bahia se revoltam contra ele e tocam seus tambores para que a justiça seja feita ao Brasil. Manifestações populares nas ruas do Pelourinho não protestam contra a saída de ACM, mas à favor, que saia mesmo!! Arruda sai também envergonhado, depois de ter que desmentir inúmeras mentiras, desmentidas e rementidas. Assume o Jader depois e também caem pedras no seu telhado de vidro, destruindo-o rapidamente. O senado mudou? Muitas CPIs não acabam em pizza. A política brasileira vai deixar de ser um coronelato corrupto? E então em meio à estes acontecimentos aos sábados a família brasileira começa a se sentar diante da TV não para assistir uivos lascivos e bate-buns, mas para ouvir música sendo cantada. É verdade, cantada, e não gritada ou gemida, por um grupo de calouros. E ao invés de ouvir insultos sarcásticos contra si, como é acostumada a fazer aos domingos assistindo às piadas de mau gosto do Faustão e do Sai de Baixo, ela, família brasileira, de repente se sente bem, se emociona de ver gente igual a ela, cheia de esperança conseguindo realizar seus sonhos sem ter que apelar para baixaria, só mostrando o talento real e esperando que ele vença. Nunca deixe de sonhar é a mensagem de Natal do programa do Raul Gil, o mais assistido dos programas do sábado nos seu melhor estilo brega-povo. O responsável pela mudança foi o Brasil que mostrou a cara. Este povo que saiu as ruas para banir o ACM do cenário político, disse também ao Luciano Huck que ele não tem graça nenhuma. A vida em família com esperança, dignidade e amor de repente ficou melhor que sexo em grupo. Viva o povo do Brasil. Viva nós, família brasileira educando nossos filhos com esperança e sonhos num país que vai ficar cada vez melhor e mais limpo!! Nunca deixe de sonhar.

03/12 - Salários baixos que nunca aumentam, missões e o mistério da iniquidade Bráulia Inês B. Ribeiro Tem coisas que só se podem entender à luz daquele "mistério da iniqüidade" que Paulo cita em II Ts 2:7. Engraçado né, entender uma coisa por causa de um "mistério", mas é assim mesmo. 1 Por que será que missionários ganham tão pouco? Mas me desculpe, antes da pergunta vamos à afirmação. É sim, missionários em geral ganham muito menos do que os pastores das igrejas locais. O missionário é uma espécie de contínuo do clero protestante, ganha o menor salário mas trabalha para todos. Pode ser que você tenha ouvido falar de algum missionário meio "nababo", mas posso te afirmar que não é a regra, é com certeza uma excessão... Nasceu com o traseiro para a lua, ou é muito bom de papo e infelizmente pode ser que nem seja tão bom de trabalho... A regra é que os salários de missionários pagos pelas igrejas na maioria das vezes não correspondem nem a 30% do salários pagos pelas mesmas igrejas a seus pastores locais. E não só isto, mas os salários missionários são geralmente salários congelados, ou seja nunca aumentam. Não são indexados a nada, nem à inflação, nem ao salário mínimo, nem ao dólar, nem à receita da igreja. Não sei como raciocinam os defensores destes salários congelados. Tudo sobe, a conta de luz da igreja, o salário do pastor, os gastos em geral, e os dízimos que a igreja recebe também é claro. Mas certamente eles esperam que o missionário consiga de uma forma milagrosa se "proteger" dos aumentos... Se ele viajava de avião, que viaje de ônibus agora, se viajava de ônibus, que pegue carona em boléia de caminhão! Se tinha luz em casa, que acenda velas, isto é, se elas não aumentarem muito de preço. Se comia carne, que coma ovo frito, ora pois! Mas ai dele se parar de trabalhar na obra para se "virar" com algum bico, certamente perderá o sustento. Muitos pensam: - mas os missionários em geral recebem de muitas fontes diferentes e os pastores só de uma. É verdade. Alguns investidores com coração missionário sincero defendem a "pulverização" de seu investimento em missões. Ou seja sustentam muitos com pouquinho. Cem missionários com cem reais cada um ao invés de dez com mil. Há vantagens e desvantagens nesta maneira de pensar. A vantagem é que o investidor se sente feliz e parte de muita coisa, de muitos missionários. "-Estou investindo na China, Angola, Uganda, Kênia, Ruanda, Málaga, México, Peru, Afeganistão, Uzbequistão, Kazaquistão, Índia, França, Itália, nas tribos indígenas e mais em um monte de outros países!!" Mas junto com esta aparente vantagem mora também um problema. Porque investe em muitos lugares ele acaba não amando seriamente a nenhum. Ele não tem envolvimento profundo com nem um projeto, e não gasta horas em oração por nenhum povo. Investidores também deveriam ter chamado específico. Abraçar projetos com o coração, entender profundamente os desafios de cada um, ajudar nas estratégias, pensar com o missionário, ajudá-lo a investir certo, etc. A pulverização enfraquece o relacionamento investidor-missionário e é de relacionamentos que o reino de Deus subsiste. Outra implicação desastrosa disto é que o missionário por sua vez tem que sair buscando de muitas e muitas fontes para poder completar um orçamento razoável que lhe permita não só viver mas também realizar o projeto para o qual foi chamado. Isto significa muita humilhação, muita bateção de porta em porta e muita porta na cara também. A cada novo projeto que pretende realizar, a cada curso que quer fazer, ou a cada desafio que seu trabalho em missões lhe apresenta ele tem que sair novamente batendo de porta em porta, pedindo, escrevendo cartas, pedindo, pedindo, pedindo. A suposta vantagem de ter muitas fontes não deriva de nenhum motivo espiritual como pensam alguns, mas de uma triste constatação de fatos. Muitos investidores e igrejas quando passam por algum problema financeiro, para equilibrar as contas, cortam em primeiro lugar o salário do missionário entre os gastos supérfluos. Muitos sem nem avisar ao pobre coitado lá no campo. De repente aqueles cem ou duzentos reais param de vir. Outras vezes as juntas denominacionais se reúnem e discutem: -Por que é que ajudamos esta fulana lá na Índia? Vamos parar? Vamos priorizar nosso investimento em nossas congregações locais? E no mês seguinte a fulana lá da Índia constata que o dinheiro da igreja não entrou. Ela entra um pouco no crédito do banco e espera que a situação se resolva no mês seguinte. Chega o outro mês e nada. A fulana resolve ligar para a igreja e descobre através de uma secretária que seu nome não está mais na lista dos assalariados, por quê, ninguém sabe, mas parece que o presbitério quer dar mais prioridade às congregações locais que estão negligenciadas. Seria mais fácil dizer pra ela que a Bíblia mudou: - Olha irmã, saiu uma nova versão da bíblia atualizada-corrigida ampliada-de-hoje-nova-vida-com-comentários-pentecostais-teológicos e foram tiradas dela as passagens de missões, o que aliás, a tornou bem mais fininha, mais fácil de ler, mais ao gosto do homem moderno. Como nós resolvemos adotar esta versão, tiramos missões de nosso orçamento. Aposto que a irmãzinha lá da Índia teria ficado mais feliz com esta resposta. - "Poxa, que apostasia!! Vou orar e jejuar por eles!" Do outro jeito, ela fica ressentida, magoada com a liderança fria e calculista que fez a decisão de priorizar seu reino local sem consciência do que estavam realmente fazendo. Pensando que fizeram uma simples decisão administrativa estes irmãos se auto-enganaram, estavam na verdade rasgando a Bíblia. A constatação de que as coisas são assim mesmo, torna os missionários precavidos. - "Tenho que levantar em promessas pelo menos o dobro do que eu preciso para que eu chegue a ter pelo menos uns setenta por cento." Os deixa também bem inseguros em relação ao futuro, e obrigados a pulverizar seus relacionamentos, suas orações, suas emoções em 155 cartas xerocadas ao invés de 10 ou 15 pessoas de um grupo de apoio realmente comprometido. Tenho um monte de pessoas que se importam um pouquinho comigo e com o que faço. Mas será que eles realmente oram por mim? Me dão alguns reais por mês. Eles se importam comigo mas não o suficiente para me manter de verdade nas minhas necessidades, não o suficiente para me socorrer se acontecer algo ruim, não o suficiente para me ajudar em meu tratamento dentário, (missionário tem dentes?) ou na escola de meu filho, para me dar um presente no meu aniversário, pagar umas férias... Ou pior: - "Será que eles vão manter mesmo seu falso compromisso comigo?" É, falso compromisso, porque se fosse verdadeiro seria mantido, não é? Como o amor eterno enquanto dure do Vinícius de Moraes. Enquanto dure é a negação do eterno. Compromisso que é facilmente desfeito não é compromisso. Este comportamento imaturo da igreja tem muitas consequências: - O missionário acaba tendo que renunciar a muitos projetos que desenvolvia e começa apenas a sobreviver. Viagens que poderiam ser feitas não são mais, as atividades encolhem e ele começa a conviver com a frustração de não estar desempenhando bem a missão que Deus lhe confiou. - E se o salário de sobrevivência vai encolhendo também, a vida se torna tensa para ele, além das lutas espirituais do campo, a falta de dinheiro passa a ser um peso terrível. O tempo que ele poderia passar ministrando a outros ele passa bolando maneiras de sobreviver, ou orando para que Deus em sua misericórdia infinita não deixe sua conta ir pro vermelho, suas crianças adoecerem. - Como o tempo gasto com levantamento de finanças para realizar cada nova iniciativa é enorme ele acaba diminuindo bastante seus sonhos e encolhendo seus projetos. Uma amiga minha tinha que dar aula de lingüística na Angola colaborando com um grupo de Angolanos da etnia Umbundo que queriam implantar igrejas em povos de outras tribos no seu próprio país. Para poder sair do Brasil e passar três meses na Angola ela teve que parar suas atividades missionárias regulares (entre tribos amazônicas) para ficar três meses de igreja em igreja levantando dinheiro para a passagem aérea. Isto não é certamente algo que você gostaria de fazer todo ano. - O relacionamento missionário-igreja perde muito. Se torna na visão da igreja um relacionamento sanguessuga, porque o pobre missionário está sempre pedindo, e na visão do missionário uma relação de abuso, porque a igreja cobra muito sem dar quase nada. É aí que entra o famoso mistério da iniquidade pra nos ajudar a entender tanto descaso com missões. Se gasta dinheiro em tudo o que se pode imaginar e a tudo chamamos de "reino". Cadeiras novas para o templo é "reino", ar condicionado para a igreja é "reino", equipamentos para a cantina é "reino". Só missões é que rapidamente sai da categoria de "reino" para a categoria de gastos supérfluos se as coisas se complicam. Pessoas também não são "reino". O missionário e suas necessidades pessoais não é "reino". Sua roupa ainda não está surrada o suficiente, seu carro não precisa de conserto, ele não precisa de plano de saúde. O missionário tem mais filhos, antes ele era sustentado como solteiro, agora se casou, mas mesmo assim o salário não sobe. Estamos sustentando a "obra", o "reino", ou seja o templo, as coisas, a comida distribuída aos carentes, mas não a pessoa do missionário porque ele não é reino. Mistério da iniquidade, quem o entenderá? Quem entenderá como nosso pensamento acaba tão permeado de mentiras que até a verdade se torna mentira? Quem entenderá por que mesmo sabendo que esta vida nossa aqui não dura nada, mesmo sabendo que as coisas não são o verdadeiro reino, o reino é eterno, coisas não são eternas, só pessoas são eternas, portanto o reino não é e nunca será feito de outra coisa senão pessoas, mesmo sabendo tudo isto, ainda gastamos mais conosco mesmos do que com qualquer outra coisa, ainda gastamos com templos e cadeiras e coisas mais do que investimos em pessoas. Alguns me criticariam dizendo, mas você está esquecendo o "fator Deus" (não o fator Deus do Saramago2, mas o fator Deus, Deus mesmo). "-Você está esquecendo de que o Senhor é soberano sobre a sua obra sobre os seus filhos!" - Bem, sim e não. Ele é soberano e não é. Esperem aí, não desmaiem ainda ou rasguem o papel. Não estou dizendo nenhuma heresia. Até os calvinistas moderados admitem que o pecado deriva da vontade humana, do homem em seu livre arbítrio fazendo escolhas livres. Escolhendo o bem ou o mal. Sobre o pecado Deus não é soberano. (Se bem que há tanta discussão possível neste assunto que me dá canseira, mas convenhamos, esta interpretação que é a mais intuitiva, menos teololologica torna tudo mais fácil, vai...) Já ouvi uma estatística que diz que setenta por cento das riquezas da humanidade estão na mão dos cristãos3. O que isto quer dizer? Que Deus fez sua parte. Em sua soberania providenciou para que nada menos que setenta por cento de todo dinheiro do mundo caísse na mão de seus servos. O que é então que esconde o dinheiro de missões? Veja que quadro triste:4 Não admira que no mundo inteiro a tarefa da Grande Comissão ainda esteja por se realizar! Noventa por cento do dinheiro da igreja é investido na própria igreja, sete por cento em iniciativas evangelísticas onde o evangelho já foi pregado antes, e apenas três por cento em iniciativas missionárias para aqueles povos que nunca ouviram o evangelho antes. Isto é no mínimo insensatez para não dizer burrice. É este o mistério, misteriosíssimo do pecado. Pecamos contra Deus deixando de passar pra frente o dinheiro que ele nos deu para este fim, deixando de aplicá-lo onde deveríamos, gastando em nosso próprio reino, administrando como queremos sem perguntar pra Ele. E com isto não estamos nos beneficiando mas nos prejudicando. Pensamos que ganhamos, mas perdemos. Os inalcançados perdem, os anjos perdem, Deus perde, e nós perdemos e muito. Esta é para mim a única maneira de explicar o porquê de não termos fluindo em missões o dinheiro que precisaríamos para completar a Grande Comissão, porque tantos povos morreram sem Cristo e ainda morrerão, porque muitos de nós vão chegar de mãos vazias nos céus. Este é o mistério da nossa iniquidade, o bom (ôpa) e velho egoísmo. 1 Esta passagem é complicada como um todo, mas esta frase pode ter uma interpretação bem simples. O mistério da iniquidade que Paulo disse estar operando pode ter a ver com alguma mirabolante visão escatológica que ele estava tendo, ou pode ser simplesmente uma frase para descrever sua perplexidade diante do fascínio pelo pecado que opera na humanidade. E esta interpretação que sigo neste artigo. 2 Mencionado por Ricardo Gondim em seu artigo na Ultimato - nov.dez de 2001 3 Dr. Ralph Winter, numa palestra no Comina, Orlando, Flórida 4 Dados do US Center for World Missions- Centro Americano para missões mundiais reenviado por claudio e cida jocum@nlink.com.br

18/12- Querido(a) pastor(a), "Há muito queria escrever-lhe. Confesso que me sentia intimidado por temer que você — vou chamá-lo de você — não entendesse minha motivação ao redigir esta carta. Escrevo por amor e com um grande cuidado por sua vida e seu futuro. Venho percebendo que você anda tenso. Entendo o seu estresse. Ser pastor nesses dias não é fácil. Sua atividade vem sendo duramente criticada pelos formadores de opinião. Nota-se uma antipatia nacional para com os pastores. Ontem, 28 de março de 2000, lendo a Folha de São Paulo, imaginei como você deve ter se sentido quando o Arnaldo Jabor, escrevendo sobre a miséria, atacou duramente as igrejas evangélicas: "Quanto faturam as igrejas evangélicas com a miséria, quantos milhões de dízimos pingam nos bolsos daqueles oportunistas de terno e gravata que não acreditam em Deus?" Sei que é perturbador ser rotulado como oportunista. O grande público mal sabe que a grande maioria dos pastores ganha salários baixos e, como todos os brasileiros, sobrevive heroicamente numa economia perversa. Às vezes, gostaria de sair em sua defesa. Mostrar que o segmento evangélico mais rico e visível na televisão faz muito alarde, mas não representa o pulsar da igreja como um todo. Embora muitos não acreditem, é preciso deixar claro que ainda há pastores que não fazem conchavos políticos ordinários. Seus ministérios não estão à venda. Para a enorme maioria de homens e mulheres como você, a causa de Cristo é mais preciosa que projetos pessoais. Entretanto, não sairei publicamente para defender-lhe. Jesus Cristo afirmou que a sabedoria é justificada por todos os seus filhos (Lc 7.35). Sua vida basta como testemunho. Continue na estrada menos trilhada. Recordo-me daquela experiência que você nos relatou publicamente. Você estava em um megaevento evangélico. Inquieto com o esforço de outros pastores para se sentarem nos primeiros lugares; percebendo que a maior parte do culto fora dedicado à promoção de cantores evangélicos; sabendo que grande parte do auditório sairia dali sem qualquer mudança de vida; revoltado por reconhecer que as estruturas sociais perversas deste país permaneceriam intocadas, você orou: "Deus, quero andar ao lado de gente que te leva a sério". Ele sempre responde preces como essa. Continue caminhando ao lado de líderes que não negociam a ética pelo sucesso, não trocam conteúdos por jargões, não tentam imitar as ações sobrenaturais do Espírito. Alguns domingos atrás, você parecia ansioso. Muitas vezes, nossa ansiedade nasce de comparação. Queremos, inconscientemente, o sucesso, a projeção, a respeitabilidade dos outros. Isso não acontece somente com os ministros do evangelho. Empresários, profissionais liberais, atletas, artistas também caem na armadilha do sucesso. Tentam galgar uma escada imaginária que lhes levará ao triunfo. Só para descobrirem que encostaram sua escada na parede errada. Nesta corrida perversa não existem vencedores. Recordo-me de uma citação de Joseph Addison, mencionada no livro Sete hábitos das pessoas muito eficazes (Stephen R. Covey): "Quando olho para as tumbas dos grandes homens, qualquer resquício de sentimento de inveja morre dentro de mim; quando leio os epitáfios dos magníficos, todos os desejos desordenados desaparecem; quando me deparo com o sofrimento dos pais em um túmulo, meu coração se desmancha de compaixão; quando vejo a tumba dos próprios pais, lembro do quanto é vão chorarmos por aqueles a quem logo seguiremos; quando vejo reis colocados ao lado daqueles que os depuseram, quando medito sobre os espíritos antagônicos enterrados lado a lado, ou os homens sagrados que dividiram o mundo com suas discussões e contendas, medito cheio de dor e surpresa, sobre a pequenez das disputas, facções e debates da humanidade. Quando leio as variadas datas dos túmulos, algumas recentes, outras de seiscentos anos atrás, penso no grande Dia, no qual seremos todos contemporâneos, e faremos nossa aparição conjunta." Pastor, a sedução pelo aplauso é vã. A disputa por respeitabilidade, inútil. O desejo de ter um nome se aproxima da mentalidade dos construtores de Babel. Na proposta de Jesus Cristo há discrição. O sucesso cobra um preço muito alto. Ele mirra nossa alma. Não se afadigue para ser bem-sucedido. Deus não busca desempenho, apenas fidelidade. Ele jamais irá compará-lo a alguém. Seja tão-somente fiel ao que lhe foi confiado. Jesus alicerçou sua identidade na frase que ouviu antes de iniciar seu ministério: "Este é meu filho amado em quem me comprazo". Faça o mesmo. Tome consciência de que é agradável a Deus. Só assim você não se deixará afetar por elogios ou desprezos. Às vezes, preocupo-me que você esteja querendo impressionar outros pastores. Não é preciso. Por causa de Jesus, sabemos que Deus já está satisfeito conosco. Semana passada, observei-o no culto sem paletó e gravata. Ninguém se chocou. Pelo contrário, sentimo-nos mais próximos. Incrível que nesses pequenos detalhes haja tanto significado. Gosto de vê-lo humano. Recordo-me com pormenores todas as vezes que você, sem temor, deixou-nos conhecer suas fraquezas. Ajudou-me a perceber que não luto sozinho contra a carne, o mundo e o diabo. Senti-me fortalecido em saber que somos parceiros de caminhada. Na verdade, eu andava cansado dos pastores que tentam projetar, em suas congregações, uma imagem de super-homens. Tenho pena dos evangelistas que, sem perceberem o ridículo, enxergam-se como semideuses. Será que não notam como é vaidosa essa moda dos pastores se darem títulos e a si mesmos se promoverem? Esqueceram que o discípulo não pode ser maior que o Mestre? Apagaram da lembrança o dia em que a mãe de Tiago e João procurou um lugar de destaque para seus filhos? Diante de seu pedido, Jesus afirmou: "Sabeis que os governadores dos povos os dominam e que os maiorais exercem autoridades sobre eles. Não é assim entre vós; pelo contrário, quem quiser tornar-se grande entre vós, será esse o que vos sirva; e quem quiser ser o primeiro entre vós será vosso servo; tal como o Filho do Homem, que não veio para ser servido, mas para servir e dar sua vida em resgate de muitos." (Mt 20.20-28.) Dispense os títulos. Esteja sempre perto de nós, sua congregação. Aqui você será sempre amado sem precisar de máscara. Quero, por último, agradecer por seus sermões. Ouço o rádio e assisto televisão com regularidade. Sei que não devo, mas faço minhas comparações. Acredito que há uma crise muito grande nos púlpitos evangélicos. Poucos se atrevem a pregar expositivamente as Escrituras. Na proliferação dos sermões tópicos percebe-se a falta de zelo. Reparei, ultimamente, que a maioria dos sermões rodopia no que Deus pode fazer pelas pessoas. Parece que muitos pastores perderam a noção da grandeza e majestade de Deus. Apresentam-no como mero cumpridor dos caprichos humanos. Muito obrigado pelo seu esmero em nos dar todo o conselho de Deus. Suas pregações podem destoar. Mas, continue exaltando a Cristo. Ele atrairá as pessoas a si mesmo. Não caia na tentação de adocicar sua mensagem, tornando o evangelho apenas uma versão simplória da neurolingüística. A mensagem da cruz pode estar fora de moda, mas ainda é o poder de Deus para salvar todo o que crê. Você tem honrado o conselho que Paulo deu a Timóteo: "Prega a palavra, insta, quer seja oportuno, quer não, corrige, repreende, exorta com toda a longanimidade e doutrina. Pois haverá tempo em que não suportarão a sã doutrina; pelo contrário, cercar-se-ão de mestres segundo as suas próprias cobiças, como que sentindo coceira nos ouvidos e se recusarão a dar ouvidos à verdade, entregando-se às fábulas. Tu, porém, sê sóbrio em todas as coisas, suporta as aflições, faze o trabalho de um evangelista, cumpre cabalmente o teu ministério." (2 Tm 4.2-5.) Daqui a cem anos escreverão a história de nossa geração. Nossa comunidade não alcançou a notoriedade de algumas igrejas mais famosas. Mas a vontade de Deus é que demos fruto e que nosso fruto permaneça. Não se preocupe. Caminhe de tal forma que você possa dizer no final de sua jornada: "Combati o bom combate, completei a carreira, guardei a fé" (2 Tm 4.7). A história dirá o resto. Conte comigo sempre, Uma ovelha de seu rebanho". Soli Deo Gloria. Ricardo Gondim é pastor da Assembléia de Deus Betesda, em São Paulo, e presidente do Instituto Cristão de Estudos Contemporâneos.

18/12 - Apologia do desabafo A respeito de meu artigo “Salários baixos que nunca aumentam...” eu queria primeiro me desculpar pelo meu quixotismo. Fui pretensiosa em pensar que é possível mudar todo um sistema, toda uma maneira de pensar com apenas algumas constatações estatístico-históricas. Tenho que aprender a ficar calada como quase todos ficam, enfrentar os erros do sistema sozinha e muda como quase todos nós missionários que colhemos as batatas ou os espinhos do que acontece no sistema religioso. Mas me perdoem os que se ofenderam com as comparações que fiz no início do artigo. Só usei este exemplo (pastores ganham mais que missionários) para enfatizar esta tendência de investirmos mais no que diz respeito direto ao nosso bem estar e não apenas à obra de Deus. Sei que foi um exemplo infeliz pensando que muitos pastores vivem no sufoco, lutando para pagar as contas. Generalização são burras, em geral J... Como bem desabafou o Gondim “a grande maioria dos pastores ganha salários baixos e, como todos os brasileiros, sobrevive heroicamente numa economia perversa”. [1](Pastores também desabafam!!) Não foi minha intenção de maneira nenhuma transformar esta discussão em uma briga de classes, missionários contra pastores... Todos nós sofremos dos duros efeitos do pecado no coração humano, por isto me referi ao “mistério da iniqüidade” o que deve, inclusive, ter arrepiado os cabelos de muitos escatólogos mais sabidos. Obrigada pelo apoio que recebi de muitos, (que veículo maravilhoso é a internet!!) inclusive de um pastor. (Renato Vargens) que me pediu para divulgar o artigo na sua lista pessoal... Obrigada aos missionários que me escreveram também em concordância igualmente apaixonada. À minha apreciada amiga Maristela que repreendeu pelo uso da palavra salário, digo que aceito corrigir a palavra, mas não concordo com mudar o conceito. Deus é quem nos paga sim, mas como disse no parágrafo sobre o “fator Deus”, creio que Ele age através dos homens, e pode também ser limitado em seu agir pela dureza de seus corações... Termino dizendo que desabafar é preciso, brigar não é preciso... Não me entendam mal os irmãos... De uma missionária para seus colegas Bráulia Inês B.Ribeiro [1] No seu artigo De uma ovelha para seu pastor, publicado pela Ultimato.

 

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