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Brasil – O Gigante Adormecido (David Botelho)
 
15 Razões porque este gigante ainda não decolou em missões transculturais
 
‘’...Deitado eternamente em berço esplêndido...’’ – frase do hino nacional brasileiro
 
Pensamento
 
“Hoje em dia muitas pessoas dizem amar Jesus e o seu reino celestial, mas poucos carregam sua cruz. Muitos anseiam pelo conforto que ele traz, mas poucos estão dispostos a enfrentar as provações que seu nome pode trazer. Jesus encontra muitas pessoas que desejam partilhar do seu banquete, mas poucas dispostas a jejuar com ele. Todos querem desfrutar da alegria que ele traz, mas poucos estão dispostos a enfrentar algum sofrimento por causa dele. Muitas pessoas seguem Jesus até o momento de partir o pão, mas poucos chegam a tomar de seu cálice do sofrimento. Muitos admiram os seus milagres, mas poucos seguem-no na indignidade de sua cruz”.
Tomas á Kempis
 
Introdução
 
Em dezembro de 2004, vários líderes de organizações missionárias latinas reuniram-se na Costa Rica. O encontro foi promovido pela Wycliffe, missão especializada no trabalho de tradução da Bíblia. Naquela ocasião pude participar do Fórum de Colaboração para o Impacto das Escrituras. Foi quando percebi a necessidade de escrever uma reflexão, a partir de uma perspectiva latina, que mostrasse a todos os presentes porque o Brasil, que tem um grande potencial missionário, ainda não “decolou”. Minha conclusão é que esse potencial jamais será totalmente alcançado sem que exista uma parceria mais efetiva com a Igreja do hemisfério Norte. Afinal, precisamos enfrentar muitos obstáculos naturais, considerar o tamanho dos desafios e também nossa realidade espiritual.
 
O especialista em missões Peter Wagner declarou, no começo da década de 1990, que o Brasil seria a maior força missionária mundial em 2010 e que 2025 seria a vez da China. Isto ainda não ocorreu e realmente creio que não existem sinais evidentes de que tal previsão se cumpra. Em parte, o problema é a falta de parcerias eficazes entre a Igreja do hemisfério Norte e a Igreja brasileira. Mesmo assim, segundo Patrick Johnstone, o Brasil é terceira nação que mais envia missionários neste momento.
Pensando sobre a situação da China, a previsão de Peter poderá se concretizar, pois a China já vem explorando seu potencial missionário hoje de forma mais ampla e eficaz que o Brasil. Basta lembrar que somente o Movimento Back to Jerusalem pretende levantar 100.000 missionários chineses. O plano é que eles saiam da China percorrendo o trajeto conhecido como “rota da seda”, hoje também chamado de “Janela 35-45” ou Janela Túrquica, até chegar a Jerusalém. Muitas reuniões estão sendo feitas sobre o assunto e o Irmão Yan, um pastor chinês que esteve preso durante mais de 20 anos por pregar o evangelho, está sendo tremendamente usado por Deus para divulgar a visão. O movimento conta com o apoio do escritor Paul Hattaway, que colocou o assunto, de forma jornalística, em evidência nas várias reuniões de parcerias realizadas no mundo para tratar do assunto. Esse tipo de proposta de união no trabalho missionário é algo vital para ajudar no treinamento, na logística e na estratégia daqueles que serão convocados para essa empreitada tão importante e perigosa.
 
Parece que há mais interesse e generosidade da Igreja do hemisfério Norte em relação à Igreja chinesa. Creio que o principal motivo seja o sofrimento que os irmãos chineses enfrentaram por causa da perseguição; algo que, de certa forma, serviu para purificá-la. Além disso, a comunidade chinesa cristã espalhada pelo mundo é rica e pode, certamente, investir no financiamento deste contingente tão corajoso que ainda está passando por um duro treinamento. A perseguição fez deles militantes persistentes da causa de Cristo e, acima de tudo, muito bem-sucedidos na evangelização. Prova disso é a estimativa de que ocorram 27.000 mil conversões na China a cada dia. É importante destacar ainda que, segundo o pesquisador Patrick Johnstone, a maioria desses evangelistas são mulheres, muitas delas ainda adolescentes.
Ao longo dos anos vários escritores fizeram análises sobre a Igreja brasileira partindo da perspectiva do hemisfério do Norte. Alguns deles trabalham no Brasil ou são obreiros nacionais educados dentro de uma filosofia de trabalho típica da Igreja do Norte. Entendo a importância desses escritos, mas sinto que é preciso fazer uma nova leitura do que está acontecendo sob uma perspectiva mais latina.
 
Mudanças no mundo
 
Nos últimos anos, quase da noite para o dia, a América do Sul viu o mundo passar por uma mudança histórica na produção de alimentos, que está transformando o interior quase inexplorado do continente no “novo celeiro” do mundo. Isso não era algo previsto e muito menos aceitável, pois no passado se enfatizava que o bom da exportação era o material processado e não a matéria-prima em si.
Um dos últimos locais do planeta onde ainda existem grandes áreas disponíveis para agricultura, a América Latina (sobretudo o Brasil) tem visto uma verdadeira explosão na exportação de produtos agrícolas na última década. Tal crescimento é alimentado por uma combinação de políticas econômicas pró-mercado e avanços na agronomia. Assim, terras tropicais inutilizáveis foram transformadas em terras produtivas, aumentando os níveis de produtividade a ponto de ultrapassar os Estados Unidos e Europa, o que acabou desafiando o domínio tradicional deles no mercado global de produtos agrícolas.
 
Assim como o profeta Jeremias , não posso me calar diante de tantas razões que atestam a possibilidade de vermos este gigante chamado Brasil “decolar”
Os missiólogos concordam que o século XXI está testemunhando um grande deslocamento no “centro de gravidade” do mundo cristão, indo do norte e oeste em direção ao sul e leste. A realidade incontestável é que em 1960 o hemisfério Norte possuía 75% da membresia da igreja do mundo e o Sul, somente 25%. No ano 2000, esse quadro já estava invertido, pois estima-se que 75% dos cristãos vivem na porção sul do planeta e 25%, no Norte . Os números relativos ao envio de missionários também mudaram nas últimas quatro décadas, mas não na mesma proporção.
 
Anteriormente, quando se falava de um missionário a idéia mais comum era de um americano ou europeu de pele branca. Este quadro hoje mudou e percebe-se que a área de treinamento melhorou sensivelmente no hemisfério Sul. Em grande parte, isso aconteceu como conseqüência do investimento da Igreja do Norte nesta área, bem como da adaptação do treinamento ao contexto latino em muitas escolas.
Para os escritores e estudiosos do hemisfério Norte essa idéia parece algo totalmente novo. Até mesmo os latinos podem duvidar da viabilidade desse tipo de parceira, mas é preciso que a Igreja absorva novas idéias e quebre paradigmas. A verdade é que ainda existe muito a ser feito e o mundo não é mais o mesmo. É preciso identificar o sinal dos tempos e seguir em frente sem estar preso a tradições humanas. O mover de Deus nesse novo tempo é inegável. Politicamente, o Brasil busca estar no centro dessas mudanças, pleiteando uma posição de liderança. Será este um sinal profético para a Igreja Brasileira?
A realidade do Brasil em Missões Transculturais na atualidade
 
O Brasil foi chamado de “cadinho de nações” por causa de seus muitos casamentos inter-raciais. Aqui existe liberdade religiosa e temos um pouco mais de 3.000 missionários transculturais. Pode parecer muito, mas considerando a existência de aproximadamente 54 milhões de cristãos evangélicos, espalhados por 300.000 igrejas, é um número quase irrelevante. Basta lembrar que menos de 500 dessas igrejas têm um missionário trabalhando na região da Janela 10-40 e Além, onde vivem 95% dos povos menos alcançados da Terra e menos de 300 mantêm missionários trabalhando entre os povos indígenas do Brasil.
 
Calcula-se que a cada dia ocorrem em média 7.500 conversões no país, num total de mais de 2.7 milhões por ano. Contudo, a negligência da Igreja Brasileira pode ser vista em próprio solo nacional, pois ainda existem mais de 152 tribos indígenas sem a presença de missionários.
O potencial não explorado
 
A conclusão lógica é que existe um potencial muito grande ainda inexplorado. Existem pouquíssimas igrejas fazendo muito por missões transculturais, mas a maioria não tem feito nada (ou quase nada) para a evangelização mundial. As pessoas só podem se dispor a fazer algo em prol de missões quando são informadas e desafiadas. Quando isso acontece, surgem milhares de candidatos, inclusive com nível universitário concluído, mestrados e até doutorados, interessados em ser treinados para levar o evangelho aos não alcançados.
 
Todos esses fatores devem ser levados em conta ao refletirmos sobre o potencial missionário inexplorado da Igreja brasileira, assim como o perfil da nossa cultura, que influencia o modo de ser e pensar de cada crente brasileiro.
 
As razões porque o Brasil ainda não “decolou”:
 
1 – Cultura individualista
 
Existe um adágio brasileiro bastante conhecido que diz: “Cada um por si e Deus por todos”. Este ditado popular revela uma realidade da situação do país, mostrando que cada um quer fazer suas próprias coisas e tem uma grande dificuldade para realizar um trabalho em equipe.
Isso pode ser fonte de problemas, pois infelizmente há pouca unidade no movimento missionário brasileiro e muito se deve a essa cultura individualista. As organizações missionárias poderiam unir os esforços e fazer muitas atividades juntas. Um bom exemplo é que por mais de dois anos fala-se em produzir uma revista que una todas as agências missionárias do país. O custo seria menor e conseguiríamos uma expressão maior para as necessidades missionárias. As missões que já possuem algum tipo de publicação não conseguem aumentar a tiragem, e acabam produzindo uma tiragem pequena que aumenta os custos. O resultado é que a falta de unidade acaba sendo um grande impedimento para a popularização do material de missões, pois as organizações missionárias e igrejas não trabalham juntas para um objetivo comum.
 
As diferenças denominacionais, principalmente as diferenças existentes entre a forma de trabalhar dos chamados “pentecostais”, “renovados” e “tradicionais”, comprometem o trabalho missionário brasileiro. Se de um lado os membros de igrejas pentecostais valorizam pouco a necessidade de treinamento transcultural e o trabalho de longo prazo, como a tradução da Bíblia para povos não alcançados, por outro lado, os chamados “tradicionais” dão pouca importância a questões como oração e batalha espiritual. Seria maravilhoso se ambos unissem as forças e fizessem um trabalho conjunto para alcançar todas as tribos brasileiras e as regiões do mundo que ainda não têm testemunho efetivo do evangelho.
 
2 - Cultura Nacionalista ou Etnocentrista
 
Várias missões latinas têm se vangloriado de ser totalmente nativas. O pensamento brasileiro, incentivado por norte-americanos e europeus é que esta é “a hora do Brasil”. Alguns chegam ao cúmulo de dizer que a hora da América do Norte e Europa já passou. Isso reflete um orgulho ufanista e totalmente descabido. Seria mais sensato pensar que esta é a hora da Igreja como um todo. Precisamos unir as forças do hemisfério Norte e Sul para terminarmos a tarefa da evangelização mundial. A Grande Comissão não foi entregue a uma nação ou continente específicos, mas à Igreja toda, e deve ser estabelecida na face de todo o planeta.
 
O mundo só vai crer quando formos um. Estas palavras foram pronunciadas na oração sacerdotal de nosso Senhor Jesus Cristo. Creio que esta oração vai ser respondida, mas espero que isso ocorra ainda em nossa geração. O pesquisador Daniel Rickett afirma que nenhuma missão ou igreja pode sobreviver sozinha neste novo milênio. Para as mega-missões, mega-igrejas e as organizações cristãs que ainda estão nascendo, as parcerias interculturais tornaram-se um elemento vital para o sucesso ministerial, principalmente para alcançar regiões “fechadas”, como China, Índia, Norte da África e Oriente Médio. Creio que, mais do que nunca, a força missionária para a evangelização mundial não está apenas nas mãos da Igreja do chamado “mundo dos dois terços”, que inclui África, Ásia e América Latina, mas sim no conjunto total, ou seja, contando com a parceria da igreja do Norte.
 
3 – Falta de projetos dentro da realidade brasileira
 
O pesquisador e especialista em estatística George Barna diz que o mundo mudou e que quem não mudar, morrerá. Lembro também de um provérbio africano que diz: “Os cachorros de ontem não caçam os coelhos de hoje”. A lição mais importante que aprendemos com essas declarações é que os métodos do passado não servem para os dias de hoje. Isso também é verdade em relação aos métodos, estratégias, fórmulas e logística da Igreja do hemisfério Norte, que não servem para o hemisfério Sul.
 
A Bíblia também ensina uma lição semelhante quando relata a indignação do jovem Davi ao ver o gigante Golias desafiando o povo de Israel. O desafio do guerreiro filisteu chegou ao conhecimento do rei Saul e do exército israelense. A primeira providência do rei foi colocar sua armadura pesada no jovem Davi. Isso simboliza a imposição de paradigmas dos poderosos e do uso de métodos pré-estabelecidos. Davi colocou a armadura imediatamente, mas percebeu que era muito pesada e desconfortável para ele. O jovem pastor israelense estava acostumado a lutar e não tinha problemas de auto-estima, por isso disse: “Não posso andar com isto, pois não estou acostumado a fazer as coisas deste modo”. Davi enfrentou o gigante sem usar as armas convencionais do rei Saul e mesmo assim alcançou uma grande vitória, livrando o povo de Israel do exército inimigo ou de uma grande vergonha.
 
As Escrituras também mostram Davi usando a espada de Golias para cortar a cabeça do gigante. Posteriormente ele voltou a usar a mesma espada em algumas de suas batalhas. A experiência que adquiriu nas guerras fez dele um dos maiores especialistas em batalhas da história de Israel e ele chegou a treinar um dos melhores exércitos que seu povo conheceu.
Em resumo, o modelo bíblico indica que para iniciar um ministério não é preciso usar tantos aparatos, mas a necessidade de uso destes vem com o passar do tempo. As organizações baseadas no hemisfério Norte só enviam seus candidatos com o valor total ideal para irem ao campo. Hoje os missionários latinos podem viver bem com cerca de um quinto do sustento requerido pelos missionários vindos do hemisfério Norte.
 
4 – A barreira do idioma
 
Esta é uma grande desvantagem para a Igreja brasileira, que hoje é a terceira maior igreja do mundo em número de membros, atrás somente dos Estados Unidos e China. Poucos líderes nacionais falam inglês fluentemente para se comunicar com líderes internacionais. Em parte, esse é um dos motivos que impede o surgimento de parcerias internacionais mais eficazes, algo vital para o projeto missionário transcultural de levar o evangelho aos povos não alcançados. Por falta de preparo adequado e da fluência em outras línguas, o grande potencial dos missionários brasileiros acaba não encontrando liberdade suficiente para se desenvolver e cumprir o propósito eterno de realizar as boas obras reservadas de antemão a cada um de nós.
 
Hoje em dia existem cerca de 3.000 brasileiros trabalhando em tempo integral como missionários transculturais. Na média, existe um missionário para mais de 150 mil evangélicos do país. Enquanto isso, a Igreja Indiana, que é muito menor e possui menos recursos financeiros, conta com mais de 27.000 missionários transculturais, nove vezes mais que o Brasil.
Deve-se considerar ainda a situação daquela nação, que tem o grande desafio de alcançar os diversos povos e línguas que vivem em seu próprio território, principalmente no norte do país. São mais de 600.000 vilas e cidades, das quais apenas 100.000 possuem ao menos um obreiro cristão. Uma das vantagens nas parcerias feitas pelas missões indianas é que, por causa da colonização inglesa, a grande maioria dos líderes cristãos fala inglês. Além disso, a maioria dos missionários indianos que deseja trabalhar com etnias não alcançadas pode permanecer em sua própria nação. Porém, a lingual geral (inglês) continua sendo um benefício inegável para aqueles irmãos.
O sistema educacional da América Latina não contribui para um bom aprendizado da língua inglesa nas escolas. Muitas vezes o missionário é mal compreendido quando diz que precisa de recursos para estudar inglês fora do país, o que acelera o aprendizado. É preciso mudar essa idéia equivocada de que o missionário não pode considerar o aprendizado do inglês como parte da sua preparação para a obra missionária.
 
5 – Cultura Egoísta
 
Infelizmente, a cultura predominante na liderança evangélica brasileira é egoísta. Somente pensam nos que estão próximos e nas necessidades de suas própria igrejas e/ou denominações. Pesquisas indicam que somente o vergonhoso índice de 1% dos recursos da Igreja no mundo é investido em missões transculturais aos não alcançados. Contra fatos não há argumentos.
Esta realidade é perpetuada na igreja brasileira. As igrejas pentecostais e renovadas, embora sejam conhecidas pelo seu zelo evangelístico, são as que menos contribuem para alcançar pessoas fora do Brasil. A média de contribuição individual para missões transculturais é de apenas R$ 1,30 por ano. Ou seja, cada evangélico brasileiro contribui com menos de um dólar.
 
O Brasil não é um país tão pobre quanto se pensa. Trata-se de uma das 10 maiores economias do mundo. O problema é uma grande discrepância na distribuição da renda nacional. Merece atenção o fato de que a maioria das igrejas que apóia a obra missionária é pequena. A discrepância na distribuição de renda é refletida nas grandes igrejas, que dividem muito mal a sua arrecadação quando se trata de missões. Centenas de igrejas grandes não têm um programa de investimento mensal na obra missionária, estando mais preocupadas com novas construções e o conforto apenas de seus membros. Para ajudar na avaliação de nível de comprometimento, elaboramos uma escala para medir o envolvimento de uma igreja com missões transculturais. Essa escala não se baseia em valores absolutos, mas sim na proporção do investimento em missões comparado ao total de arrecadação mensal. Com ela pretendemos identificar a distribuição de renda dentro das igrejas brasileiras. O patamar mais baixo é o das igrejas omissas (que investem de 0 a 4% de suas entradas em missões transculturais); o seguinte é o das igrejas passivas (com investimento de 5 a 9%); em seguida vêm as igrejas interessadas (que contribuem com 10 a 19%); chegando até a categoria de envolvidas (20 a 29%). A partir daí, pode-se atingir níveis mais positivos: ser amiga de missões (contribuindo com 30 a 39% de seus recursos), apaixonada por missões (investimento de 40 a 49%), culminando com as verdadeiramente comprometidas com missões (que investem mais de 50%). Até agora só encontramos somente duas igrejas que se enquadrariam nesse último nível. Para os que criticam a necessidade de finanças vindas de fora do país, é bom lembrar que a maioria das igrejas pesquisadas não poderia ser chamada nem mesmo de envolvida com missões.
 
6 – Medo desmedido da igreja do Norte
 
As organizações missionárias do hemisfério Norte demonstram um medo desmedido de associar-se com as organizações do Sul. O argumento usado é que se trata de paternalismo. O canadense Oswald Smith percebeu isso e chegou a dizer que: “O nacionalismo se manifesta em quase todos os países, e está dificultando crescentemente a obra missionária. O seu lema é: África para os africanos, Índia para os indianos, e China para os chineses”. Alguns missiólogos baseiam-se em investimentos mal feitos no passado para argumentar que não se deve enviar recursos a nações pobres. Isso vai contra o relato bíblico.
O apóstolo Paulo não era natural da Antioquia, foi para lá a convite de Barnabé e recebeu parte do seu sustento de Filipos. Ele menciona isto de uma maneira especial, dizendo que Filipos foi a única igreja que investiu no seu ministério após ter saído para a Macedônia.
 
Quando penso nisto, vejo a lição extraordinária que os líderes muçulmanos estão nos dando. Eles enviam obreiros avançados de diversas nações, inclusive de países pobres, que são financiados por países muçulmanos ricos, como Arábia Saudita, Líbia, Catar, Emirados Árabes Unidos e outros.
Podemos imaginar um exemplo baseado no que eles estão fazendo. Levantar 4.500 equipes multinacionais com pessoas do hemisfério Sul (que tem abundância de obreiros interessados) e treiná-las para a tradução da Bíblia nas línguas faltantes. Estas equipes seriam compostas de tradutores, alfabetizadores, evangelistas e enfermeiros financiados majoritariamente por nações ricas. Este trabalho seria feito através de uma parceria em que cada país contribuiria proporcionalmente com o salário mínimo vigente em território nacional. Isto seria uma revolução que ajudaria a concluir uma das tarefas mais difíceis da obra hoje, que é a tradução da Bíblia para todas as línguas. Se algo parecido não for feito urgentemente, o alvo proposto pela Visão 2025, de ter um tradutor da Bíblia em cada língua até o ano 2025 será apenas mais um sonho lindo das organizações missionárias.
 
Creio que já chegou a hora de superarmos os modelos vigentes e nossos medos, pois a Igreja do Senhor é feita de muitas partes. Deus distribui dons especiais para a edificação do corpo. A natureza da Igreja é que cada parte distinta deve fazer o seu trabalho de maneira única. Portanto, para que ocorra a expansão da Igreja precisamos de mais obreiros, mais oração, mais contribuições financeiras e mais cuidado pastoral realizados em parceria. Somente assim faremos com que a dinâmica do reino se estabeleça. Um bom livro que aborda essa maneira de trabalhar conjuntamente foi escrito por Daniel Rickett e tem o sugestivo título “Building Strategic Relationships – A Practical Guide to Partnering With Non-Westerner Missions” (Construindo Relacionamentos Estratégicos – Um guia prático para as parcerias com as missões não ocidentais). Infelizmente não dispomos desse material em português, mas ele traz contribuições valiosas, segundo a perspectiva de um membro da Igreja do hemisfério Norte.
K. P. Yohannan, um líder de missões indiano que mora nos Estados Unidos, faz algumas observações importantes sobre essa questão:
 
Cristãos norte-americanos sozinhos, sem muito sacrifício, podem suprir financeiramente todas as necessidades das igrejas no terceiro mundo. Por que nós não podemos gastar pelo menos um décimo do que usamos para nós mesmos na causa da evangelização mundial? Se as Igrejas dos Estados Unidos sozinhas tivessem feito este comprometimento em 1986, haveria 4.8 bilhões de dólares disponíveis para a evangelização mundial. Se a abundância dos americanos me influenciou, a abundância dos cristãos me influenciou mais ainda! Nos Estados Unidos existem 5.000 livrarias evangélicas que vendem artigos religiosos que ultrapassam minha capacidade de imaginação. Tudo isso enquanto mais de 4.000 das 7.148 línguas do mundo ainda estão sem uma única porção da Bíblia na sua própria língua. 80% das pessoas do mundo nunca possuíram uma Bíblia, enquanto os americanos têm em média quatro Bíblias por residência.
 
Se a igreja do Senhor que está no Norte não fizer a sua parte neste processo de parceria, estará omitindo os dons que o Senhor lhe tem dado para contribuir para a expansão do Reino.
Spencer Johnson, autor do best-seller Quem Mexeu No Meu Queijo?, enfatiza a necessidade de mudança de paradigmas em várias áreas da vida. Ele reforça a afirmação categórica do pesquisador cristão George Barna: “Quem não mudar, morrerá”. Vemos a necessidade de mudança de pensamento da Igreja do hemisfério Norte em relação a parcerias com a igreja do Sul, principalmente com as igrejas do Brasil e América Latina. O fato de brasileiros receberem apoio financeiro não os torna dependentes de um país, mas sim da providência de Deus, concretizada pela sua Igreja espalhada pela Terra.
Poderia citar como exemplo, entre vários na América Latina, um casal que investiu dez anos de sua vida no preparo para se tornar tradutor da Bíblia. Eles foram aprovados por sua denominação para ser missionários, mas o maior desafio que têm enfrentado é levantar o sustento integral. Chegaram a pensar que desenvolvendo um ministério local facilmente teriam o sustento depois de algum tempo, o que não aconteceu. No entanto, o ministério vital a que eles se propuseram continua com falta de obreiros única e exclusivamente por não termos estrategistas na área de missões que apresentem propostas concretas para uma mudança de atitude. Se houvesse uma parceria com a Igreja do Norte, exemplos como estes deixariam de existir e a força missionária aos não-alcançados poderia ser multiplicada facilmente em mais de 100 vezes.
 
Edison Queiroz, um experiente pastor e mobilizador de missões transculturais, que pastoreou a 1ª Igreja Batista em Santo André – SP (que foi um modelo em missões nos anos 80), baseado em sua experiência nos EUA, nos traz as seguintes observações:
1. A Igreja Americana está muito voltada para si mesma. Há um movimento de formar mega-igrejas, onde os ministérios são voltados e especializados para as pessoas que vivem ao redor da igreja e o enfoque é somente alcançar a cidade.
 
2. Os americanos não crêem no potencial dos estrangeiros. Eles não consideram que as pessoas alcançadas no campo podem tornar-se missionários.
 
3. Eles têm muito dinheiro, e quando investem no campo querem controlar excessivamente as ofertas.
 
4. Alguns têm muitas tradições quanto à obra missionária que precisam ser quebradas. Por exemplo, a necessidade de ter doutorado para poder ir ao campo, excesso de benefícios para os missionários, etc.
 
5. O denominacionalismo aqui também é exacerbado. Poucas denominações fazem parcerias com outras e também com agencias missionárias.
 
6. Existe também o problema cultural, com uma forte tendência a olharem outras culturas como inferiores
 
7. Tudo isto sem contar todo o background político que tem sido um grande impedimento também.
 
7 – Tradicionalismo
 
O tradicionalismo tem feito que os trabalhos realizados à maneira latina sejam criticados por lideranças conservadoras. Isto tem prejudicado o aparecimento de trabalhos genuinamente latinos. Se quisermos ver latinos chegando aos não-alcançados em grande quantidade, precisamos apoiá-los. A maioria das escolas de treinamento ainda copia currículos de instituições do Norte e procuram impor essa “fórmula” aos latinos.
 
Aqui, uma vez mais, somos remetidos ao relato bíblico referente a Davi, filho de Jessé, no campo de batalha. Todos viram sua coragem e desejo de enfrentar o incircunciso Golias. Assim, a primeira coisa que fizeram foi oferecer-lhe uma armadura pesada que impedia seus movimentos. Sua reação natural foi rejeitá-la. Quando agiu do modo como estava acostumado, sem a armadura, o resultado foi a vitória do povo de Israel num momento crucial de sua história. Davi não ficou preso à tradição e guardou a espada do gigante morto. Posteriormente, usou outras vezes a espada que conquistara até ficar tão acostumado com o manejo dela que chegou a treinar outros soldados. Os homens de Davi formaram o melhor exército da história de Israel. Do mesmo modo, precisamos dar liberdade para os latinos desenvolverem-se aprendendo com seus próprios erros e acertos. Antigamente, missionários estrangeiros acabavam assumindo todas as funções e treinavam poucas pessoas para substituí-los. A proposta agora é acabarmos com esse tipo de tradição humana que não desenvolve todo o potencial dos candidatos. Vemos, então, que a questão financeira é apenas um aspecto da cooperação, que inclui ainda treinamento de qualidade e trabalho conjunto.
 
8 – Diferenças culturais
 
A forma de atuar dos brasileiros é bem diferente da dos povos do Norte. Os brasileiros são mais orientados para o trabalho com pessoas do que com tarefas. Isso já está mudando nas grandes cidades. Mesmo assim, essa característica é muito importante, pois esse é justamente o perfil da maioria dos povos não-alcançados da Terra.
Creio que, com um bom treinamento, poderemos ver equipes mistas, compostas de latinos, europeus e norte-americanos trabalhando juntos para expansão do Reino na face da Terra. Creio que é hora de as organizações investirem não só nos missionários que já estão no campo, mas também no treinamento daqueles que um dia servirão à causa do Senhor.
 
9 – Cultura da Infidelidade
 
Infelizmente, a cultura normal do brasileiro é não cumprir com os compromissos assumidos, o que não implica numa punição visível. Os missionários que dependem de promessas de crentes têm ficado frustrados, decepcionados e muitos deles até mesmo amargurados. O quadro não é muito diferente com as igrejas. Muitas delas enviam seus candidatos com um compromisso assinado, algumas vezes registrado em atas, e o resultado acaba sendo desanimador, pois não raro as promessas não saem do papel.
A mudança de pastor, construção de um templo, método de trabalho da igreja ou uma crise financeira pode ser um argumento forte o suficiente para cortar o sustento do missionário. Assim, o missionário acaba sendo visto como algo descartável ou até mesmo supérfluo. Na maioria das vezes essas mudanças ocorrem sem tempo hábil para um planejamento ou comunicação prévia com o missionário, que pode acabar forçado a abandonar o campo.
 
Fizemos uma pesquisa com um cadastro de 20.000 pesssoas que assinaram um cartão de compromisso de sustento. Os números mostram que a média dos mantenedores fiéis a seu compromisso é de apenas 5%. Vale lembrar que esses compromissos são assinados. Este não é um quadro verificado apenas por nós, mas podemos dizer sem medo de errar que, de uma forma ou de outra, todas as agências sofrem com essa falta de fidelidade. Conversei sobre isso com um líder de outra organização missionária e ele me disse que eles têm trabalhado arduamente na área de fidelização, no entanto somente o mesmo percentual de 5% na fidelidade dos compromissos assumidos é alcançado.
 
10 – Denominacionalismo exagerado
 
Quando se pensa em missões transculturais aos povos não alcançados, é preciso deixar o denominacionalismo exagerado de lado. O trabalho missionário deve ser feito em conjunto em várias frentes.
Somente o trabalho missionário pode unir a Igreja, pois é uma das poucas questões que não gera polêmicas teológicas. Jesus nos alertou que o mundo somente vai crer quando formos um. Muitos líderes preocupam-se em colocar uma placa denominacional acima de tudo. Contudo, eles nem imaginam que em alguns lugares é impossível exibir publicamente o nome da igreja evangélica. Isso sem falar no escândalo que é para algumas culturas verem dois ou mais grupos criticando abertamente um ao outro.
Como seriam nossas igrejas se os missionários que aqui chegaram tivessem a mesma visão? Hoje seríamos meras congregações das igrejas do hemisfério Norte. Há muitas igrejas interessadas em ver suas “extensões” nos países do hemisfério Norte, especialmente entre a comunidade de brasileiros que vivem como imigrantes nos países ricos. Infelizmente, poucas igrejas rompem com esse pensamento e trabalham juntas pela extensão do Reino e não por uma expansão denominacional. Por causa disso, os números mostram que menos de 0,2 % das igrejas brasileiras tem um missionário trabalhando entre os povos não alcançados.
 
Olhando para as Escrituras, não há indícios de que os apóstolos deveriam ficar permanentemente em Jerusalém e governar a Igreja. Tampouco havia o conceito difundido hoje em dia por certos grupos de que “apóstolo” é o líder principal de um grupo de igrejas. Paulo nunca manteve um controle dominador “apostólico” das igrejas implantadas por ele.
 
11 – Cultura do retorno financeiro
 
Por que investir num tradutor da Bíblia para uma língua que ainda não dispõe dela e cujos falantes não conhecem a escrita? Isso não traz retorno financeiro e implica em grande investimento a longo prazo. Essa é a idéia mais comum no contexto brasileiro. Dificilmente lembramos que João Ferreira de Almeida começou a tradução da Bíblia para o português aos 16 anos de idade e morreu sem vê-la concluída.
É impressionante ver o relato de como a Bíblia foi traduzida para a língua tibetana. Foram 90 anos de trabalho árduo e os missionários morávios que começaram o trabalho não o viram ser concluído. A determinação daqueles que se dispõem a ser pioneiros é admirável.
Quando se investe em um obreiro nacional para implantar uma igreja onde já existem muitas outras, o resultado geralmente é rápido. Logo se estabelece uma congregação que muitas vezes envia todos os recursos para a sede. Manter um missionário em campos não-alcançados é caro e dá muito trabalho. Esquecemos daqueles que pagaram o preço para trabalhar em nossa pátria, deixando sua família, cultura e igreja para que nós tivéssemos acesso ao evangelho.
 
Há missionários sendo enviados para lugares onde a comunidade brasileira é forte, principalmente onde há um retorno financeiro rápido, pois almejam alcançar os imigrantes que buscam melhores oportunidades de ganho financeiro. A questão é: por que não existe um investimento proporcional para se alcançar os confins da Terra, principalmente aqueles que nunca ouviram uma vez sequer a mensagem do evangelho? Acaba existindo uma confusão na cabeça de muitas pessoas sobre o que realmente é um trabalho missionário transcultural.
 
Todos os obreiros no reino de Deus são levitas e por isso deveríamos ver o princípio bíblico ser aplicado. A tribo dos levitas recebia 110% de ofertas. A contribuição era 10% de cada uma das outras 11 tribos, que retinham 90%. Este quadro foi mudado e quando foi instituído o dízimo dos dízimos os levitas passaram a ficar com 99%. Mesmo assim recebiam 10% a mais do que as demais tribos. A questão é: “Até que ponto os levitas de hoje são somente os músicos, como pregam muitas igrejas?”
É impressionante ver que os salários dos missionários transculturais parecem ser cortados e diminuídos por qualquer motivo, enquanto o mesmo não acontece com os salários pastorais. No conceito da maioria das igrejas brasileiras, o missionário é visto como uma pessoa de segunda categoria ou um extraterrestre. Essa atitude precisa ser mudada, e para isso é necessário eliminarmos essa cultura do retorno financeiro.
O “normal” para muitas igrejas brasileiras é fazer campanhas para ajudar os missionários. Geralmente elas só conseguem arrecadar artigos que não têm mais nenhuma utilidade, coisas já desgastadas e que dificilmente podem ser usadas pelos missionários. A idéia predominante é de que os missionários são pessoas que não “deram certo” na igreja e por isso são vistos como uma espécie de “cidadãos de segunda classe”
 
12 – Barreira Financeira
 
A distância geográfica entre o Brasil e os povos não-alcançados da Ásia, Oriente Médio, Norte da África e Sahel é muito grande, o que gera maiores necessidades financeiras. Vejamos um exemplo prático: o custo de uma passagem aérea para um britânico visitar um país africano como o Níger corresponde a menos de um salário mínimo da Inglaterra. Enquanto isso, para um brasileiro voar até o Níger o custo é de aproximadamente oito salários mínimos do Brasil. Ou seja, um britânico precisaria trabalhar menos de um mês para viajar, enquanto o missionário brasileiro necessitaria dedicar-se a quase oito meses!
O salário mínimo mensal no Brasil é de aproximadamente 340 dólares americanos. A metade da população brasileira recebe menos de dois salários mínimos por mês. A logística e estratégia para manter um missionário na região dos povos menos alcançados do mundo é caríssima. O líder de uma missão brasileira foi desafiado para o trabalho da China, que tem 490 etnias não alcançadas e cerca de 320 milhões de pessoas que nunca ouviram do evangelho. Ele apenas disse: “Não temos interesse na China porque fica distante e não temos estrutura para dar o cuidado missionário”. Eu disse isso ao líder de uma missão da China e sua resposta foi: “Será que Deus continuará distante dos chineses por causa disso?”
Sem pessoas como o apóstolo Paulo, Hudson Taylor, David Linvigstone, William Carey, Adoniran Judson, Daniel Berg, Gunnar Vingren, William Bagby, Ashbel Simonton, Nájua Dib e Ronaldo Lidório, o que seria de nós e de tantos outros povos? Mas quando lemos sobre a vida desses e de outros homens de Deus, jamais vemos que dinheiro foi uma barreira intransponível, pois o Senhor sempre levantava pessoas para ajudá-los na questão financeira. Dinheiro não pode ser um impedimento para a continuação da obra.
 
13 – Concentração de Poder
 
O sistema das igrejas evangélicas prioriza a entrada de recursos econômicos e não os feligresses. Prova disso é que onde existe retorno financeiro abundante e rápido há uma concentração de igrejas em detrimento dos lugares onde a população é mais pobre.
O Movimento Brasil 2010 tem trabalhado para ver este quadro mudado. Eles realizam pesquisas sobre a realidade religiosa do país com o objetivo de mostrar aos pastores a desproporção na distribuição das igrejas, visando, assim, uma alocação mais eqüitativa de obreiros até o ano 2010. O alvo é ver uma igreja implantada para cada 1.000 habitantes da nação brasileira.
Uma estatística publicada pelo movimento mostra o exemplo de São Caetano do Sul, no estado de São Paulo. Essa cidade briga com Brasília pelo primeiro lugar em renda per capita da nação brasileira. Existem mais de 60 igrejas em somente 15 quilômetros quadrados. Como resultado dessa pesquisa, um pastor deixou uma cidade do interior paranaense para se mudar para São Caetano do Sul!
Quando olho para fatos como este, me admira a pouca atenção dada os desafios da Turquia, por exemplo, país com 70 milhões de pessoas e menos de 2.000 crentes. Em metade dos estados daquela nação não há nenhum obreiro. O que motiva um crente a ir morar onde já existem muitos outros cristãos? O certo não seria as pessoas desejarem levar o evangelho para as regiões onde existem poucos ou mesmo nenhum crente?
 
14 – Liderança centralizadora
 
Na América Latina, principalmente no Brasil, a maioria das igrejas segue o modelo de uma igreja-sede com várias congregações. Isso parece ser herança do sistema católico, onde uma diocese controla várias paróquias.
 
A maioria da liderança das igrejas no Brasil não é participativa, mas sim dominante, seguindo o modelo dos caudilhos. O quadro é o mesmo em toda a América Latina, África e muitos países asiáticos. Infelizmente, a maioria desses líderes não tem demonstrado amor e compaixão pelos povos não alcançados.
 
Pedi a uma missionária para fazer uma pesquisa com os missionários da Horizontes para ver quantos deles foram influenciados por seus pastores para irem aos povos não alcançados. Chegamos à impressionante estatística de que 95% deles não foram incentivados, orientados ou desafiados por seus pastores. O mais estarrecedor de tudo é que vários destes pastores na verdade tentaram dissuadi-los a não aceitarem os desafios dos povos não-alcançados e negligenciados pela igreja. A Horizontes somente recebe os candidatos com o apoio de suas igrejas, por meio de uma carta de apresentação. Portanto, é possível imaginar que a primeira batalha do candidato começa com quem deveria apoiá-lo.
Os líderes principais das sedes não dão nenhuma autonomia às congregações. Então, se tais congregações têm um candidato a missões, ele não pode ter apoio financeiro, pois estará desviando o dinheiro da sede. A realidade é que o investimento per capita do Brasil em missões transculturais é o irrisório valor de apenas R$ 1,30 por ano. Como brasileiro, tenho orado para que os pastores presidentes tenham visão, revelação, sonhos, teofanias ou uma palavra do Senhor para que invistam em missões transculturais.
Também tenho orado e incentivado outros a orar para que o Senhor chame os filhos destes pastores presidentes e empresários para missões transculturais, pois sei que se eles forem aos campos não-alcançados não lhes faltará sustento e poderão influenciar seus pais a mudarem a atitude com relação a missões. Se cada uma destas igrejas investisse somente 10% de suas entradas em missões, ocorreria uma revolução extraordinária jamais vista na história da Igreja.
 
15 - Cultura espiritual
 
Os discípulos conviveram com o Mestre por mais de três anos aqui na Terra. Todos os dias ouviam Jesus lhes ensinando as Escrituras e mesmo assim não as entendiam. Finalmente, o Senhor abriu o entendimento deles para que pudessem compreender as Escrituras, como vemos em Lucas 24: 45-48. O objetivo da ida de Jesus para a cruz era resgatar todos os pecadores para a glória de Deus. Ele cumpriu a sua parte, completou cabalmente a sua missão, e depois passou a tocha aos discípulos, dizendo: “Assim como o Pai me enviou, eu também vos envio” (João 20: 21b). Essa tarefa deveria começar por Jerusalém. Muitos têm ensinado que a Jerusalém simboliza a nossa cidade. É preciso lembrar que os discípulos remanescentes não eram naturais de Jerusalém. Eles eram da Galiléia. O único cidadão da região de Jerusalém foi Judas, o traidor.
 
O ensino do Senhor era que as pessoas, quando se convertiam, deveriam ir primeiro aos seus. Após receberem a preparação do Mestre sobre a Grande Comissão, a visão passada a eles era alcançar todos os povos, tribos línguas e nações. A conclusão óbvia é que deviam ir a Jerusalém porque lá todas as nações do mundo estariam representadas. Isso sempre ocorria na festa de Pentecostes, que naquele ano foi marcada pela descida do Espírito Santo.
 
Os renomados pastores e escritores Andrew Murray e Oswald Smith enfatizavam em seus dias que o maior obstáculo para missões são os próprios pastores. Isso não é diferente em nossos dias.
Posso relatar casos que envolvem vários missionários. Eles constantemente visitam igrejas com o objetivo de levantar os recursos para as passagens ou sustento. Vários pastores aproveitam para levantar ofertas fazendo um apelo dramático para que os crentes dêem tudo o que puderem para a obra missionária e o missionário presente ali. Ao final do culto, alguns desses pastores nem procuram o missionário, enquanto outros dão apenas o dízimo da oferta recolhida. São raros os pastores que demonstram fidelidade quando se trata de ofertas. Conforme afirmavam Andrew Murray e Oswald Smith trata-se de um problema espiritual.
 
Se queremos ver um avivamento missionário nesta nação, devemos orar para que o Senhor abra o entendimento da liderança da Igreja brasileira e eles possam ver além da sua própria região ou paróquia. Que eles possam ter a mesma visão de John Wesley, que disse: “A minha paróquia é o mundo”.
 
Conclusão
 
Muitos líderes nacionais e estrangeiros têm profetizado que o Brasil é um “celeiro de missões”. Isso é verdade, pois trata-se de um celeiro cheio. Mas ele não terá serventia se não for usado para alimentar os povos menos alcançados pelo evangelho. Uma frase do hino nacional brasileiro afirma que o país está “deitado eternamente em berço esplêndido”. Isso também poderia ser aplicado a este país “gigante pela própria natureza” quando se trata de missões transculturais. É preciso despertar o “gigante” de seu “berço esplêndido” e mostrar que ele é também “belo, forte, impávido colosso”.
Para que isso aconteça será preciso empregar uma força descomunal. Esta força terá que vir de um cordão de três dobras , formado pela parceria entre a igreja estabelecida no Norte, a igreja do Sul e o Senhor Jesus. Somente trabalhando juntos, em espírito de oração, poderemos ver o potencial missionário do Brasil ser plenamente desenvolvido.
 
O pastor e líder político Martin Luther King Jr afirmava que: “Esperar que Deus faça tudo enquanto não fazemos nada não é fé, é superstição”. Este esforço tem que ser urgente, pois esta é a época de colheita, em que os adolescentes e jovens estão interessadíssimos em entregar sua vida para a propagação do evangelho entre os não alcançados. Estes jovens brasileiros e latinos que estão sendo recrutados, treinados e enviados aos povos não-alcançados podem viver com um valor 20% menor do que um norte-americano gastaria. Isso sem falar na maior facilidade que os latinos têm de ser aceitos pelo povo local
Creio que se não houver um grande esforço de recrutar, treinar e enviar este contingente o quanto antes, a colheita pode ser perdida. Este esforço tem que ser gigantesco, proporcional ao tamanho do Brasil, que tem dimensões continentais. Para efeitos de comparação, constata-se que o Brasil é maior que toda a Europa e o Leste Europeu juntos. Assim, o planejamento de investimento tem que ser pensado dentro de uma perspectiva continental.
 
Gostaria de concluir este artigo apresentando alguns passos práticos para que ocorra uma mudança verdadeira neste quadro.
 
1 - Devemos criar um movimento nacional de oração para que o Senhor abra os olhos e corações da liderança brasileira para os povos não alcançados. Uma boa maneira de divulgar isso seria produzindo bons vídeos, DVD’s, CDs e livros para despertar pessoas para a realidade de missões. Eles deveriam ser baratos e de fácil acesso, talvez com custo subsidiado. No Brasil alguns livros de missões têm uma tiragem de apenas 1.000 exemplares. Precisaríamos que fossem dezenas de milhares. Essa tiragem pequena encarece os livros e torna seu acesso restrito a uma elite com bom poder aquisitivo. O ideal seria popularizar livros, vídeos e CDs como fez o alemão Martinho Lutero durante a Reforma, que espalhou a Bíblia e seus escritos em seus dias. Levando em conta a experiência que temos com nossa editora, é possível dizer que sem apoio do exterior, muitos bons livros de missões nunca serão publicados em português.
 
2 – Há uma necessidade premente de que líderes brasileiros aprendam o inglês, assim como também seria oportuno que os líderes de organizações internacionais aprendessem o português. Além disso, ambos poderiam procurar aprender a cultura um do outro. Isto pode ajudar no relacionamento que multiplicará a força brasileira e latina em direção aos não alcançados. Parceria é, acima de tudo, relacionamento.
 
3 – As organizações que têm mais recursos poderiam destinar uma boa percentagem deles para sustentar os que desejam ser treinados e enviados aos não alcançados. O maior obstáculo para os candidatos brasileiros em missões transculturais ainda é levantar os recursos para o treinamento e depois levantar o sustento completo para se manterem no campo. Esse problema poderá, creio eu, ser solucionado com parcerias fortes. A cada real ou dólar levantado por um candidato brasileiro, a organização parceira do Norte poderá levantar um valor correspondente, o que dobraria o sustento do candidato.
Para citar um bom exemplo, Waldemiro Tymchak, ex-diretor executivo da Junta de Missões Mundiais dos batistas brasileiros, disse que tinha mais de 300 candidatos para serem treinados e enviados. Porém, os recursos da JMM não são suficientes para atender à grande demanda de candidatos. Imagine se uma convenção estrangeira aceitasse o desafio de fazer uma parceria e levantar a metade dos recursos de 100 candidatos. Depois, se esse exemplo fosse imitado por países como Estados Unidos, Canadá, Finlândia, Suécia ou Alemanha, o resultado seria 300 novos obreiros treinados e enviados para missões transculturais.
 
Outro projeto que devemos investir em missões é formar tradutores da Bíblia. É impressionante e vergonhoso constatarmos que em pleno século XXI ainda existam mais de 2.000 línguas sem nenhuma porção da Bíblia. Enquanto isso, existem muitos candidatos interessados, aprovados e cadstrados, mas que não possuem o sustento mínimo adequado para o treinamento.
Se conseguirmos fazer isso, alcançaremos o alvo proposto pela Visão 2025, que visa ter um projeto de tradução da Bíblia em andamento em todas as línguas que ainda não o possuem até o ano 2025.
 
4 – As organizações interdenominacionais enxutas, que não sobrevivem das taxas de administração
cobradas de seus missionários, têm um grande desafio: levantar recursos para construir estruturas para Centros de Treinamento Transcultural. As igrejas brasileiras não têm a visão de investir em Centros de Treinamento interdenominacionais. Isso tem impedido o aparecimento de mais organizações dedicadas ao treinamento de missionários. As organizações brasileiras já existentes precisam ser apoiadas por outras organizações do Norte que compreendem melhor que investimentos como esse são vitais para a expansão do reino de Deus.
 
Tudo o que foi feito até o momento por organizações interdenominacionais brasileiras é fruto de um esforço descomunal dos obreiros e muita criatividade das lideranças para dar conta do recado. Isso tem consumido muito esforço de mobilização e treinamento e drenado muito da energia dos obreiros. Dividindo nossas forças, ficamos impossibilitados de dedicar-nos à conscientização missionária da igreja brasileira e desenvolvermos as áreas de logística, estratégia, recrutamento, treinamento e cuidado do missionário no campo.
 
Se tivermos um bom planejamento, estratégia, logística, um investimento maciço e um trabalho bem feito nas áreas emblemáticas, poderemos inverter o quadro atual. Reiteramos que nas atuais circunstâncias isso só poderá ser feito em parceria com os irmãos do hemisfério Norte. Esta é a hora de parcerias. Somente juntos poderemos mudar a história de missões.
Termino lembrando a experiência de Oswald Smith, que foi pastor da Igreja dos Povos em Toronto, no Canadá, que chegou a sustentar 800 missionários em seus tempos áureos. Em um de seus livros ele narra a seguinte história:
 
Aconteceu durante a Segunda Guerra Mundial. A França havia se rendido aos alemães. Os Estados Unidos ainda não haviam entrado na guerra. A Grã-Bretanha estava resistindo sozinha, de costas contra a parede, esperando a invasão iminente. Sir Winston Churchill, o primeiro-ministro inglês, resolveu falar diretamente ao povo norte-americano. Eu guiava numa auto-estrada, tendo ao lado minha esposa. Encostei o carro no acostamento e desliguei o motor, a fim de não perder nem uma só palavra de Churchill. O rádio do carro estava sintonizado na BBC de Londres. O primeiro-ministro inglês falou apenas dois ou três minutos, porém declarou algo de que eu jamais me esqueceria, desde aqueles dias até hoje. Sir Winston Churchill, dirigindo-se ao povo norte-americano disse: “Dê-nos as ferramentas, e nós terminaremos o trabalho”.
 
Parafraseando as palavras de Sir Winston Churchill, afirmo que sem parcerias será impossível alavancar as missões transculturais na igreja brasileira e aproveitar o potencial existente. Em contrapartida, se tivermos as ferramentas, junto com a igreja do Norte, poderemos despertar este gigante e tirá-lo do berço esplêndido onde se encontra e assim terminaremos a tarefa a nós encomendada de fazer discípulos de todas as nações.
 
David Botelho
 
Notas bibliográficas
 

PATRICK JOHNSTONE e JASON MANDRICK, Intercessão Mundial. Monte Verde: Horizontes, 2002, p. 134.
PATRICK JOHNSTONE e JASON MANDRICK, Intercessão Mundial. Monte Verde: Horizontes, 2002, p. 171.
Jeremias 4.19
Efésios 2.10.
PATRICK JOHNSTONE e JASON MANDRICK, Intercessão Mundial. Monte Verde: Horizontes, 2002, p. 130.
Revista Visão Global – Ampliando os Horizontes. Monte Verde: Horizontes, 2004, p. 86.
João 17. 21-23
DANIEL RICKETT. Building Strategic Relationships – A Practical Guide to Partnering With Non-Westerner Missions. Enumclaw: Wine Press, p. 11.
Revista Visão Global – Ampliando os Horizontes. Monte Verde: Horizontes, 2004, p. 86.
Conforme os relatos de 1 Samuel
Efésios 2.10
Revista Visão Global – Ampliando os Horizontes. Monte Verde: Horizontes, 2004, p. 87.
Revista Visão Global – Ampliando os Horizontes. Monte Verde: Horizontes, 2004, p. 94.
OSWALD SMITH, O Clamor do Mundo. São Paulo: Vida, 2003, p. 64.
Filipenses 4.15
1 Coríntios 12. 12-27.
K. P. YOHONNAN, Revolution in World Missions. Carrolton: GFA Books, 2003.
João 17.21-23
Revista Visão Global – Ampliando os Horizontes. Monte Verde: Horizontes, 2004, p. 86.
Números 18.26
Lucas 24. 45-48
Eclesiastes 4.12
OSWALD SMITH, Evangelizemos o Mundo. São Paulo: Vida, 2003, p. 18.
 



Finalmente recebi algo que vale a pena ser lido como reflexão e estabelecimento de novos propósitos de vida para este novo ano de 2011. Trata-se de uma palavra missionária profética sobre o Brasil e Missões Transculturais escrita, com sólido embasamento, pelo Pr. David Botelho, diretor da Missão Horizontes. Rinaldo de Mattos
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