A Necessidade Missionária do Mundo Hoje
 Antonia Leonora van der Meer



Qual é a realidade da maioria dos campos missionários pioneiros hoje? São eles  países ou povos onde há guerras, conflitos tribais, perseguição religiosa crescente, regiões dominadas por endemias e doenças perigosas, ou em contextos urbanos dominados pela miséria e violência. Essa realidade exige um lidar específico para poder viver, conviver e ainda ministrar ao povo.

A necessidade de apoio e orientação para situações de risco
              Precisamos preparar e enviar missionários para esse tipo de situação. Porém, muitos tem ido sem o devido preparo, e sem nenhum apoio pastoral nem orientação para enfrentar momentos mais críticos. Ao encontrar um futuro missionário para a África, pergunto se ele está orientado sobre como diminuir as possibilidades de contrair a malária. Muitos não receberam nenhuma orientação. Que o número de missionários brasileiros cresça é uma bênção. Mas nossa responsabilidade para com eles também cresce. Não podemos continuar a repetir os mesmos erros, se isto custa a vida de pessoas e leva outras à experiência de fracasso e de frustração.
              Que tipo de preparo, apoio e orientação temos oferecido aos missionários que vão trabalhar em situações de guerra, perseguição, e outras causas de perigo de vida? Que tipo de orientação eles precisam receber? Existem riscos de seqüestro, de enfermidades graves, de morte. São necessidades desagradáveis de encarar. O que a sua igreja e missão podem fazer nestas situações de risco? Famílias de missionários que morreram no campo ficam revoltadas se o corpo não é trasladado para casa. Mas isso custa uma fortuna! Deveria existir um acordo que o missionário aprova por escrito, de que não espera ser transportado para casa em caso de morte, ou deve ser feito um seguro de vida que garanta esse transporte.
               E quando acontecer um seqüestro? Ceder às exigências dos seqüestradores significa estimular a indústria do seqüestro, o que envolve somas vultosas. Caso consigam entrar em acordo, seu missionário pode ser liberto, mas haverá o perigo de mais seqüestros. Nesse caso as missões deveriam desenvolver bons contatos com negociadores sábios e eticamente corretos, mas também tornar claro para o missionário até que limites poderão ir.
               Em caso de enfermidade grave deve ser feito tudo para socorrer o missionário, mas essa preocupação não pode nascer somente na hora da crise. Já deve existir um plano, um projeto de cobertura. Pode ser convênio com um hospital missionário, ou do governo, ou de um país vizinho. Deus providencia socorros inesperados, mas isso não é motivo para que a retaguarda fique inativa. Quando trabalhava em Angola, eu não tinha nenhum plano, mas quando contraí a malária cerebral fui socorrida por uma missionária canadense, e por um casal de brasileiros, missionários bi-ocupacionais.
              Como o missionário deve se comportar na hora de ser liberto de um seqüestro, ao voltar de uma experiência perigosa num país em guerra, ou com restrições na liberdade religiosa? A tentação será de contar histórias emocionantes no púlpito e em entrevistas públicas Mas, deve-se tomar muito cuidado! Essas histórias vão ser recebidas com entusiasmo pelos ouvintes. Porém, pense nos que ficaram. Como seus relatos podem lhes afetar? Podem levar à prisão, perseguição ou morte das pessoas que foram seus amigos e companheiros naquela terra. Não seria melhor contar suas experiências só para algumas pessoas de confiança, e dizer que não tem nada a declarar em público?

Riscos provocados por palavras e atitudes
Os cuidados não são necessários apenas em casos tão dramáticos. Uma vez falei por duas horas a um grupo de brasileiros sobre minhas experiências em Angola, e um irmão veio me repreender: "Você falou por duas horas, e nem usou a palavra comunista!" Mas eu me propus a falar sempre como se estivessem presentes pessoas do campo entre os ouvintes. Vários marxistas  tornaram-se meus amigos, pude falar com eles sobre minha fé e alguns creram. Alguns colegas falavam sem essa consideração e imaginei o que seus amigos angolanos pensariam se os ouvissem.
              No nosso país parece seguro e as pessoas gostam de relatórios  emocionantes. Se nos preocuparmos demais com o que vamos dizer, como podemos cativar e interessar o público? Porém devemos nos tornar bem prudentes. Podemos e devemos pensar no risco dos nossos missionários. Porém, mais do que isso, devemos nos preocupar com o risco dos irmãos e amigos nacionais. Em alguns poucos países seria possível que um missionário estrangeiro fosse morto, mas matar os nacionais é muito mais simples. A consideração desse risco não significa que vamos deixar de falar do evangelho! Mas devemos fazer o que estiver ao nosso alcance para que não surja nenhuma pedra de tropeço, a não ser a própria cruz de Cristo e o chamado dele para que nos tornemos seus discípulos.
               Precisamos conscientizar nossos missionários antes de enviá-los. E continuar dispostos a ouvi-los, orientá-los, procurar sábios conselheiros, quando possível no campo.

Riscos em Situações de Guerra Extrema
Existe diferença entre a guerra "normal" e a guerra extrema. Durante a guerra "normal" há incidentes, mortes e perigos, mas a vida continua: as crianças vão para a escola, as mães fazem compras ou vendem produtos. Numa situação de guerra extrema ninguém consegue ir ao trabalho, não há loja aberta, não há aulas, ninguém faz negócios. Todos procuram se esconder para evitar as contínuas explosões. Passei pessoalmente por ambas essas situações.
              O que fazemos em situações de guerra extremamente violenta, quando o governo do país e as embaixadas aconselham e organizam a evacuação dos estrangeiros? Há situações quando os missionários podem e devem ficar. É quando há condições mínimas de sobrevivência, de apoio e estabilidade emocional ou quando o missionário está como um ministério chave e os irmãos nacionais pedem: "Por favor, fique conosco". Dou graças a Deus pela vida da Analzira Pereira e Margareth Roth que decidiram arriscar suas vidas para socorrer ao povo do Huambo numa situação de extrema violência, e por meio delas muitas vidas foram salvas física e espiritualmente.
               Porém, há situações graves quando líderes nacionais pedem que o missionário se retire temporariamente porque a sua presença significa maior perigo para os nacionais ou porque o missionário não se sente emocional ou fisicamente capaz de permanecer. Aí é necessário orar muito, e se for necessário ele deverá sair. Sair pode ser tão doloroso quanto ficar. No meu caso houve muita insistência dos nacionais para que eu saísse, após cinco dias de extrema violência, aproveitando a evacuação organizada pelas embaixadas. Mas fiquei por meses em depressão e fisicamente exausta. O fato de não estar no país aumentava o meu sofrimento, lembrando dos que ficaram. O problema maior é quando não há previsão nem provisão feita para essas situações.  Não é justo deixar o peso da responsabilidade da decisão sobre o próprio missionário, numa situação de crise dessa.

Como melhorar o apoio e o preparo
Precisamos começar a trabalhar juntos, as igrejas e missões mais experientes orientando as mais novas em como enfrentar situações de risco. Devemos conscientizar as igrejas de que enviar missionários é um compromisso sério de vida até à morte.
               Devemos trabalhar na formação do caráter, para saber que Deus estará presente na crise e também aprender a ser testemunhas fiéis e instrumentos de bênção em situações de risco. Missionários imaturos, enviados sem preparo para campos de risco podem causar muitos problemas para a obra missionária. O pior que podemos fazer, e infelizmente temos feito, é deixar nossos missionários sem apoio em situações tremendamente críticas, e quando eles voltam ao país são tratados como fracassos. Alguns não recebem compreensão nem ajuda, e muitas vezes nem sustento financeiro. Conheço pessoas que voltaram assim. Alguns, depois de muita luta, superaram os sentimentos de derrota e agora tem um ministério mais maduro. Mas há outros missionários que abandonaram a igreja e se afastaram de Deus. Devemos fazer tudo que está ao nosso alcance para ajudá-los na hora da crise, que pela misericórdia de Deus pode produzir amadurecimento, mas isso não é razão para continuar na irresponsabilidade pastoral.

Conclusão
Todos somos influenciados pela nossa cultura e por isso fazemos coisas que parecem inaceitáveis a pessoas de outras culturas. Por outro lado temos uma humanidade em comum, somos formados à imagem e semelhança de Deus e haverá pessoas dispostas a buscar o nosso bem, a nos servir, a nos receber. Não podemos ser ingênuos. Sejamos símplices como as pombas (abertos para criar confiança) e astutos como as serpentes (de olhos abertos para a realidade).
               Sabemos que a nossa suficiência vem do Senhor, embora isso não seja desculpa para deixar o missionário sem apoio e orientação no campo, nem para enviar pessoas mal preparadas e imaturas. Só porque alguém é missionário não quer dizer que vai dar certo automaticamente. Há muita possibilidade de cometer erros humanos. Vamos confiar totalmente no Senhor e fazer o melhor que está ao nosso alcance.


* Antonia Leonora- Doutoranda em Missiologia pela Asia Graduate School of Theology.  É professora do CEM- Centro Evangélico de Missões.

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